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Adenocarcinoma de Células Claras de Endocérvice em Menina de 7 anos

Clear Cell Adenocarcinoma of the Endocervix in a 7-year-old Child

Resumos

O adenocarcinoma de células claras de colo e vagina em adolescentes é uma doença rara e na maioria das vezes associada com o uso do dietilestilbestrol (DES) durante a gestação. A queixa mais freqüente é o sangramento vaginal irregular que pode ser incorretamente interpretado como vaginite nas crianças e como alterações do eixo hipotálamo-hipófise nas adolescentes. Relatamos o caso de adenocarcinoma de células claras de endocérvice em uma menina de 7 anos de idade atendida no Ambulatório de Ginecologia da Infância e Adolescência, e chamamos a atenção para o diagnóstico de câncer genital que, embora raro nesta faixa etária, deve ser cogitado quando deparamos com sangramento genital em crianças.

Colo do útero; Câncer vaginal; Carcinoma; Infância e adolescência


Clear cell adenocarcinoma of the vagina and cervix is a rare disease associated commonly with the use of diethylstilbestrol (DES) during pregnancy. The most commom complaint is irregular vaginal bleeding, which could be confused with vaginitis in children and abnormalities in the hypothalamic-pituitary axis in adolescents. We report a case of clear cell adenocarcinoma of the endocervix in a 7-year-old child who was attended at the Children and Adolescent Gynecology Sector, and we call attention to the diagnosis of genital cancer which, in spite of its rarity at this age, must be considered in children with genital bleeding.

Uterine cervix; Vaginal cancer; Carcinoma; Childhood and adolescence


Relato de Caso

Adenocarcinoma de Células Claras de Endocérvice em Menina de 7 anos

Clear Cell Adenocarcinoma of the Endocervix in a 7-year-old Child

Marta Francis Benevides Rehme, Mauro Fernando Kürten Ihlenfeld, Ana Carolina Silva Chuery

RESUMO

O adenocarcinoma de células claras de colo e vagina em adolescentes é uma doença rara e na maioria das vezes associada com o uso do dietilestilbestrol (DES) durante a gestação. A queixa mais freqüente é o sangramento vaginal irregular que pode ser incorretamente interpretado como vaginite nas crianças e como alterações do eixo hipotálamo-hipófise nas adolescentes. Relatamos o caso de adenocarcinoma de células claras de endocérvice em uma menina de 7 anos de idade atendida no Ambulatório de Ginecologia da Infância e Adolescência, e chamamos a atenção para o diagnóstico de câncer genital que, embora raro nesta faixa etária, deve ser cogitado quando deparamos com sangramento genital em crianças.

PALAVRAS-CHAVE: Colo do útero. Câncer vaginal. Carcinoma. Infância e adolescência.

Introdução

Em 1971 Herbst et al.1 descreveram a associação entre a terapia materna com dietilestilbestrol (DES) e desenvolvimento tardio de adenocarcinoma de células claras de colo e vagina e outras anormalidades do trato genital inferior nas filhas de mães usuárias. No entanto, felizmente, esta afecção é de extrema raridade. Apesar da íntima associação com o uso de DES, em cerca de 30% dos casos não se registra uso de medicação.

Noventa por cento dos casos são diagnosticados em pacientes com a idade entre 15 e 22 anos4, sendo a afecção extremamente rara na fase pré-puberal1,2.

No caso que relatamos a seguir temos por objetivo enfatizar a importância de se considerar o diagnóstico de câncer do trato genital inferior, embora raro, em meninas com história de sangramento vaginal3.

Relato do caso

ACNO, com 7 anos, natural e procedente de Curitiba, foi atendida em 20/06/94 no Ambulatório de Ginecologia Infanto-Puberal do Serviço de Ginecologia do Departamento de Tocoginecologia da Universidade Federal do Paraná com quadro de sangramento vaginal, irregular, vermelho vivo, em grande quantidade há 2 meses. A paciente estava sendo acompanhada pela Equipe Multidisciplinar (Endocrinologia Pediátrica, Cirurgia Pediátrica, Ortopedia e Neuropediatria) por apresentar malformações congênitas múltiplas envolvendo músculos e extremidades. O diagnóstico sindrômico ainda não estava definido mas as mais prováveis eram a Síndrome do Pequeno Hércules, Síndrome de Proteus ou Neurofibromatose atípica. Não havia história familiar de consangüinidade nem outros casos semelhantes na família.

