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Gravidez ectópica tubária bilateral: relato de caso

A bilateral fallopian tube pregnancy: a case report

Resumos

Gestação ectópica bilateral é a forma mais rara de gestação gemelar, considerando que menos de 250 casos foram relatados na literatura. Nosso caso preenche o critério diagnóstico determinado por Norris9 que requer a demonstração de vilos coriônicos em cada tuba de uterina. Relatamos o caso de uma mulher multípara de 36 anos de idade que desenvolveu um episódio de abdômen agudo hemorrágico. Uma laparotomia realizada com anestesia geral revelou hemoperitônio de 1,8 litros; ambas tubas uterinas aumentadas de volume e com laceração de suas paredes e presença de dois embriões medindo 2,7 e 3,0 cm de comprimento, livres no sangue intra-abdominal. Apresentamos uma revisão da literatura a respeito da gestação ectópica bilateral.

Tubas; Gravidez ectópica; Gemelaridade; Laparotomia; Abdômen agudo


Bilateral ectopic pregnancy is the most unusual twin gestation considering that less than 250 cases have been reported in the literature. Our case fulfills the diagnostic criterion determined by Norris9 which requires demonstration of chorionic villi in each fallopian tube. We report the case of a 36-year-old multiparous woman who had an hemorrhagic acute abdomen. A laparotomy performed under general anesthesia revealed hemoperitoneum of 1.8 liters and both swelled tubes with laceration of their walls, besides two embryos with 2,7 and 3,0 cm in length free in the intra-abdominal blood. A literature review on bilateral ectopic pregnancy is presented.

Tubes; Ectopic pregnancy; Twin gestation; Laparotomy


Relato de Caso

Gravidez Ectópica Tubária Bilateral: Relato de Caso

A Bilateral Fallopian Tube Pregnancy: A Case Report

Assis Oberdan Posser, Zélia Berenice Rocha Posser, Cristina Roveré Gehling, Gilberto Ortiz, Bianca Avancini

RESUMO

Gestação ectópica bilateral é a forma mais rara de gestação gemelar, considerando que menos de 250 casos foram relatados na literatura. Nosso caso preenche o critério diagnóstico determinado por Norris9 que requer a demonstração de vilos coriônicos em cada tuba de uterina. Relatamos o caso de uma mulher multípara de 36 anos de idade que desenvolveu um episódio de abdômen agudo hemorrágico. Uma laparotomia realizada com anestesia geral revelou hemoperitônio de 1,8 litros; ambas tubas uterinas aumentadas de volume e com laceração de suas paredes e presença de dois embriões medindo 2,7 e 3,0 cm de comprimento, livres no sangue intra-abdominal. Apresentamos uma revisão da literatura a respeito da gestação ectópica bilateral.

PALAVRAS-CHAVE: Tubas. Gravidez ectópica. Gemelaridade. Laparotomia. Abdômen agudo.

Introdução

A gestação ectópica bilateral (GEB) é uma forma de gestação biovular incomum, em que a implantação e o desenvolvimento dos ovos fertilizados ocorre fora da cavidade uterina, nas tubas. Na literatura mundial há aproximadamente 250 casos relatados. A incidência da GEB é estimada como sendo de 1 caso para 725 a 1.580 gestações ectópicas, ou de aproximadamente, 1 caso para 200.000 gestações intra-uterinas1,3,5,6,11,13.

Na evolução da GEB poderemos encontrar: duas gestações de mesma idade, ou de diferentes idades, ambas em evolução; duas gestações, sendo que uma com desenvolvimento regular e outra com interrupção ou ainda, duas gestações, ambas com interrupção no seu desenvolvimento.

Na prenhez ectópica gemelar com envolvimento tubário há diversas formas de combinações e de sítios de implantação. Assim poderemos ter9-11:

  1. uma gravidez ectópica com uma gravidez única intra-uterina

  2. uma gravidez ectópica com uma gravidez dupla intra-uterina

  3. uma gestação ectópica bilateral contemporânea ou não

  4. gestação ectópica múltiplas na mesma tuba

  5. uma gestação ectópica tubária e em outro sítio de localização (ovariana, intraligamentar, abdominal, etc.).

A GEB tubária é a forma mais rara de gestação gemelar, seguindo-se em freqüência pela gestação ectópica múltipla na mesma tuba e pela gestação simultânea tubária e intra-uterina3,7.

