Acessibilidade / Reportar erro

Sexo por “oitavas”: o “torpe” uso dos corpos e a escravidão em Minas Gerais no século XVIII1 1 Este artigo apresenta uma versão das discussões estabelecidas em minha tese intitulada “A prostituição em Minas Gerais no século XVIII: ‘mulheres públicas’, moralidade e sociedade”, defendida na Universidade Federal Fluminense (PPGH/UFF) em 2018, orientada pelo Prof. Luciano Figueiredo, com financiamento da CAPES e FAPERJ. Agradeço aos professores Jacqueline Sarmiento, Gefferson Ramos e Adriano Paiva pelas críticas e sugestões ao texto original. Também sou muito grato à leitura cuidadosa dos pareceristas anônimos e revisores da RBH.

Sex for “Octaves”: The “Torpid” Use of Bodies and Slavery in Minas Gerais in the Eighteenth Century

RESUMO

O meretrício foi uma realidade no território minerador durante o Setecentos. Mas esta atividade muitas vezes foi confundida com outros comportamentos sociais mais visíveis, como o concubinato, os “tratos ilícitos”, o adultério ou as relações entre pessoas desiguais. Aqui se argumenta que a prática social de sexo por “oitavas” era um meio de adquirir recursos, num contexto de economia mineradora e escravista, onde havia grande circulação de riquezas. Analiso termos, diálogos e valores que fundamentam o lugar econômico do meretrício na capitania de Minas Gerais durante a primeira metade do século XVIII, utilizando como fonte as visitas pastorais e um dicionário produzido por Antônio da Costa Peixoto em Vila Rica, Minas Gerais, no qual o autor apresenta frases e termos da “língua mina”, idioma do grupo Gbe da África Ocidental, traduzidas para “palavras portuguesas correspondentes”.

Palavras-chave:
Escravidão; meretrício; mulheres; economia mineradora

ABSTRACT

Prostitution was a reality in mining territory during the Eighteenth Century. However, this activity was often confused with other more visible social behaviours, such as concubinage, “illicit dealings”, adultery or relationships between unequal people. I argue that the social practice of sex by “octaves” was a means of acquiring resources, in a context of a mining and slave economy, where there was great circulation of wealth. I analyse terms, dialogues and values that underlay the economic place of prostitution in the captaincy of Minas Gerais during the first half of the Eighteenth Century, using as a source pastoral visits and a dictionary produced by Antônio da Costa Peixoto in Vila Rica, Minas Gerais, in which the author presents phrases and terms from the mina language, spoken by the Gbe group of West Africa, translated into “corresponding Portuguese words”.

Keywords:
Slavery; Prostitution; Women; Mining economy

O chamado “ofício mais antigo do mundo” não escapou das mudanças da história. Quando se fala na presença de homens e mulheres no meretrício, refere-se a um amplo espectro de personagens em condições pessoais e vitais diferentes (Howell, 2008HOWELL, Philip. Prostitution. In: SMITH, Bonnie G. The Oxford Encyclopedia of Women in World History. Vol. III. Oxford: Oxford University Press, 2008. pp. 526-535., pp. 526-530). A investigação sobre práticas de meretrício permite refletir sobre concepções de crime e pecado, pois contesta valores estimados nas sociedades, como honra e virtudes femininas. A prostituição é definida ao longo dos tempos como prática sexual em troca de benefícios. Apesar do significado estrito, a história desse comportamento social é dinâmica e marcada por múltiplas temporalidades.

O meretrício foi uma realidade no território minerador da América portuguesa durante o Setecentos. Mas esta atividade muitas vezes foi confundida com outros comportamentos sociais mais visíveis, como o concubinato, os “tratos ilícitos”, o adultério ou as relações entre pessoas desiguais. Aqui se argumenta que a prática social de sexo por “oitavas” era um meio de adquirir recursos, num contexto de economia mineradora e escravista, onde havia grande circulação de riquezas. Analiso termos, diálogos e valores que fundamentam o lugar econômico do meretrício na capitania de Minas Gerais durante a primeira metade do século XVIII.

A capitania de Minas, ao longo do século XVIII, configurou-se com um desequilíbrio demográfico entre homens e mulheres escravizadas. Entre os reinóis, também se comprova a mesma característica, dado que a população masculina era sempre mais numerosa (Dias, 2002DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Sertões do Rio das Velhas e das Gerais: vida social numa frente de povoamento - 1710-1730. In: FURTADO, Júnia Ferreira (Org.). Erário mineral Luís Gomes Ferreira. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro; Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2002. pp. 45-105., p. 85). Tratava-se de um contexto de vida conjugal e de relações consideradas pouco ortodoxas, com formação de famílias fracionadas e mestiças (Lewkowicz, 1992LEWKOWICZ, Ida. Vida em família: caminhos da igualdade em Minas Gerais, século XVIII e XIX. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 1992. 351 p.; Figueiredo, 1997FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. Barrocas famílias: vida familiar em Minas Gerais no século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1997.; Brügger, 2007BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Minas patriarcal: família e sociedade (São João del Rei - séculos XVIII e XIX). São Paulo: Annablume, 2007.). Além disso, a sociedade apresentava um caráter urbanizador, com vilas e arraiais, extração mineral e atividades efêmeras. O espaço de Minas, durante o século XVIII, era dinâmico e apresentou também várias temporalidades, com períodos de ocupação diversos, construindo uma rede urbana entre vilas e arraiais, com estratégias de povoamento a partir da atividade mineradora e da demografia das atividades administrativas (Fonseca, 2011FONSECA, Cláudia Damasceno. Arraiais e vilas d’el rei: espaço e poder nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.).

Apesar de não ser a única fonte de riquezas, a economia mineradora, sobretudo na primeira metade do século, foi bastante intensa. Embora se tratasse de uma sociedade com valores estamentais, “a lógica do mercado e da urbanização, assim como o modo particular assumido pelo escravismo faziam com que a vida social oscilasse entre referenciais variados”2 2 As intersecções entre comércio e sociedade urbana têm sido utilizadas para explicar as dinâmicas e construção de hierarquias sociais em outras realidades escravistas similares na América colonial (Mangan, 2005, pp. 7-13). (Silveira, 1997SILVEIRA, Marco Antonio. O Universo do Indistinto: Estado e Sociedade nas Minas Setecentistas (1735-1808). São Paulo: Hucitec , 1997., pp. 116-140).

As fontes utilizadas para a análise são registros dos testemunhos das visitas pastorais e um vocabulário escrito por Antônio da Costa Peixoto3 3 O texto de Antônio da Costa Peixoto é composto por dois manuscritos. O primeiro, Alguns apontamentos da língua Mina com as palavras portuguesas correspondentes (1731), está depositado na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa. O segundo, Obra nova da língua geral de Mina, trata-se de uma versão ampliada de 1741 e pertence à Biblioteca Pública de Évora. Existem também edições impressas do texto organizadas por Luís da Silveira, bibliotecário de Évora, publicadas em 1944 e 1945 pela Agência Geral das Colônias. . As visitações foram produzidas no contexto de difusão de modelos de conduta estimados e censurados nas sociedades, tema central do mundo católico pós-tridentino. Essas fontes são utilizadas como material de investigação da história social e das mentalidades, pois oferecem registros de comportamentos, crenças e valores morais em contextos e espaços, permitindo análises das condutas dos grupos e dos gêneros de seu tempo. As queixas descritas na documentação das visitas relatam diversos “pecados públicos”, ou seja, de conhecimento de terceiros sem queixa prévia (Boschi, 1987BOSCHI, Caio César. As visitas diocesanas e a Inquisição na colônia. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 7, n. 14, pp. 151-184, 1987.; Figueiredo; Sousa, 1987FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida; SOUSA, Ricardo Martins de. Segredos de Mariana: pesquisando a Inquisição mineira. Acervo, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, pp. 1-23, 1987.; Paiva, 2000PAIVA, José Pedro. As visitas pastorais. In: AZEVEDO, Carlos Moreira (Dir.). História religiosa de Portugal. Vol. II. Lisboa: Círculo de Leitores, 2000. pp. 250-255.; Carvalho, 2011CARVALHO, Joaquim R. Confessar e devassar: a Igreja e a vida privada na época moderna. In: MATTOSO, José (Dir.); MONTEIRO, Nuno Gonçalo (Org.). História da vida privada em Portugal: a Idade Moderna. Lisboa: Temas e Debates; Círculo de Leitores, 2011. pp. 32-57. ). Quanto ao vocabulário, trata-se de dois manuscritos produzidos em Vila Rica, Minas Gerais, pelo português Antônio da Costa Peixoto, escrivão e juiz de vintena (Alguns Apontamentos da Língua Mina com as palavras portuguesas correspondentes, de 1731PEIXOTO, Antônio da Costa. Alguns apontamentos da lingoa minna com as palavras portuguezas correspondentes. Seção de reservados; Lisboa (Biblioteca Nacional de Lisboa). 1731., e Obra Nova da Língua Geral de Mina, de 1741). O autor traduz termos, expressões e diálogos da “língua geral mina” para o idioma luso. Natural da região do Entre-Douro-e-Minho, território reinol, Antônio da Costa Peixoto chegou à região mineradora durante as primeiras décadas do século XVIII e aprendeu “o falar mina” com os escravizados locais. Os termos registrados na obra de Peixoto faziam parte da “língua mina”, complexo do grupo Gbe (Castro, 2002CASTRO, Yeda Pessoa de. A língua mina-jeje no Brasil: um falar africano em Ouro Preto do século XVIII. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro; Secretaria da Cultura do Estado de Minas Gerais, 2002.; Lima, 2018LIMA, Ivana Stolze. A voz e a cruz de Rita: africanas e comunicação na ordem escravista. Revista Brasileira de História, v. 38, n. 79, pp. 41-63, 2018., p. 48). Os diálogos registrados permitem análises sobre as interações sociais e sexuais entre os grupos e gêneros da região mineira, contexto de intensa população de cativos traficados da Costa da Mina4 4 Entre 1711 e 1720, mais de 60% dos escravizados importados na capitania eram de origem “mina”. E, entre 1721 e 1730, apesar de o número ter diminuído, eles ainda continuavam a ser mais da metade da população escravizada que chegava às Minas (Dias, 2002, p. 82). (Maia; 2013MAIA, Moacir Rodrigo de Castro. De reino traficante a povo traficado: a diáspora dos courás do Golfo do Benim para as minas de ouro da América Portuguesa (1715-1760). Tese (Doutorado) - Instituto de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2013.; Rodrigues, 2020RODRIGUES, Aldair. Quem eram as negras e os negros minas da capitania de Minas Gerais no século XVIII. In: RODRIGUES, Aldair; LIMA, Ivana Stolze; FARIAS, Juliana Barreto (Orgs.). A diáspora Mina: africanos entre o golfo do Benim e o Brasil. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Nau, 2020. pp. 323-358.).

