APRESENTAÇÃO
Na noite de 3 de julho de 1980, na rua Macapá 29, na cidade de São Paulo, um grupo de historiadores pertencentes à diretoria da Associação Nacional dos Professores Universitários de História (Anpuh) reuniu-se na residência da professora Alice Canabrava com o corajoso intuito de fundar um periódico científico. Durante meses, vários contatos com agências de fomento haviam sido realizados em busca de fundos. A boa notícia era a de que a Capes concedera, como apoio e impulso inicial, o financiamento dos dois primeiros números, a serem seguidos de outros, futuramente bancados pelos recursos da Associação.
Em agosto de 1980, a casa da rua Macapá abrigou nova reunião, na qual se discutiram vários problemas práticos envolvidos na criação de um periódico da Associação, como nome, tamanho, periodicidade, conteúdos e sua viabilidade financeira. Após debate, decidiram-se o título da Revista Brasileira de História, órgão da Anpuh, a periodicidade semestral, e os conteúdos (com artigos, bibliografia e noticiário), entre outros detalhes. Ficou ainda acertado que o primeiro número seria lançado no XI Simpósio, programado para julho de 1981, na cidade de João Pessoa.
Desde então, a Revista Brasileira de História venceu inúmeros desafios. Sua heróica regularidade deveu-se ao esforço dos seus muitos editores e conselheiros, em quinze gestões compostas por historiadores de diversas instituições, com grande abrangência geográfica eleitas através dos processos de participação na Anpuh. Publicou artigos de grande impacto, assinados por autores brasileiros e estrangeiros. Organizou dossiês valiosos e pioneiros para a renovação historiográfica, veiculando temas e abordagens, estimulando a produção de um conhecimento de intenções transformadoras.
No ato de publicar, tornar acessível, possibilitar a circulação do conhecimento, a sociedade contemporânea abriu caminhos que têm se mostrado poderosos instrumentos para a pesquisa, para a produção de conhecimento, assim como para a educação. Nos primeiros números da Revista Brasileira de História, os índices de algumas revistas eram reproduzidos, mas sua disponibilidade permanecia difícil na maioria das universidades. Atualmente, a internet, os portais e os indexadores trazem canais decisivos de superação das distâncias. A aproximação não se efetiva apenas entre historiadores das mais variadas partes do país, pois abre-se a chance de uma circulação além das fronteiras, inaugurando uma dimensão renovada e estimulante do conhecimento histórico. O historiador constrói um olhar transnacional e transdisciplinar.
Trata-se, agora, de abrir a Revista Brasileira de História a uma rede de pesquisadores diversos, situados em vários países, dedicados às diferentes áreas do conhecimento histórico. Para tanto, os portais aos quais pertence, SciELO e Redalyc, dão acesso gratuito e fácil aos abstracts, resumos e artigos integrais. A base Scopus, disponível no Brasil gratuitamente desde o Portal de Periódicos Capes, e nas bibliotecas das mais variadas universidades do mundo, também veicula e disponibiliza conteúdos, que se tornam cada vez mais públicos, circulam, dão-se a conhecer, abrem-se ao debate e à crítica.
Neste número, o dossiê abre reflexões sobre a comemoração dos duzentos anos do nascimento de Darwin. Thomas Glick enfoca a presença do geneticista e evolucionista Dobzhansky no Brasil e a renovação das práticas de pesquisa nos meios científicos, sob a perspectiva da história da ciência. Celso Uemori mostra a peculiaridade de certas leituras de Darwin, com destaque para Manoel Bomfim que, diferentemente de muitos de seus contemporâneos, relacionou a luta pela sobrevivência às práticas de solidariedade e co-operação. Karoline Carula apresenta a presença darwinista nas Conferências da Glória, no Rio de Janeiro, entre 1875 e 1880, e Juanma Sánchez aborda os debates sobre evolucionismo, religião e marxismo.
Na seção de artigos, Elaine Lourenço analisa a coleção História Nova do Brasil, lançada em 1964 e logo abortada pela ditadura militar, como importante esforço de renovação do ensino da História; Kaori Kodama investiga a atuação do jornal O Philantropo (1849-1852) nos debates sobre o tráfico de escravos; Claudio DeNipoti enfoca o comércio e a circulação de livros em Portugal, na virada do século XVIII para o XIX, e os mecanismos de disseminação da literatura filosófica iluminista e liberal; Helder Macedo discute a existência de escravos índios no sertão da Capitania do Rio Grande e sua relação com as atividades econômicas nesse território, com ênfase na pecuária e na agricultura de subsistência; Francisco Ferraz aborda os processos de reintegração social dos ex-combatentes norte-americanos, franceses e ingleses, nas duas guerras mundiais; Daniel Pereira e Eduardo Felippe analisam a noção de formação territorial nas cartas enviadas por Capistrano de Abreu ao Barão do Rio Branco, entre 1886 e 1903; Jean Sales analisa o impacto da crise do socialismo real na trajetória do Partido Comunista do Brasil, e André e Mariângela Joanilho revisitam a fotonovela como fonte para a história da leitura e da cultura de massas.
No Estado da Arte, José Murilo de Carvalho um dos pioneiros colaboradores da Revista Brasileira de História, com artigo publicado no segundo número, em 1981 traz um ensaio sobre as comemorações dos duzentos anos da vinda da Corte.
Seguem-se seis resenhas, cumprindo aqui o papel de discutir e apresentar criticamente obras valiosas para os rumos do debate histórico contemporâneo.
Esperamos manter a Revista Brasileira de História como veículo eficiente de publicação de artigos, no contexto das redes sociais e acadêmicas de interatividade. Esse será certamente o caminho para mantê-la jovem, como uma bela e cobiçada balzaquiana conectada a histórias infinitamente ramificadas: desejada pelos leitores apresentando-se como um veículo de estímulo intelectual mas também pelos autores destino almejado de seus textos mais provocativos. Só assim poderemos fazer jus aos esforços pioneiros daquele grupo de historiadores reunidos na rua Macapá, e aos vários outros que, ao longo de quase três décadas, dedicaram seu tempo e seus ideais a esta revista.
Conselho Editorial
- 1 GLEZER, Raquel. A fundação da revista. Revista Brasileira de História, ano 1, n.1, p.129-130, mar. 1981.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
16 Jan 2009 -
Data do Fascículo
2008