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Vanguarda e tradição no manifesto da revista Joaquim

Vanguard and Tradition in the Manifesto of Joaquim Magazine

RESUMO

O artigo explora e discute as análises do “Manifesto para não ser lido”, texto inaugural da revista Joaquim, criada pelo escritor curitibano Dalton Trevisan em 1946. Desde o seu surgimento, a revista é vinculada pela crítica literária à herança da vanguarda modernista que tem como referência a Semana de 1922. Embora também seja vinculado a essa tradição, o conjunto das evidências analisadas sobre o Manifesto possibilita associar Erasmo Pilotto, o responsável por sua elaboração, ao modernismo de tradição simbolista. As divergências entre os membros da revista, em relação à continuidade ou à ruptura com a tradição, oferecem uma perspectiva privilegiada sobre os debates travados acerca do lugar que Curitiba ocupou no cenário modernista brasileiro.

Palavras-chave:
modernismo; manifestos; Dalton Trevisan; Erasmo Pilotto; revista Joaquim

ABSTRACT

The article explores and discusses the analyses of “Manifesto para não ser lido” (Manifesto not to be read), the inaugural text of Joaquim magazine, created in 1946 by the Curitiba writer Dalton Trevisan. Since its inception, the magazine has been associated by literary critics with the heritage of the modernist avant-garde that has the Semana de 1922 as its benchmark. Although it is also linked to this tradition, the evidence analyzed on the Manifesto allows us to associate Erasmo Pilotto, who was responsible for its drafting, with Modernism in the Symbolist tradition. The divergences between the editors of the magazine, in regard to continuity or rupture with tradition, offer a privileged perspective on the debates held about the place Curitiba occupied on the Brazilian modernist scene.

Keywords:
Modernism; Manifestos; Dalton Trevisan; Erasmo Pilotto; Joaquim magazine

Em 1946, aos vinte e um anos de idade, o escritor Dalton Trevisan criou a revista Joaquim. Com um nome inusitado para os padrões das revistas brasileiras da época, teve seu lançamento noticiado pela imprensa de Curitiba, que de imediato reconheceu que a cidade precisava mesmo de uma “revista de literatura mais ou menos irreverente” para criar “um novo ambiente literário nestas plagas provincianas” (Joaquim, 1946JOAQUIM. Diário do Paraná, Curitiba, p. 2, 24 abr. 1946., p. 2). Entre o lançamento e o fim da Joaquim, em 1948, seriam 21 números da revista, cujo núcleo inicial contava também com a participação de Erasmo Pilotto, um educador que ocupava à época um lugar de destaque nos círculos intelectuais e políticos, e Antonio Walger, amigo e parceiro de Trevisan nos empreendimentos editoriais desde que criaram juntos, aos quinze anos de idade, a revista ginasial Tingui.

No Rio de Janeiro, os jornais também anunciaram o lançamento da revista. O Diário de Notícias expressou espanto mais com o “estranho título” do manifesto que inaugurava a revista, intitulado “Manifesto para não ser lido”, do que com o conteúdo, pois haveria “um certo atropelo na maneira como se apresentam ou, melhor, apresentam as ideias próprias e alheias” (Lima, 1946LIMA, Raul. Movimento Literário. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, p. 2, 14 jul. 1946. , p. 2). No diário O Jornal, Antonio Candido publicou um artigo no qual afirmava que o nome das principais revistas de moços dessa época teria captado “as tendências da nova geração, como se todos tivessem combinado”: Joaquim, de Curitiba, Edifício, de Belo Horizonte, e Magog, do Rio de Janeiro, por ele consideradas as mais importantes, revelariam uma retomada tanto da iconoclastia quanto da estética da geração de 1922 (Cândido, 1946CANDIDO, Antônio. Notas de crítica literária: revistas. O Jornal: órgão dos Diários Associados. Rio de Janeiro, p. 4, 9 jun. 1946., p. 4).

A Joaquim e essas outras revistas também estariam se distanciando da geração dos “chato-boys” de 1935 - na expressão cunhada por Oswald de Andrade para qualificar os integrantes da revista Clima -, geração essa que, nas palavras de Antonio Candido, seria formada por “indivíduos incapazes de poesias e espontaneidade, sérios, trombudos, lendo como uns desesperados sem imaginação, loucos por sociologia”, postura que estaria refletida até mesmo no nome das revistas da sua geração: Rumo, Problemas, Clima, Ilustração. Em vista disso, essas novas revistas que vinham surgindo possibilitariam “um novo desabafo de caráter mais pessoal, uma presença mais efetiva da pessoa do escritor”, em lugar do “exercício da atividade crítica sob todas as suas formas” (Cândido, 1946CANDIDO, Antônio. Notas de crítica literária: revistas. O Jornal: órgão dos Diários Associados. Rio de Janeiro, p. 4, 9 jun. 1946., p. 4).

O atropelo mencionado no jornal carioca se deve ao fato de o “Manifesto para não ser lido” ter sido feito por meio de um recorta-e-cola com textos de sete autores, desvinculados entre si e oriundos de épocas e lugares distintos, dispostos um abaixo do outro e divididos em duas colunas. Assim, Rainer Maria Rilke, John Dewey, André Gide, Vladimir Maiakovski, Sérgio Milliet, Otto Maria Carpeaux e Paul Verlaine se viam compulsoriamente transformados num manifesto.

Figura 1
Manifesto para não ser lido (Joaquim, 1946JOAQUIM. Diário do Paraná, Curitiba, p. 2, 24 abr. 1946., p. 1).

A interdição no título, a colagem e a necessidade de uma página impressa para dar unicidade ao texto podem ecoar, conforme Marjorie Perloff (2018PERLOFF, Marjorie. O momento futurista: Avant-garde, Avant-guerre, e a Linguagem da Ruptura. Tradução de Sebastião Uchoa Leite. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2018.), alguns elementos da estética modernista. Embora o Manifesto não expressasse, de forma clara, a adesão à iconoclastia de 1922, ou mesmo o afastamento em relação aos “chato-boys” de 1935, os estudos das décadas seguintes prontamente conectaram o manifesto da Joaquim às vanguardas. Exemplo é a afirmação de que teria sido “confeccionado à maneira dos ready-made” de Marcel Duchamp, pois a transferência das passagens para os contornos de um manifesto teria criado uma outra categoria de arte, repleta, portanto, de novos significados (Moreira, 2008MOREIRA, Caio Ricardo Bona. O sequestro do simbolismo na revista Joaquim: o grito do vampiro contra o sussurro do nefelibata. Crítica Cultural, v. 3, n. 1, 2008. ). De fato, a partir do momento em que aqueles autores foram tragados para dentro de um novo suporte, uma nova arte surgiu. E como qualquer outra elaboração artística, o manifesto carrega em si toda a latência para improváveis interpretações, ao ponto de ser possível também afirmar hipoteticamente que, além de ser um ready-made, poderia ser uma espécie de receita de poema dadaísta ao estilo de Tristan Tzara:

Pegue um jornal. Pegue a tesoura. Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar a seu poema. Recorte o artigo. Recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam esse artigo [e meta-as num saco. Agite suavemente. Tire em seguida cada pedaço um após o outro. Copie conscienciosamente na ordem em que elas são tiradas do saco. O poema se parecerá com você. E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, [ainda que incompreendido do público (Tzara, 1987TZARA, Tristan. Sete Manifestos Dada. Tradução de José Miranda Justo. Desenhos de Francis Picabia. Lisboa: Hiena Editora, 1987. , p. 42).

