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Leiomiomas uterinos e gravidez

Uterine leiomyomas and pregnancy

Resumos

OBJETIVO: avaliar a evolução da gestação e o prognóstico materno-fetal em gestantes com leiomiomas uterinos. MÉTODOS: análise retrospectiva descritiva de 75 prontuários de gestantes com leiomiomas atendidas em hospital terciário, no período de janeiro de 1992 a janeiro de 2002. RESULTADOS: foram identificadas 75 gestantes com leiomiomas numa população de 34.467 gestantes atendidas neste período (incidência de 0,2%). Dezoito pacientes (24%) tiveram os diagnósticos feitos previamente à gestação, 41 (54,6%) tiveram os diagnósticos durante a gestação e 16 (21,3%) durante a cesariana, das quais apenas seis não haviam sido submetidas à ultra-sonografia durante o pré-natal. Foram observados 10 partos com feto pré-termo e cinco casos de rotura prematura das membranas. Quarenta e sete pacientes (75,8%) foram submetidas à cesariana, sendo as indicações diretamente relacionadas aos leiomiomas em 38,3% delas (apresentação anômala, obstrução do canal de parto ou cicatriz uterina por miomectomia prévia). Foram diagnosticados quatro casos de necrose central do leiomioma, dois casos de degeneração hialina e um caso com potencial de malignidade nas pacientes submetidas à miomectomia ou histerectomia após a gestação. Sessenta e um recém-nascidos (98,4%) tiveram índices de Apgar maior que 7 no 5º minuto, e a cirurgia para miomectomia, quando realizada durante a gestação, não piorou o prognóstico materno-fetal. CONCLUSÕES: a incidência de leiomiomas na gestação foi de 0,2% no período, tendo a ultra-sonografia falhado no diagnóstico em 10 pacientes. A cesariana foi freqüentemente indicada neste grupo de pacientes, mas a presença de leiomiomas na gestação não comprometeu o índice de Apgar dos recém-nascidos.

Leiomiomas uterinos; Prematuridade; Aborto; Complicações da gravidez; Prognóstico perinatal


PURPOSE: to evaluate the evolution of pregnancy and the maternofetal prognosis in women with uterine leiomyomas. METHODS: a descriptive retrospective analysis of the medical records of 75 pregnant women with leiomyomas attended at the University Hospital, Faculty of Medicine of Ribeirão Preto, University of São Paulo, from January 1992 to January 2002. RESULTS: seventy-five pregnant women with leiomyomas were identified in a population of 34,467 pregnant women attended during this period (incidence of 0.2%). The diagnosis was made before pregnancy in 18 patients (24%), during the current pregnancy in 41 (54.6%), and during cesarean section in 16 (21.3%), of whom only six were not submitted to ultrasound scan during the prenatal period. Ten deliveries with preterm fetuses and five cases of premature rupture of the amniotic membranes were observed. Forty-seven patients (75.8%) were submitted to cesarean section, with the indication being directly related to the leiomyomas in 38.3% of them (anomalous presentation, obstruction of the birth canal, or uterine scar due to a previous myomectomy). Four cases of central necrosis, two cases of hyaline degeneration and one case of malignant potential of the leiomyoma were identified in patients submitted to postpartum myomectomy or hysterectomy. Sixty-one newborns (98.4%) had an Apgar score above 7 at the fifth minute of life, and surgery did not lead to a worse maternofetal prognosis when performed during pregnancy. CONCLUSIONS: the incidence of leiomyomas during pregnancy was 0.2% during the study period, with ultrasonography failing to diagnose 10 patients. Cesarean section was frequently indicated for this group of patients, but the presence of leiomyomas during pregnancy did not compromise the Apgar score of the newborns.

Uterine leiomyoma; Prematurity; Abortion; Complications of pregnancy; Pregnancy outcome


ARTIGOS ORIGINAIS

Leiomiomas uterinos e gravidez

Uterine leiomyomas and pregnancy

Selvio Machado SimonI; Antônio Alberto NogueiraII; Elza Carvalho Sant'Ana de AlmeidaI; Omero Benedicto Poli NetoIII; Júlio César Rosa e SilvaIII; Francisco Candido dos ReisII

Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

IPós-Graduandos

IIDocentes

IIIMédicos Assistentes do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Antonio Alberto Nogueira Hospital das Clínicas – FMRP – USP Av. Bandeirantes, 3900 – Monte Alegre – Campus Universitário 14049-900 – Ribeirão Preto – SP Telefone: (16) 602-2589 – FAX: (16) 633-0946 e-mail: aanoguei@fmrp.usp.br

RESUMO

OBJETIVO: avaliar a evolução da gestação e o prognóstico materno-fetal em gestantes com leiomiomas uterinos.