Além dessa documentação, fundamento meus argumentos em relatos de viajantes e de cronistas, dicionários de época e fontes administrativas. Os registros que descrevem condutas de estatuto marginal, como o meretrício, em geral descrevem como a conduta não deveria ser, afastando a compreensão de como a prática realmente acontecia. Diante disso, exploro, como metodologia de análise das fontes, a leitura que Carlo Ginzburg propôs quando se dedicou a analisar, mesmo nas fontes oficiais, os discursos e as vozes silenciados, com foco na alteridade entre o narrador oficial e as condutas descritas (Ginzburg, 1991GINZBURG, Carlo. O Inquisidor como Antropólogo. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 1, n. 21, pp. 9-20, set. 1990 - fev. 1991., pp. 9-20).

As fontes analisadas neste artigo foram interpretadas na perspectiva etnográfica, e dilatadas no sentido de se buscarem aquelas que se relacionam com a temática do meretrício, a partir de vestígios que muito revelam sobre esse comportamento na sociedade mineira setecentista. O estudo apresentado não é um trabalho focado em uma vila ou região, mas uma visão geral do fenômeno na capitania a partir de investigação e distinção de expressões relatadas nas fontes nas quais foram evidentes as relações entre os gêneros em troca de benefícios. A análise está estruturada em três questões: uma discussão sobre o meretrício e a escravidão; a prática social de sexo por “oitavas”; frases, palavras e valores que definem o lugar econômico do meretrício no contexto escravista e minerador.

MULHERES, MERETRÍCIO E ESCRAVIDÃO NAS MINAS

Desde o final da década de 80, o estudo sobre as mulheres de descendência africana nas minas setecentistas tem ganhado atenção dos historiadores. Tratava-se de um contexto em que o estudo sobre a história das mulheres ganhava a cena na narrativa histórica (Soihet; Pedro, 2007SOIHET, Rachel; PEDRO, Joana Maria. A emergência da pesquisa da história das mulheres e das relações de gênero. Revista Brasileira de História [ online], v. 27, n. 54, pp. 281-300, 2007.). As investigações sobre a região mineradora destacavam a mulher negra como cativa, sua agência na formação econômica, no pequeno comércio, nos relacionamentos lícitos e ilícitos (Reis, 1989REIS, Liana Maria. Mulheres de ouro: as negras de tabuleiro nas Minas Gerais do século XVIII. Revista do Departamento de História, UFMG, n. 8, pp. 72-85, 1989. ; Figueiredo, 1993FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. O avesso da memória: cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no século XVIII. Rio de Janeiro; Brasília: José Olympio; EDUNB, 1993.; Paiva, 1995PAIVA, Eduardo França. Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII: estratégias de resistência através dos testamentos. São Paulo: Annablume , 1995.; Furtado, 2001FURTADO, Júnia Ferreira. Pérolas Negras: mulheres livres de cor no distrito Diamantino. In: FURTADO, Júnia Ferreira (Org.). Diálogos Oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: UFMG, 2001. pp. 81-121.).

A presença do meretrício nas Minas setecentistas foi apresentada em trabalhos que marcaram a historiografia social mineira e que mostraram a relação entre a prostituição, a pobreza e a desigualdade no território. A historiadora Laura de Mello e Souza, na obra Desclassificados do ouro (1982), fruto de sua dissertação de mestrado, descreveu o arranjo social e o tipo de vida que homens e mulheres levavam na capitania. Foi nessa atmosfera que “as prostitutas pulularam por todo o período em que durou a atividade aurífera”, afirma a autora, utilizando a documentação das visitas episcopais como fonte para descrever a presença do meretrício nas Minas. Mello e Souza afirmou como foi grande o número de mulheres casadas, amancebadas ou mães que se dirigiam para a prostituição como forma de sobreviverem à miséria (Souza, 1982SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1982. , p. 180).

Com a mesma documentação, mas com o olhar voltado para o trabalho e o cotidiano feminino na região mineradora, Luciano Figueiredo, em O avesso da memória (1993), investigou como as mulheres libertas e forras adotaram a prostituição como modo de vida, e o fizeram não só como meio de resistir à pobreza, intrínseca aos desclassificados sociais, mas como forma de sobrevivência, diante dos estreitos canais existentes na sociedade mineira em relação aos ofícios femininos. A análise das visitas pastorais e de editais régios evidenciou a recorrência do meretrício como estratégia de sobrevivência das famílias pobres chefiadas por mulheres (Figueiredo, 1993FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. O avesso da memória: cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no século XVIII. Rio de Janeiro; Brasília: José Olympio; EDUNB, 1993., pp. 75-110). Para Figueiredo, o meretrício derivou da “extrema mobilidade de contingentes dedicados à mineração”, marcada pela presença de escravos de ganho e mineradores em movimento na busca de veios mais ricos, em que a constituição de laços familiares se tornava pouco adequada (Figueiredo, 1993FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. O avesso da memória: cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no século XVIII. Rio de Janeiro; Brasília: José Olympio; EDUNB, 1993., p. 156).

Em estudo sobre o meretrício em São Paulo durante o século XVIII, Mary del Priore utilizou argumentos similares, fazendo uso da documentação de processos-crime. Segundo a autora, as prostitutas emergiam das “camadas mais pobres e indefesas da população.”. Tratava-se de uma atividade que se difundia nos “espaços geográficos abertos, cerrados sem limites, pastagens na direção sul, o verde dos canaviais no quadrilátero do açúcar, roças de subsistência, das vilas, casas afastadas” (Del Priore, 1987DEL PRIORE. Mary. Mulheres de trato ilícito: a prostituição na São Paulo do século XVIII. Anais do Museu Paulista, n. 35, pp. 167-200, 1987., pp. 167-200).

O binômio pobreza-prostituição foi questionado por Sheila de Castro Faria. A autora busca repensar as condições materiais de mulheres do sudeste escravista, sobretudo as forras, fundamentada em testamentos e inventários. Homens e mulheres forros são vistos social e economicamente como “pobres” pela historiografia, destaca a autora. As mulheres forras eram estigmatizadas “pela cor da pele, relacionada à escravidão, pelo ‘defeito mecânico’, condição vil, e pela prostituição, repúdio religioso” (Faria, 2000FARIA, Sheila de Castro. Mulheres forras: riqueza e estigma social. Tempo, Niterói, n. 9, pp. 65-92, jul. 2000., p. 81). Nesse sentido, a pobreza deve ser pensada não do ponto de vista material, mas ligada à condição moral desses indivíduos, propõe a historiadora. Além disso, segundo ela, escravas dedicadas ao comércio e à prostituição foram as que mais conseguiram pagar por sua liberdade, espelhando práticas e condutas das suas culturas de origem (Faria, 2004FARIA, Sheila de Castro. Sinhás pretas, damas mercadoras: as pretas minas nas cidades do Rio de Janeiro e São João Del Rey (1700-1850). Tese (Professora Titular) - Departamento de História. Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2004. 278 p., pp. 156-157).

A pobreza, a desclassificação social, ou ainda a norma moral distinta, que se formava a partir do encontro de povos com padrões culturais variados, foram os principais argumentos para justificar a presença das mulheres no meretrício na região mineradora da América portuguesa. Por outro lado, os estudos também mostraram que essa conduta podia ser uma forma de ganho. Rosa Egipcíaca, escravizada da Costa da Mina, de nação courana, viveu cerca de 15 anos a vida “desonesta e meretriz” na freguesia do Inficionado, em Minas. A cativa “acumulou certo pecúlio”, afirma Luiz Mott, em um estudo detalhado sobre a sua trajetória a partir da documentação inquisitorial. Depois de acusada de possessões demoníacas, foi levada ao Recolhimento do Parto no Rio de Janeiro, em 1754. Rosa Egipcíaca teria dito que “distribuiu pelas pessoas mais necessitadas o ouro que tinha e os vestidos de seu uso” adquiridos durante sua “vida lasciva”, pois “sua senhora não lhe dava todos os enfeites que ela queria, e por isso os aceitava dos sujeitos com que se comunicava, em prêmio a sua sensualidade”, conforme declarou em processo (Mott, 1993MOTT, Luiz. Rosa Egipcíaca: Uma Santa Africana no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993., pp. 152-153). Em análise sobre os testamentos e inventários de homens, mulheres livres e libertos nas comarcas do Rio das Velhas e do Rio das Mortes, entre os anos de 1716 e 1789, Eduardo França Paiva discute a hipótese da mais rica testadora e ex-escrava analisada pelo autor em sua investigação ter acumulado sua fortuna com “negócios escusos” (Paiva, 2001PAIVA, Eduardo França. Escravidão e universo cultural na colônia: Minas Gerais, 1716-1789. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2001., pp. 151-153).

A liberdade e a mobilidade social criavam oportunidades de estabelecer novas relações, alterando o cotidiano dos cativos, permitindo acumulação de pecúlio para a futura compra da alforria, ou ainda vantagens e ascensão social para os descendentes (Reis, 2008REIS, Liana Maria. Crimes e escravos na capitania de todos os negros (Minas Gerais, 1720-1800). São Paulo: Hucitec , 2008., p. 73; Paiva, 2001PAIVA, Eduardo França. Escravidão e universo cultural na colônia: Minas Gerais, 1716-1789. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2001.; Dantas, 2016DANTAS, Mariana L. R. Mulheres e Mães Negras: mobilidade social e estratégias sucessórias em Minas Gerais na segunda metade do século XVIII. Almanack [online], n. 12, pp. 88-104, 2016. ). Para Júnia Furtado, “o sexo era determinante nas condições mais ou menos facilitadas de acesso à alforria” (Furtado, 2003FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o contratador dos diamantes: o outro lado do mito. São Paulo: Companhia das Letras, 2003., p. 109). A categoria de gênero, enquanto variável de desigualdade de poder entre os sexos (Scott, 1986SCOTT, Joan Wallach. Gender: A Useful Category of Historical Analysis. The American Historical Review, v. 91, n. 5, pp. 1053-1075, 1986.), foi utilizada pela historiadora em suas análises sobre as condições de acesso à liberdade. Nas Minas setecentistas, as “relações de gênero e raça estiveram fortemente interligadas” e, ao contrário do que se passava com os homens de cor, as negras de ganho eram as que mais poderiam adquirir pecúlio, “e as escravas que viviam em concubinato com homens brancos tinham maiores chances de serem alforriadas” (Furtado, 2003FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o contratador dos diamantes: o outro lado do mito. São Paulo: Companhia das Letras, 2003., p. 109).

