Resumos
OBJETIVO:
Analisar os fatores determinantes do diagnóstico em estadio avançado em mulheres com câncer do colo do útero no Brasil.
MÉTODOS:
Estudo transversal de base secundária. Foram incluídas mulheres cadastradas nos Registros Hospitalares de Câncer entre janeiro de 2000 e dezembro de 2009, com câncer do colo do útero invasivo. Foi considerado como desfecho o estadio clínico avançado (≥IIB). Foram estudadas as seguintes variáveis: idade ao diagnóstico, raça ou cor da pele, anos de estudo, estado civil, consumo de álcool, tabagismo, local de residência, ano do diagnóstico, primeiro tratamento recebido e estado ao final do primeiro tratamento. Foram apresentados os valores das odds ratio (OR) com intervalos de confiança de 95% (IC95%) e realizado um modelo de regressão logística. Valores p<0,05 foram considerados estatisticamente significantes.
RESULTADOS:
Foram incluídos 37.638 casos, com média de idade de 52,4±14,1 anos. Estadio clínico avançado foi observado em 70,6% dos casos, associado à presença de carcinoma de células escamosas (OR=1,8; IC95% 1,7-2,0), idade ≥50 anos (OR=1,5; IC95% 1,4-1,6), viver com companheiro (OR=1,3; IC95% 1,2-1,4), cor da pele preta (OR=1,2; IC95% 1,1-1,4) e baixo nível educacional (OR=1,2; IC95% 1,1-1,3).
CONCLUSÃO:
No Brasil, o diagnóstico do câncer do colo do útero ocorre tardiamente. Embora o principal fator associado ao estadio avançado do câncer do colo do útero identificado neste estudo seja de ordem biológica (tipo histológico) e, consequentemente, não seja passível de intervenção, confirmou-se que as disparidades socioeconômicas presentes no país estão associadas ao estadio avançado da doença.
Neoplasias do colo do útero; Fatores de risco; Estadiamento de neoplasias; Brasil
PURPOSE:
To assess the determinants of late stage in women with cervical cancer in Brazil.
METHODS:
A cross-sectional study of secondary basis. Women with invasive cervical cancer enrolled in the Cancer Hospital Registry between January 2000 and December 2009 were included. Late clinical stage (≥IIB) was the outcome considered. The following variables were studied: age at diagnosis, race or ethnicity, years of education, marital status, alcohol consumption, smoking status, place of residence, year of diagnosis, initial treatment received, and status after the first treatment. Odds ratio (OR) with 95% confidence intervals (95%CI) and a logistic regression model were used. P values<0.05 were considered statistically significant.
Results:
37,638 cases were included, with a mean age of 52.4±14.1 years. Late clinical stages were observed in 70.6% of cases and were associated with the presence of squamous cell carcinoma (OR=1.8; 95%CI 1.7-2.0), age ≥50 years (OR=1.5; 95%CI 1.4-1.6), living with a partner (OR=1.3; 95%CI 1.2-1.4), black skin color (OR=1.2; 95%CI 1.1-1.4), and low educational level (OR=1.2; 95%CI 1.1-1.3).
CONCLUSION:
In Brazil, the diagnosis of cervical cancer is a delayed event. Although the main factor associated with late stage of cervical cancer identified in this study is a biological factors (histological type) and, consequently, not eligible for intervention, it was confirmed that socioeconomic disparities in the country are associated with late stage disease.
Uterine cervical neoplasms; Risk factors; Neoplasm staging; Brazil
Introdução
O câncer do colo do útero (CCU) é o terceiro câncer mais incidente no mundo sendo a quarta causa de morte por câncer entre as mulheres11. Jemal A, Bray F, Center MM, Ferlay J, Ward E, Forman D. Global cancer statistics. CA Cancer J Clin. 2011;61(2):69-90.. No Brasil, estima-se que irão ocorrer 15.590 novos casos no ano de 2014, representando o segundo câncer mais frequente no sexo feminino22. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação de Prevenção e Vigilância [Internet]. Estimativa 2014: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 2014. [citado 2014 jan 28]. Disponível em: <http://www.inca.gov.br/estimativa/2014/>
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. As taxas de mortalidade têm permanecido relativamente estáveis nas últimas três décadas, variando de 5,0 por 100 mil mulheres em 1979 para 4,7 por 100 mil mulheres em 201133. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer [Internet]. Atlas de mortalidade por câncer. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 2011. [citado 2014 Abr 23]. Disponível em: <http://mortalidade.inca.gov.br/Mortalidade/>
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. Essas elevadas taxas apontam para falhas no rastreamento e na detecção precoce de lesões precursoras do CCU, o que resulta em diagnóstico em fase avançada da doença e, consequentemente, pior sobrevida11. Jemal A, Bray F, Center MM, Ferlay J, Ward E, Forman D. Global cancer statistics. CA Cancer J Clin. 2011;61(2):69-90..