MÉTODOS: análise retrospectiva descritiva de 75 prontuários de gestantes com leiomiomas atendidas em hospital terciário, no período de janeiro de 1992 a janeiro de 2002.

RESULTADOS: foram identificadas 75 gestantes com leiomiomas numa população de 34.467 gestantes atendidas neste período (incidência de 0,2%). Dezoito pacientes (24%) tiveram os diagnósticos feitos previamente à gestação, 41 (54,6%) tiveram os diagnósticos durante a gestação e 16 (21,3%) durante a cesariana, das quais apenas seis não haviam sido submetidas à ultra-sonografia durante o pré-natal. Foram observados 10 partos com feto pré-termo e cinco casos de rotura prematura das membranas. Quarenta e sete pacientes (75,8%) foram submetidas à cesariana, sendo as indicações diretamente relacionadas aos leiomiomas em 38,3% delas (apresentação anômala, obstrução do canal de parto ou cicatriz uterina por miomectomia prévia). Foram diagnosticados quatro casos de necrose central do leiomioma, dois casos de degeneração hialina e um caso com potencial de malignidade nas pacientes submetidas à miomectomia ou histerectomia após a gestação. Sessenta e um recém-nascidos (98,4%) tiveram índices de Apgar maior que 7 no 5º minuto, e a cirurgia para miomectomia, quando realizada durante a gestação, não piorou o prognóstico materno-fetal.

CONCLUSÕES: a incidência de leiomiomas na gestação foi de 0,2% no período, tendo a ultra-sonografia falhado no diagnóstico em 10 pacientes. A cesariana foi freqüentemente indicada neste grupo de pacientes, mas a presença de leiomiomas na gestação não comprometeu o índice de Apgar dos recém-nascidos.

Palavras-chave: Leiomiomas uterinos; Prematuridade; Aborto; Complicações da gravidez; Prognóstico perinatal

ABSTRACT

PURPOSE: to evaluate the evolution of pregnancy and the maternofetal prognosis in women with uterine leiomyomas.

METHODS: a descriptive retrospective analysis of the medical records of 75 pregnant women with leiomyomas attended at the University Hospital, Faculty of Medicine of Ribeirão Preto, University of São Paulo, from January 1992 to January 2002.

RESULTS: seventy-five pregnant women with leiomyomas were identified in a population of 34,467 pregnant women attended during this period (incidence of 0.2%). The diagnosis was made before pregnancy in 18 patients (24%), during the current pregnancy in 41 (54.6%), and during cesarean section in 16 (21.3%), of whom only six were not submitted to ultrasound scan during the prenatal period. Ten deliveries with preterm fetuses and five cases of premature rupture of the amniotic membranes were observed. Forty-seven patients (75.8%) were submitted to cesarean section, with the indication being directly related to the leiomyomas in 38.3% of them (anomalous presentation, obstruction of the birth canal, or uterine scar due to a previous myomectomy). Four cases of central necrosis, two cases of hyaline degeneration and one case of malignant potential of the leiomyoma were identified in patients submitted to postpartum myomectomy or hysterectomy. Sixty-one newborns (98.4%) had an Apgar score above 7 at the fifth minute of life, and surgery did not lead to a worse maternofetal prognosis when performed during pregnancy.

CONCLUSIONS: the incidence of leiomyomas during pregnancy was 0.2% during the study period, with ultrasonography failing to diagnose 10 patients. Cesarean section was frequently indicated for this group of patients, but the presence of leiomyomas during pregnancy did not compromise the Apgar score of the newborns.

