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Fertilização in vitro com injeção intracitoplasmática de espermatozóide em ciclos naturais

In vitro fertilization with intracytoplasmic sperm injection in natural cycles

Resumos

OBJETIVO: avaliar a eficácia da fertilização in vitro (FIV) com injeção intracitoplasmática de espermatozóide (ICSI) em ciclo natural (CN). MÉTODOS: estudo clínico retrospectivo que avaliou 70 ciclos de tratamento em 60 casais que se submeteram ao tratamento de FIV com auxílio da técnica de ICSI em CN em clínica privada de 1999 a 2003. Foi realizada monitorização ultra-sonográfica diária ou em dias alternados, e dosagem de LH urinário a partir de 16 mm de diâmetro folicular. Programada captação oocitária quando o folículo atingiu 18 mm de diâmetro e 36 horas após a administração de gonadotrofina coriônica humana (hCG - 5000UI) quando o teste de LH era negativo. A transferência embrionária foi realizada 48 a 52 horas depois do ICSI. RESULTADOS: foram realizados 70 ciclos de ICSI em 60 pacientes com as seguintes indicações: fator masculino (47,1%), fator tubo-peritoneal (37,1%), fatores associados (8,7%) e infertilidade sem causa aparente (7,1%). Do total de 70 ciclos, 18 foram cancelados (25,7% de taxa cancelamento). Das 52 pacientes que se submeteram à punção ovariana, oócitos maduros foram encontrados em 77% das vezes (40 ciclos). A taxa de fertilização foi de 70% e as taxas de transferência embrionária por punção e por oócito maduro foram de 52 e 67,5%, respectivamente. As taxas de gestação por ciclo iniciado, ciclo puncionado e transferência embrionária foram 11,4, 15,4 e 29,6%, respectivamente. Das oito gestações, sete foram diagnosticadas em pacientes com idade inferior a 37 anos. A única gestação conseguida em pacientes com idade entre 37 e 43 anos evoluiu para abortamento. CONCLUSÕES: ICSI em ciclos naturais parece ser uma opção satisfatória de tratamento, com custos e índice de complicações (gestação múltipla e síndrome de hiperestímulo ovariano) reduzidos. Os resultados são melhores em pacientes mais jovens, com idade inferior a 37 anos.

Fertilização in vitro; Técnicas reprodutivas assistidas; Injeções de esperma intracitoplásmicas; Ciclo menstrual; Oócitos


PURPOSE: to evaluate the efficacy of in vitro fertilization (IVF) with intracytoplasmic sperm injection (ICSI) in natural cycle (NC). METHODS: retrospective clinical trial that evaluated 70 treatment cycles in 60 couples that were submitted to IVF treatment with ICSI in NC performed in private clinic from 1999 until 2003. It was performed daily ultrasound monitorization or on alternate days, and urinary LH dosage when the follicle reached 16 mm of diameter. It was scheduled egg retrieval when the follicle reached 18 mm of diameter and 36 hours after hCG administration when the LH test was negative. Embryo transfer was performed 48 to 52 hours after ICSI. RESULTS: 70 ICSI cycles in 60 patients were performed and the indications of treatment included: male factor (47.1%), tubal factor (37.1%), associated factors (8.7%), unknown infertility (7.1%). Out of 70 cycles, 18 cycles were cancelled (25.7% of cancellation rate). Out of 52 patients that were submitted to ovarian punction to oocyte retrieval we found mature oocytes in 77% of the cases (40 cycles), in four cases we collected immature oocytes and in eight cases we could not found it. We had 70% of fertilization rate and only one fertilized oocyte did not achieve the cleavage stage. So, the transfers rate per punction and per mature oocyte was 52% and 67.5%, respectively. We had 11.4% of pregnancy rate per cycle, 15.4% per punction and 29.6% per embryo transfer. CONCLUSIONS: FIV/ICSI in NC seem to be a satisfactory option of treatment, with low costs and complications (multiple gestation and Ovarian Hyperstimulation Syndrome), mainly in poor responder patients and in poor populations.