Os manifestos ocupam um lugar privilegiado no estudo do modernismo e das vanguardas, e por essa via dão o “tom para grande parte da expressão moderna em arte” (Duarte, 2014DUARTE, Pedro. A palavra modernista: vanguarda e manifesto. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014. , p. 57). Por artifício de um vínculo que se estabeleceu entre a Joaquim e o modernismo brasileiro, os estudos acerca do manifesto atuaram para revelar as conexões com a geração de 1922, como é o caso de Antonio Candido, e com a nova geração que irrompia no período que se iniciava com o fim da Segunda Guerra e a morte de Mario de Andrade. Assim, na década de 1970, Cassiana de Lacerda Carollo qualificava o manifesto como uma “declaração de princípios” e reflexo da “encruzilhada de 45”, momento em que essa nova geração de escritores ainda estaria à procura do seu lugar em meio aos resíduos da geração de 1922 (Carollo, 1972CAROLLO, Cassiana L. de Lacerda. Os manifestos de Joaquim: o espírito irreverente de 22 e as preocupações de 45. Revista Letras, v. 20, pp. 102-119, dez. 1972., pp. 102-119). Na década de 1980, Marilda Binder Samways via o Manifesto como uma “agressão um tanto ingênua, mas não sem intenção, apesar da advertência, era demais para ser lido, pois dizia coisas fundamentais”. Ainda sobre as passagens arroladas, ela destacava que “o tema da poesia abre e fecha a página, recheada pelas preocupações sociais, com a cultura nova que já começa a se abrir para o mundo” (Samways, 1988SAMWAYS, Marilda Binder. Introdução à literatura paranaense. Curitiba: Livros HDV, 1988. , pp. 62-63). Para Miguel Sanches Neto, na década de 1990, o Manifesto indicava que inexistia um “modelo literário” e que “seu cânone era, portanto, eclético”, o que se evidenciava pela diversidade que os sete autores representavam (Sanches Neto, 1998SANCHES NETO, Miguel. A reinvenção da província: a revista Joaquim e o espaço de estreia de Dalton Trevisan. Tese (Doutorado em Teoria Literária) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1998. , p. 72).

Essas três análises lograram estabelecer os parâmetros para as leituras do manifesto, e no caso específico de Miguel Sanches Neto, os parâmetros de análise da própria Joaquim e do escritor Dalton Trevisan. Desse modo, o Manifesto é lido como uma demarcação das referências estéticas que teriam inspirado os membros da revista, ou até mesmo da geração de novos escritores que se formava no Brasil de 1945. Sanches Neto, contudo, destaca que seria um equívoco realizar uma “filiação simplista” da revista à geração de 1945 (Sanches Neto, 2004SANCHES NETO, Miguel. Joaquim: modernidade periférica e dupla ruptura. Revista Iberoamericana, v. LXX, ns. 208-209, pp. 857-874, julio-diciembre 2004., p. 869). Nessa mesma perspectiva, as multifacetadas referências do Manifesto também evidenciariam, duplamente, os dilemas dos escritores e uma hesitação da revista em se posicionar de forma categórica diante do intenso refluxo das clivagens ideológicas que irromperam com o fim da Segunda Guerra Mundial.

Em vista das características do Manifesto, seu maior atrativo haveria de recair, evidentemente, sobre as sete passagens que o compõem. Os estudos de Miguel Sanches Neto e de Luiz Claudio Oliveira já exploraram a possibilidade de analisá-las separadamente para identificar o que cada uma delas poderia significar, e assim dar um sentido ao Manifesto ou mesmo apresentar um panorama das possíveis influências e tendências estéticas do período. Esses estudos também já exploraram o contexto para tentar identificar a origem de cada uma das passagens, as possíveis conexões e circularidades literárias que permitiram o contato com esses escritores e, até mesmo, qual membro da revista teria contribuído com a escolha delas.

Talvez a mais peculiar experiência de análise do Manifesto seja a de eleger uma passagem específica e elevá-la à condição de passagem-chave. Miguel Sanches Neto considerou que o Manifesto possuía uma mensagem codificada, e, por conseguinte, “é nesse sentido que ele não deve ser apenas lido, mas ‘decodificado’”. Assim, ele aponta que a chave para a leitura seria Verlaine, pois a “exposição de princípios do poeta simbolista pode ser estendida aos jovens que tomaram para si a tarefa de fazer uma revista de literatura que extrapolasse as fronteiras, sejam elas geográficas ou de filosofias de composição rígidas” (Sanches Neto, 1998SANCHES NETO, Miguel. A reinvenção da província: a revista Joaquim e o espaço de estreia de Dalton Trevisan. Tese (Doutorado em Teoria Literária) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1998. , p. 73). Por sua vez, Luiz Claudio Soares de Oliveira seguiu esse mesmo procedimento de análise e afirmou que a chave seria o filósofo pragmático John Dewey, pois Erasmo Pilotto, que fora o responsável pela elaboração do Manifesto, era adepto da pedagogia da Escola Nova, e assim “transformou o que seria apenas uma orientação metodológica em concepção de vida” e, por isso mesmo, nas sete passagens estaria “o seu pensamento de arte como objeto de engajamento e de educação participativa” (Oliveira, 2009OLIVEIRA, Luiz Claudio Soares de. Dalton Trevisan (En) Contra o Paranismo. Curitiba: Travessa dos Editores, 2009., p. 74). Esse procedimento, obviamente, tem as suas limitações, a começar pela ilusão de que o Manifesto não subjugaria o leitor numa espiral de infindáveis voltas em incontáveis direções de interpretação.

A estratégia utilizada para a decifração de uma passagem-chave acaba por envolver ainda mais o leitor com o ato da leitura, que tacitamente eleva o Manifesto à categoria de autossuficiente, à espera da sua própria revelação por um leitor onisciente, capaz de acessar o plano estético e descobrir os seus mistérios. Trata-se, ademais, de um procedimento que esbarra numa série de inconsistências, a começar pela falta de evidências, pois cada uma das passagens é potencialmente capaz de estabelecer conexões diretas com intensas experiências estéticas.