Keywords: Uterine leiomyoma; Prematurity; Abortion; Complications of pregnancy; Pregnancy outcome

Introdução

O diagnóstico de leiomiomas uterinos durante a gravidez é mais freqüente na atualidade que no passado e hoje sua incidência varia de 0,09 a 3,9%1. Um dos motivos seria a tendência atual da mulher moderna em postergar suas gestações para o extremo superior de sua vida reprodutiva, sobretudo após os 30 anos, ocasião em que os leiomiomas são mais comuns2. Outra razão seria a difusão da ultra-sonografia obstétrica durante o pré-natal3. No passado, este diagnóstico na gestação era feito clinicamente e somente grandes leiomiomas palpáveis ou com complicações eram detectados e, conseqüentemente, estavam associados a pior prognóstico3. O tratamento cirúrgico era, dessa forma, freqüentemente empregado4,5. Atualmente, porém, com a identificação de muitos casos pouco sintomáticos ou assintomáticos de diagnóstico exclusivo ultra-sonográfico, o acompanhamento clínico ambulatorial é suficiente na maioria das vezes e a cirurgia não é uma constante na abordagem dos leiomiomas durante a gravidez6,7.

A complicação mais comum dos leiomiomas na gestação é a chamada "síndrome dolorosa dos leiomiomas na gravidez", presente em 10% dos casos. Consiste classicamente de dor localizada, náusea, vômito, febre baixa, leucocitose e aumento da atividade uterina, principalmente no segundo e início do terceiro trimestre de gravidez, cedendo em média 10 dias após seu início1,8. Seu tratamento é eminentemente clínico, com o uso de antiinflamatórios não esteroidais (AINE). Em algumas ocasiões faz-se necessário o uso de analgésicos narcóticos, como os opióides, ou mesmo analgesia peridural contínua com a paciente hospitalizada8,9. Quanto à infertilidade, atualmente sabe-se que apenas os leiomiomas submucosos ou com um grande componente submucoso estão associados a decréscimo da fertilidade10, e a abortamento espontâneo precoce se localizados no corpo uterino3. Outras complicações são também freqüentemente associadas a gestações com leiomiomas uterinos: apresentação fetal anômala11, trabalho de parto pré-termo7,12, restrição do crescimento intra-útero7 e descolamento de placenta normalmente inserida7,12,13.

A decisão pela indicação cirúrgica para o tratamento dos leiomiomas concomitantes à gravidez é difícil, porque além dos riscos anestésicos e cirúrgicos para a mãe, há um pior prognóstico fetal14-16. A técnica cirúrgica a ser utilizada deve ser individualizada para cada paciente e a experiência do cirurgião é essencial. A laparoscopia diagnóstica ou mesmo cirúrgica em alguns casos é considerada segura e menos agressiva durante o primeiro e segundo trimestre da gestação17. A retirada dos leiomiomas durante o parto operatório é interessante e pode ser realizada, principalmente se forem subserosos ou pediculados, já que não há diferença entre os riscos cirúrgicos de sua retirada ou a sua permanência em pacientes previamente selecionadas18.

O objetivo deste trabalho foi avaliar a evolução da gestação e o prognóstico materno e fetal de gestantes com leiomiomas uterinos.

Pacientes e Métodos

Estudo retrospectivo e descritivo, em que foram revistos os prontuários de pacientes codificados pela Classificação Internacional de Doenças (CID 10) com os diagnósticos de leiomiomas uterinos e gravidez no Serviço de Arquivo Médico (SAME) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP, no período de janeiro de 1992 a janeiro de 2002. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição.

Foram incluídos os prontuários de mulheres cujo diagnóstico de leiomioma foi realizado durante a gestação ou durante a cesárea, sintomáticas ou assintomáticas. A confirmação do diagnóstico de leiomioma, durante a gestação, foi clínica e/ou ultra-sonográfica, e durante a cesariana, por meio da descrição cirúrgica evidenciando estas lesões. Foram analisados os dados referentes à idade, paridade, idade gestacional por ocasião do diagnóstico da massa uterina e do parto, métodos diagnósticos, cirurgias de emergência, tipo de parto, índice de Apgar do recém-nascido e avaliação das pacientes, quando possível, em até cinco anos após o parto.

A idade gestacional foi calculada a partir da data da última menstruação e confirmada por exame ultra-sonográfico obstétrico quando realizado no primeiro trimestre da gestação. Abortamento foi definido como a interrupção da gravidez antes da 22ª semana ou com feto pesando menos que 500 gramas. Gestação de termo foi quando esta alcançou a idade maior ou igual a 37 semanas completas e, da mesma forma, gestação pré-termo foi aquela abaixo de 37 semanas.

O diagnóstico da "síndrome dolorosa dos leiomiomas na gravidez" foi considerado na presença de dor importante no baixo ventre ou localizada sobre o(s) leiomioma(s) ao exame clínico, acompanhada de náuseas e vômitos, além de febre baixa, leucocitose e aumento da atividade uterina. A cirurgia foi considerada de urgência nos casos de abdome agudo devido a complicação do leiomioma sem resposta ao tratamento clínico.