No que diz respeito à cobertura populacional para exames de rastreamento do CCU no Brasil, o Suplemento Saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizado em 2003 e 2008, mostrou que a proporção da população feminina de 25 a 64 anos que refere ter sido submetida a exame preventivo do CCU nos últimos 3 anos passou de 73,1 para 78,4%44. Brasil. Ministério da Saúde [Internet]. Indicadores de cobertura. Proporção da população feminina de 25 a 64 anos que refere ter realizado o último exame preventivo do câncer do colo do útero nos últimos 3 anos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014. [citado 2014 abr 23]. Disponível em: <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabnet.exe?idb2012/f2201.def>
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. Em outra pesquisa, realizada por telefone, cobrindo a população residente nas capitais do país e no Distrito Federal, o percentual de mulheres entre 25 e 64 anos de idade que informou ter sido submetida à citologia oncótica nos últimos 3 anos passou de 81,8% em 200755. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS [Internet]. Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico - VIGITEL - 2007. [citado 2014 Jan 28]. Disponível em: <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabnet.exe?vigitel/vigitel07.def>
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para 82,3% em 201266. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção de Saúde. Vigitel Brasil 2012: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013.. Entretanto, apesar da crescente cobertura, não se tem observado redução nas taxas de mortalidade por esse câncer no país, o que sugere haver déficit na captura da população susceptível (baixa cobertura), baixa qualidade do exame de Papanicolau e falhas na condução dos casos com lesões suspeitas77. Andrade JM. [ções para o sucesso do rastreamento do câncer de colo no BrasilLimitations of the success of screening for cervical cancer in Brazil]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012;34(6):245-7. Portuguese..
Quanto ao diagnóstico avançado da doença, em geral, seus potenciais fatores de risco estão relacionados ao acesso aos serviços de saúde (o que inclui a distância ou tempo de deslocamento até o serviço de saúde e o ingresso nesses serviços), a fatores socioeconômicos e demográficos (destacando-se a renda, disponibilidade de plano de saúde e tipo de meio de transporte utilizado), além da raça e das disparidades culturais88. Wang F, Luo L, McLafferty S. Healthcare access, socioeconomic factors and late-stage cancer diagnosis: an exploratory spatial analysis and public policy implication. Int J Public Pol. 2010;5(2-3):237-58.. Além disso, mulheres com adenocarcinoma recebem mais frequentemente o diagnóstico em estadios precoces99. Galic V, Herzog TJ, Lewin SN, Neugut AI, Burke WM, Lu YS, et al. Prognostic significance of adenocarcinoma histology in women with cervical cancer. Gynecol Oncol. 2012;125(2):287-91. .
No Brasil, fatores como as faixas etárias extremas (mulheres em idades mais avançadas ou mais jovens), cor da pele preta ou parda, baixa escolaridade, baixa renda familiar, grande número de filhos, ausência de plano de saúde e não ter consultado com um médico nos últimos 12 meses vem sendo associados à não submissão ao exame de Papanicolau, revelando desigualdades no acesso e na cobertura das estratégias de detecção precoce do CCU1010. Martínez-Mesa J, Werutsky G, Campani RB, Wehrmeister FC, Barrios CH. Inequalities in Pap smear screening for cervical cancer in Brazil. Prev Med. 2013;57(4):366-71. Gasperin SI, Boing AF, Kupek E. [Cervical cancer screening coverage and associated factors in a city in southern Brazil: a population-based study] . Cad Saúde Pública. 2011;27(7):1312-22. Portuguese.
11. Bairros FS, Meneghel SN, Dias-da-Costa JS, Bassani DG, Menezes AMB, Gigante DP, et al. Racial inequalities in access to women's health care in southern Brazil. Cad Saúde Pública. 2011;27(12):2364-72.