O gênero como fator de desigualdade no contexto escravista minerador também foi empregado nas análises de Katheleen J. Higgins. Segundo a autora, as mulheres escravizadas estiveram sob o jugo de homens que migraram, principalmente solteiros, e o serviço sexual, incluindo a prostituição, configurou um tipo de exploração incorporada à formação de riquezas. Higgins, ao analisar inventários de colonos solteiros no século XVIII em Sabará, observou que mais da metade deles tinha filhos que se classificavam como herdeiros, fruto de relações sexuais lícitas ou ilícitas com cativas ou mulheres libertas5 5 Donald Ramos analisou a emigração para a capitania de Minas, oriunda da região norte de Portugal, constando como se reproduziu no território um padrão familiar similar ao lugar de origem. Dos dois lados do Atlântico, a ausência masculina, os casamentos tardios, as baixas taxas de matrimônio e as altas taxas de ilegitimidade e abandono eram uma realidade (Ramos, 2008). (Higgins, 1999HIGGINS, Kathleen J. “Licentious liberty” in a Brazilian Gold-Mining region: Slavery, Gender, and Social Control in Eighteenth-Century Sabará. Minas Gerais. University Park, PA: Pennsylvania State University Press, 1999. pp. 44-45. , pp. 44-45). Segundo Júnia Furtado, o “concubinato com homens brancos oferecia por um lado algumas vantagens a essas mulheres, pois, uma vez livres, viam diminuir o estigma da cor e da escravidão”, tanto para si como para os seus descendentes (Furtado, 2003FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o contratador dos diamantes: o outro lado do mito. São Paulo: Companhia das Letras, 2003., p. 108).

Este aspecto da exploração escravista que ilumina a experiência de mulheres escravizadas através da metodologia dos estudos da categoria gênero não se limita ao contexto das Minas. Há estudos importantes em outros espaços, sobretudo no que concerne ao século XIX, que destacam o papel das mulheres de cor no contexto da abolição da escravidão e a sua capacidade de recriar a identidade de sua nação na diáspora (Faria, 2004FARIA, Sheila de Castro. Sinhás pretas, damas mercadoras: as pretas minas nas cidades do Rio de Janeiro e São João Del Rey (1700-1850). Tese (Professora Titular) - Departamento de História. Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2004. 278 p.; Farias, 2012FARIAS, Juliana Barreto. Mercados Minas: africanos ocidentais na Praça do Mercado do Rio de Janeiro (1830-1890). Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012. 294 p. ; Farias; Xavier; Gomes, 2012FARIAS, Juliana Barreto; XAVIER, Giovana; GOMES, Flávio (Orgs.). Mulheres Negras no Brasil Escravista e do Pós-Emancipação. São Paulo: Selo Negro Edições, 2012.; Cowling, 2018COWLING, Camillia. Concebendo a liberdade: mulheres de cor, gênero e a abolição da escravidão nas cidades de Havana e Rio de Janeiro. Campinas, São Paulo: Editora UNICAMP, 2018.). Ou ainda a reprodução de um certo padrão na experiência de mulheres escravizadas, seja no comércio ou em diferentes tipos de relações lícitas e ilícitas com homens estrangeiros na colonização ibérica (Pantoja, 2001PANTOJA, Selma. A dimensão atlântica das quitandeiras. In: FURTADO, Júnia Ferreira (Org.). Diálogos Oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: UFMG , 2001. pp. 45-67.; Velázquez Gutiérrez, 2006VELÁZQUEZ GUTIÉRREZ, María Elisa. Mujeres de origen africano en la capital novohispana, siglos XVII y XVIII. México: Instituto Nacional de Antropología e Historia; Universidad Nacional Autónoma de México, Programa Universitario de Estudios de Género, 2006., pp. 219-223; Chuhue, 2011CHUHUE, Richard. Plebe, prostitución y conducta sexual en Lima del siglo XVIII. Apuntes sobre la sexualidad en Lima Borbónica. In: COLOQUIO DE HISTORIA DE LIMA, XVII, 2010, Lima - Perú. MATICORENA, Miguel et al. (Eds.). Coloquio de Lima. Lima: Edåiciones del Centro Cultural de la Universidad Nacional Mayor de San Marcos, 2011. pp. 127-151., pp. 127-151; Candido, 2012CANDIDO, Mariana P. Concubinage and slavery in Benguela, c. 1750-1850. In: OJO, Olatunji; HUNT, Nadine (Orgs.). Slavery in Africa and the Caribbean: A History of Enslavement and Identity since the 18th Century. London; New York: I. B. Tauris; New York: Palgrave Macmillan, 2012. pp. 67-77.).

SEXO POR “OITAVAS”

O ouro convidava aquela sociedade mineira a “jogar largamente” e “a gastar em superficialidades quantias extraordinárias sem reparo”, relatou o cronista André João Antonil. O religioso da primeira metade do século XVIII relacionava o pecado da luxúria com a cobiça e o descobrimento do ouro, escrevendo que, naquela sociedade, era possível comprar “um negro trombeteiro por mil cruzados, e uma mulata de mau trato por dobrado preço, para multiplicar com ela contíguos e escandalosos pecados”. As mulheres andavam nas Minas “em cordões, arrecadas e outros brincos, dos quais se veem hoje carregadas as mulatas de mau viver e as negras, muito mais que as senhoras” (Antonil, 1711ANTONIL, Andre João. Cultura e opulência do Brasil, por suas drogas e minas. Lisboa [Portugal]: Offic. Real Deslandesiana, 1711., pp. 194-195). O autor hierarquiza senhoras e cativas por meio dos adornos. Subverte valores, como riqueza/liberdade e pobreza/escravidão. Sugere que o “mau viver” rendia adereços, pois, aos olhos do religioso, o trabalho feminino e o acúmulo de riqueza não condiziam com aquela esfera da sociedade, confundido luxo e luxúria, conforme destacou Silvia Lara (2007LARA, Silvia Hunold. Fragmentos setecentistas: escravidão, cultura e poder na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras , 2007., p. 99).

O dilema entre a honra ou o dinheiro era central na cultura mineira setecentista. Nessa sociedade, inúmeros rearranjos morais foram forjados “baseados na coexistência entre o patrimonialismo, a escravidão, o mercado e os mitos da Igreja”. Herdeira dos critérios estamentais do Antigo Regime, as Minas setecentistas também encontravam valores ligados ao acúmulo de riquezas, já que “não se pode negar que o ouro deu à sociedade mineira matizes especiais” (Silveira, 1997SILVEIRA, Marco Antonio. O Universo do Indistinto: Estado e Sociedade nas Minas Setecentistas (1735-1808). São Paulo: Hucitec , 1997., pp. 106-107). O ouro era uma moeda de troca e tratava-se da “realização pura, perfeita do capital mercantil”. Assim, o mercado interno minerador era regulado pela prática social de pagamento em oitavas de ouro (Carrara, 2010CARRARA, Angelo Alves. Amoedação e oferta monetária em Minas Gerais: as Casas de Fundição e Moeda de Vila Rica. Varia Historia, v. 26, n. 43, pp. 217-239, 2010., pp. 9 e 13-14).

As relações remuneradas e provisórias faziam parte dessa forma de negociação e acesso aos recursos, ocorrendo através da prática de sexo por “oitavas” de ouro6 6 A oitava foi uma “unidade de medida de peso equivalente a 3,586 gramas ou 72 grãos”. O mesmo peso em ouro tinha valor estipulado e variou ao longo do século XVIII: até 1725, correspondeu a 1$500 réis; entre 1725 e 1730, a 1$200 réis; entre 1730 e 1732, a 1$320 réis; de 1732 a 1735, a 1$200 réis; entre os anos de 1735 a 1751, voltou a valer 1$500 réis; e a partir de 1751, a 1$200 réis (Figueiredo, 1999, p. 110). . Antônio da Costa Peixoto, em obra escrita na primeira metade do XVIII, deixou um relato valioso sobre esse comportamento social nas Minas setecentistas, indicando como a conduta era negociada. O texto apresenta formas de comunicação e interação sexual entre os gêneros. O autor sugere uma conversa com expressões da “língua geral mina” traduzida para o idioma luso, retratando o universo social e cultural de Vila Rica. O português propõe os seguintes diálogos:

- No hé name ayo parê. Mas dá-me um bocado de cono.

- Fihá náhina nauhê. Aonde lho hei de ir dar?

- Huhá mi hi zume. Vamos para o mato.

- Zume hemihom. O mato está úmido.

- Huhà mi hi zamgi. Vamos para a cama.

- Huhà mi hi. Vamos.

- Name aquhê. Dê-me ouro.

- Hé nabi na nauhê. Quanto te hei de dar?

- Name aquhé carê. Dê-me uma oitava.

- Aquhé carê he su. Uma oitava é muito. Guigeroi cou sógam name. Dá cá a balança se quiseres minha oitava.

- Gam matim hã. Não tenho balança. Có huhema name. Deite neste papel.

O autor afirma que o uso mais comum era este:

- Name ayó dim beré su nánauhé aquhé. Dá-me agora o cono e qualquer dia te darei ouro.

- Nhi maná ayóde aihohã. Eu não dou o meu cono fiado.

- Nhi matim aquhé dim hã. Eu não tenho agora ouro.

- Mé matim aquhé má ho hayô há. Quem não tem ouro não fode (Peixoto, 1741PEIXOTO, Antônio da Costa. Obra Nova da Lingua Geral de Mina. CXVI/1-14, n. 2; Évora (Biblioteca Pública de Évora). 1741., pp. 39-41).

Antônio da Costa Peixoto mostra um diálogo possível, evidenciando como as relações de sexo por “oitavas” de ouro faziam parte daquela sociedade. As conversas registram como a suposta linguagem da negociação poderia acontecer naquele contexto de alteridade social e linguística e, é claro, correspondem à realidade do autor e demonstram sua preocupação em ter acesso às relações com essas mulheres, que dirigem as questões e as respostas possibilitando conversas “com africanos” na língua “mina” (Lima, 2018LIMA, Ivana Stolze. A voz e a cruz de Rita: africanas e comunicação na ordem escravista. Revista Brasileira de História, v. 38, n. 79, pp. 41-63, 2018., p. 45).