Fishback em 1939, propôs como critério diagnóstico para a GEB a demonstração de tecido fetal, placentário ou de ambos em cada tuba4,6,7. Já Norris em 1953, simplificou este critério exigindo apenas a demonstração de vilosidades coriônicas em cada tuba uterina1-3,6,9,12,13.

Admitem-se como fatores etiopatogênicos os mesmos causadores da prenhez ectópica unilateral, sendo os básicos8: alteração anatômica das tubas uterinas causada pela infecção, trauma ou cirurgia; desbalanço hormonal, observado nos casos de gestação ectópica após o uso da pílula do "dia seguinte", dos indutores da ovulação, DIUs com progesterona, na idade materna superior a 35 anos, etc.; os defeitos inerentes do ovo fertilizado (caso de ovos imaturos ovulados prematuramente ou tardiamente) com tendência a se implantarem antes de chegar ao útero; e as técnicas de fertilização "in vitro" com transferência de embriões.

A taxa de mortalidade para a gestação ectópica situa-se em torno de 0.8 por 1.000 casos.

É feito a seguir, relato de um caso de gestação ectópica tubária bilateral embrionada rota, ocorrido no Hospital Nossa Senhora da Conceição de Porto Alegre, no dia 29.05.97.

Relato do Caso

Paciente (ILT) com 36a, branca, Gesta IV Para IV e com história negativa para DIP, cirurgia prévia ou uso de medicações nos seis meses anteriores ao evento atual. Procurou a urgência ginecológica em razão da dor importante no baixo ventre, com irradiação para a região lombo-sacra e ombros, acompanhada de náuseas, vômitos e tonturas. Importante referir que 10 dias antes, a paciente havia apresentado quadro abdominal semelhante, porém de menor intensidade, sendo medicada em outro serviço com analgésicos e repouso.

A DUM era de 28.03.97 (9,1 semanas de idade menstrual) e apresentava um título de gonadotropina coriônica de 7.200 mU/ml do dia 23.05.97.

Ao exame clínico mostrava palidez mucocutânea importante, hipotensão (60 x 40 mmHg), dor, distensão e defesa abdominal, com sinais de irritação peritoneal.

No exame ginecológico constatou-se sangramento vaginal escuro, amolecimento do colo uterino, útero globoso (8-9 semanas) e massa anexial esquerda de consistência elástica de 8-9 cm muito dolorosa ao toque vaginal. A culdocentese foi positiva em 15 ml de sangue escuro.

O diagnóstico pré-operatório foi de gestação ectópica rota, sendo encaminhada para laparotomia.

Os achados cirúrgicos transoperatórios foram:

Presença de aproximadamente 1.800 ml de sangue livre e coágulos na cavidade abdominal. Ambas tubas uterinas estavam amolecidas, muito aumentadas de volume e com sinais evidentes de laceração em suas regiões ampolares.

A tuba uterina esquerda apresentava-se aderida ao útero, FSV e ao epiplon e ao realizar-se manobras para a liberação do anexo encontrou-se em meio a coágulos, embrião que media 2,7 cm no seu maior eixo (Figura 1).


A tuba uterina direita encontrava-se aumentada de volume e com sangramento ativo pela laceração de sua região ampolar. Outro embrião medindo 3.0 cm no seu eixo craniocaudal, foi encontrado livre em meio ao sangue (Figura 1).

O exame macroscópico das tubas uterinas e a presença dos embriões sugeriram o diagnóstico transoperatório de GEB embrionada rota, que foi confirmada pelo exame anatomopatológico, segundo os critérios de Fishback4 e Norris9. O procedimento cirúrgico realizado foi a salpingectomia bilateral total.

O exame anatomopatológico das tubas uterinas demonstrou, tuba uterina direita aumentada de volume, medindo 7.0 x 3.0 x 3.0 cm e tuba uterina esquerda medindo 10.0 x 2.5 x 2.5 cm. Externamente apresentavam-se de cor pardo-escura, com paredes laceradas e acompanhavam dois embriões macerados medindo 2.7 e 3.0 cm.

A microscopia dos cortes histológicos mostrava tubas uterinas exibindo luzes ocupadas e dilatadas por vilos coriais e tecido trofoblástico com extrema penetração na camada muscular e serosa com hemorragia recente.

O diagnóstico histopatológico foi de gestação tubária bilateral embrionada rota, com idade gestacional de 56 dias, segundo O'Rahilly.

A alta hospitalar da paciente se deu no 3º dia pós-operatório em boas condições clínicas.