Resultados

Setenta e cinco gestantes com leiomiomas uterinos foram identificadas dentre 34.467 gestantes atendidas no serviço no mesmo período, com incidência de um caso para cada 459 gestantes (0,2%). A mediana da idade materna foi de 34 anos (variando de 15 a 44 anos). A paridade mediana foi de um filho (variando de 0 a 6 filhos), sendo 41 pacientes (54,6%) nulíparas.

O principal método diagnóstico foi a ultra-sonografia transabdominal, realizada em 69 pacientes (92%). Seis pacientes (8%) não referiram nenhum exame ultra-sonográfico, sendo o diagnóstico dos leiomiomas realizado durante o parto. O diagnóstico foi feito durante o período gestacional em 41 pacientes (54,6 %) e prévio à gestação em 18 pacientes (24,0%). Dezesseis pacientes (21,3%) o tiveram na cesariana, sendo que 10 realizaram ultra-sonografia durante a gestação, não sendo identificado nenhum leiomioma (Tabela 1).

Seis pacientes (8%) evoluíram com abortamento e outras sete pacientes perderam seguimento durante o pré-natal. A síndrome dolorosa dos leiomiomas na gravidez ocorreu em nove pacientes deste estudo (12%). Das 62 pacientes incluídas e que chegaram ao parto, a resolução da gravidez foi mediante cesariana em 47 (75,8%). Em 39 destas, a gravidez chegou ao termo (82,9%) e em 8 o parto foi pré-termo (17,1%): um com 26 semanas, dois com 28 semanas, um com 33 semanas e quatro com 36 semanas. Quinze pacientes (24,2%) tiveram partos vaginais, 13 a termo (86,6%) e dois pré-termos (13,4%) (Tabela 2).

Foram realizadas 26 intervenções cirúrgicas em 24 pacientes no período de estudo, devido a complicações dos leiomiomas ou para a sua resolução. Durante a gestação foram operadas 14 pacientes. Destas, seis no período pré-natal, sendo quatro cirurgias de urgência por falha do tratamento clínico para a síndrome dolorosa dos leiomiomas na gestação (duas laparotomias e duas laparoscopias para miomectomias) e duas laparoscopias diagnósticas, pela necessidade de diferenciar leiomiomas de outras massas pélvicas. No momento da cesariana foram realizadas oito miomectomias de leiomiomas subserosos e pediculados, sem acidentes. Após a resolução da gestação foram realizadas 12 cirurgias, sendo 10 histerectomias (nove pela via abdominal e uma pela via vaginal) e duas miomectomias. Uma destas histerectomias foi puerperal por torção do pedículo do leiomioma subseroso, associado a endometrite. Nenhuma das pacientes que haviam sido submetidas a miomectomia no período gestacional foi submetida a histerectomia em até cinco anos de acompanhamento após o parto.

Dentre as seis cirurgias realizadas durante o período pré-natal, em duas não houve laudo histológico (laparoscopias diagnósticas) e houve apenas um caso de degeneração isquêmica (necrose). Das oito miomectomias concomitantes às cesarianas, houve apenas um resultado histológico de degeneração isquêmica (necrose) e um achado de leiomioma com potencial de malignidade (com 9 figuras de mitose por campo). Nas 12 cirurgias executadas após o período puerperal foram encontrados dois casos de degeneração isquêmica e também dois casos de degeneração hialina. Três pacientes (4%) já tinham sido submetidas a cirurgia uterina prévia à gravidez e tiveram gestações que cursaram com leiomiomas remanescentes, sendo que duas tinham sido submetidas à miomectomia e uma à eletromiólise.

As condições de nascimento dos fetos das gestações associadas aos leiomiomas foram boas, com índice de Apgar no 5º minuto acima ou igual a sete para 61 recém-nascidos (98,4%). Apenas um recém-nascido pré-termo com 26 semanas apresentou índice de Apgar abaixo de sete no 5º minuto.