Os diálogos propostos podem ser encontrados de forma similar em outro contexto geográfico, mas no mesmo período. Lotte van de Pol cita trechos com linguagens de negociação para prostituição em Amsterdam durante o século XVIII7 7 Lotte van de Pol destaca, dentre outros diálogos, a conversa de Ariaantje Thomas com um homem em 1740. Num dos trechos da conversa, Ariaantje diz: “Entonces tendrás que darme un ducado”, e recebe como resposta “Eso es demasiado” (Pol, 2005, p. 207). . Contudo, para o caso da região das minas, Peixoto se esforça não só em exemplificar os diálogos, termos e expressões, mas em traduzi-las do “falar mina” para português, o que demonstra a importância da comunicação em um contexto escravista e de variedade linguística, sobretudo às mulheres, nas interações sexuais, sociais e econômicas. O seu “contato com os falantes de língua mina representam relações sociais na escravidão. Trata-se de uma peça textual que, para além do que tenham sido seus objetivos e formas de uso e circulação, opera uma representação e uma elaboração simbólica sobre a experiência”, conforme destacou Ivana Stolze Lima (2018LIMA, Ivana Stolze. A voz e a cruz de Rita: africanas e comunicação na ordem escravista. Revista Brasileira de História, v. 38, n. 79, pp. 41-63, 2018., p. 47)8 8 Tráfego, sociabilidades, vivência e agência de homens e mulheres de origem “mina” na região mineradora foram amplamente estudados pela historiografia (Maia, 2013; Camilo, 2015; Rezende, 2006). .

Quando as mulheres acusadas de meretrício exaltam seus rendimentos e serviços, suas falas são narradas em tom de provocação e afronta aos esforços de disciplinamento moral e sexual. Maria Franca, ao ser questionada sobre a liberdade que dava a suas cativas, respondeu “descaradamente” que trouxe suas escravas da vila de São José Del Rei “para fartar os moradores de Rio Abaixo”. Maria tinha o costume de perguntar às cativas com quem dormiam e “quais eram os que melhor lhes pagavam”, segundo denúncia de 1733 (Devassa, 1733DEVASSA 1733. Fls. 80v, 81v, 93, 95v, 96-96v; Mariana-MG (Arquivo Eclesiástico Dom Oscar de Oliveira - antigo Arquivo Eclesiástico de Mariana, AEAM). 1733.). Alguns anos antes, em 1727, o registro em tom de ultraje também havia sido descrito na fala de Maria Cabral. Em conversa com seu vizinho, ela teria dito que, para dormir “com suas negras lhe haviam de pagar ouro e muito” (Devassas, 1727-1748DEVASSAS 1727-1748. Fl. 39v; Mariana-MG (Arquivo Eclesiástico Dom Oscar de Oliveira - antigo Arquivo Eclesiástico de Mariana, AEAM). 1727-1748.). Dona Vitoriana, moradora de Vila Rica, relatou que não havia “cousa como ser mulher dama”, pois tinha sempre “duas patacas na algibeira” (Devassas, 1762-1769DEVASSAS 1762-1769. Fls. 76, 77v, 78, 79, 81v; Mariana-MG (Arquivo Eclesiástico Dom Oscar de Oliveira - antigo Arquivo Eclesiástico de Mariana, AEAM). 1762-1769.). Logo, a meretriz andava com cerca de 640 (seiscentos e quarenta réis) no bolso9 9 Segundo Angelo Carrara (2010, pp. 217-239), nas Minas havia a circulação de moedas de 640 réis e suas divisionárias (patacas, de 320 réis, meias-patacas, de 160 réis, e quartos de pataca, de 80 réis). .

As falas de insulto dessas mulheres, apesar de mediadas pelo conteúdo disciplinador das visitações, registram que a prática de agenciamento de encontros era uma realidade. As relações intercambiadas por “oitavas” de ouro também foram registradas nos livros de visitação. Em 1753, Manoel da Silva ganhava de uma só negra que tinha em sua venda a soma de oitava e meia por semana, “por deixá-la tratar com quem quiser” em Mariana. Manoel e sua esposa sabiam que o negócio era próspero, pois desejavam que “os negros se lhes convertessem em negras porque lhe rendiam mais os jornais”, ou seja, o valor adquirido após dia ou semana de trabalho (Devassa, 1753aDEVASSA 1753. Fl. 35v; Mariana-MG (Arquivo Eclesiástico Dom Oscar de Oliveira - antigo Arquivo Eclesiástico de Mariana, AEAM). 1753a.).

Manuel da Silva Pena e sua mulher Antônia da Silva foram pronunciados e presos por dar “casa de alcouce” para seus escravos e suas escravas no Campestre, durante a visita à freguesia de Itaubira, em junho de 1753 (Devassas, 1753bDEVASSA 1753. Fl. 44v; Mariana-MG (Arquivo Eclesiástico Dom Oscar de Oliveira - antigo Arquivo Eclesiástico de Mariana, AEAM). 1753b.). O casal tinha em sua propriedade cômodos destinados ao “lascivo comércio”, conforme definição da época (Bluteau, 1712-1728BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico... 8 Vols. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu; Lisboa: Officina de Pascoal da Sylva, 1712-1728. , p. 226). A sentença chegou ao Tribunal Eclesiástico de Mariana em maio do ano seguinte, provavelmente pela gravidade das denúncias, pela seriedade do delito ou ainda porque os réus não se confessaram culpados durante a visitação. As denúncias que chegavam a esse tribunal faziam parte de um mesmo processo do exercício do poder dos bispos sobre os leigos em matéria de pecados, demonstrando uma sintonia entre a ação pastoral e a justiça eclesiástica (Santos, 2013SANTOS, Patrícia Ferreira dos. Carentes de justiça: juízes seculares e eclesiásticos na “confusão de latrocínios” em Minas Gerais, 1748-1793. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2013. 455 p., pp. 235-241).

Manuel e Antônia conseguiram provar sua inocência porque, segundo o casal, havia “emissão de inveja”, pois as queixas proferidas contra o casal eram fruto dos “aumentos e lucros maiores” que tinham nas suas vendas. Os denunciados são apresentados no processo como “abastados e sem filhos”, que tinham em casa “várias donzelas com muita honestidade e recolhimento pelo qual são provadas para se casarem o que já vem sucedido com algumas” (Registro de sentença de livramento..., [1748-1764]REGISTRO DE SENTENÇA DE LIVRAMENTO de Manoel da Silva Pena e da sua mulher Antônia da Silva Monteiro; Juízo Eclesiástico. Fl. 17; Mariana-MG (Arquivo Eclesiástico Dom Oscar de Oliveira - antigo Arquivo Eclesiástico de Mariana, AEAM). ). Ambos foram absolvidos das culpas. A sentença se justifica no fato de que a residência do casal era um local de acolhimento e de recato para mulheres daquela comunidade, contrariando as denúncias por alcouce10 10 A responsabilidade dos senhores diante da ruína espiritual das cativas é um discurso presente em vários relatos de cronistas desse período (Benci, 1705, pp. 112-117; Pereira, 1728, p. 157). .

Apesar de conseguirem provar inocência, fica explícito na queixa proferida contra o casal que o sexo por “oitavas” era uma realidade. A mesma ocorrência se repete em outros relatos, como o de Luzia Pinta. A preta forra consentia no “mal viver de sua escrava Antônia interessada em que lhe dê bons jornais”. Segundo o sapateiro Antônio Teixeira, ela admitia que sua cativa se “desonestasse com homens” e os admitia em casa para si e outras negras, desde que lhe pagassem “avultados jornais de oitava e meia”. Antônia, sua cativa, dava casa para alcouce mesmo antes de morar sozinha, pois a “infâmia pública” vinha do tempo em que morava junto à ponte do Padre Faria, freguesia de Antônio Dias de Vila Rica. Já Luzia, moradora da Lagoa Limpa, tinha uma venda onde eram “contínuos os ajuntamentos de negros com negras para fins torpes”, segundo fonte de 1753 (Devassa, 1753cDEVASSA 1753. Fls. 132, 133, 133v, 134v; Mariana-MG (Arquivo Eclesiástico Dom Oscar de Oliveira - antigo Arquivo Eclesiástico de Mariana, AEAM). 1753c.).

Induzir, admitir ou consentir o uso dos corpos das escravizadas com o ganho “desonesto” era uma prática marcada pela desigualdade social e de poder entre homens e mulheres, senhores e cativas. A posse do cativo, inclusive de seu corpo, era uma prerrogativa do universo social escravista. Os escravizados “não tinham direito à sua própria sexualidade e, por extensão, a suas próprias capacidades reprodutivas” (Lovejoy, 2002LOVEJOY, Paul. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002., pp. 29-30). Os escravizados tinham pouco controle sobre o seu próprio corpo. Embora abusos sexuais fossem uma forma de subjugar, havia outras formas comuns de controle que eram atravessadas pelo corpo, como espancamentos, ataques físicos e torturas (Sweet, 2003SWEET, James H. Recreating Africa: Culture, Kinship, and Religion in the African-Portuguese World, 1441-1770. Chapel Hill, NC: The University of North Carolina Press, 2003., pp. 74; 77).

MÉ MATIM AQUHÉ MÁ HO HAYÔ HÁ. QUEM NÃO TEM OURO NÃO FODE

As relações comerciais descritas por Antônio da Costa Peixoto e relatadas nos testemunhos das visitas são baseadas num universo comum das Minas em que as trocas tinham como pagamento o ouro. Além disso, comprar fiado era uma prática corrente neste período e seguia uma lógica baseada na confiança (Santos, 2010SANTOS, R Raphael F. O ouro e a palavra: endividamento e práticas creditícias na economia mineira setecentista. In: CARRARA, Angelo Alves. (Org.). À vista ou a prazo: comércio e crédito nas Minas setecentistas. 1ª Ed. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2010. pp. 71-89., pp. 71-89). Mas as negociações sugeridas apresentam trocas comerciais em que era exigido um pagamento antecipado. Costa Peixoto apresenta as seguintes frases: “- Nhimásácouculouhé achóhã. Eu não vendo as minhas galinhas fiadas.”. Ou ainda, como já referido:

- Name ayó dim beré su nánauhé aquhé. Dá-me agora o cono e qualquer dia te darei ouro.

- Nhi maná ayóde aihohã. Eu não dou o meu cono fiado.

- Nhi matim aquhé dim hã. Eu não tenho agora ouro.

- Mé matim aquhé má ho hayô há. Quem não tem ouro não fode (Peixoto, 1741PEIXOTO, Antônio da Costa. Obra Nova da Lingua Geral de Mina. CXVI/1-14, n. 2; Évora (Biblioteca Pública de Évora). 1741., pp. 39-41).

A negociação do meretrício, prática social considerada “desonesta” e estigmatizada socialmente, poderia despertar ainda menos situação para a confiança. De todo modo, se insere na lógica comum de negociação através de trocas por ouro. Para nos aproximarmos dos valores negociados nessa atividade nas minas setecentistas, cabe compararmos os valores recorrentes citados com os comportamentos de preços nas lojas e vendas de escravos no mesmo período.