Exame físico geral

Observava-se no segmento cefálico e pescoço: braquicefalia, orelha direita maior que orelha esquerda, achatamento do osso occipital, alargamento lateral na base do pescoço. No tronco notava-se hipodesenvolvimento da musculatura torácica e no abdome, diástase da musculatura de retos abdominais. Não se palpava mamas abdominais. Quanto aos membros relatava-se prega palmar irregular; implantação proximal do 1º quirodáctilo esquerdo; 4º quirodáctilo mais longo bilateralmente, aumento de volume dos membros inferiores com alargamento entre os pododáctilos.

Pele: áreas hipercrômicas e descamativas em dorso e região cervical.

Exame ginecológico

Havia desenvolvimento mamário e pelos pubianos compatíveis com grau I de Tanner.

O Hímen era anular; na exploração vaginal com "swab" umedecido com solução fisiológica houve presença de sangue vivo em cavidade vaginal. Indicado exame vaginal sob narcose.

Exame sob narcose (26/06/1994)

Na exploração vaginal observou-se lesão vegetante em fundo de vagina, friável e sangrante, comprometendo colo e 1/3 superior de vagina. O colo não foi visualizado no exame. Ao toque vaginal apresentava tumor em parede anterior de vagina comprometendo o colo, e ao toque retal não se evidenciou infiltração. Realizado biópsia e o material foi enviado para estudo anátomo-patológico.

Anátomo-patológico (06/07/1994):

A macroscopia constitui-se de fragmentos irregulares de tecido róseo, mole e friável, entremeados por áreas amarelo-acizentadas, granulosas, foscas e friáveis.

Microscopia: cortes de neoplasia constituída de células cilíndricas de citoplasma por vezes vacuolizados, núcleos arredondados, discretamente pleomórficos e hipercromáticos. As estruturas tem arranjos papiliformes, com eixo central de tecido conjuntivo delicado e vacuolizado (Figuras 1, 2 e 3).




O diagnóstico histológico foi de adenocarcinoma papilar de endocérvice.

A paciente foi submetida a tomografia axial computadorizada no dia 27/07/94 que revelou sinais de massa na projeção de vagina e porção distal do útero além de adenomegalias pélvicas e displasia congênita de quadril esquerdo.

Foi proposto tratamento cirúrgico paliativo porém os pais não concordaram e abandonaram o seguimento. Em 29/08/95 houve retorno ao hospital em decorrência de sangramento vaginal, astenia, dor abdominal intensa e aumento de volume de abdome. Evoluiu com oligo anúria e piora progressiva do estado geral. No dia 30/08/95 foi submetida a ultra-sonografia abdominal e pélvica que mostrou hidronefrose bilateral, bexiga com vegetação tumoral no assoalho, útero aumentado de volume com textura ecogênica de contornos bocelados compatível com tumoração uterina com invasão do assoalho vesical. As medidas uterinas foram de 90 x 52 x 45 mm. No dia 06/09/95 iria ser submetida a tomografia computadorizada para estadiamento do tumor, porém apresentou parada cardio respiratória na sala de exame não respondendo a reanimação.

Discussão

Os primeiros relatos de adenocarcinoma de células claras de cérvice e vagina são anteriores a 1960, porém foi a partir de 1966 que a sua incidência se elevou drasticamente2. Este aumento coincidiu com o advento do uso de DES, uma droga indicada para prevenção de abortamento de repetição, cuja utilização foi largamente empregada até o início da década de 705,6.

Os primeiros relatos associando a terapia materna com o DES e o desenvolvimento tardio de adenocarcinoma de células claras em cérvice e vagina e outras anomalias genitais nas filhas de mães usuárias, foram descritos por Herbst et al4. Mais de 500 casos foram relatados pelo Registry for research on hormonal transplacental carcinogenesis, em pacientes com idades entre 7 e 34 anos, sendo que a exposição prévia ao DES foi relatada em 60% deles. Em 12% dos casos havia história de exposição a outro hormônio ou medicação não identificada, e em 30% dos casos não havia relato de nenhuma medicação. Esta incidência reforça a possibilidade de que outros fatores podem estar envolvidos no desenvolvimento destes carcinomas1,4.