Para corroborar esse raciocínio, façamos agora um exercício de análise, que hipoteticamente elege uma das passagens como chave de acesso ao manifesto: “Os versos são experiências e é preciso ter vivido muito para escrever um só verso”. Essa é a passagem que abre o manifesto e nos conduz a este belo trecho de Os cadernos de Malte Laurids Brigge, escrito pelo poeta austríaco Rainer Maria Rilke e publicado em 1910. Apesar de extenso, merece ser reproduzido:

Ah, mas versos escritos cedo não são grande coisa! Deveríamos esperar para escrever, e juntar senso e doçura por uma vida inteira, longa, se possível, e então, bem no fim, talvez pudéssemos escrever dez linhas que fossem boas. Pois versos não são, como pensam as pessoas, sentimentos (deles temos o bastante na juventude) - são experiências. Por causa de um único verso é preciso ver muitas cidades, pessoas e coisas, é preciso conhecer os animais, é preciso sentir como os pássaros voam e saber com que gestos as pequenas flores se abrem pela manhã. É preciso ser capaz de recordar caminhos em regiões desconhecidas, encontros inesperados e despedidas que vemos se aproximar por longo tempo - dias de infância, ainda inexplicados, os pais que tínhamos de magoar quando nos traziam um presente e não o entendíamos (era um presente para outro...), doenças de infância que começam tão estranhamente, com tantas metamorfoses profundas e difíceis, dias em quartos quietos e reservados, e manhãs junto ao mar, sobretudo o mar, os mares, as noites de viagem que passavam ruidosamente e voavam com todas as estrelas - e ainda não é o bastante se precisamos pensar em tudo isso. É preciso ter lembranças de muitas noites de amor, todas diferentes entre si, de gritos de mulheres dando à luz e de parturientes leves, brancas, a dormir, que se fecham. Mas também é preciso ter estado junto a moribundos, é preciso ter estado sentado junto a mortos no quarto com a janela aberta e os ruídos intermitentes. Mas ainda não basta ter recordações. É preciso ser capaz de esquecê-las quando são muitas, e é preciso ter a grande paciência de esperar que retornem. Pois elas ainda não são as recordações mesmas. Apenas quando elas se tornam sangue em nós, olhar e gesto, anônimas e indistinguíveis de nós mesmos, só então poderá acontecer que numa hora muito rara se levante e saia do meio delas a primeira palavra de um verso (Rilke, 2009RILKE, Rainer Maria. Os cadernos de Malte Laurids Brigge. Porto Alegre: L&PM, 2009., p. 11).

Considerado o primeiro romance moderno da língua alemã, esse livro se caracteriza por seus textos fragmentados, descontínuos e que podem ser lidos separadamente, tal qual o Manifesto. O procedimento descontinua o enredo linear do romance realista e o desobriga da coesão entre os fragmentos. A interpretação e a conexão ficariam exclusivamente por conta do leitor. Portanto, trata-se de um procedimento estético consciente. Se conhecido pelos editores da Joaquim, poderia também ter sido deliberadamente utilizado para inaugurar o Manifesto? “É como se em uma gaveta”, explicou Rilke, “achássemos papéis desordenados e por enquanto simplesmente não encontrássemos mais e tivéssemos que nos contentar com isso. Do ponto de vista artístico, é uma unidade imperfeita, mas humanamente é possível” (Rilke apud Martins, 2011MARTINS, Renata de Freitas. A experiência do estranho no romance Die Aufzeichnungen des Malte Laurids Brigge, de Rainer Maria Rilke. Dissertação (Mestrado em Letras) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011., p. 24). Seria Rilke também mais uma chave para compreender o Manifesto?

Em contrapartida, o argumento que aqui apresentamos é o de que a forma e o conteúdo do Manifesto, mais que uma análise singularizada das passagens ou a escolha de uma passagem-chave, possuem indícios capazes de revelar importantes detalhes sobre sua composição, seu conteúdo, seu autor e até mesmo acerca dos debates modernistas da década de 1940, travados a partir de Curitiba. Como resultado, há indícios suficientes para afirmar que o “Manifesto para não ser lido” não se vincula diretamente à iconoclastia, nem sequer assume a herança de 1922, tal como sugerem Antonio Candido e os estudos posteriores.

A ressignificação dos sete autores no Manifesto, em circunstâncias e época de interpretação distintas daquelas em que surgiram pela primeira vez, por si só não explica o formato estético em que foram incluídos. Por sua vez, as evidências que aqui vamos apresentar permitem a utilização de uma estratégia para analisar as condições em que os textos e autores foram alocados para um novo suporte, recebendo, assim, significados diversos daqueles que eram possíveis quando ainda estavam no formato original. Faz-se necessário ressaltar que o Manifesto apresenta poucos indícios que permitem explorar as condições em que foi produzido, inclusive no que se refere à disponibilidade de outras fontes para consulta. E por não explicitar um propósito ou programa estético, as análises ficam presas ao texto em si, via interpretações semânticas ou análises linguísticas que reconstroem os sentidos não revelados ou os efeitos desencadeados no leitor. Exemplo disso é A Enunciação Aforizante: o caso do gênero manifesto, texto em que são analisados os manifestos modernistas e no qual se afirma que o “Manifesto para não ser lido” é o mais eficaz de todos na utilização de aforismos:

[...] os trechos citados parecem ter sido destacados de seus textos e cotextos originais devido, fundamentalmente, à temática (todos tematizam questões relativas às artes) e a seu caráter generalizante que propõe uma norma (todos apresentam afirmações bastante assertivas sobre os temas de que tratam, o que acaba por conferir a eles um efeito de enunciação de verdades e de normas). A sequencialização de citações (ao todo são sete trechos) com essas características confere ao Manifesto para não ser lido o estatuto de palavra de ordem, legitimada pela autoridade dos grandes escritores citados. Tendo, pois, esse estatuto, escapa ao fluxo de comunicação, na medida em que, tendo a pretensão de ser fala pura e fala do alto, mina a possibilidade de interação e de alteridade (Mussalim, 2013MUSSALIM, Fernanda. A Enunciação Aforizante: o caso do gênero manifesto. DELTA, v. 29, n. 3, número especial, pp. 467-484, 2013., pp. 479-480).

Ora, não fosse a existência do leitor para ruir a interdição da interação e da alteridade, teríamos o manifesto mais eficiente da história da cultura brasileira. Mas há uma distância razoável entre a palavra de ordem e a efetivação da ordem. O leitor até pode limitar-se à leitura do Manifesto, recebê-lo como “enunciação de verdades” e ainda manter intocada a autonomia do texto. No entanto, é possível observar um certo comedimento até mesmo dessas análises ao tentarem estabelecer conexões para além do texto e manter a coesão do Manifesto. Em vista disso, e como parte da estratégia que aqui utilizaremos, o caminho escolhido é analisar um pequeno e óbvio detalhe que até agora não havia recebido a atenção devida por parte dos estudos precedentes.

Em sua autobiografia, Erasmo Pilotto declarou ter sido o responsável pela elaboração do Manifesto e pelo projeto editorial da Joaquim (Pilotto, 2004PILOTTO, Erasmo. Autobiografia. Curitiba: Editora da UFPR, 2004.). No entanto, todas as atenções foram direcionadas para a iconoclastia dos textos de Dalton Trevisan a partir da segunda edição, especialmente em seu ataque ao poeta simbolista Emiliano Pernetta, o príncipe dos poetas paranaenses (Trevisan, 1946, p. 16). Por sua vez, Pilotto se vinculava ao modernismo que se via continuador do simbolismo, o que incluía manter vivo o culto ao poeta. Tais diferenças motivaram a saída de Pilotto da revista após a quarta edição, e a Joaquim virou sinônimo de Trevisan. Essa circunstância direcionou, de certa forma, as interpretações acerca do Manifesto e até mesmo fortaleceu a ideia da existência de uma coesão da revista em relação ao modernismo de 1922 e de uma linha editorial definida. Contudo, as divergências entre Pilotto e Trevisan em relação aos modernismos eram profundas.