A oitava de ouro em pó e livre do quinto equivalia a 1$200 (mil e duzentos réis) nesse período (Figueiredo, 1999FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida; CAMPOS, Maria Verônica (Coords.). Códice Costa Matoso. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro , 1999., p. 110; Carrara, 2010CARRARA, Angelo Alves. Amoedação e oferta monetária em Minas Gerais: as Casas de Fundição e Moeda de Vila Rica. Varia Historia, v. 26, n. 43, pp. 217-239, 2010., pp. 217-239). Se as denúncias estiverem corretas, Manoel da Silva, sua esposa Antônia e a preta forra Luzia, apresentados acima, ganhavam por volta de 1$800 (mil e oitocentos réis) no uso “torpe” de suas cativas. Logo, o rendimento por ano de cada escrava meretriz chegava a aproximadamente 100$000 (cem mil réis). Na região onde os referidos senhores de escravos citados moravam, era possível comprar um cativo adulto com aproximadamente a mesma quantia que arrecadavam por ano através de rendas com os atos “desonestos” (Mathias, 2012MATHIAS, Carlos Leonardo Kelmer. As múltiplas faces da escravidão: o espaço econômico do ouro e sua elite pluriocupacional na formação da sociedade mineira setecentista, c. 1711-c. 1756. Rio de Janeiro: Mauad; Faperj, 2012., p. 266)11 11 Carlos Kelmer Mathias apresenta um estudo detalhado sobre os preços de escravos em vila do Carmo, futura cidade de Mariana, a partir das faixas de fortuna, entre os anos 1713 e 1756. Mathias indicou que, entre 1713 e 1730, um escravizado adulto costumava ser avaliado em 195$273 réis; e entre 1741 e 1756, em 140$719 réis (Mathias, 2012, pp. 259-266). . O preço médio de um escravizado nas Minas setecentistas, entretanto, variou muito ao longo do século e dependia sobretudo das mudanças econômicas e políticas (Bergad, 2004BERGAD, Laird W. Escravidão e história econômica: demografia de Minas Gerais, 1720-1880. Tradução de Beatriz Sidou. Bauru, SP: EDUSC, 2004., p. 246). O gênero, a origem, os atributos profissionais, a região e o período do tráfico também influenciavam nos preços.

Os registros de quantias e preços apresentados até aqui mostram que as relações “torpes” e “desonestas” em troca de ganho eram um fato. Contudo, esse tipo de atividade estava sujeito a áreas de atuação, períodos, questões econômicas e agenciamento. Não se trata de uma relação estritamente econômica de venda, mas, sim, de um universo no qual a escravidão, a pobreza, a hierarquização social, o controle moral comunitário e os valores culturais de mobilidade e ascensão estariam em cena.

Nesse sentido, a dimensão desses valores investidos nesses encontros provisórios pode ser medida a partir dos comportamentos de consumo a prazo em uma loja de Vila Rica, mercado dominado por mulheres de descendência africana neste período, como comprova Débora Camilo (2015CAMILO, Débora Cristina Gonzaga. As donas da rua: comerciantes de ascendência africana em Vila Rica e Mariana (1720-1800). Ouro Preto: UFOP, 2015.). Durante a primeira metade do setecentos, uma quarta de arroz, por exemplo, custava cerca de quinhentos réis (Pereira, 2010PEREIRA, Alexandra Maria. Uma loja em Vila Rica. In: CARRARA, Angelo Alves (Org.). À vista ou a prazo: comércio e crédito nas Minas setecentistas. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2010. pp. 33-52., p. 46). Antonil registra que uma galinha era vendida por “três ou quatro oitavas”, um “chapéu ordinário era vendido por seis oitavas”, uma “negra ladina cozinheira” era vendida por trezentos e cinquenta oitavas. Um “negro bem feito, valente, e ladino” era comprado por trezentas oitavas (Antonil, 1711ANTONIL, Andre João. Cultura e opulência do Brasil, por suas drogas e minas. Lisboa [Portugal]: Offic. Real Deslandesiana, 1711., pp. 141-142). Se compararmos com os valores discutidos anteriormente neste texto, poderemos perceber que o ganho com essas relações era relativamente alto.

O lugar econômico do meretrício também chegou a incomodar as câmaras municipais, pois associavam a presença das meretrizes à iniquidade dos impostos e aos desvios de receita12 12 Conferir: Sobre as mortes e roubos..., 1719; Lima Jr., 1901, pp. 326-328. Sobre a presença das mulheres escravizadas nas áreas de mineração, conferir: Reis, 2007, pp. 206-208 e 261. . Um edital da Câmara de Sabará, em 1744, declarava que inúmeras “mulheres pretas, e pardas” pagavam a capitação sem terem nenhuma escrava, e era certo que viviam das “ofensas de Deus” e que sua “contribuição [era] a de sair do pecado”. As mulheres quitavam o direito régio, mas não se empregavam em tirar ouro. Logo, talvez vivessem de forma desonesta, para que, “além do sustento”, pagassem a capitação. Na interpretação das autoridades, essa forma de pagamento era “contra lei de Deus”. Em outubro do mesmo ano, a câmara de vila Nova Rainha também dissertava sobre a tópica, já que, da mesma maneira, “a negra forra, e a mulata”, apesar de supostamente não se empregarem a “tirar ouro”, viviam talvez de “ofender a Deus” para seu sustento e pagamento da capitação (Impostos na capitania mineira..., 1897IMPOSTOS na capitania mineira: clamores e súplicas das câmaras em nome do povo. Revista do Arquivo Público Mineiro (RAPM), n. 2, pp. 287-309, 1897. Disponível em: Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/rapm/brtacervo.php?cid=71&op=1 . Acesso em: 30 jun. 2021.
http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modu...
, pp. 287-311).

O autor procura sensibilizar as autoridades régias sobre a injustiça dos impostos e suas consequências sobre a miserabilidade feminina. O dinheiro recebido por práticas de “ofensas a Deus” constituía um lucro e materializava, de acordo com a narrativa, um rendimento ilícito. O incômodo dos administradores também passa por esse imaginário de que a receita dos tributos não poderia vir do ganho pelo “pecado”.

Em 1749, uma mulata foi pagar a capitação com uma peça de Bretanha13 13 “Tecido fino de linho que se fabrica na Bretanha, cuja expressão se generalizou para qualquer peça de pano trazida daquela região.” (Figueiredo; Campos, 1999, pp. 79-90). penhorada. Contudo, ao hesitar aceitar o “semelhante penhor”, Tomé Gomes Moreira declarou que ouviu da mulata forra que era “tal a sua miséria que não tendo coisa alguma com que poder pagar” o direito régio, e por temor à “violência da execução que havia de padecer”, foi “na noite antecedente usar mal de si a troco da peça” (Moreira, 1999 [1749]MOREIRA, Tomé Gomes. [Papel feito acerca de como se estabeleceu a capitação nas Minas Gerais e em que se mostra ser mais útil o quintar-se o ouro, porque assim só se paga o que o deve]. In: Códice Costa Matoso. FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida; CAMPOS, Maria Verônica (Coords.). Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro , 1999 [1749]. [fl. 230v]., fl. 230v). A peça de “tecido fino de linho que se fábrica na Bretanha” era vendida em Vila Rica por três mil contos de réis (Ferreira, 2010, p. 37).

O “mal uso de si” garantiu um ganho imediato. Apesar de não ser um exemplo de relação direta de sexo por “oitavas” de ouro, o empenho de objetos de valor, usado como forma de quitação da dívida, era uma forma de se conseguir dinheiro emprestado durante o século XVIII. No empenho, o credor adiantava dinheiro com a garantia de entrega dos bens de valor, que ficavam na posse do credor até a quitação da dívida (Santos, 2005SANTOS, Raphael Freitas. “Devo que pagarei”: sociedade, mercado e práticas creditícias na comarca do Rio das Velhas (1713-1773). Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2005. 196 p., pp. 141-143). Os homens, as mulheres e os escravizados envolvidos com as práticas sociais relacionadas ao meretrício tinham acesso direto ao ouro, pois se tratava de uma conduta não tributada e, portanto, sem menção nas listas nominativas, mas que dialogava com a realidade social mineira.

A DIÁSPORA, AS PALAVRAS E AS EXPRESSÕES

Além dos exemplos de diálogos segundo os quais os relacionamentos seriam por “oitavas” de ouro, Costa Peixoto deixou registradas duas palavras diretamente associadas ao meretrício em seu dicionário. Durante a primeira metade do século XVIII, o termo angalito associava-se ao meretrício na “língua geral mina”, enquanto a palavra josi significava o mesmo que “mulher dama, ou puta” (Peixoto, 1741PEIXOTO, Antônio da Costa. Obra Nova da Lingua Geral de Mina. CXVI/1-14, n. 2; Évora (Biblioteca Pública de Évora). 1741., fl. 15).

Os falantes da então chamada língua “mina”, que Antônio da Costa Peixoto buscava acessar através da comunicação, eram escravizados traficados da Costa da Mina, oriundos do grupo conhecido como “mina”, o qual, naquele contexto, tratava-se de uma representação mais geográfica que de etnias específicas, e abrangia toda a costa da África Ocidental, a leste da Costa do Ouro. Segundo Mariza Soares, “os chamados ‘mina’ não são um grupo étnico e sim o resultado da reorganização de diferentes grupos étnicos procedentes da Costa da Mina que, a partir do século XV em função da configuração do Império português, passam a ser assim designados” (1999SOARES, Mariza de Carvalho. Os Mina em Minas: Tráfico Atlântico, Redes de Comércio e Etnicidade. In: SIMPÓSIO NACIONAL DA ANPUH, XX, 1999. NODARI, Eunice; PEDRO, Joana Maria; IOKOI, Zilda M. Gricoli (Orgs.). História: Fronteiras - XX Simpósio Nacional da ANPUH. Vol. II. Florianopólis, 1999. pp. 689-685., p. 689). Robin Law (2006LAW, Robin. Etnias de africanos na diáspora: novas considerações sobre os significados do termo “mina”. Tempo, Rio de Janeiro: 7 Letras, v. 10, n. 20, pp. 98-120, 2006.) analisou como o termo “mina”, na diáspora e nas Américas, pode ter vários significados. O termo pode designar lugares, bem como grupos étnicos ou linguísticos distintos. Portanto, não há associação direta do grupo étnico “mina” com a língua “mina”, sobretudo no âmbito das relações sociais e linguísticas forjadas em contexto de diáspora e de narrativas sobre suas origens (Lima, 2018LIMA, Ivana Stolze. A voz e a cruz de Rita: africanas e comunicação na ordem escravista. Revista Brasileira de História, v. 38, n. 79, pp. 41-63, 2018., p. 48).