Discussão

Apesar dos avanços no diagnóstico precoce terem levado a uma diminuição na taxa de mortalidade e de os tratamentos laparoscópicos e cirúrgicos terem possibilitado a obtenção de melhores resultados, a gestação ectópica permanece como causa importante de mortalidade, sendo responsável por um número considerável de casos de infertilidade e de recidiva ectópica.

Desde o 1º relato de GEB feito por Bledsoe em 1918, cerca de 250 novos casos foram relatados2,6,12,13, quer sejam como resultado esporádico de ciclos naturais, quer sejam de ciclos induzidos para fertilização.

Nas últimas três décadas, tem ocorrido quase que um surto epidêmico de gestação ectópica, com aumento aproximado de cinco vezes, quando comparado com taxas de 1970 nos EUA. Isto se deve basicamente à maior incidência da DIP, ao uso mais liberal do DIU, às microcirurgias sobre as tubas e à fertilização "in vitro". Fatores estes que segundo Foster et al.5, serão responsáveis futuramente pela maior incidência da GEB.

A etiologia da gestação ectópica gemelar não é de todo conhecida, porém admite-se como causadores os mesmos mecanismos responsáveis pela gestação intra-uterina3,11,13. Assim teríamos:

– mecanismo de superfetação, em que a gestação gemelar ocorreria por fertilização de um ovo, durante uma gestação já em curso

– mecanismo de superfertilização, quando haveria a fertilização de dois ovos ao mesmo tempo ou dentro de um curto espaço de tempo.

No relato atual, não se evidenciaram fatores etiológicos que explicassem "per se" a prenhez ectópica. A multiparidade e a idade da paciente, segundo alguns autores, seriam fatores de risco, sendo a GEB encontrada em 85% dos casos na multípara e em apenas 15% dos casos na primípara3,12.

Caso utilizássemos o critério ultrasonográfico da medida do comprimento cabeça-nádegas (CCN), para o cálculo da idade gestacional e transpondo-o para a medida dos embriões (2,7 e 3,0 cm), teríamos respectivamente uma idade menstrual, segundo Hadlock, de 9,5 e 9,9 semanas o que sugere a possibilidade de ter ocorrido uma GEB após um mesmo ciclo ovulatório, por possível mecanismo de superfertilização.

O comprimento de 3 mm a mais de um dos embriões, poderia ser explicado pela interrupção posterior da gestação tubária direita, que apresentava-se com sinais de ruptura recente.

O diagnóstico da gestação ectópica é pouco previsível apenas pela clínica e mesmo com a ajuda do b-hCG e do ultra-som, a grande maioria dos casos ainda é de diagnóstico na urgência, quando instalado o abdome agudo por hemoperitônio.

A culdocentese apesar de dolorosa e pouco específica quanto à etiologia do sangramento, ainda é método diagnóstico importante, com taxas de positividade entre 87 a 95% dos casos, justificando-se na urgência3,8.

O uso criterioso do ultra-som endovaginal, com mapeamento do fluxo a cores, assim como do estudo doppler das áres de interesse, permitirá que se faça em muitos casos, diagnóstico precoce da gestação ectópica antes da ruptura tubária.

O exame contralateral das tubas uterinas deverá ser realizado sistematicamente pela possibilidade ainda que remota de GEB1,3,10,13.

Agradecimento

Ao Dr. Eduardo Lahude Lima pela análise histopatológica do material.

SUMMARY

Bilateral ectopic pregnancy is the most unusual twin gestation considering that less than 250 cases have been reported in the literature. Our case fulfills the diagnostic criterion determined by Norris9 which requires demonstration of chorionic villi in each fallopian tube. We report the case of a 36-year-old multiparous woman who had an hemorrhagic acute abdomen. A laparotomy performed under general anesthesia revealed hemoperitoneum of 1.8 liters and both swelled tubes with laceration of their walls, besides two embryos with 2,7 and 3,0 cm in length free in the intra-abdominal blood. A literature review on bilateral ectopic pregnancy is presented.

KEY WORDS: Tubes. Ectopic pregnancy. Twin gestation. Laparotomy.

Serviço de Residência em Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Nossa Senhora da Conceição - Porto Alegre - RS

Correspondência:

Assis Oberdan Posser

Rua Paulo Blaschke, nº 515 - Jardim Planalto

CEP: 91.225 - Porto Alegre - RS - Fone: (051) 340-50-90

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Abr 2007
  • Data do Fascículo
    Jul 1998
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