Embora a análise realizada por Sanches Neto afirme que a “ausência de qualquer intromissão do organizador, além da ação de seleção, faz com que o manifesto deixe as digitais não do pensamento de Pilotto, mas as da própria revista” (Sanches Neto, 1998SANCHES NETO, Miguel. A reinvenção da província: a revista Joaquim e o espaço de estreia de Dalton Trevisan. Tese (Doutorado em Teoria Literária) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1998. , p. 72), as evidências apontam em outra direção. O Manifesto permite observar que havia ao menos duas perspectivas bem distintas em relação às formas de se lidar com a vanguarda e a tradição na revista Joaquim. Das passagens copiadas de outros autores e reproduzidas por meio de uma tipografia com técnicas modernas foram excluídos quaisquer registros de autoria ou traço caligráfico, corpóreo ou simbólico, que permitissem vincular o texto ao autor ou ao seu pensamento, sendo possivelmente a única exceção o ato da própria seleção. Todavia, não seria essa mesma seleção uma “intromissão do pensamento” do autor? Paul Ricoeur afirma que a ausência de um ser ao qual se possa vincular a autoria é um artifício que “faz parte da parafernália de disfarces e de máscaras de que se serve o autor real para se transformar em autor implicado”, e que o cúmulo da dissimulação é quando a ficção “jamais parece ter sido escrita”. O leitor até pode ser “enganado”, pois essa é a sua concessão, mas é uma dissimulação que “não deve iludir a crítica” (Ricoeur, 1991RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa. Tomo I. Campinas: Papirus, 1991., p. 279). Isto posto, é possível encontrar no Manifesto quaisquer “digitais” de um pensamento que se vincule ao seu autor?

O MANIFESTO DA ARTE SÉRIA

Em 1945, poucos meses antes de entrar para a Joaquim, Erasmo Pilotto participou ativamente das comemorações alusivas à passagem da morte do poeta simbolista Emiliano Pernetta. Elaborou um livro, publicado pelo GERPA (Grupo Editor Renascimento do Paraná), intitulado Emiliano (Pilotto, 1945PILOTTO, Erasmo. Emiliano. Curitiba: GERPA, 1945.), que representou um vigoroso enaltecimento da memória do poeta. Há nessa obra três elementos que aqui consideraremos, inicialmente, meras coincidências, mas que, no decorrer da análise, transformaremos em indícios capazes de expressar a linha argumentativa acerca do Manifesto da Joaquim.

O primeiro desses elementos se refere ao fato de a obra Emiliano se estruturar por meio de sete lições, que é precisamente o número de passagens do Manifesto. O segundo elemento é um trecho da obra que recebeu o nome de Ideário de Paris, formado por passagens de textos, uma abaixo da outra, muito semelhante ao recurso usado no Manifesto, mas que ali contempla passagens de Leconte de Lisle, Gustave Flaubert, Charles Baudelaire, Ernst Renan e Théophile Gautier. Por seu turno, esse ideário em muito se assemelha aos commonplace books: raros no século XX, e ainda mais raros no Brasil, esses livros foram intensamente utilizados até a Renascença. No decorrer de uma leitura, ao encontrar passagens que julgava relevantes, o leitor as copiava para um livro ou caderno e poderia até mesmo incluir seus próprios comentários. As passagens contidas nesses livros geralmente possuem conexões internas e podem abordar um tema específico, isolado no tempo, ou mesmo captar um tema e oferecer uma espécie de panorama da época. Mesmo que fragmentadas, as passagens podem transmitir “uma visão de mundo coerente, intensamente pessoal, imbuída do sabor de sua época” (Darnton, 2010DARNTON, Robert. A questão dos livros: passado, presente e futuro. Tradução de Daniel Pellizzari. São Paulo: Companhia das Letras , 2010., p. 168). Por fim, a terceira e a mais reveladora evidência é a passagem de André Gide, que além de estar no Manifesto também se encontra, ipsis litteris, na obra Emiliano:

O vivo interesse que em mim despertam os acontecimentos que se preparam, e particularmente a situação da Rússia, me afasta das preocupações literárias. Certamente, acabo de reler ANDRÔMACA de Racine com indivisível encanto, porém, no novo estado em que habita o meu pensamento, esses esquisitos jogos não terão mais razão para existir. Eu me repito a mim mesmo sem cessar que a época em que poderiam florescer a literatura e as artes já passou (Pilotto, 1945PILOTTO, Erasmo. Emiliano. Curitiba: GERPA, 1945., p. 94).

No Manifesto, essa passagem se apresenta de forma assertiva, o que pode sugerir interpretações de que a revista a ratifica nos termos em que foi publicada. É o caso da análise de Luíz Claudio Soares de Oliveira, que nela ressalta uma “preocupação social do momento, que contaminava também as artes” (Oliveira, 2009OLIVEIRA, Luiz Claudio Soares de. Dalton Trevisan (En) Contra o Paranismo. Curitiba: Travessa dos Editores, 2009., p. 77). A interpretação é válida, mas o interessante mesmo é que na obra Emiliano há um comentário do próprio Erasmo Pilotto, que explicita uma divergência em lugar de uma simples concordância, tal como poderia sugerir o Manifesto:

Não, porém, e não. Não passou e é eterna. A arte pura não é, mesmo depois de tudo, uma deserção. Devem conviver, isso sim, a mais alta aristocracia da arte e o mais aguerrido espírito de combate. O pão e a luz dos miseráveis é, sem dúvida, um supremo valor da vida. Mas a poesia é necessária também como o pão dos miseráveis e como a sua luz (Pilotto, 1945PILOTTO, Erasmo. Emiliano. Curitiba: GERPA, 1945., p. 95).

Essa divergência em relação a Gide se dá tão somente no que se refere à situação da arte contemporânea, pois ainda assim Pilotto o considera “senhor, no instante, da interpretação exata” (Pilotto, 1945PILOTTO, Erasmo. Emiliano. Curitiba: GERPA, 1945., p. 94). Seu comentário nos interessa pelos detalhes reveladores. O primeiro é a possibilidade de estabelecermos uma conexão entre o Manifesto e Emiliano e, dessa forma, vincularmos ambas as passagens num ato que coloca em movimento o texto inaugural da Joaquim. O segundo são as referências, mais que explícitas, à noção de uma arte eterna e pura, ao estilo do esteticismo do século XIX, elaborada por pessoas que, em vista de uma superioridade artística, são por ele qualificadas de aristocratas da arte. Pilotto defendia a atualidade tanto de Emiliano Pernetta quanto do simbolismo. Longe de estar superado enquanto movimento, o simbolismo ainda seria “um espírito novo, que se continua a desenvolver, que é o espírito de nossos dias, que é a mais imperativa necessidade de nosso ambiente, o ar de que necessitam os nossos pulmões” (Pilotto, 1945PILOTTO, Erasmo. Emiliano. Curitiba: GERPA, 1945., p. 66). Assim, o movimento era reafirmado segundo uma justificativa que denunciava a violência contínua do racionalismo moderno e que ainda avançava durante a época em que viveu Pilotto.