Discussão

Muitos estudos publicados sobre leiomiomas e massas pélvicas associadas à gestação datam de mais de 20 anos atrás, quando os diagnósticos eram clínicos (grandes massas palpáveis ou sintomáticas). Não havia a disponibilidade para o uso rotineiro da ultra-sonografia no pré-natal e havia ainda a dificuldade do uso de aparelhos com pouca definição de imagem19,20. Poderíamos supor, baseados nos fatos, que haveria aumento nos diagnósticos em relação às séries mais antigas3,21. Encontramos incidência de leiomiomas na gravidez de 0,2% neste período. Há dados da literatura que apontam incidência variando de 0,09 a 3,9%1,12. O principal método diagnóstico foi a ultra-sonografia, entretanto, dez das dezesseis pacientes (21,3%) que tiveram seu diagnóstico durante a cesariana, tinham se submetido a exames ultra-sonográficos durante a gestação que não detectaram os leiomiomas. As possíveis explicações para esse fato se devem à dificuldade técnica da visualização dessa estrutura durante a gestação, principalmente quando avançada3, e à falta de procura sistematizada dessa doença quando a paciente é assintomática.

Os leiomiomas uterinos têm sido associados à infertilidade5,10,22,23. Essa associação poderia ser decorrente também da postergação voluntária da gravidez por parte destas pacientes e do conseqüente aumento do risco de leiomiomas uterinos com o aumento da idade em nulíparas2. Foi observado que 41 pacientes de nosso estudo eram nulíparas (54%), com mediana de idade de 34 anos. Esta associação com decréscimo na fertilidade também é estendida aos leiomiomas que causam distorção da cavidade uterina, quando são causa de oclusão tubária ou são submucosos (fator uterino). Em revisão recente, Pritts10 afirmou que somente nesta situação os leiomiomas estão associados ao decréscimo da fertilidade e abortamento espontâneo precoce e, nesses casos, a miomectomia histeroscópica pode ser benéfica. Por outro lado, os leiomiomas localizados no corpo uterino também têm sido associados em alguns casos a aumento no risco de abortamentos espontâneos. Atribui-se esse fato a possível implantação placentária em sua proximidade, levando à deficiência no aporte sangüíneo. Outra possibilidade seria a degeneração do leiomioma, que levaria a processo inflamatório local com liberação de radicais livres e conseqüente mobilização de prostaglandinas localmente, induzindo contrações uterinas que acabariam por expulsar o feto3. Mollica et al.14 encontraram índice de abortamento de 13,6% em uma série de 106 casos. Em nosso estudo, a ocorrência de abortamentos espontâneos foi de 8%, valor inferior ao relatado pela literatura, não sendo possível verificar qualquer relação causal com os leiomiomas.

A miomectomia tem sido indicada como técnica para melhorar a possibilidade de gravidez quando os leiomiomas são subserosos ou pedunculados, causando processo aderencial (fator tubo-peritoneal), ou quando a presença do leiomioma é a única causa objetiva de abortos de repetição10,24-26. Foram observadas neste estudo duas pacientes que tinham sido submetidas a miomectomias previamente à gestação que, por ocasião da gravidez, tinham ainda um útero com múltiplos leiomiomas. Uma destas gestações foi interrompida com 26 semanas com restrição de crescimento fetal e pré-eclâmpsia grave. A outra gestação foi interrompida com 36 semanas pelo risco de rotura uterina devido à histerotomia anterior. A eletromiólise ou coagulação dos vasos uterinos que nutrem o leiomioma é apresentada como alternativa à miomectomia prévia à gestação, já que existem evidências de bom prognóstico quando realizada em alguns casos de gravidez27. Foi observado um caso com diagnóstico de leiomiomatose múltipla e infertilidade primária que, após esse procedimento laparoscópico, teve gravidez que foi interrompida com 37 semanas por descolamento prematuro de placenta. Incidentes indesejáveis como rotura espontânea da parede uterina durante a gestação após miomectomia ou eletromiólise foram documentados por alguns autores13,28,29. Entretanto, não foi observado nenhum caso de rotura uterina em nossa série.

A falha no tratamento clínico da "síndrome dolorosa dos leiomiomas na gravidez" ocorreu em quatro gestantes (5,3%), que conseqüentemente foram submetidas à cirurgia (duas laparotomias e duas laparoscopias com miomectomia), sem complicações e com remissão dos sintomas já no período pós-operatório imediato. A fisiopatologia dessa síndrome dolorosa, também descrita como infarto hemorrágico, degeneração carnosa ou degeneração vermelha do leiomioma, não foi ainda bem esclarecida, sendo associada ao crescimento rápido do tumor, aumento que ocorre em aproximadamente 20% de todos os casos de leiomioma uterino associados a gravidez, principalmente no primeiro e segundo trimestres1,22, não acompanhado do incremento proporcional de sua vascularização.