12. Hackenhaar AA, Cesar JA, Domingues MR. Exame citopatológico de colo uterino em mulheres com idade entre 20 e 59 anos em Pelotas, RS: prevalência, foco e fatores associados à sua não realização. Rev Bras Epidemiol. 2006;9(1):103-11.
13. Martins LFL, Thuler LCS, Valente JG. [Coverage of the Pap smear in Brazil and its determining factors: a systematic literature review]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005;27(8):485-92. Portuguese.-1414. O'Malley CD, Shema SJ, Clarke LS, Clarke CA, Perkins CI. Medicaid status and stage at diagnosis of cervical cancer. Am J Public Health. 2006;96(12):2179-85. . Entretanto, os fatores associados ao estadio avançado do CCU não têm sido abordados em nosso meio. Diante disso, este estudo se propõe a analisar os fatores determinantes do diagnóstico em estadios clínicos avançados em mulheres com CCU no Brasil.
Métodos
Foi realizado um estudo transversal, a partir dos dados dos Registros Hospitalares de Câncer (RHC) disponibilizados pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) e pela Fundação Oncocentro de São Paulo (FOSP), que coletam de forma sistematizada informações sociodemográficas e clínicas das pacientes tratadas em hospitais especializados no diagnóstico e tratamento do câncer em todo o País. Foram incluídas mulheres com câncer invasivo do colo de útero (C53 de acordo com a 3ª edição da Classificação Internacional de Doenças para Oncologia - CID-O), diagnosticadas entre 01 de janeiro de 2000 e 31 de dezembro de 2009, cujo planejamento, tratamento e acompanhamento da doença ocorreram em uma das 239 unidades hospitalares participantes. Foram considerados para inclusão no estudo os tipos histológicos carcinoma de células escamosas (8050-5078, 8083-8084); adenocarcinoma (8140-8141, 8190-8211, 8230-8231, 8260-8263, 8310, 8380, 8382-8384, 8440-8490, 8570-8574, 8576), carcinoma adenoescamoso (8560); e outros carcinomas especificados (8010-8035) com estadio clínico conhecido.
Foram analisadas as seguintes variáveis: idade ao diagnóstico, raça ou cor da pele (classificada de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), anos de estudo, estado civil, consumo de álcool (considerando o consumo de bebida alcoólica por mais de três vezes semanais, independente da quantidade e do total consumido), tabagismo (considerando como fumante quem fumou em qualquer momento da vida), local de residência, ano do diagnóstico, primeiro tratamento recebido e estado ao final do primeiro tratamento. Foi considerado como desfecho o estadio clínico avançado (IIB ou mais de acordo com a Classificação TNM da União Internacional Contra o Câncer).
Foi realizada análise descritiva das características da população do estudo por meio da determinação das medidas de tendência central e de dispersão para as variáveis contínuas e de frequência absoluta e relativa para as variáveis categóricas. Para avaliação dos fatores determinantes do estadio clínico avançado, foram estimados os valores das odds ratio (OR), com intervalos de confiança de 95% (IC95%) e respectivos valores p. As variáveis que apresentaram significância estatística (p<0,05) ou clínica nessa análise foram incluídas na análise de regressão logística pelo método Stepwise Forward para confecção do modelo final. Foi utilizado o programa estatístico SPSS versão 17.0.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Nacional de Câncer (INCA) (Registro CEP 128/11 e CAAE - 0104.0.007.000-11).