Fertilization in vitro; Reproductive techniques; assisted; Sperm injections; intracytoplasmic; Menstrual cycle; Oocytes


ARTIGOS ORIGINAIS

Fertilização in vitro com injeção intracitoplasmática de espermatozóide em ciclos naturais

In vitro fertilization with intracytoplasmic sperm injection in natural cycles

Newton Eduardo BussoI; Cristiano Eduardo BussoII; Leopoldo de Oliveira TsoII; Antonio Pedro Flores AugeIII; Rene Eduardo BussoIV; Luciana BoaroIV; Roberto Adelino Almeida PradoIII

IProfessor do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia (DOGi) da Faculdade de Ciências Médicas da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo – São Paulo (SP), Brasil; Diretor Clínico da Clínica de Fertilidade Conjugal – UNIFERT – São Paulo (SP), Brasil; Diretor Clínico do Laboratório de Reprodução Assistida – Alfa – São Paulo (SP), Brasil

IIMédico Ginecologista da Clínica de Fertilidade Conjugal – UNIFERT – São Paulo (SP), Brasil; Médico Ginecologista do Laboratório de Reprodução Assistida – Alfa – São Paulo (SP), Brasil

IIIProfessor do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia (DOGi) da Faculdade de Ciências Médicas da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo – São Paulo (SP), Brasil

IVEmbriologista da Clínica de Fertilidade Conjugal – UNIFERT – São Paulo (SP), Brasil; Embriologista do Laboratório de Reprodução Assistida – Alfa – São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Newton Eduardo Busso Avenida Angélica, 688, 1º andar CEP 01228-000 – São Paulo/SP Fone/Fax: 55 (11) 38257-880 E-mail: unifert@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: avaliar a eficácia da fertilização in vitro (FIV) com injeção intracitoplasmática de espermatozóide (ICSI) em ciclo natural (CN).

MÉTODOS: estudo clínico retrospectivo que avaliou 70 ciclos de tratamento em 60 casais que se submeteram ao tratamento de FIV com auxílio da técnica de ICSI em CN em clínica privada de 1999 a 2003. Foi realizada monitorização ultra-sonográfica diária ou em dias alternados, e dosagem de LH urinário a partir de 16 mm de diâmetro folicular. Programada captação oocitária quando o folículo atingiu 18 mm de diâmetro e 36 horas após a administração de gonadotrofina coriônica humana (hCG – 5000UI) quando o teste de LH era negativo. A transferência embrionária foi realizada 48 a 52 horas depois do ICSI.

RESULTADOS: foram realizados 70 ciclos de ICSI em 60 pacientes com as seguintes indicações: fator masculino (47,1%), fator tubo-peritoneal (37,1%), fatores associados (8,7%) e infertilidade sem causa aparente (7,1%). Do total de 70 ciclos, 18 foram cancelados (25,7% de taxa cancelamento). Das 52 pacientes que se submeteram à punção ovariana, oócitos maduros foram encontrados em 77% das vezes (40 ciclos). A taxa de fertilização foi de 70% e as taxas de transferência embrionária por punção e por oócito maduro foram de 52 e 67,5%, respectivamente. As taxas de gestação por ciclo iniciado, ciclo puncionado e transferência embrionária foram 11,4, 15,4 e 29,6%, respectivamente. Das oito gestações, sete foram diagnosticadas em pacientes com idade inferior a 37 anos. A única gestação conseguida em pacientes com idade entre 37 e 43 anos evoluiu para abortamento.

CONCLUSÕES: ICSI em ciclos naturais parece ser uma opção satisfatória de tratamento, com custos e índice de complicações (gestação múltipla e síndrome de hiperestímulo ovariano) reduzidos. Os resultados são melhores em pacientes mais jovens, com idade inferior a 37 anos.

Palavras-chaves: Fertilização in vitro; Técnicas reprodutivas assistidas; Injeções de esperma intracitoplásmicas; Ciclo menstrual; Oócitos

ABSTRACT

PURPOSE: to evaluate the efficacy of in vitro fertilization (IVF) with intracytoplasmic sperm injection (ICSI) in natural cycle (NC).