A reboque do pensamento de Nietzsche acerca do racionalismo e da modernidade, Pilotto elaborou uma rápida contextualização que justificaria o simbolismo e sua relevância para a contemporaneidade: enquanto a “marcha do pensamento” rumava “na direção do racionalismo mais agudo, mais exclusivo, mais absorvente e soberano”, para a “dominação da razão sobre todas as coisas, sobre a vida humana”, e enquanto, no limite desse processo, “a razão estendia as suas mãos tão amplamente, o simbolismo representava um muito significativo gesto de negação, uma precisa atitude irracionalista, antilógica, ou, em termos nietzscheanos, uma atitude de vida, pois que a vida é fundamentalmente um processo irracional” (Pilotto, 1945PILOTTO, Erasmo. Emiliano. Curitiba: GERPA, 1945., pp. 62-63). Portanto, o simbolismo ainda seria necessário, em 1945, como um recurso para frear o avanço da racionalidade, um refúgio para a individualidade diante das forças que moderavam a vida.

Posto que, no século XIX, alguns escritores já tivessem sido observados na qualidade de vozes poderosas diante das forças da modernidade, como era o caso de Nietzsche e, além dele, Baudelaire e Marx (Berman, 1986BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.), a tentativa de Erasmo Pilotto de inserir Emiliano Pernetta nessa tradição resvalava para uma defesa mais da pessoa e da memória do poeta que da sua capacidade de oferecer um caminho alternativo ao processo de modernização. Nesse sentido, era um elogio ao passadismo. Ao contrário desses escritores, que incorporavam aos seus próprios escritos os dilemas e as estratégias para se viver a modernidade, Pilotto oferecia apenas uma fuga da realidade por meio do esteticismo evasivo dos poemas de Emiliano Pernetta, num processo profundamente desvinculado da sua própria realidade social, livrando-se, inclusive, de apresentar qualquer poeta, literato ou movimento que, no decorrer de meio século, tivesse se inspirado em Pernetta para encarar a modernidade. Isso envolvia até mesmo deixar de tecer um comentário sequer sobre as ações e produções modernistas dos paranaenses tributários do simbolismo que integravam a revista Festa, do Rio de Janeiro (Gomes, 2004GOMES, Angela Maria de Castro. Os intelectuais cariocas, o modernismo e o nacionalismo: o caso de Festa. Luso-Brazilian Review, v. 41 n. 1, pp. 80-106, 2004. ).

Essa postura utilizada para defender o simbolismo e o poeta Emiliano Pernetta derivava de um projeto mais ambicioso de “renascimento da cultura” do Paraná, iniciado no ano de 1945, e que objetivava reverter “a estagnação geral que se verifica em todos os setores da intelectualidade”. Ademais, previa ainda a mobilização das instituições culturais, tal como a Academia Paranaense de Letras, para trazer “à luz do conhecimento e da inteligência as obras esquecidas dos nossos autores” (Cultura Artística, 1945CULTURA ARTÍSTICA: a função do Coro no renascimento cultural do Paraná. O Dia. Curitiba, p. 4, 19 jan. 1945., p. 4), sobretudo com a publicação de obras que contribuíssem para a valorização dos mais importantes personagens da história do Paraná. Era nesse contexto que a obra Emiliano estava inserida. Seu valor residia no potencial de fortalecer os vínculos com o passado, de consolidar as memórias que foram criadas para uma região que se via desprovida de uma longa historicidade literária, visto que se iniciara somente em 1853, com a criação da província. Tanto é que o próprio Emiliano Pernetta, em 1900, consciente da ausência de um passado vigoroso, reconhecia a inexistência de um intenso amor pelas letras “pelo motivo mais natural do mundo: o Paraná é de ontem. É de ontem a sua história, é de ontem a sua civilização” (Pernetta, 1900PERNETTA, Emiliano. Literatura. Club Coritibano: orgam da associação. O Paraná no 4º Centenário do descobrimento do Brasil, Curitiba, p. XV, 3 mai. 1900. , p. XV). A inexistência de uma história densa impediria que os jovens seguissem os exemplos locais, pois inexistiam. Contudo, o próprio poeta se dedicaria ao projeto de constituição de uma história literária. Sua participação ativa na criação de agremiações literárias e na publicação de livros e revistas e, sobretudo, sua aceitação do título de Príncipe dos Poetas Paranaenses, em 1911, definitivamente o colocavam no rol dos intelectuais de que a história do Paraná tanto necessitava.

Pilotto, por seu turno, ainda em sua autobiografia, comentou sobre as duas grandes referências intelectuais da sua juventude. No ensaio Para um humanismo individualista (1942) e na obra Emiliano (1945), ambas com pano de fundo notadamente autobiográfico, Tolstoi e Nietzsche assomam, respectivamente, como “influências com a violência de choque, processos envolventes, no campo da análise moral e social e no campo da arte.” (Pilotto, 1945PILOTTO, Erasmo. Emiliano. Curitiba: GERPA, 1945., p. 159). Dessas influências surgiria a sua concepção de arte, que se estruturava, nessa época em que ingressou na Joaquim, em torno de uma perspectiva que defendia o esteticismo, a arte pela arte, e que esta, além disso, deveria ser aristocrática, antiburguesa, amoral e autônoma:

A arte é uma aristocracia, por certo. E não pode renunciar a isso. Não há arte das multidões, porque a arte das multidões terá de ter, por força, ou o jeito dos gestos de demagogia, ou o jeito dos circos, jeito mordente e vulgar, mortal para os nervos dos artistas. Isso, porém, não quer dizer que o artista se deva fechar com sete chaves para se previnir [sic] do Homem e da sua Dor. Apenas, trata-se de dois campos diferentes, dois momentos da vida, duas atividades distintas, nascidas da mesma sensibilidade, da mesma afinação, porém, irredutivelmente duas, irredutivelmente distintas (Pilotto, 1945PILOTTO, Erasmo. Emiliano. Curitiba: GERPA, 1945., pp. 158-159).

Essa noção percorre com insistência a obra Emiliano. A arte não poderia ser “moral ou social ou revolucionária”, nem tampouco “denunciadora e demagógica”, muito menos “descer à compreensão das multidões” (Pilotto, 1945PILOTTO, Erasmo. Emiliano. Curitiba: GERPA, 1945., p. 49). O distanciamento necessário entre a arte e a vida da sociedade, entre o artista e a multidão, não seria para Erasmo Pilotto justificativa para o artista se livrar totalmente das dores do mundo. Para amenizar os dilemas desse outro lado da vida e da arte, ele teria encontrado a solução em Tolstoi, cujo ensaio na Joaquim fora dividido em duas partes, publicado nas duas primeiras edições. Pilotto destacava que o escritor russo era coerente e simples, e conseguia dizer “todas as coisas do seu espírito com uma simplicidade, quer dizer, com uma força terrível. Por tudo isso, de certo, ele é um homem perigoso” (Pilotto, 1946PILOTTO, Erasmo. Tolstoi. Joaquim, Curitiba, p. 14, abr. 1946., p. 14).