Resultados
Um total de 37.638 casos de CCU foi registrado no período de 01 de janeiro de 2000 a 31 de dezembro de 2009. Mais de 60% dos casos (61,8%) se referia ao primeiro quinquênio (2000-2004) do estudo. As mulheres apresentavam em média 52,4±14,1 anos de idade ao diagnóstico. A maioria era da raça ou cor da pele parda ou preta (58,9%), tinha baixa escolaridade (74,9%), era casada (50,8%) e residia nas capitais (74,4%) (Tabela 1). Além disso, 83,4% apresentaram carcinomas de células escamosas e com predomínio do estadio III (39,5%) no momento do diagnóstico (Tabela 1). A proporção de mulheres diagnosticadas em estadio avançado da doença foi maior do que a de mulheres no estadio inicial (70,6% versus 29,4%). A maior frequência de casos em estadio avançado ocorreu na faixa etária de 45 a 49 anos (Figura 1). A principal modalidade terapêutica foi a radioterapia isolada (43,4%), seguida de radioterapia associada à quimioterapia (22,2%), cirurgia isolada (12,0%) e cirurgia associada à radioterapia (8,2%). Outras modalidades foram empregadas em 10,4% das mulheres, enquanto que em 3,8% dos casos não foi utilizado nenhum tratamento específico. Ao avaliar os tipos de tratamento conforme o estadio clínico, observou-se que no estadio I predominou a cirurgia isolada, enquanto que a radioterapia isolada ou associada à cirurgia ou quimioterapia foram os tratamentos mais indicados nos estadios II, III e IV. Ao final do primeiro tratamento, 35,0% das mulheres encontrava-se sem evidência de doença e 41,7% apresentava doença estável ou em remissão parcial. Óbito foi registrado em 15,0% dos casos.
Distribuição da idade das pacientes com câncer invasivo do colo do útero no Brasil, 2000-2009
Na análise univariada, todas as variáveis apresentaram associação significante com o desfecho, exceto tabagismo e consumo de álcool (Tabela 2). Para mulheres com idade entre 30 e 39 anos, a chance de ter doença avançada foi 10% (OR 1,1; IC95% 1,0-1,5) maior do que nas mais jovens, aumentando gradativamente até 2 vezes (OR 2,2; IC95% 1,7-2,6) para a faixa etária 60 anos ou mais. Mulheres de cor preta (OR 1,2; IC95% 1,1-1,4), com baixa escolaridade (OR 1,4; IC95% 1,3-1,5) e as sem companheiro (OR 1,3; IC95% 1,2-1,4) apresentaram maior chance de ter estadio avançado do que as demais. Além disso, o estadio avançado esteve associado aos carcinomas de células escamosas (OR 1,8; IC95% 1,8-1,9). Por outro lado, mulheres residentes nas capitais do país apresentaram menores chances de apresentar doença avançada quando comparadas às residentes nos demais municípios (OR 0,9; IC95% 0,9-1,0).
Fatores preditores de estadio avançado nos casos de câncer invasivo do colo do útero no Brasil, 2000-2009
A análise de regressão logística mostrou que as variáveis idade (OR 1,5; IC95% 1,4-1,6), raça ou cor da pele (OR 1,2; IC95% 1,1-1,4), escolaridade (OR 1,2; IC95% 1,1-1,3), estado conjugal (OR 1,3; IC95% 1,2-1,4) e tipo histológico (OR 1,8; IC95% 1,7-2,0) se mantiveram associadas de forma independente ao desfecho (Tabela 3).
Discussão
As bases de dados consultadas se referem a um grande número de casos de câncer invasivo do colo do útero (n=37.638 mulheres) e de unidades hospitalares (n=239), o que faz deste o maior e mais abrangente estudo já realizado no país. Embora reconhecidos como importante fonte de informação, os dados dos RHC não têm sido amplamente explorados, subestimando-se seu importante potencial em identificar virtuais disparidades no acesso, diagnóstico e tratamento de pacientes com câncer. Visando preencher essa lacuna do conhecimento, este estudo mostrou que menos de 30% dos casos de CCU diagnosticados no país se encontram nos estadios iniciais e apontou para fatores que atuam como barreiras para que o diagnóstico da doença se dê nas suas fases iniciais.
Neste estudo, 70,6% das mulheres foram diagnosticadas em estadio avançado (≥II B) da doença. Realidade distinta tem sido observada em países desenvolvidos, como nos Estados Unidos da América (EUA), onde na década de 1990, estudo desenvolvido na Califórnia identificou doença regional ou com metástase a distância ao diagnóstico em 44% das 4.682 mulheres investigadas1515. Leyden WA, Manos MM, Geiger AM, Weinmann S, Mouchawar J, Bischoff K, et al. Cervical cancer in women with comprehensive health care access: attributable factors in the screening process. J Natl Cancer Inst. 2005;97(9):675-83. . Outro estudo, com dados de 7 planos de saúde, mostrou que, das 833 pacientes diagnosticadas com CCU entre 1995 e 2000, 65% apresentava doença localizada, 25% apresentava doença regional e que somente em 7% foram observadas metástases a distância1616. Enewold L, Zhou J, McGlynn KA, Devesa SS, Shriver CD, Potter JF, et al. Racial variation in tumor stage at diagnosis among Department of Defense beneficiaries. Cancer. 2012;118(5):1397-403. . Em outra pesquisa norte-americana1717. Kaku M, Mathew A, Rajan B. Impact of socio-economic factors in delayed reporting and late-stage presentation among patients with cervix cancer in a major cancer hospital in South India. Asian Pac J Cancer Prev. 2008;9(4):589-94., envolvendo 1.048 casos de CCU diagnosticados entre 1990 e 2003, provenientes de 9 registros do SEER, programa Surveillance, Epidemiology, and End Results do National Cancer Institute, apenas 17,1% das mulheres apresentava doença regional ou com metástase a distância.