Deve-se ponderar o momento exato da abordagem cirúrgica. Em 1963, Munnell19 removeu um cisto ovariano durante a gravidez com as seguintes indicações: eliminação de uma possível distócia; prevenção de torção, ruptura ou hemorragia e eliminação de suspeita de malignidade. Estas afirmativas são aplicáveis ainda hoje. Por outro lado, as complicações da cirurgia abdominal na gravidez (abortamento e sangramento na primeira metade da gestação, trabalho de parto pré-termo e descolamento de placenta normalmente inserida na segunda metade da gestação), devem também ser consideradas. Diante de qualquer massa pélvica persistente na gravidez, parece ser mais segura a conduta expectante até a 16ª semana, quando a maioria dos tumores funcionais ovarianos já se resolveu espontaneamente. Massas pélvicas persistentes no segundo trimestre de gestação, com indicação cirúrgica, devem ser extirpadas entre a 16ª e a 20ª semana, com o objetivo de não postergar o diagnóstico de malignidade e de evitar cirurgias de emergência no caso de torção ou ruptura, o que acarretaria piora do prognóstico materno-fetal. Lolis et al.30, em série de 13 miomectomias realizadas entre 15 e 19 semanas, observaram apenas um aborto. Mollica et al.14, publicaram uma série de 18 miomectomias executadas entre 10 e 19 semanas, sem nenhum caso de abortamento, assim como em nosso estudo.

Nesta casuística foram realizadas oito miomectomias em leiomiomas pedunculados ou subserosos durante as cesarianas, sem relato de complicações. Embora alguns autores recomendem a realização da miomectomia durante a cesariana18, outros não o fazem22. Os primeiros acreditam que a cicatrização da incisão se dê de maneira mais adequada durante a involução puerperal do útero, principalmente pela imunomodulação local na gravidez18. Os segundos associam esse procedimento a hemorragias graves secundárias a hipervascularização uterina22.

O índice de cesariana, 75,8%, foi semelhante a algumas publicações que variaram de 36 a 90%22, mas superior a outros estudos em que o índice é de aproximadamente 50%31,32. As indicações foram diretamente relacionadas ao leiomioma (apresentação anômala, obstrução do canal de parto, cicatriz uterina por miomectomia ou eletromiólise prévia) em 38,3% dos casos. Em outros, a história de infertilidade e a maior idade da paciente influenciaram na decisão pelo parto cesáreo.

Em nossa série o parto pré-termo ocorreu em 10 das 62 pacientes (16%), índice parecido aos encontrados na literatura. Vários autores associam a presença de múltiplos leiomiomas com aumento de contrações uterinas e conseqüente maior freqüência de parto pré-termo, com índices que variam de 15,6 a 21,5%, este último número em mulheres com a síndrome dolorosa dos leiomiomas na gravidez7,12.

Alguns autores afirmam que as alterações degenerativas dos leiomiomas na gestação têm sua freqüência aumentada, chegando a até 77% dos mesmos12,30. Foram executadas 26 cirurgias com 23 análises histológicas, observando-se seis leiomiomas com laudo de degeneração (8%), quatro por isquemia - dois desses no período gestacional e os dois outros após a gestação. Os dois casos de degeneração hialina também foram observados fora do período gestacional. Houve apenas um caso (1,3%) com potencial de malignidade, que apresentava nove figuras de mitose por campo, em leiomioma excisado durante cesariana. A pequena incidência de degeneração com componente maligno ou com potencial de malignidade, concordante com dados da literatura, sugere que uma intervenção para remoção desses tumores durante a gravidez só se justifica no caso de a paciente continuar sintomática após terapêutica clínica33.

Concluindo, a incidência de leiomiomas uterinos associados à gestação é baixa, mesmo com o uso rotineiro da ultra-sonografia. A conduta conservadora nesses casos está indicada, se não ocorrerem complicações que justifiquem intervenção precoce. A miomectomia durante uma eventual cesariana, em casos selecionados, pode ser realizada sem aumentar os riscos maternos.

Recebido em: 24/1/2005

Aceito com modificações em: 11/2/2005

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Jul 2005
    • Data do Fascículo
      Fev 2005

    Histórico

    • Recebido
      24 Jan 2005
    • Aceito
      11 Fev 2005
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