METHODS: retrospective clinical trial that evaluated 70 treatment cycles in 60 couples that were submitted to IVF treatment with ICSI in NC performed in private clinic from 1999 until 2003. It was performed daily ultrasound monitorization or on alternate days, and urinary LH dosage when the follicle reached 16 mm of diameter. It was scheduled egg retrieval when the follicle reached 18 mm of diameter and 36 hours after hCG administration when the LH test was negative. Embryo transfer was performed 48 to 52 hours after ICSI.

RESULTS: 70 ICSI cycles in 60 patients were performed and the indications of treatment included: male factor (47.1%), tubal factor (37.1%), associated factors (8.7%), unknown infertility (7.1%). Out of 70 cycles, 18 cycles were cancelled (25.7% of cancellation rate). Out of 52 patients that were submitted to ovarian punction to oocyte retrieval we found mature oocytes in 77% of the cases (40 cycles), in four cases we collected immature oocytes and in eight cases we could not found it. We had 70% of fertilization rate and only one fertilized oocyte did not achieve the cleavage stage. So, the transfers rate per punction and per mature oocyte was 52% and 67.5%, respectively. We had 11.4% of pregnancy rate per cycle, 15.4% per punction and 29.6% per embryo transfer.

CONCLUSIONS: FIV/ICSI in NC seem to be a satisfactory option of treatment, with low costs and complications (multiple gestation and Ovarian Hyperstimulation Syndrome), mainly in poor responder patients and in poor populations.

Keywords: Fertilization in vitro; Reproductive techniques, assisted; Sperm injections, intracytoplasmic; Menstrual cycle; Oocytes

Introdução

No último quarto do século XX ocorreram grandes avanços na área da medicina reprodutiva. O primeiro e mais importante deles, amplamente divulgado, foi a fertilização in vitro (FIV), com o nascimento de Louise Brown1. Desde então, uma fronteira completamente nova se abriu.

Dentro deste contexto, novas tecnologias e procedimentos têm melhorado gradativamente os resultados da FIV. Dentre estes avanços, as drogas indutoras da ovulação cumprem papel de destaque em todo o processo, não só nas pacientes anovuladoras como nas normo-ovuladoras.

Por outro lado, a indução da ovulação e as técnicas de FIV com a transferência de mais de um embrião trouxeram complicações importantes, como a gemelaridade, os riscos ainda não confirmados de câncer, principalmente de ovário2-4, e a síndrome de hiperestímulo ovariano (SHO), complicação decorrente da hiperstimulação ovariana. Sua fisiopatologia ainda não é totalmente conhecida. Acredita-se, porém, que ocorra aumento da permeabilidade capilar mediada pelo fator de crescimento vásculo-endotelial3,4. A incidência de SHO grave tem sido estimada em 0,2 a 1% de todos os ciclos de reprodução assistida e está associada com mortalidade entre 1:45.000-1:50.000 entre as mulheres submetidas à indução da ovulação5.

As estatísticas do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos mostraram dados alarmantes quanto à incidência de gestações múltiplas, reportando um crescimento de 52% para gemelares, 142% para trigemelares e 123% para quadrigemelares6. Segundo dados da Rede Latino-americana de Reprodução Assistida7, reportados em 2003, a taxa de gestação múltipla foi de 50,7% após procedimentos de reprodução assistida. Desta, 36,9% referem-se às gestações gemelares, 12,7%, trigemelares e 1,1%, de quádruplos, diretamente relacionadas ao número de embriões transferidos7.

As altas taxas de prematuridade e de baixo peso ao nascimento, associadas aos riscos obstétricos, são responsáveis pelo aumento da taxa de morbi-mortalidade entre os recém-nascidos de gestações múltiplas8, assim como pela maior freqüência de lesões neurológicas9.

Outro fato a ser observado refere-se ao impacto econômico para a obtenção de gestações por FIV. A gestação gemelar implica maior risco de prematuridade, o que acarreta maior custo hospitalar e de acompanhamento neonatal. Neste sentido, a redução do número de gestações múltiplas pela transferência eletiva de um embrião economizaria quantidades substanciais de recursos10. Alguns autores11 propõem a transferência de um único embrião, mesmo em ciclos estimulados.

Dentre as condutas empregadas atualmente para diminuir o risco de gestações múltiplas, a utilização de menores doses de indutores da ovulação parece ser boa alternativa. Além desta, nos parece oportuno incluir, nos procedimentos de FIV, a opção do ciclo natural ou espontâneo, atendendo a todos os requisitos de uma só vez.