A necessidade de tradução evidencia o esforço que se voltava à interação social entre os grupos e gêneros. Mas é preciso certo cuidado na assimilação desses termos propostos por Costa Peixoto em seu dicionário, pois ele acaba por igualar condutas de culturas diferentes cujos significados podem ser entendidos de formas variadas. Adam Jones observa a ambiguidade dos relatos dos missionários europeus em diferenciar as práticas de prostituição, poliandria ou estupro na costa da África Ocidental, entre 1660-1860. As descrições acabam por acomodar os aprendizados sobre o comportamento na região ao que já se sabia sobre a conduta no continente europeu ou em outras partes do mundo (Jones, 2019JONES, Adam. Prostitution, Polyandry or Rape? On the Ambiguity of European Sources for the West African Coast, 1660-1860. In: CANDIDO, Mariana; JONES, Adam (Eds.). African Women in the Atlantic World: Property, Vulnerability and Mobility, 1660-1880. Woodbridge, Suffolk, England: Boydell and Brewer, 2019. pp. 89-108.)14 14 Agradeço ao Professor Adam Jones pelo envio desse texto. .

Apesar de pouco conhecimento e estudos sobre as práticas sexuais no continente africano neste período, é necessário questionar o uso dos mesmos sistemas sociais e de gênero da cultura euro-americana para sociedades de origem africana, conforme destacou Oyèrónḱẹ Oyěwùmí (2004)OYĚWÙMÍ, Oyèrónḱẹ. Conceituando o gênero: os fundamentos eurocêntricos dos conceitos feministas e o desafio das epistemologias africanas. Tradução de Juliana Araújo Lopes para uso didático. Disponível em: Disponível em: https://filosofia-africana.weebly.com/uploads/1/3/2/1/13213792/oy%C3%A8r%C3%B3nk%C3%A9_oy%C4%9Bw%C3%B9m%C3%AD_-_conceitualizando_o_g%C3%AAnero._os_fundamentos_euroc%C3%AAntrico_dos_conceitos_feministas_e_o_desafio_das_epistemologias_africanas.pdf . Acesso em: 30 jun. 2022.
https://filosofia-africana.weebly.com/up...
. James Sweet afirma que não se pode aplicar equivalências entre os comportamentos sexuais africanos e americanos neste contexto. Entretanto, muitos dos mesmos arranjos e atitudes persistiriam na diáspora, causando uma variedade de estigmas e tentativas de controle dos comportamentos da população escravizada (Sweet, 2003SWEET, James H. Recreating Africa: Culture, Kinship, and Religion in the African-Portuguese World, 1441-1770. Chapel Hill, NC: The University of North Carolina Press, 2003., p. 35).

Alguns relatos de missionários, por exemplo, confundiam práticas de “prostituição” com escolas de iniciação para meninas na costa da África Ocidental, dificultando o uso do termo para essas sociedades neste contexto, afirma Adam Jones (2019JONES, Adam. Prostitution, Polyandry or Rape? On the Ambiguity of European Sources for the West African Coast, 1660-1860. In: CANDIDO, Mariana; JONES, Adam (Eds.). African Women in the Atlantic World: Property, Vulnerability and Mobility, 1660-1880. Woodbridge, Suffolk, England: Boydell and Brewer, 2019. pp. 89-108.). O autor cita relatos do final do século XVII e do início do XVIII, nos quais ocorria a compra de escravas exclusivamente para a prestação de serviços sexuais, com cerimônias de iniciação e a obrigação de entregarem parte de sua renda aos proprietários. Na Costa do Ouro ocidental, as mulheres tinham supostamente que atender às necessidades sexuais de homens solteiros, em particular de escravos. O autor considera a possibilidade de o sexo ser visto como uma mercadoria nessas sociedades e não propriamente um assunto privado. E, mesmo diante da dificuldade de se classificar a existência da “prostituição” na África, Adam Jones destaca que é preciso ainda identificar as especificidades das experiências. As “prostitutas” da Costa do Ouro eram “propriedade” de pessoas influentes de uma aldeia, enquanto as da Costa dos Escravos, por um lado, pertenciam à comunidade como um todo e, por outro, pareciam ter sido relativamente autônomas (Jones, 2009).

Nas minas setecentistas, as palavras que supostamente seriam usadas como sinônimos de meretrício foram reguladas pelo vocabulário discursivo da cultura cristã reformadora ocidental. As mulheres eram denunciadas como “meretrizes”, “mulheres públicas”, “devassas do seu corpo”, “desonestas”, com “ganho pelo pecado” ou com “uso torpe dos corpos” (Souza, 2018SOUZA, Alexandre Rodrigues de. A prostituição em Minas Gerais no século XVIII: “Mulheres públicas”, moralidade e sociedade. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História. Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2018.). As visitações denunciam mulheres em comportamentos considerados imorais num contexto de colonização ibérica, no qual a salvação da alma estava relacionada à submissão aos dogmas religioso-morais, que impunham o controle dos corpos femininos (Del Priore, 1993DEL PRIORE, Mary. Ao Sul do Corpo: condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil Colônia. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1993.; Stolke, 2006STOLKE, Verena. O enigma das interseções: classe, “raça”, sexo, sexualidade: a formação dos impérios transatlânticos do século XVI ao XIX. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 14, n. 1, pp. 15-42, 2006.).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos concernentes à época moderna mostram que, para o contexto europeu, a prostituição tinha um papel econômico importante, ainda que marginalizado e invisibilizado (Hufton, 1996HUFTON, Olwen. Kept mistresses and common strumpets. In: The Prospect Before Her: A History of Women in Western Europe, 1500-1800. London: Harper Collins, 1996. pp. 299-331., pp. 299-331; Pol, 2005POL, Lotte van de. La puta y el ciudadano: la prostitución en Amsterdam en los siglos XVII y XVIII. Madrid: Siglo XXI de España Editores, 2005., pp. 189-219). Na região mineradora da América portuguesa, durante a primeira metade do setecentos, este artigo apresenta uma realidade similar que, envolvendo as hierarquias e as desigualdades da escravidão, se materializava nas trocas de sexo por “oitavas”, conforme se registrou através de uma análise original dos diálogos de Antônio da Costa Peixoto e das vozes das testemunhas das visitações. Apesar de a maioria dos casos envolverem relações de sujeição, violência e desigualdade, havia espaço para as mulheres agenciarem essas atividades. O português Antônio da Costa Peixoto demonstra em seu texto o papel da comunicação, no qual o falar “mina” situa as mulheres como sujeitos na interação social, econômica e sexual. Apesar de o uso do termo “prostituição” na África ocidental ainda exigir certo rigor, isso não invalida a possibilidade de que essas mulheres de descendência africana tenham espelhado condutas no território da América Portuguesa, como fizeram no que diz respeito a outros comportamentos.