Por outro lado, ao considerar como doença avançada apenas os tumores nos estadios III e IV, valores semelhantes aos descritos neste estudo (46,6% das pacientes se encontravam nos estadios III e IV) foram encontrados na Índia (50,4%)18 18. Berraho M, Obtel M, Bendahhou K, Zidouh A, Errihani H, Benider A, et al. Sociodemographic factors and delay in the diagnosis of cervical cancer in Morocco. Pan Afr Med J. 2012;12:14.e Marrocos (54,5%)1919. Ibrahim A, Rasch V, Pukkala E, Aro AR. Predictors of cervical cancer being at an advanced stage at diagnosis in Sudan. Int J Womens Health. 2011;3:385-9. . Situação ainda mais grave foi descrita no Sudão2020. Thuler LCS, Mendonça GA. [Initial staging of breast and cervical cancer in Brazilian women]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005;27(11):656-60. Portuguese., onde não há programa de rastreamento e 72% das mulheres apresentava doença nesses estadios. No Brasil, pesquisa envolvendo 89 hospitais e 7 serviços isolados de quimioterapia ou radioterapia mostrou que, entre 1995 e 2002, 45,5% das 29.263 mulheres com CCU apresentavam doença nos estadios III ou IV2121. Calazan C, Luiz RR, Ferreira I. O diagnóstico do câncer do colo uterino invasor em um centro de referência brasileiro: tendência temporal e potenciais fatores relacionados. Rev Bras Cancerol. 2008;54(4):325-31., o que se manteve praticamente estável no presente estudo contemplando dados da década seguinte. Em outro estudo, envolvendo 4.877 pacientes diagnosticadas em uma única instituição no Rio de Janeiro, entre 1999 e 2004, observou-se que percentual menor (39,7%) dos casos de câncer invasor com estadio conhecido se encontrava nos estadios III e IV, o que pode refletir as especificidades da instituição onde foi conduzida a pesquisa2222. Mascarello KC, Silva NF, Piske MT, Viana KCG, Zandonade E, Amorim MHC. Perfil sociodemográfico e clínico de mulheres com câncer do colo do útero associado ao estadiamento inicial. Rev Bras Cancerol. 2012;58(3):417-26.. Já em Vitória, Espírito Santo, estudo envolvendo 964 mulheres mostrou que metade das mulheres com CCU atendidas em instituição de referência apresentava doença em estadio tardio (estadios III e IV)2323. Herbert A, Singh N, Smith JA. Adenocarcinoma of the uterine cervix compared with squamous cell carcinoma: a 12-year study in Southampton and South-west Hampshire. Cytopathology. 2001;12(1):26-36.. Entretanto, essas cifras nos distanciam das realidades descritas na Inglaterra2424. Fedewa SA, Cokkinides V, Virgo KS, Bandi P, Saslow D, Ward EM. Association of insurance status and age with cervical cancer stage at diagnosis: National Cancer Database, 2000-2007. Am J Public Health. 2012;102(9):1782-90. entre 1985 e 1996 e nos EUA2525. Ferrante JM, Gonzalez EC, Roetzheim RG, Pal N, Woodard L. Clinical and demographic predictors of late-stage cervical cancer. Arch Fam Med. 2000;9(5):439-45. entre 2000 e 2007, onde 23,8 e 29,8% dos casos, respectivamente, foram detectados nos estadios III e IV.