Cerca de 90% dos casos são diagnosticados em pacientes com idades entre 15 a 22 anos, com uma média de idade em torno dos 19 anos4, porém ocasionalmente encontramos relatos de casos em jovens abaixo dos 15 anos e mais raramente na faixa pré-puberal.

Estas pacientes procuram atendimento por apresentarem sangramento irregular, podendo em algumas situações ser incorretamente interpretado como vaginite (em crianças pré-puberes) ou anovulação (nas adolescentes), até que o exame ginecológico seja realizado, uma vez que este não é realizado de rotina no atendimento a crianças e adolescentes.

Clinicamente os tumores se apresentam como lesões vegetantes, não-características, que se localizam ao nível de 1/3 superior de vagina, principalmente na parede anterior, estendendo-se freqüentemente na exocérvice7.Cerca de 90% dos casos diagnosticados de adenocarcinoma de células claras apresentam-se nos estádios I ou II, sendo o índice de sobrevida superior a 90%.

O tratamento para os estádios iniciais do adenocarcinoma de células claras tem sido tradicionalmente a cirurgia pélvica radical (histerectomia radical com linfadenectomia pélvica, vaginectomia total ou parcial e reconstrução de vagina com retalhos de pele3. Radioterapia pélvica e vaginal tem sido indicada para estadios mais avançados.

Atualmente o tratamento tem se tornado mais conservador nos estádios I e II, com o objetivo de se tentar preservar a função reprodutiva destas jovens. O tratamento conservador inclui um cone transvaginal nos tumores pequenos e na ausência de metástases ganglionares e irradiação localizada nos casos de metástases linfáticas.

SUMMARY

Clear cell adenocarcinoma of the vagina and cervix is a rare disease associated commonly with the use of diethylstilbestrol (DES) during pregnancy. The most commom complaint is irregular vaginal bleeding, which could be confused with vaginitis in children and abnormalities in the hypothalamic-pituitary axis in adolescents. We report a case of clear cell adenocarcinoma of the endocervix in a 7-year-old child who was attended at the Children and Adolescent Gynecology Sector, and we call attention to the diagnosis of genital cancer which, in spite of its rarity at this age, must be considered in children with genital bleeding.

KEY WORDS : Uterine cervix. Vaginal cancer. Carcinoma. Childhood and adolescence.

Serviço de Ginecologia - Ambulatório de Ginecologia Infanto-

Puberal - Departamento de Tocoginecologia da Universidade

Federal do Paraná - UFPR.

Correspondência:

Marta Francis Benevides Rehme

Av. Água Verde, 1475 apto 1701 - Bairro Água Verde

80620-200 - Curitiba - PR

Fone: (041) 243-6065

  • 1.Herbst AL, Kurman RJ, Scully RE, Poskanzer DC. Clear-cell adenocarcinoma of the genital tract in young females. Registry report. N Engl J Med 1972; 287:1259-64
  • 2.Herbst AL, Robboy SJ, Scully RE, Poskanzer DC. Clear-cell adenocarcinoma of the vagina and cervix in girls: analysis of 170 registry cases. Am J Obstet Gynecol 1974; 119:713-24
  • 3.Herbst AL, Scully RE. Adenocarcinoma of the vagina in adolescence. A report of 7 cases including 6 clear-cell carcinomas (so-called mesonephromas). Cancer 1970; 25:745-57
  • 4.Herbst AL, Ulfelder H, Poskanzer DC. Adenocarcinoma of the vagina. Association of maternal stilbestrol therapy with tumor appearance in young women. N Engl J Med 1971; 284:878-81.
  • 5.Kaufman RH, Binder GL, Gray PM Jr, Adam E. Upper genital tract changes associated with exposure in utero to diethylstilbestrol. Am J Obstet Gynecol 1977; 128:51-9.
  • 6.Sharp GB, Cole P. Identification of risk factors for diethylstilbestrol-associated clear cell adenocarcinoma of the vagina: similarities to endometrial cancer. Am J Epidemiol 1991; 134:1316-24
  • 7.Stafl A, Mattingly RF, Foley DV, Fetherston WC. Clinical diagnosis of vaginal adenosis. Obstet Gynecol 1974; 43:118-28

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Abr 2007
  • Data do Fascículo
    Ago 1998
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