REFERÊNCIAS

  • ANTONIL, Andre João. Cultura e opulência do Brasil, por suas drogas e minas. Lisboa [Portugal]: Offic. Real Deslandesiana, 1711.
  • BENCI, Giorgio. Economia Chistãa dos senhores no governo dos escravos. Roma: Officina de Antonio de Rossi..., 1705. Disponível em: Disponível em: http://purl.pt/24731 Acesso em: 20 mai. 2020.
    » http://purl.pt/24731
  • BERGAD, Laird W. Escravidão e história econômica: demografia de Minas Gerais, 1720-1880. Tradução de Beatriz Sidou. Bauru, SP: EDUSC, 2004.
  • BOSCHI, Caio César. As visitas diocesanas e a Inquisição na colônia. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 7, n. 14, pp. 151-184, 1987.
  • BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico... 8 Vols. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu; Lisboa: Officina de Pascoal da Sylva, 1712-1728.
  • BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Minas patriarcal: família e sociedade (São João del Rei - séculos XVIII e XIX). São Paulo: Annablume, 2007.
  • CAMILO, Débora Cristina Gonzaga. As donas da rua: comerciantes de ascendência africana em Vila Rica e Mariana (1720-1800). Ouro Preto: UFOP, 2015.
  • CANDIDO, Mariana P. Concubinage and slavery in Benguela, c. 1750-1850. In: OJO, Olatunji; HUNT, Nadine (Orgs.). Slavery in Africa and the Caribbean: A History of Enslavement and Identity since the 18th Century. London; New York: I. B. Tauris; New York: Palgrave Macmillan, 2012. pp. 67-77.
  • CARRARA, Angelo Alves. Amoedação e oferta monetária em Minas Gerais: as Casas de Fundição e Moeda de Vila Rica. Varia Historia, v. 26, n. 43, pp. 217-239, 2010.
  • CARVALHO, Joaquim R. Confessar e devassar: a Igreja e a vida privada na época moderna. In: MATTOSO, José (Dir.); MONTEIRO, Nuno Gonçalo (Org.). História da vida privada em Portugal: a Idade Moderna. Lisboa: Temas e Debates; Círculo de Leitores, 2011. pp. 32-57.
  • CASTRO, Yeda Pessoa de. A língua mina-jeje no Brasil: um falar africano em Ouro Preto do século XVIII. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro; Secretaria da Cultura do Estado de Minas Gerais, 2002.
  • CHUHUE, Richard. Plebe, prostitución y conducta sexual en Lima del siglo XVIII. Apuntes sobre la sexualidad en Lima Borbónica. In: COLOQUIO DE HISTORIA DE LIMA, XVII, 2010, Lima - Perú. MATICORENA, Miguel et al. (Eds.). Coloquio de Lima. Lima: Edåiciones del Centro Cultural de la Universidad Nacional Mayor de San Marcos, 2011. pp. 127-151.
  • COWLING, Camillia. Concebendo a liberdade: mulheres de cor, gênero e a abolição da escravidão nas cidades de Havana e Rio de Janeiro. Campinas, São Paulo: Editora UNICAMP, 2018.
  • DANTAS, Mariana L. R. Mulheres e Mães Negras: mobilidade social e estratégias sucessórias em Minas Gerais na segunda metade do século XVIII. Almanack [online], n. 12, pp. 88-104, 2016.
  • DEL PRIORE, Mary. Ao Sul do Corpo: condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil Colônia. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1993.
  • DEL PRIORE. Mary. Mulheres de trato ilícito: a prostituição na São Paulo do século XVIII. Anais do Museu Paulista, n. 35, pp. 167-200, 1987.
  • DEVASSAS 1727-1748. Fl. 39v; Mariana-MG (Arquivo Eclesiástico Dom Oscar de Oliveira - antigo Arquivo Eclesiástico de Mariana, AEAM). 1727-1748.
  • DEVASSA 1733. Fls. 80v, 81v, 93, 95v, 96-96v; Mariana-MG (Arquivo Eclesiástico Dom Oscar de Oliveira - antigo Arquivo Eclesiástico de Mariana, AEAM). 1733.
  • DEVASSA 1753. Fl. 35v; Mariana-MG (Arquivo Eclesiástico Dom Oscar de Oliveira - antigo Arquivo Eclesiástico de Mariana, AEAM). 1753a.
  • DEVASSA 1753. Fl. 44v; Mariana-MG (Arquivo Eclesiástico Dom Oscar de Oliveira - antigo Arquivo Eclesiástico de Mariana, AEAM). 1753b.
  • DEVASSA 1753. Fls. 132, 133, 133v, 134v; Mariana-MG (Arquivo Eclesiástico Dom Oscar de Oliveira - antigo Arquivo Eclesiástico de Mariana, AEAM). 1753c.
  • DEVASSAS 1762-1769. Fls. 76, 77v, 78, 79, 81v; Mariana-MG (Arquivo Eclesiástico Dom Oscar de Oliveira - antigo Arquivo Eclesiástico de Mariana, AEAM). 1762-1769.
  • DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Sertões do Rio das Velhas e das Gerais: vida social numa frente de povoamento - 1710-1730. In: FURTADO, Júnia Ferreira (Org.). Erário mineral Luís Gomes Ferreira. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro; Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2002. pp. 45-105.
  • FARIA, Sheila de Castro. Mulheres forras: riqueza e estigma social. Tempo, Niterói, n. 9, pp. 65-92, jul. 2000.
  • FARIA, Sheila de Castro. Sinhás pretas, damas mercadoras: as pretas minas nas cidades do Rio de Janeiro e São João Del Rey (1700-1850). Tese (Professora Titular) - Departamento de História. Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2004. 278 p.
  • FARIAS, Juliana Barreto. Mercados Minas: africanos ocidentais na Praça do Mercado do Rio de Janeiro (1830-1890). Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012. 294 p.
  • FARIAS, Juliana Barreto; XAVIER, Giovana; GOMES, Flávio (Orgs.). Mulheres Negras no Brasil Escravista e do Pós-Emancipação. São Paulo: Selo Negro Edições, 2012.
  • FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. Barrocas famílias: vida familiar em Minas Gerais no século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1997.
  • FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida; CAMPOS, Maria Verônica (Coords.). Códice Costa Matoso. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro , 1999.
  • FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. O avesso da memória: cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no século XVIII. Rio de Janeiro; Brasília: José Olympio; EDUNB, 1993.
  • FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida; SOUSA, Ricardo Martins de. Segredos de Mariana: pesquisando a Inquisição mineira. Acervo, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, pp. 1-23, 1987.
  • FONSECA, Cláudia Damasceno. Arraiais e vilas d’el rei: espaço e poder nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
  • FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o contratador dos diamantes: o outro lado do mito. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
  • FURTADO, Júnia Ferreira. Pérolas Negras: mulheres livres de cor no distrito Diamantino. In: FURTADO, Júnia Ferreira (Org.). Diálogos Oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: UFMG, 2001. pp. 81-121.
  • GINZBURG, Carlo. O Inquisidor como Antropólogo. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 1, n. 21, pp. 9-20, set. 1990 - fev. 1991.
  • HIGGINS, Kathleen J. “Licentious liberty” in a Brazilian Gold-Mining region: Slavery, Gender, and Social Control in Eighteenth-Century Sabará. Minas Gerais. University Park, PA: Pennsylvania State University Press, 1999. pp. 44-45.
  • HOWELL, Philip. Prostitution. In: SMITH, Bonnie G. The Oxford Encyclopedia of Women in World History. Vol. III. Oxford: Oxford University Press, 2008. pp. 526-535.
  • HUFTON, Olwen. Kept mistresses and common strumpets. In: The Prospect Before Her: A History of Women in Western Europe, 1500-1800. London: Harper Collins, 1996. pp. 299-331.
  • IMPOSTOS na capitania mineira: clamores e súplicas das câmaras em nome do povo. Revista do Arquivo Público Mineiro (RAPM), n. 2, pp. 287-309, 1897. Disponível em: Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/rapm/brtacervo.php?cid=71&op=1 Acesso em: 30 jun. 2021.
    » http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/rapm/brtacervo.php?cid=71&op=1
  • JONES, Adam. Prostitution, Polyandry or Rape? On the Ambiguity of European Sources for the West African Coast, 1660-1860. In: CANDIDO, Mariana; JONES, Adam (Eds.). African Women in the Atlantic World: Property, Vulnerability and Mobility, 1660-1880. Woodbridge, Suffolk, England: Boydell and Brewer, 2019. pp. 89-108.
  • LARA, Silvia Hunold. Fragmentos setecentistas: escravidão, cultura e poder na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras , 2007.
  • LAW, Robin. Etnias de africanos na diáspora: novas considerações sobre os significados do termo “mina”. Tempo, Rio de Janeiro: 7 Letras, v. 10, n. 20, pp. 98-120, 2006.
  • LEWKOWICZ, Ida. Vida em família: caminhos da igualdade em Minas Gerais, século XVIII e XIX. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 1992. 351 p.
  • LIMA, Ivana Stolze. A voz e a cruz de Rita: africanas e comunicação na ordem escravista. Revista Brasileira de História, v. 38, n. 79, pp. 41-63, 2018.
  • LIMA JR, Augusto de Lima. Um municipio do ouro (memoria historica). Revista do Arquivo Público Mineiro (RAPM), Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, v. 6, pp. 319-364, 1901.
  • LOVEJOY, Paul. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
  • MAIA, Moacir Rodrigo de Castro. De reino traficante a povo traficado: a diáspora dos courás do Golfo do Benim para as minas de ouro da América Portuguesa (1715-1760). Tese (Doutorado) - Instituto de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2013.
  • MANGAN, Jane E. Trading Roles: Gender, Ethnicity, and the Urban Economy in Colonial Potosí. Durham, NC: Duke University Press, 2005.
  • MATHIAS, Carlos Leonardo Kelmer. As múltiplas faces da escravidão: o espaço econômico do ouro e sua elite pluriocupacional na formação da sociedade mineira setecentista, c. 1711-c. 1756. Rio de Janeiro: Mauad; Faperj, 2012.
  • MOREIRA, Tomé Gomes. [Papel feito acerca de como se estabeleceu a capitação nas Minas Gerais e em que se mostra ser mais útil o quintar-se o ouro, porque assim só se paga o que o deve]. In: Códice Costa Matoso. FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida; CAMPOS, Maria Verônica (Coords.). Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro , 1999 [1749]. [fl. 230v].
  • MOTT, Luiz. Rosa Egipcíaca: Uma Santa Africana no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993.
  • OYĚWÙMÍ, Oyèrónḱẹ. Conceituando o gênero: os fundamentos eurocêntricos dos conceitos feministas e o desafio das epistemologias africanas. Tradução de Juliana Araújo Lopes para uso didático. Disponível em: Disponível em: https://filosofia-africana.weebly.com/uploads/1/3/2/1/13213792/oy%C3%A8r%C3%B3nk%C3%A9_oy%C4%9Bw%C3%B9m%C3%AD_-_conceitualizando_o_g%C3%AAnero._os_fundamentos_euroc%C3%AAntrico_dos_conceitos_feministas_e_o_desafio_das_epistemologias_africanas.pdf Acesso em: 30 jun. 2022.
    » https://filosofia-africana.weebly.com/uploads/1/3/2/1/13213792/oy%C3%A8r%C3%B3nk%C3%A9_oy%C4%9Bw%C3%B9m%C3%AD_-_conceitualizando_o_g%C3%AAnero._os_fundamentos_euroc%C3%AAntrico_dos_conceitos_feministas_e_o_desafio_das_epistemologias_africanas.pdf
  • PAIVA, Eduardo França. Escravidão e universo cultural na colônia: Minas Gerais, 1716-1789. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2001.
  • PAIVA, Eduardo França. Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII: estratégias de resistência através dos testamentos. São Paulo: Annablume , 1995.
  • PAIVA, José Pedro. As visitas pastorais. In: AZEVEDO, Carlos Moreira (Dir.). História religiosa de Portugal. Vol. II. Lisboa: Círculo de Leitores, 2000. pp. 250-255.
  • PANTOJA, Selma. A dimensão atlântica das quitandeiras. In: FURTADO, Júnia Ferreira (Org.). Diálogos Oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: UFMG , 2001. pp. 45-67.
  • PEIXOTO, Antônio da Costa. Obra Nova da Lingua Geral de Mina. CXVI/1-14, n. 2; Évora (Biblioteca Pública de Évora). 1741.
  • PEIXOTO, Antônio da Costa. Alguns apontamentos da lingoa minna com as palavras portuguezas correspondentes. Seção de reservados; Lisboa (Biblioteca Nacional de Lisboa). 1731.
  • PEREIRA, Alexandra Maria. Uma loja em Vila Rica. In: CARRARA, Angelo Alves (Org.). À vista ou a prazo: comércio e crédito nas Minas setecentistas. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2010. pp. 33-52.
  • PEREIRA, Nuno Marques. Compendio narrativo do peregrino da America. Lisboa Occidental: Officina de Manoel Fernandes da Costa, impressor do Santo Officio, 1728.
  • POL, Lotte van de. La puta y el ciudadano: la prostitución en Amsterdam en los siglos XVII y XVIII. Madrid: Siglo XXI de España Editores, 2005.