Essa dor que Tolstoi teria conseguido captar é lida por Pilotto como o elixir que permite ao artista expressar a vida sem franquear a arte à multidão. O espanto em relação à fúria com que Tolstoi falava era, dito de outra forma, o mesmo estranhamento analisado por Carlo Ginzburg, por ele considerado como “um meio para superar as aparências e alcançar uma compreensão mais profunda da realidade” (Ginzburg, 2001GINZBURG, Carlo. Olhos de madeira: nove reflexões sobre a distância. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras , 2001., p. 36). No entanto, a leitura que Pilotto fazia de Tolstoi era notadamente seletiva, algo perceptível ao analisarmos o livro O que é arte? O principal exemplo remete ao conceito de beleza, que para Tolstoi estaria distante de pertencer à arte pela arte, tal como defendido energicamente por Pilotto:

Invocar em si mesmo um sentimento certa vez experimentado e, havendo-o invocado, transmiti-lo por meio de movimentos, linhas, cores, sons, imagens, expressa em palavras, de forma que outros vivenciem o mesmo sentimento - nisso consiste a atividade da arte. Portanto, arte é a atividade humana que consiste em um homem conscientemente transmitir a outros, por certos sinais exteriores, os sentimentos que ele vivenciou, e esses outros serem contagiados por esses sentimentos, experimentando-os também (Tolstoi, 2016TOLSTOI, Leon. O que é arte? Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016., p. 60).

Tolstoi elaborou um conceito que distinguia as obras artísticas entre “arte verdadeira” e “arte falsa”, formas que se distanciavam uma em relação à outra por sua capacidade de contágio: “quanto mais forte o contágio, melhor é a arte enquanto arte, independentemente de seu conteúdo - isto é, independentemente do valor do sentimento que ela transmite” (Tolstoi, 2016TOLSTOI, Leon. O que é arte? Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016., p. 157). Por sua vez, a capacidade contagiante seria formada pela união de três elementos: a peculiaridade dos sentimentos compartilhados, o grau da clareza de sua transmissão e a sinceridade do artista ao compartilhar.

Na década de 1970, Pilotto ordenou suas próprias concepções acerca da arte por intermédio de uma releitura desses conceitos de Tolstoi. Como resultado, cunhou dois novos conceitos que sintetizavam o seu posicionamento, já exposto antes mesmo do seu ingresso na Joaquim: o primeiro deles era a “arte longa”, concebida como o momento em que se produz a “arte verdadeira”, constituída por expressões provenientes de pessoas consideradas geniais, com habilidade proveniente de longa formação intelectual e intensa disciplina. Era representada pelos grandes exemplos provenientes do passado. A história desempenhava, portanto, um papel fundamental na formação do artista ao fornecer conhecimentos, técnicas e sensibilidades desenvolvidas ao longo dos séculos e que contribuíam com o aprimoramento da humanidade. Em lugar da “arte falsa”, a “arte breve”, constituída pela arte primitiva e que representava as primeiras e rudimentares expressões artísticas da humanidade. Era colocada ao lado da arte moderna, pois dispensava genialidade, habilidade, formação intensa e disciplina. Dispensava também o conhecimento que a história oferece, conferindo a qualquer pessoa condições de criar. Enquanto a arte longa era aristocrática e elevada, a arte breve permitia o amplo acesso ao mundo das artes, sobretudo às crianças e às massas.

As formas tão livres da arte atual [...] são deseducadoras, porque a conquista da educação é conquista de disciplina. Mas, por outro lado, representam um passo importante na educação do homem contemporâneo. Porque são um produto da expansão democrática da cultura. [...] A massa começa não apenas a apreciar arte, mas a criar artisticamente. Era natural que não fosse fazê-lo pelo complexo caminho da arte longa. Abriu um caminho novo, o da arte breve (Pilotto, 1976PILOTTO, Erasmo. Obras II. Curitiba: [s.n.],1976., p. 256).

Não obstante os conceitos de “arte longa” e “arte breve” terem sido publicados somente na década de 1970, seus fundamentos são provenientes de posicionamentos já definidos e manifestados desde muito antes da década de 1940. Isso é referendado por declarações do próprio Pilotto na década de 1980, quando veio a público um pequeno trecho do que seria um manuscrito do educador que não chegou a ser publicado na revista Joaquim, possivelmente em virtude da sua saída prematura logo após a quarta edição. Nesse texto, Pilotto descreve, em detalhes muito reveladores, “a direção que imprimi ao Joaquim, nos números iniciais em que fui seu mentor”, explicitando finalmente o vínculo que havia entre sua proposta editorial e sua concepção de arte.

Pilotto afirmava que não havia uma separação entre “a arte e as preocupações do homem”, pois “coexistem num mesmo estado de espírito, e não como duas massas separadas, mas como massa única”. Essa coexistência foi usada como argumento para justificar que, em virtude da impossibilidade de uma separação, não se impunha à arte a necessidade de ser “panfletária”, entendida aqui como arte ou literatura social. Nesse sentido, a proposta estética que o guiara na Joaquim era de mão dupla: de um lado, disponibilizar as atualidades que renovavam a arte ao redor do mundo, mas desde que isso fosse realizado nos termos daquilo que ele qualificava como aceitável enquanto arte: séria e honesta. Por outro lado, Pilotto estabelecia um vínculo direto entre a Joaquim e a história da cultura paranaense, afastando-a prontamente de qualquer movimento de vanguarda modernista ou mesmo da intenção de se voltar contra o passado que a teria feito surgir:

Joaquim era uma cobertura para o movimento renovador que se operava no mundo, mas que trazíamos, um pouco, em primeira mão, ao Paraná, sem nenhuma concessão à leviandade disfarçada no escândalo, seriedade essencial - honestidade na vida do espírito - é uma nota bem paranaense. Arte nova, mas sério devassamento de formas e dimensões novas; séria ruptura de dogmas, para alargamento, mantida a exigência permanente de que a arte alcança o artístico, ainda que os conceitos de artístico se quebrem e se dilatem na pesquisa permanente, na descoberta livre e, se quiser, audaz (Pilotto apud Samways, 1988SAMWAYS, Marilda Binder. Introdução à literatura paranaense. Curitiba: Livros HDV, 1988. , pp. 61-62).

O jargão renovador era ali evocado, mas desde que a arte não se fizesse escandalosa. Por sua vez, o legado artístico que ele considerava válido estaria em sintonia com a sua idealização acerca da necessidade de se continuar a linha de uma tradição de arte paranaense, que seria aquela inaugurada com o simbolismo. Seria nessa perspectiva que, além de Emiliano, anos mais tarde ele publicaria livros sobre João Turin e Theodoro de Bona, importantes artistas que contribuíram para a formação da ideia de uma cultura paranaense (Pilotto, 1952PILOTTO, Erasmo. Turin. Curitiba: Impressora Paranaense, 1952. ; Pilotto, 1968PILOTTO, Erasmo. Th. De Bona. Curitiba: Imprimax, 1968.).