Neste protocolo, não são utilizados medicamentos indutores da ovulação. É realizada monitorização do ciclo natural por meio de exames ultra-sonográficos, acarretando a seleção natural de um óvulo por ciclo. Este procedimento possibilita a transferência de um único embrião, eliminando assim, o risco de ocorrência da SHO e de gestações múltiplas.

No entanto, este protocolo é caracterizado por taxas de gestação reduzidas. Apesar disto, estudos demonstram resultados animadores com ciclo natural12,13, em torno de 18,8% de taxa de gestação por ciclo iniciado em pacientes com má resposta em ciclos anteriores14.

Estudos recentes15,16 têm recomendado fortemente o emprego da técnica de injeção intracitoplasmática de espermatozóide (ICSI) para todos os casos de FIV. Entre as razões que justificam a indicação da ICSI para todos os casos destacam-se: facilidade de caracterizar o grau de maturação oocitária após a retirada das células da granulosa (denudação) e maior taxa de fertilização do que a FIV clássica.

Nos tratamentos com ciclos naturais, a chance de sucesso varia de acordo com a recuperação oocitária e com a taxa de fertilização de um único oócito, explicitando as vantagens do emprego da ICSI neste estudo.

Motivados por estes resultados, realizamos avaliação retrospectiva da eficácia da FIV com ICSI em ciclos naturais.

Métodos

Estudo clínico retrospectivo no qual se avaliaram 70 ciclos de tratamento de FIV pela técnica de ICSI em ciclos naturais. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Humana da Faculdade de Ciências Médicas da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

As pacientes incluídas neste estudo (n=60) foram recrutadas em clínica privada (Clínica de Fertilidade Conjugal – Unifert) e no Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Ciências Médicas da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo de 1999 a 2003.

Em relação à etiologia da infertilidade, os casais recrutados para este estudo apresentaram infertilidade masculina (33 casos; 47,1%), fator tubo-peritoneal (26 casos; 37,1%), fatores masculinos e femininos associados (seis casos; 8,7%) e infertilidade sem causa aparente (cinco casos; 7,1%). A média de idade e o desvio padrão destas mulheres foram de 35,8±5,4 anos.

Os critérios de inclusão estabelecidos para selecionar as pacientes no presente estudo foram: ciclos menstruais regulares (26-32 dias); exames clínico e ginecológico normais; exame ultra-sonográfico pélvico por via vaginal normal; colpocitologia oncótica normal; idade menor do que 43 anos; ausência de estímulo ovariano anterior ao ciclo de tratamento por pelo menos três meses; exame ultra-sonográfico por via vaginal mostrando pelo menos um dos ovários com acesso fácil à punção; exame ultra-sonográfico por via vaginal na primeira avaliação no início do ciclo de tratamento evidenciando endométrio menor que 5 mm e ausência de cistos ovarianos remanescentes de ciclos anteriores ao ciclo de tratamento; ausência de endometriose suspeita ou previamente diagnosticada; sorologias do casal (hepatites B e C, sífilis e HIV) negativos; dosagem de prolactina normal; análise seminal com número de espermatozóides móveis acima de 5 milhões/mL com o intuito de excluir fator masculino grave. Todas as pacientes foram submetidas ao tratamento após assinatura do termo de consentimento informado.

A monitorização ultra-sonográfica do desenvolvimento folicular foi realizada pelo mesmo examinador. Dosagens de FSH no terceiro dia do ciclo menstrual, assim como as dosagens seriadas de estradiol, não foram incluídas na propedêutica, uma vez que as mulheres incluídas neste estudo apresentavam ciclos eumenorréicos e ovulatórios – fato constatado em ciclos anteriores – e pelo fato de objetivar-se a simplificação do protocolo e diminuição dos custos.

As ultra-sonografias foram realizadas diariamente ou em dias alternados, a partir do oitavo dia do ciclo de acordo com o crescimento folicular. Quando o folículo atingiu 16 mm de diâmetro, dosou-se seriadamente o LH urinário (Ovu-Quick) duas vezes ao dia. Se a dosagem fosse positiva, a punção ovariana era cancelada ou as pacientes eram orientadas quanto à possibilidade de ovulação prematura e à dificuldade de precisar o momento exato da punção. Estas pacientes eram agendadas para avaliação ultra-sonográfica 34 horas após, sendo realizada captação oocitária nas que não tivessem ovulado espontaneamente.