O principal fator associado ao estadio avançado do CCU foi a presença de carcinoma de células escamosas. Na Califórnia1515. Leyden WA, Manos MM, Geiger AM, Weinmann S, Mouchawar J, Bischoff K, et al. Cervical cancer in women with comprehensive health care access: attributable factors in the screening process. J Natl Cancer Inst. 2005;97(9):675-83. , a presença dos tipos histológicos adenocarcinoma e carcinoma adenoescamoso reduziu, respectivamente, em 43 e 11% a probabilidade de apresentar doença em estadio avançado ou desconhecido. Outro estudo norte-americano confirmou que os adenocarcinomas e os carcinomas adenoescamosos eram menos frequentemente associados à doença nos estadios II e III2525. Ferrante JM, Gonzalez EC, Roetzheim RG, Pal N, Woodard L. Clinical and demographic predictors of late-stage cervical cancer. Arch Fam Med. 2000;9(5):439-45.. Esse dado foi também confirmado em outro estudo conduzido no Brasil2323. Herbert A, Singh N, Smith JA. Adenocarcinoma of the uterine cervix compared with squamous cell carcinoma: a 12-year study in Southampton and South-west Hampshire. Cytopathology. 2001;12(1):26-36..
Nos países desenvolvidos, mulheres com mais idade têm sido mais frequentemente diagnosticadas em estadio avançado do que aquelas mais jovens1515. Leyden WA, Manos MM, Geiger AM, Weinmann S, Mouchawar J, Bischoff K, et al. Cervical cancer in women with comprehensive health care access: attributable factors in the screening process. J Natl Cancer Inst. 2005;97(9):675-83. ,1717. Kaku M, Mathew A, Rajan B. Impact of socio-economic factors in delayed reporting and late-stage presentation among patients with cervix cancer in a major cancer hospital in South India. Asian Pac J Cancer Prev. 2008;9(4):589-94.,2323. Herbert A, Singh N, Smith JA. Adenocarcinoma of the uterine cervix compared with squamous cell carcinoma: a 12-year study in Southampton and South-west Hampshire. Cytopathology. 2001;12(1):26-36.,2525. Ferrante JM, Gonzalez EC, Roetzheim RG, Pal N, Woodard L. Clinical and demographic predictors of late-stage cervical cancer. Arch Fam Med. 2000;9(5):439-45., o que foi confirmado neste estudo. Estima-se que para cada ano adicional na idade a chance de ter o diagnóstico com carcinoma em estadio avançado aumente em 3%2626. Virnig BA, Baxter NN, Habermann EB, Feldman RD, Bradley CJ. A matter of race: early-versus late-stage cancer diagnosis. Health Aff (Millwood). 2009;28(1):160-8.. Nos EUA, a idade se mostrou o principal preditor de doença moderada (estadio II) e avançada (estadio III), o que foi atribuído à baixa cobertura do rastreamento, à não recomendação pelo médico e à procrastinação do exame de rastreamento pela mulher. Além disso, discute-se o papel da deficiência de células da zona de transformação nas mulheres mais idosas2525. Ferrante JM, Gonzalez EC, Roetzheim RG, Pal N, Woodard L. Clinical and demographic predictors of late-stage cervical cancer. Arch Fam Med. 2000;9(5):439-45.. Outros aspectos que devem ser considerados são o fato das mulheres com mais idade não buscarem os serviços de ginecologia na pós-menopausa, particularmente nas áreas rurais onde os serviços são menos acessíveis2020. Thuler LCS, Mendonça GA. [Initial staging of breast and cervical cancer in Brazilian women]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005;27(11):656-60. Portuguese.,2626. Virnig BA, Baxter NN, Habermann EB, Feldman RD, Bradley CJ. A matter of race: early-versus late-stage cancer diagnosis. Health Aff (Millwood). 2009;28(1):160-8.. Entretanto, em estudos realizados em países em vias de desenvolvimento1818. Berraho M, Obtel M, Bendahhou K, Zidouh A, Errihani H, Benider A, et al. Sociodemographic factors and delay in the diagnosis of cervical cancer in Morocco. Pan Afr Med J. 2012;12:14.,1919. Ibrahim A, Rasch V, Pukkala E, Aro AR. Predictors of cervical cancer being at an advanced stage at diagnosis in Sudan. Int J Womens Health. 2011;3:385-9. a idade não se mostrou associada ao estadio avançado.