O MANIFESTO DA ARTE LONGA

O “Manifesto para não ser lido” projetava uma estética que se alimentava das experiências validadas ao longo da história. Do contrário, seria necessário propor alguma mudança em lugar de manter aquilo que já estava sacralizado. Pilotto não sugeria rupturas profundas, mas simplesmente preservava a continuidade de um longo processo artístico, ancorado numa tradição que disciplinava e ordenava o aceitável na arte. A inovação que desejava estava assentada no aperfeiçoamento artístico pela via do estudo formal, e nesse sentido rebelar-se não estava no seu projeto. Além do mais, apresentar as passagens, tal como fizera, permitia disponibilizar novas perspectivas estéticas e sociais, ao mesmo tempo em que tudo permaneceria inalterado, sobretudo os artistas, as obras, as instituições e as memórias assentadas sobre a cidade de Curitiba. O Manifesto, tal como foi apresentado, manteria os alicerces estéticos do simbolismo e permitiria a continuidade da revista, dissipando quaisquer polêmicas com o campo intelectual ou mesmo divergências entre os seus integrantes, sobretudo com o proprietário da revista, Dalton Trevisan.

É nesse sentido que Pilotto não colocava a Joaquim para tensionar a cultura provinciana frente ao projeto de uma nova arte para o pós-guerra. Por sua vez, situava-a diretamente como fruto da pulsão do espírito moderno, que a tocava por meio de uma reabilitação do movimento simbolista de Curitiba da virada do século XIX para o XX. A Joaquim não seria uma ruptura, mas simplesmente uma continuação. Essa seria a “linha paranaense” da arte: contida e séria, sem extravagâncias, tal qual o Manifesto:

Isto, na verdade, apenas continuava uma linha paranaense que teve seu momento inicial quando Jurandir Manfredini e seu grupo proclamava, em 15 de outubro de 1926, o “Espírito Moderno”, mas não se deixava arrastar à extravagância. Levo adiante e atualizo a linha de Manfredini: a inovação permanente. O mesmo impulso renovador que fez simbolistas à Emiliano, Dario e Silveira Neto, quando da onipotência e onipresença do parnasianismo. Joaquim é uma continuação. A “intérmina jornada”. A mesma linha que marca a seriedade essencial da pesquisa nas artes plásticas paranaenses e na ordem intelectual de modo invariável (Pilotto, apud Samways, 1988SAMWAYS, Marilda Binder. Introdução à literatura paranaense. Curitiba: Livros HDV, 1988. , pp. 61-62).

Portanto, a revista era posicionada por Pilotto como um rebento que surgia para dar continuidade ao desenvolvimento daquilo que seria o mais elevado e inovador da cultura paranaense. O Manifesto se via plenamente carregado de experiências literárias, mas que também vinham da história, de referências que apresentavam ao leitor grandes expressões culturais da modernidade, numa linha que se iniciava no século XIX, com Rilke, atravessava as experiências das primeiras décadas do século XX, e retornava ao XIX com o poeta simbolista Verlaine. Com exceção dos dois críticos literários e do filósofo, que ainda estavam vivos, todos os “integrantes” do manifesto pertenciam ao passado, e a partir dele se projetavam. Contudo, é preciso deixar claro que há, por certo, uma condição atemporal da arte até mesmo nas passagens, mas, ainda assim, o caráter conservador da forma com que foram incluídos no Manifesto revelava aquilo a que este se propunha: nada de rupturas com a história, nada de experimentos vanguardistas com suas formas livres.

A linguagem que dava forma ao Manifesto estava, inclusive, distante daquelas em que os escritores nele incluídos se expressavam originalmente em suas produções. Erasmo Pilotto conseguiu realizar aquilo que Roman Jakobson mais temia, quando, em 1931, ao escrever sobre o suicídio do poeta Maiakovski, profetizava que “daqui a algumas dezenas de anos, seremos chamados, sem qualquer piedade, de gente do milênio passado. Tínhamos apenas cantos apaixonantes sobre o futuro e, de repente, esses cantos, frutos da dinâmica do presente, transformaram-se em fatos da história literária” (Jakobson, 2006JAKOBSON, Roman. A geração que esbanjou os seus poetas. São Paulo: Cosac & Naify, 2006., p. 53). Eis Maiakovski no Manifesto: um fragmento da história literária.

O ato de presentificar o passado no Manifesto evidenciava uma das características mais essenciais do debate sobre a arte moderna: “o que era novo não precisava de uma fundamentação histórica” (Belting, 2012BELTING, Hans. O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois. São Paulo: Cosac Naify, 2012., p. 292). Pilotto buscava na história os exemplos que forneciam a base da sua percepção acerca da arte, tal como a tradição artística que a disciplinaria. Ele professava a ideia de uma arte aristocrática e distante das multidões, e por esse motivo saiu em defesa do simbolismo e da cultura paranaense, distanciando-se profundamente da iconoclastia de Dalton Trevisan:

Estava revendo jornais antigos. Num Diário da Tarde de 1930, encontro essa definição de Paulo Tacla: “o modernismo é tudo: é carnaval, é feitiçaria, é cocaína, é burrice e de onde em onde tem lampejos de arte. [...] O Brasil precisa de uma nova mentalidade vazada numa rebeldia mais nobre” (Pilotto, 2004PILOTTO, Erasmo. Autobiografia. Curitiba: Editora da UFPR, 2004., p. 123).

Parece-nos que a ideia de um manifesto inseguro em se posicionar, diante de intensas transformações sociais que se seguiram desde a Semana de Arte Moderna de 1922 até o período pós-guerra, não se sustenta por completo quando exploramos um pouco mais o posicionamento do seu autor diante das experiências modernistas brasileiras. Erasmo Pilotto não apenas se descolava das vanguardas, mas as rejeitava e ainda postulava a defesa do esteticismo sem qualquer objeção. O que estava em jogo, no Manifesto, era a posse de um passado e de uma tradição artística muito específicas em lugar de simplesmente assimilar a herança da Semana de 1922. Diferentemente de Dalton Trevisan, que afirmava que Curitiba não havia experimentado o modernismo (Trevisan, 1947TREVISAN, Dalton. A geração dos vinte anos na ilha. Joaquim. Curitiba, n. 9, p. 3, 1947. , p. 3), Erasmo Pilotto se colocava como continuador do modernismo simbolista. Ademais, Pilotto viria a ser o responsável pela elaboração do plano de governo de Moisés Lupion, candidato que venceria as eleições para governador do Paraná naquele mesmo ano de 1946. Ora, a preservação de um passado específico também era um projeto político.