Quando a ultra-sonografia endovaginal evidenciava folículo com 18 mm de diâmetro médio e teste de LH negativo, era administrado 5000 UI de gonadotrofina coriônica humana (Profasi HP-SERONO) por via intramuscular e a punção agendada para 36 horas após a injeção.

Realizada cuidadosa lavagem vaginal com soro fisiológico previamente à captação oocitária com agulha de via única, calibre 16 G, guiada por ultra-sonografia e com auxílio de aspirador. Após a primeira aspiração, quando o oócito não era encontrado, o folículo era distendido com 3 a 5 mL de PBS (phosphate-buffered saline) e o conteúdo reaspirado. Este procedimento foi repetido até seis vezes na tentativa de capturar o oócito.

As células da granulosa foram retiradas de todos os oócitos obtidos para a identificação quanto ao seu grau de maturidade e os oócitos foram submetidos à ICSI após quatro horas.

O sêmen foi obtido por masturbação e submetido ao processamento seminal pela técnica de gradiente descontínuo de densidade para preparo e seleção dos espermatozóides móveis e morfologicamente normais.

Dezoito horas após a ICSI, foi realizada avaliação da fertilização por meio da identificação do segundo corpúsculo polar e presença de dois pro-núcleos. Avaliações morfológicas foram realizadas a partir do estágio de pró-núcleos até o momento da transferência. A checagem quanto ao desenvolvimento embrionário foi realizada depois de 24 horas. Embriões foram morfologicamente avaliados em relação ao número e simetria dos blastômeros e presença de fragmentação17.

Os embriões selecionados foram transferidos entre 48 e 52 horas após a ICSI usando catéter de transferência de Frydman soft com mandril (Laboratoire CCD, Paris, France), orientado por controle ultra-sonográfico realizado por via abdominal. Após a realização da transferência, as pacientes foram mantidas em repouso por 30 minutos e orientadas quanto à manutenção de repouso absoluto por 24 horas. Após este período as pacientes foram liberadas para todas as suas atividades habituais.

Mesmo em se tratando de ciclos naturais, a fase lútea foi suplementada com comprimidos de 200 mg de progesterona micronizada (Utrogestan, Laboratórios Enila) por via vaginal, em dose única diária, iniciada no dia prévio à transferência embrionária, com o intuito de afastar a possibilidade de insuficiência lútea. O uso da progesterona foi mantido até que a paciente apresentasse sangramento menstrual ou até que a realização de duas medidas da subunidade beta de gonadotrofina coriônica, com intervalo de 48 horas entre elas, resultassem negativas. As pacientes grávidas foram orientadas a manter a utilização da progesterona até a 12ª semana de gestação.

As gestações foram documentadas por duas dosagens de b-hCG siricas realizadas no 12º e 14º dia após a transferência, mas confirmadas somente quando os sacos gestacionais foram visualizados por ultra-sonografia por via vaginal e com a identificação do embrião com batimentos cardíacos.

Taxas de fertilização, gestação por ciclo, gestação por punção e gestação por transferência foram analisadas e comparadas entre os grupos de acordo com a faixa etária da paciente por testes não paramétricos (c2). Valores de p<0,05 foram considerados estatisticamente significantes.

Resultados

Dois grupos de estudo foram formados de acordo com a idade da paciente: Grupo Idade Menor (pacientes com idade <37 anos) e Grupo Idade Maior (pacientes com idade >37) anos. Do total de 70 ciclos incluídos no estudo, houve cancelamento antes da punção em 25,7% dos casos (n=18), sendo oito casos em pacientes mais jovens (Grupo Idade Menor) e 10 em pacientes do Grupo Idade Maior. Ovulação antes da punção (n=9), falha na identificação do folículo dominante ao longo da monitorização (n=5), inacessibilidade ovariana (n=1) e opção do casal (n=3) foram as causas dos cancelamentos.