Outro aspecto destacado neste estudo é que mulheres vivendo com companheiro apresentaram mais frequentemente doença avançada. Outros autores mostraram que mulheres não casadas1515. Leyden WA, Manos MM, Geiger AM, Weinmann S, Mouchawar J, Bischoff K, et al. Cervical cancer in women with comprehensive health care access: attributable factors in the screening process. J Natl Cancer Inst. 2005;97(9):675-83. ,2626. Virnig BA, Baxter NN, Habermann EB, Feldman RD, Bradley CJ. A matter of race: early-versus late-stage cancer diagnosis. Health Aff (Millwood). 2009;28(1):160-8., solteiras1919. Ibrahim A, Rasch V, Pukkala E, Aro AR. Predictors of cervical cancer being at an advanced stage at diagnosis in Sudan. Int J Womens Health. 2011;3:385-9. , viúvas e divorciadas1818. Berraho M, Obtel M, Bendahhou K, Zidouh A, Errihani H, Benider A, et al. Sociodemographic factors and delay in the diagnosis of cervical cancer in Morocco. Pan Afr Med J. 2012;12:14.,1919. Ibrahim A, Rasch V, Pukkala E, Aro AR. Predictors of cervical cancer being at an advanced stage at diagnosis in Sudan. Int J Womens Health. 2011;3:385-9. foram mais frequentemente diagnosticadas em estadio avançado, enquanto que outro estudo2020. Thuler LCS, Mendonça GA. [Initial staging of breast and cervical cancer in Brazilian women]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005;27(11):656-60. Portuguese. não mostrou associação entre estado civil e estadio da doença.
Os resultados mostraram ainda que mulheres da raça ou cor da pele preta eram mais frequentemente diagnosticadas em estadio avançado. Esse aspecto tem sido alvo de inúmeros estudos. Nos EUA27, brancos foram diagnosticados em estadios mais precoces do que negros para 31 dos 34 tumores analisados, incluindo o CCU. Também no Sudão, mulheres de etnia africana apresentaram-se mais frequentemente com doença avançada do que aquelas de etnia árabe2020. Thuler LCS, Mendonça GA. [Initial staging of breast and cervical cancer in Brazilian women]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005;27(11):656-60. Portuguese.. Entretanto, entre as mulheres norte-americanas, quando a análise foi estratificada por tipo de seguro saúde, somente as mulheres afro-americanas com seguro privado e as mais idosas com Medcare tinham riscos significativamente maiores, comparadas àquelas sem seguro, àquelas asseguradas pelo Medicaid e às mais jovens asseguradas pelo Medcare2525. Ferrante JM, Gonzalez EC, Roetzheim RG, Pal N, Woodard L. Clinical and demographic predictors of late-stage cervical cancer. Arch Fam Med. 2000;9(5):439-45.. Em outro estudo nos EUA, a raça ou etnia também deixou de se associar à presença de doença em estadio avançado ou desconhecido quando os resultados foram ajustados por outros fatores1515. Leyden WA, Manos MM, Geiger AM, Weinmann S, Mouchawar J, Bischoff K, et al. Cervical cancer in women with comprehensive health care access: attributable factors in the screening process. J Natl Cancer Inst. 2005;97(9):675-83. , o que também ocorreu no estudo envolvendo militares norte-americanos da ativa1717. Kaku M, Mathew A, Rajan B. Impact of socio-economic factors in delayed reporting and late-stage presentation among patients with cervix cancer in a major cancer hospital in South India. Asian Pac J Cancer Prev. 2008;9(4):589-94.. Essa diferença tem sido atribuída ao desconhecimento, à pobreza e ao pouco acesso aos serviços de saúde e à falta de plano de saúde2020. Thuler LCS, Mendonça GA. [Initial staging of breast and cervical cancer in Brazilian women]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005;27(11):656-60. Portuguese..