O tom depreciativo com que Pilotto se referia ao modernismo renovador também era acompanhado de afirmações que minimizavam a sua relevância para a cultura brasileira, e era por isso, dizia ele, que “não nos iríamos perder no ambiente do modernismo inicial brasileiro, muito pequeno para nós. [...] Não fomos uma geração voltada para a literatura, mas para aquela ‘rebeldia mais nobre’” (Pilotto, 2004PILOTTO, Erasmo. Autobiografia. Curitiba: Editora da UFPR, 2004., pp. 124-125). Essa ideia de nobreza se assentava no postulado de que a arte deveria estar voltada para ideais elevados e aristocráticos, opondo-se assim à balburdia modernista, tanto a da geração de 1920, marcada pela transgressão da linguagem, quanto a da geração de 1930, que buscava uma consciência para a brasilidade (Lafetá, 2000LAFETÁ, João Luiz. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000.). Daí o motivo dos escritos de Pilotto misturarem, por vezes, críticas tanto ao plebeísmo quanto ao caráter social da arte.

Contudo, a vanguarda modernista brasileira não havia descambado para um abandono dos debates sociais, tal como Pilotto insistia em sua tentativa de desqualificação. Ele criticava a forma com que esse suposto abandono tinha sido realizado, sobretudo ao vincular os dilemas da brasilidade e da constituição daquilo que viria a ser o Brasil à criação de uma cultura que representasse essa brasilidade. Um dentre tantos pontos da discórdia residia no fato de que o modernismo incorporava aquilo que se dizia próprio do Brasil, a começar pelo povo e pela língua, elevando o coloquialismo e as particularidades do português e da cultura à condição de arte. Em vista disso, Pilotto criticava com veemência esse plebeísmo, considerado tão ou ainda mais deletério que a democratização da arte:

Nestes nossos dias, em que a própria arte, mais do que democrática, se fez plebeia e se esforça dia por dia [sic] por conquistar mais plebeísmo, e rega [sic; prega, possivelmente] que a sua forma perfeita é a arte social, que o social é tudo, social deve ser o fim, a sociedade até o personagem único e completo, - nestes nossos dias, aquela forma de uma arte aristocrática, aquele sentido estético da vida bem se pode dizer que é anti-moderno (Pilotto, 2004PILOTTO, Erasmo. Autobiografia. Curitiba: Editora da UFPR, 2004., pp. 53-54).

Em contrapartida a essa vulgarização da arte, Pilotto posicionava-se como defensor do simbolismo e da sua linguagem elevada e superior. Porém, a defesa não era para descortinar, por exemplo, a relevância dessa estética para os escritores modernistas. Pelo contrário, o que se notava era a reafirmação do esteticismo diante do modernismo brasileiro e de uma atualidade de Emiliano Pernetta, circunstância que possibilitaria uma conexão entre o Verlaine que estava no Manifesto e o poeta paranaense, que “parece estar repetindo Verlaine, com quem, de resto, tinha uma afinidade intensa, que eu ainda hei de traçar” (Pilotto, 2004PILOTTO, Erasmo. Autobiografia. Curitiba: Editora da UFPR, 2004., p. 88).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enquanto Mário de Andrade, em 1922, no “Prefácio Interessantíssimo” (Andrade, 1922ANDRADE, Mário de. Paulicea Desvairada. São Paulo: Casa Mayença, 1922.), já defendia uma maior liberdade artística diante do esteticismo, na cidade de Curitiba acontecera o contrário: a valorização do esteticismo evasivo e individualista de Emiliano Pernetta como a sua maior tradição literária. É por essas circunstâncias que Antonio Candido qualificou como “irreverente e heroica” a revista Joaquim, originária “de onde tudo parece estar por fazer, devendo os rapazes despender a maior parte da sua energia em derrubar os fósseis e educar o gosto dos leitores”. Candido foi um dos maiores críticos das tendências estéticas que se desenvolveram em Curitiba, e de onde, na sua opinião, teria partido “um dos movimentos mais medíocres” da cultura brasileira (Cândido, 1946CANDIDO, Antônio. Notas de crítica literária: revistas. O Jornal: órgão dos Diários Associados. Rio de Janeiro, p. 4, 9 jun. 1946., p. 4).

Os intelectuais que se encontravam no Rio de Janeiro ao redor da revista Festa, sobretudo os paranaenses Andrade Muricy, Brasílio Itiberê e Tasso da Silveira, transformaram o misticismo da poesia simbolista num espiritualismo católico, e ainda o incorporariam ao modernismo. Assim, para os modernistas de cunho espiritualista, pensar o Brasil significava incorporar o passado e a tradição para restaurar os valores desagregados pela modernidade, enquanto que, para os modernistas ligados à Semana de Arte Moderna, o passado e a tradição não se prestavam por completo à definição do futuro.

O movimento simbolista do Paraná, por sua vez, não teria tido a força estética necessária para alimentar os “arrancos neocatólicos e reacionários” do “exército espiritualista do Paraná” (Cândido, 1946CANDIDO, Antônio. Notas de crítica literária: revistas. O Jornal: órgão dos Diários Associados. Rio de Janeiro, p. 4, 9 jun. 1946., p. 4) que se instalara no Rio de Janeiro, e, por isso mesmo, não conseguiria se contrapor ao modernismo paulista. De qualquer forma, Antonio Candido sugeriu aos moços da Joaquim que se fizesse um serviço de profilaxia até mesmo com os idólatras da poesia de “raio de luar” que teria tomado conta da cultura paranaense. Cultura essa que, chamada por Dalton Trevisan de mentalidade reacionária (Trevisan, 1947TREVISAN, Dalton. A geração dos vinte anos na ilha. Joaquim. Curitiba, n. 9, p. 3, 1947. , p. 3), tanto se identificava com o paranismo.

A performance conservadora e o título vanguardista do Manifesto logo ficariam para trás. Praticamente nenhuma repercussão profunda foi desencadeada, pois, neutro como era, o Manifesto despertaria pouca atenção dos escritores, da crítica literária e da imprensa. Contudo, o panorama começaria a mudar rapidamente. Dalton Trevisan enviara a primeira edição da Joaquim para inúmeros escritores brasileiros como parte da sua estratégia de divulgação. E as cartas com as respostas começavam a chegar. O que mais despertou a atenção desses escritores, especialmente Carlos Drummond de Andrade, não foi o “Manifesto para não ser lido”, muito menos o anúncio com o título do próximo texto de Erasmo Pilotto, denominado “Cultura sem besteira”, que infelizmente não foi publicado, mas sim o título do texto de estreia de Dalton Trevisan:

que delícia uma revista cuja redação é na rua Emiliano Pernetta, 476, e que promete publicar em seu segundo número um artigo sob o título “Emiliano, poeta medíocre!” Nosso poder de admiração vai se tornando tão familiar e nosso poder de destruição tão débil, que a insubordinação dos moços, neste ano de 46, é quase um espanto (Andrade, 1946ANDRADE, Carlos Drummond. Carta de Drummond de Andrade. Joaquim, Curitiba, n. 1, p. 17, 1946., p. 17).

Estava declarada a insurreição contra o culto dos mortos.

REFERÊNCIAS

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NOTA

  • 1
    Este artigo é uma versão aprimorada de um capítulo de tese de doutorado em História Social defendida na Universidade de São Paulo (USP). A pesquisa contou com apoio financeiro do CNPq.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2021
  • Aceito
    02 Abr 2022
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