Os 52 casos restantes foram submetidos à punção ovariana, sendo 29 punções (75,5%) realizadas em pacientes do Grupo Idade Menor. Todas as pacientes foram submetidas ao processo de captação do oócito sem nenhum tipo de sedação ou anestesia. Este processo mostrou-se aceitável e, apesar de não fazer parte deste trabalho, as pacientes foram inquiridas quanto à possibilidade da realização de um segundo ciclo de tratamento com punção sem anestesia. Novamente, todas referiram que poderiam repeti-lo da mesma forma.

Oócitos maduros (metáfase II) foram encontrados em 40 casos (76,9%). Dos 12 casos restantes, em oito (66,7%) não foram coletados oócitos e em quatro, estavam no estágio de metáfase I.

Quarenta oócitos metáfase II e quatro oócitos metáfase I foram inseminados pela ICSI, e a taxa média de fertilização normal foi de 70%, sem diferença estatística quando os grupos de pacientes foram comparados (72,7 versus 66,6%; Grupo Idade Menor e Idade Maior, respectivamente, p=0,678).

A transferência de embrião único foi realizada em 27 casos (16 pacientes do Grupo Idade Menor e 11 pacientes do Grupo Idade Maior). As taxas de transferência de embriões por punção e por ciclo iniciado foram de, respectivamente, 50 e 40%. Foram obtidas oito gestações (sete no Grupo Idade Menor e uma no Grupo Idade Maior). As taxas totais de gestação foram de 11,4% por ciclo (8/70), 15,4% por punção ovariana (8/52) e 29,6% por transferência (8/27). As taxas de gestação em relação à idade das mulheres estão demonstradas na Tabela 1.

A única gestação obtida entre as pacientes do Grupo Idade Maior evoluiu para abortamento. Nas pacientes do Grupo Idade Menor, as taxas de recém-nascidos são idênticas às taxas de gestação por ciclo, por punção e por transferência.

Discussão

A fertilização in vitro obteve sucesso inicial há quase três décadas, com a utilização do ciclo natural seguida da coleta do oócito. Tal processo foi abandonado a partir da introdução da estimulação ovariana para aumentar o número de oócitos recrutados. A estimulação ovariana aumentou, de maneira significativa, a taxa de gravidez, mas, por outro lado, aumentou a incidência das complicações como a SHO e da gestação múltipla. Ainda dentro deste contexto, o impacto do uso das drogas indutoras da ovulação nas neoplasias ovariana e de mama ainda precisa ser esclarecido3.

A gestação múltipla é, sem dúvida, a maior causa de morbidade materna e fetal ligada aos processos de reprodução assistida, como conseqüência indireta do estímulo ovariano e direta do número de embriões transferidos. Estes dados impulsionaram as sociedades de medicina reprodutiva e os estudiosos a adotarem medidas preventivas para diminuir a ocorrência destas complicações, como, por exemplo, a utilização de estímulo ovariano mais suave18 e redução do número de embriões transferidos para a cavidade uterina, mantendo taxas de gestação aceitáveis9.

Estas desvantagens, entre outras, fizeram com que muitos investigadores voltassem a pesquisar a FIV em ciclo natural, não só em função das melhorias nas técnicas de recuperação de oócitos, mas também devido aos melhores resultados obtidos nos laboratórios19.

Entre as vantagens oferecidas pela utilização do ciclo espontâneo destaca-se a seleção natural do folículo dominante por meio de mecanismos fisiológicos que levam à seleção do oócito sem interferência farmacológica. Além disso, o endométrio é preparado de forma natural sem os inconvenientes da exposição à concentrações suprafisiológicas de estradiol.

No entanto, é indiscutível a dificuldade encontrada para a coleta dos folículos. Neste sentido, acredita-se que a monitorização do ciclo natural para a recuperação de oócitos torna-se imprescindível. A importância da avaliação dos níveis de LH antes da administração de hCG, antecipando sua aplicação caso haja elevação do LH, também foi demonstrada por outros autores20. A utilização do LH, no nosso trabalho, foi critério de exclusão pela dificuldade de precisar o momento adequado para a punção.