Por fim, o baixo nível educacional mostrou ser um fator associado ao estadio avançado. Esses resultados confirmam observações advindas de estudos na Índia1818. Berraho M, Obtel M, Bendahhou K, Zidouh A, Errihani H, Benider A, et al. Sociodemographic factors and delay in the diagnosis of cervical cancer in Morocco. Pan Afr Med J. 2012;12:14., no Marrocos1919. Ibrahim A, Rasch V, Pukkala E, Aro AR. Predictors of cervical cancer being at an advanced stage at diagnosis in Sudan. Int J Womens Health. 2011;3:385-9. e em Vitória2323. Herbert A, Singh N, Smith JA. Adenocarcinoma of the uterine cervix compared with squamous cell carcinoma: a 12-year study in Southampton and South-west Hampshire. Cytopathology. 2001;12(1):26-36.. De forma diversa, estudos no Sudão2020. Thuler LCS, Mendonça GA. [Initial staging of breast and cervical cancer in Brazilian women]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005;27(11):656-60. Portuguese. e na Flórida2626. Virnig BA, Baxter NN, Habermann EB, Feldman RD, Bradley CJ. A matter of race: early-versus late-stage cancer diagnosis. Health Aff (Millwood). 2009;28(1):160-8. não mostraram significância estatística para essa associação.
Este estudo apresenta algumas limitações que podem ter influenciado seus resultados. Em primeiro lugar, uma vez que foram utilizadas bases de dados secundárias geradas por diversos RHC do país, é possível que tenha havido viés de informação, sobretudo no que diz respeito à classificação histológica dos tumores, já que não houve revisão dos casos. Outra variável susceptível a um viés de informação é o estadiamento clínico dos casos. Embora o país adote a classificação TNM, sua determinação está sujeita à disponibilidade de exames complementares no momento do seu registro em prontuário e da experiência do médico responsável pelo atendimento do paciente. Para minimizar essas distorções, o INCA e a FOSP promovem treinamentos frequentes a fim de garantir a qualidade da coleta e digitação dos dados. Além disso, importantes preditores de diagnóstico em estadio avançado apontados por outros autores1010. Martínez-Mesa J, Werutsky G, Campani RB, Wehrmeister FC, Barrios CH. Inequalities in Pap smear screening for cervical cancer in Brazil. Prev Med. 2013;57(4):366-71. Gasperin SI, Boing AF, Kupek E. [Cervical cancer screening coverage and associated factors in a city in southern Brazil: a population-based study] . Cad Saúde Pública. 2011;27(7):1312-22. Portuguese. ,1515. Leyden WA, Manos MM, Geiger AM, Weinmann S, Mouchawar J, Bischoff K, et al. Cervical cancer in women with comprehensive health care access: attributable factors in the screening process. J Natl Cancer Inst. 2005;97(9):675-83. ,1919. Ibrahim A, Rasch V, Pukkala E, Aro AR. Predictors of cervical cancer being at an advanced stage at diagnosis in Sudan. Int J Womens Health. 2011;3:385-9. ,2525. Ferrante JM, Gonzalez EC, Roetzheim RG, Pal N, Woodard L. Clinical and demographic predictors of late-stage cervical cancer. Arch Fam Med. 2000;9(5):439-45.,2626. Virnig BA, Baxter NN, Habermann EB, Feldman RD, Bradley CJ. A matter of race: early-versus late-stage cancer diagnosis. Health Aff (Millwood). 2009;28(1):160-8. não puderam ser estudados, já que não havia dados disponíveis a respeito de sintomas, local de residência (rural versus urbana ou distância até o centro de diagnóstico), plano de saúde e história familiar de câncer. Por outro lado, é importante destacar como pontos positivos deste estudo o grande número de casos analisados, a inclusão de hospitais especializados no atendimento do câncer de todas as regiões do país e a oportunidade de utilizar bases de dados secundárias como fonte de informação científica e para a gestão das redes de atenção à saúde no país.
Concluímos que no Brasil, o diagnóstico do CCU ocorre tardiamente em todas as faixas etárias. Embora o principal fator associado ao estadio avançado do CCU identificado neste estudo seja de ordem biológica (o tipo histológico carcinoma de células escamosas) e não seja passível de intervenção, confirmou-se que as disparidades socioeconômicas presentes no país estão associadas ao estadio avançado da doença. Mulheres com 50 anos de idade ou mais, vivendo sem companheiro, da raça ou cor da pele preta e com baixa escolaridade apresentaram maior chance de receber o diagnóstico do CCU em fase avançada. Com isso, esta análise possibilitou identificar um subgrupo populacional sobre o qual deverão ser priorizadas ações educacionais dirigidas à detecção precoce do CCU no país.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jun 2014
Histórico
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Recebido
25 Abr 2014 -
Aceito
15 Maio 2014