  • RAMOS, Donald. Do Minho a Minas. Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte, v. 44, n. 1, pp. 132-153, 2008.
  • REGISTRO DE SENTENÇA DE LIVRAMENTO de Manoel da Silva Pena e da sua mulher Antônia da Silva Monteiro; Juízo Eclesiástico. Fl. 17; Mariana-MG (Arquivo Eclesiástico Dom Oscar de Oliveira - antigo Arquivo Eclesiástico de Mariana, AEAM).
  • REIS, Flávia Maria da Mata. Entre faisqueiras, catas e galerias: explorações do ouro, leis e cotidiano nas Minas do século XVIII (1702-1762). Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2007. 299p.
  • REIS, Liana Maria. Mulheres de ouro: as negras de tabuleiro nas Minas Gerais do século XVIII. Revista do Departamento de História, UFMG, n. 8, pp. 72-85, 1989.
  • REIS, Liana Maria. Crimes e escravos na capitania de todos os negros (Minas Gerais, 1720-1800). São Paulo: Hucitec , 2008.
  • REZENDE, Rodrigo Castro. As nossas Áfricas: população escrava e identidades africanas nas Minas setecentistas. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2006. 189 p.
  • RODRIGUES, Aldair. Quem eram as negras e os negros minas da capitania de Minas Gerais no século XVIII. In: RODRIGUES, Aldair; LIMA, Ivana Stolze; FARIAS, Juliana Barreto (Orgs.). A diáspora Mina: africanos entre o golfo do Benim e o Brasil. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Nau, 2020. pp. 323-358.
  • SANTOS, Patrícia Ferreira dos. Carentes de justiça: juízes seculares e eclesiásticos na “confusão de latrocínios” em Minas Gerais, 1748-1793. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2013. 455 p.
  • SANTOS, Raphael Freitas. “Devo que pagarei”: sociedade, mercado e práticas creditícias na comarca do Rio das Velhas (1713-1773). Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2005. 196 p.
  • SANTOS, R Raphael F. O ouro e a palavra: endividamento e práticas creditícias na economia mineira setecentista. In: CARRARA, Angelo Alves. (Org.). À vista ou a prazo: comércio e crédito nas Minas setecentistas. 1ª Ed. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2010. pp. 71-89.
  • SCOTT, Joan Wallach. Gender: A Useful Category of Historical Analysis. The American Historical Review, v. 91, n. 5, pp. 1053-1075, 1986.
  • SILVEIRA, Marco Antonio. O Universo do Indistinto: Estado e Sociedade nas Minas Setecentistas (1735-1808). São Paulo: Hucitec , 1997.
  • SOARES, Mariza de Carvalho. Os Mina em Minas: Tráfico Atlântico, Redes de Comércio e Etnicidade. In: SIMPÓSIO NACIONAL DA ANPUH, XX, 1999. NODARI, Eunice; PEDRO, Joana Maria; IOKOI, Zilda M. Gricoli (Orgs.). História: Fronteiras - XX Simpósio Nacional da ANPUH. Vol. II. Florianopólis, 1999. pp. 689-685.
  • SOBRE AS MORTES E ROUBOS constantes na Comarca do Rio das Velhas que cometem os negros dos quilombos. SC - 4, fl. 742-748; Vila do Carmo (Arquivo Público Mineiro, APM). 28 nov. 1719. Disponível em: Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/brtdocs/photo.php?lid=15947 Acesso em: 2 fev. 2020.
    » http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/brtdocs/photo.php?lid=15947
  • SOIHET, Rachel; PEDRO, Joana Maria. A emergência da pesquisa da história das mulheres e das relações de gênero. Revista Brasileira de História [ online], v. 27, n. 54, pp. 281-300, 2007.
  • SOUZA, Alexandre Rodrigues de. A prostituição em Minas Gerais no século XVIII: “Mulheres públicas”, moralidade e sociedade. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História. Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2018.
  • SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1982.
  • STOLKE, Verena. O enigma das interseções: classe, “raça”, sexo, sexualidade: a formação dos impérios transatlânticos do século XVI ao XIX. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 14, n. 1, pp. 15-42, 2006.
  • SWEET, James H. Recreating Africa: Culture, Kinship, and Religion in the African-Portuguese World, 1441-1770. Chapel Hill, NC: The University of North Carolina Press, 2003.
  • VELÁZQUEZ GUTIÉRREZ, María Elisa. Mujeres de origen africano en la capital novohispana, siglos XVII y XVIII. México: Instituto Nacional de Antropología e Historia; Universidad Nacional Autónoma de México, Programa Universitario de Estudios de Género, 2006.
  • 1
    Este artigo apresenta uma versão das discussões estabelecidas em minha tese intitulada “A prostituição em Minas Gerais no século XVIII: ‘mulheres públicas’, moralidade e sociedade”, defendida na Universidade Federal Fluminense (PPGH/UFF) em 2018, orientada pelo Prof. Luciano Figueiredo, com financiamento da CAPES e FAPERJ. Agradeço aos professores Jacqueline Sarmiento, Gefferson Ramos e Adriano Paiva pelas críticas e sugestões ao texto original. Também sou muito grato à leitura cuidadosa dos pareceristas anônimos e revisores da RBH.
  • 2
    As intersecções entre comércio e sociedade urbana têm sido utilizadas para explicar as dinâmicas e construção de hierarquias sociais em outras realidades escravistas similares na América colonial (Mangan, 2005MANGAN, Jane E. Trading Roles: Gender, Ethnicity, and the Urban Economy in Colonial Potosí. Durham, NC: Duke University Press, 2005., pp. 7-13).
  • 3
    O texto de Antônio da Costa Peixoto é composto por dois manuscritos. O primeiro, Alguns apontamentos da língua Mina com as palavras portuguesas correspondentes (1731PEIXOTO, Antônio da Costa. Alguns apontamentos da lingoa minna com as palavras portuguezas correspondentes. Seção de reservados; Lisboa (Biblioteca Nacional de Lisboa). 1731.), está depositado na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa. O segundo, Obra nova da língua geral de Mina, trata-se de uma versão ampliada de 1741 e pertence à Biblioteca Pública de Évora. Existem também edições impressas do texto organizadas por Luís da Silveira, bibliotecário de Évora, publicadas em 1944 e 1945 pela Agência Geral das Colônias.
  • 4
    Entre 1711 e 1720, mais de 60% dos escravizados importados na capitania eram de origem “mina”. E, entre 1721 e 1730, apesar de o número ter diminuído, eles ainda continuavam a ser mais da metade da população escravizada que chegava às Minas (Dias, 2002DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Sertões do Rio das Velhas e das Gerais: vida social numa frente de povoamento - 1710-1730. In: FURTADO, Júnia Ferreira (Org.). Erário mineral Luís Gomes Ferreira. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro; Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2002. pp. 45-105., p. 82).
  • 5
    Donald Ramos analisou a emigração para a capitania de Minas, oriunda da região norte de Portugal, constando como se reproduziu no território um padrão familiar similar ao lugar de origem. Dos dois lados do Atlântico, a ausência masculina, os casamentos tardios, as baixas taxas de matrimônio e as altas taxas de ilegitimidade e abandono eram uma realidade (Ramos, 2008RAMOS, Donald. Do Minho a Minas. Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte, v. 44, n. 1, pp. 132-153, 2008.).
  • 6
    A oitava foi uma “unidade de medida de peso equivalente a 3,586 gramas ou 72 grãos”. O mesmo peso em ouro tinha valor estipulado e variou ao longo do século XVIII: até 1725, correspondeu a 1$500 réis; entre 1725 e 1730, a 1$200 réis; entre 1730 e 1732, a 1$320 réis; de 1732 a 1735, a 1$200 réis; entre os anos de 1735 a 1751, voltou a valer 1$500 réis; e a partir de 1751, a 1$200 réis (Figueiredo, 1999FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida; CAMPOS, Maria Verônica (Coords.). Códice Costa Matoso. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro , 1999., p. 110).
  • 7
    Lotte van de Pol destaca, dentre outros diálogos, a conversa de Ariaantje Thomas com um homem em 1740. Num dos trechos da conversa, Ariaantje diz: “Entonces tendrás que darme un ducado”, e recebe como resposta “Eso es demasiado” (Pol, 2005POL, Lotte van de. La puta y el ciudadano: la prostitución en Amsterdam en los siglos XVII y XVIII. Madrid: Siglo XXI de España Editores, 2005., p. 207).
  • 8
    Tráfego, sociabilidades, vivência e agência de homens e mulheres de origem “mina” na região mineradora foram amplamente estudados pela historiografia (Maia, 2013MAIA, Moacir Rodrigo de Castro. De reino traficante a povo traficado: a diáspora dos courás do Golfo do Benim para as minas de ouro da América Portuguesa (1715-1760). Tese (Doutorado) - Instituto de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2013.; Camilo, 2015CAMILO, Débora Cristina Gonzaga. As donas da rua: comerciantes de ascendência africana em Vila Rica e Mariana (1720-1800). Ouro Preto: UFOP, 2015.; Rezende, 2006REZENDE, Rodrigo Castro. As nossas Áfricas: população escrava e identidades africanas nas Minas setecentistas. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2006. 189 p.).
  • 9
    Segundo Angelo Carrara (2010CARRARA, Angelo Alves. Amoedação e oferta monetária em Minas Gerais: as Casas de Fundição e Moeda de Vila Rica. Varia Historia, v. 26, n. 43, pp. 217-239, 2010., pp. 217-239), nas Minas havia a circulação de moedas de 640 réis e suas divisionárias (patacas, de 320 réis, meias-patacas, de 160 réis, e quartos de pataca, de 80 réis).
  • 10
    A responsabilidade dos senhores diante da ruína espiritual das cativas é um discurso presente em vários relatos de cronistas desse período (Benci, 1705BENCI, Giorgio. Economia Chistãa dos senhores no governo dos escravos. Roma: Officina de Antonio de Rossi..., 1705. Disponível em: Disponível em: http://purl.pt/24731 . Acesso em: 20 mai. 2020.
    http://purl.pt/24731...
    , pp. 112-117; Pereira, 1728PEREIRA, Nuno Marques. Compendio narrativo do peregrino da America. Lisboa Occidental: Officina de Manoel Fernandes da Costa, impressor do Santo Officio, 1728. , p. 157).
  • 11
    Carlos Kelmer Mathias apresenta um estudo detalhado sobre os preços de escravos em vila do Carmo, futura cidade de Mariana, a partir das faixas de fortuna, entre os anos 1713 e 1756. Mathias indicou que, entre 1713 e 1730, um escravizado adulto costumava ser avaliado em 195$273 réis; e entre 1741 e 1756, em 140$719 réis (Mathias, 2012MATHIAS, Carlos Leonardo Kelmer. As múltiplas faces da escravidão: o espaço econômico do ouro e sua elite pluriocupacional na formação da sociedade mineira setecentista, c. 1711-c. 1756. Rio de Janeiro: Mauad; Faperj, 2012., pp. 259-266).
  • 12
    Conferir: Sobre as mortes e roubos..., 1719SOBRE AS MORTES E ROUBOS constantes na Comarca do Rio das Velhas que cometem os negros dos quilombos. SC - 4, fl. 742-748; Vila do Carmo (Arquivo Público Mineiro, APM). 28 nov. 1719. Disponível em: Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/brtdocs/photo.php?lid=15947 . Acesso em: 2 fev. 2020.
    http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modu...
    ; Lima Jr., 1901LIMA JR, Augusto de Lima. Um municipio do ouro (memoria historica). Revista do Arquivo Público Mineiro (RAPM), Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, v. 6, pp. 319-364, 1901. , pp. 326-328. Sobre a presença das mulheres escravizadas nas áreas de mineração, conferir: Reis, 2007REIS, Flávia Maria da Mata. Entre faisqueiras, catas e galerias: explorações do ouro, leis e cotidiano nas Minas do século XVIII (1702-1762). Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2007. 299p., pp. 206-208 e 261.
  • 13
    “Tecido fino de linho que se fabrica na Bretanha, cuja expressão se generalizou para qualquer peça de pano trazida daquela região.” (Figueiredo; Campos, 1999FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida; CAMPOS, Maria Verônica (Coords.). Códice Costa Matoso. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro , 1999., pp. 79-90).
  • 14
    Agradeço ao Professor Adam Jones pelo envio desse texto.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    09 Jul 2021
  • Aceito
    09 Nov 2021
Associação Nacional de História - ANPUH Av. Professor Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária, Caixa Postal 8105, 05508-900 São Paulo SP Brazil, Tel. / Fax: +55 11 3091-3047 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbh@anpuh.org