Neste estudo, a técnica escolhida para a fertilização dos oócitos coletados foi a ICSI, que se tornou opção de tratamento para o fator masculino grave21 e para os casos de falhas de fertilização ou baixas taxas de fertilização em ciclos prévios22, na tentativa de diminuir as taxas de falha de fertilização e aproveitar melhor os oócitos coletados.

Fizemos avaliação da taxa de gestação em praticamente um ciclo por paciente, mas a literatura ressalta a importância da realização de séries de tratamento20 que mostram taxas cumulativas de gestação e recém-nascidos vivos, após quatro ciclos, de 46 e 32%, respectivamente, e ainda ressaltam a importância da segurança do tratamento, do menor custo e menor estresse que envolve esta modalidade de FIV. Nesta série, os autores recuperaram 81,6% de oócitos, obtiveram 70% de fertilização e 24% de gestação por transferência, valores semelhantes aos por nós obtidos, respectivamente 84,6, 70 e 29,6%.

Existe também a sugestão de que a melhor indicação de FIV em ciclo natural seria para pacientes com fator tubáreo, pelo fato de ambos os gametas serem normais23. Apesar de não fazer parte do objetivo do nosso trabalho, não notamos diferenças entre os fatores de infertilidade, entretanto o número insuficiente de casos não nos permitiu análise estatística que comprovasse a tendência numérica.

A importância do ciclo natural é colocada em dúvida pela sua baixa eficácia em termos de taxa de gestação por ciclo iniciado com conseqüente alto índice de cancelamento dos ciclos. Em nosso estudo, a taxa total de cancelamento foi de 25,7%. Em relação a esta alta porcentagem de ciclos interrompidos antes da punção, cabe importante reflexão quanto ao significado destes cancelamentos. As pacientes não sofreram nenhum procedimento invasivo, não foram submetidas a nenhuma medicação e o custo do tratamento até a suspensão limitou-se a alguns exames de ultra-sonografia, o que torna esta alta taxa de cancelamento destituída de valor, apesar da carga emocional inerente aos casais independentemente do tipo de técnica.

Quando a eficácia deste tipo de tratamento é medida em termos de taxa de gestação por ciclo, comparada com a de gestação por punção e comparada com a de gestação por transferência, os resultados são animadores, pois, em nosso trabalho, foram encontradas taxas de 11,4, 15,4 e 29,6%, respectivamente. Estes dados são semelhantes aos obtidos por outros estudos na literatura, nos quais os autores mostram taxas de gestação de 12,5, 33 e 50%, respectivamente, e ressaltam que estes números dão suporte à utilização do ciclo natural em FIV, não só pela eficácia mas também pelo baixo custo24. Sem dúvida, resultados mais fidedignos são os demonstrados pelas taxas de gestação por transferência, pois quando o ciclo é cancelado, independentemente do motivo, o tratamento poderá ser reiniciado no mês seguinte.

Extensa revisão da literatura foi realizada11 na qual foram selecionados 20 trabalhos com um total de 1.800 ciclos de FIV com ciclo natural, que resultaram em 819 embriões e 129 gestações (7,2% por ciclo e 15,8% por transferência). Estes dados não puderam ser comparados aos nossos, pela extrema diversidade de número de pacientes, diagnóstico, faixas etárias e ausência de dados quanto à utilização ou não de ICSI. Os autores concluem que a eficácia do ciclo natural em FIV é comprometida pela alta taxa de cancelamento encontrada – mesmo assim, é procedimento de baixo custo, seguro e confortável para as pacientes – e que estudos randomizados e controlados deveriam ser realizados comparando o ciclo natural com os ciclos estimulados.

A FIV com auxílio de ICSI no ciclo natural é uma alternativa de tratamento de baixo custo e com baixo índice de complicações (gestação múltipla e síndrome de hiperestímulo ovariano) para as pacientes com baixo poder aquisitivo ou que não respondem à indução da ovulação.

Recebido: 02/01/2007

Aceito com modificações: 28/06/2007

Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo – São Paulo (SP), Brasil; Clínica de Fertilidade Conjugal – Unifert – São Paulo (SP), Brasil.

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  • Correspondência:
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Jul 2007

    Histórico

    • Recebido
      02 Jan 2007
    • Aceito
      28 Jun 2007
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