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Deslocamentos e construção estatal: o uso de passaportes e a evolução administrativa do Estado joanino no Brasil (1808-1822)

Displacements and State Building: The Use of Passports and the Administrative Evolution of the Johannine State in Brazil (1808-1822)

RESUMO

O controle do deslocamento de indivíduos por intermédio do uso de passaportes no início da era contemporânea configurou atividade central no esforço de construção do Estado. O artigo, ao estudar o período compreendido pela administração joanina no Brasil (1808-22), apresenta uma janela para compreender a evolução do Estado, os deslocamentos internacionais de mulheres e escravos a partir do Rio de Janeiro e o difuso sentimento de pertencimento nacional na América do Sul.

Palavras-chave:
passaporte; Brasil; construção do Estado

ABSTRACT

The control of the displacement of people using passports at the beginning of the contemporary Era was a central activity in the effort to build the State. By studying the period comprised by the Johannine administration in Brazil (1808-22), the article presents a window to understand the evolution of the State, the international displacements of women and slaves from Rio de Janeiro and the diffuse feeling of national belonging in South America.

Keywords:
Passport; Brazil; State Building

INTRODUÇÃO

Em 30 de outubro de 1822, no cais dos Mineiros, no Rio de Janeiro, Joaquim Gonçalves Ledo fugiu para a área que hoje denominamos de cidade de Niterói, de onde solicitou passaportes para viajar para a Europa. Ledo era influente maçom e jornalista, membro da loja Grande Oriente Brasileiro e redator do periódico Revérbero Constitucional Fluminense. O jornal Diário de Governo notou, em janeiro do ano seguinte, que ele apareceu em Buenos Aires “sem passaporte e, por conseguinte, fugido” (apud Lustosa, 2000LUSTOSA, Isabel. Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na Independência (1821-1823). São Paulo: Companhia das Letras, 2000., p. 269). A ausência do documento é apresentada como aspecto negativo, dando ares de ilegalidade e sendo elemento central da tentativa de desconstrução política do jornalista por seus inimigos políticos.

O passaporte como documento e a atividade de controle estatal no deslocamento de indivíduos não recebem atenção da literatura que se debruça sobre o processo de construção burocrática do Estado no território brasileiro, mesmo daquela que trata de migrações. O caso Ledo aponta ser esse documento já emitido no alvorecer da vida independente do país, com um conjunto de expectativas e procedimentos que constituíam armas importantes no controle político doméstico, na definição da dimensão especial do território e na estabilidade do Estado. Isso não surpreende. O passaporte simboliza a dimensão espacial da soberania e oferece uma diferenciação entre cidadãos e estrangeiros, limitando a liberdade de movimentos e criando critérios que interferem no cotidiano social. Ao tratar desse tema estamos, portanto, invariavelmente discutindo a “geografia da nacionalidade” e a forma como identidades são construídas e impostas, negociadas e ressignificadas pela ação individual e pelo poder público por intermédio de atos de classificação, padronização e controle, ajudando a definir a própria natureza burocrática do Estado moderno (Bloemraad; Korteweg; Yurdakul, 2008BLOEMRAAD, Irene; KORTEWEG, Anna; YURDAKUL, Gökçe. Citizenship and Immigration: Multiculturalism, Assimilation, and Challenges to the Nation-State. Annual Review of Sociology, v. 34, n. 1, pp. 153-179, 2008., p. 154; Bowker; Star, 1999BOWKER, Geoffrey C.; STAR, Susan Leigh. Sorting Things Out: Classification and its Consequences. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1999., pp. 5-26; Brubaker, 1992BRUBAKER, Rogers. Citizenship and Nationhood in France and Germany. Cambridge, Mass.; London: Harvard University Press, 1992., pp. x e 3; Caplan; Torpey, 2001CAPLAN, Jane; TORPEY, John. Introduction. In: CAPLAN, Jane; TORPEY, John (Orgs.). Documenting Individual Identity: The Development of State Practices in the Modern World. Princeton: Princeton University Press, 2001. pp. 1-13., p. 1; Lyon, 2009LYON, David. Identifying Citizens: ID Cards as Surveillance. Cambridge, UK: Polity, 2009., p. 12).

Os passaportes são, portanto, uma janela para compreender a institucionalização do Estado, ocupando, do ponto de vista administrativo, espaço privilegiado na tríade Estado, território e sentimento de comunidade (Maier, 2016MAIER, Charles S. Once within Borders: Territories of Power, Wealth, and Belonging since 1500. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2016., p. 192; Torpey, 2000TORPEY, John. The Invention of the Passport: Surveillance, Citizenship and the State. Cambridge, U.K.: Cambridge University Press , 2000., pp. 1 e 5). Muitos que estudam essas questões, contudo, tendem a indicar a Primeira Guerra Mundial como o período em que a liberdade de movimento do Ocidente foi severamente restringida por controles nas fronteiras. Pesquisas nas últimas três décadas têm rebatido esse argumento, apontando a Revolução Francesa e a derrocada do Antigo Regime na Europa como momentos cruciais de transformação conceitual do tema (Lucassen, 2001LUCASSEN, Leo. A Many-Headed Monster: The Evolution of the Passport System in the Netherlands and Germany in the Long Nineteenth Century. In: CAPLAN, Jane; TORPEY, John (Orgs.). Documenting Individual Identity: The Development of State Practices in the Modern World. Princeton: Princeton University Press , 2001. pp. 235-55., pp. 235 e 7).

Este artigo se insere nessa literatura mais ampla ao apresentar a regulação dos passaportes no mundo luso-brasileiro de 1808 a 1822, especialmente pela discussão do códice 355/4/12 do Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio de Janeiro), que apresenta uma cópia manuscrita dos livros 1 e 2 de registros de passaportes da repartição dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Essa fonte é limitada ao exame dos deslocamentos a partir do Rio de Janeiro, dimensão que servirá de recorte para este artigo.

Essa certamente não é a primeira vez que a mobilidade voluntária de indivíduos pelas fronteiras é examinada de forma sistemática. O Arquivo Nacional publicou, a partir da década de 1960, os volumes “Registro de estrangeiros”, contendo informações sobre a chegada de estrangeiros em portos em território brasileiro. Ao contrário desta contribuição, que abrange a entrada de viajantes, os passaportes constituem fontes predominantemente sobre a saída para o exterior e o deslocamento do Rio de Janeiro para as províncias.

O nosso trabalho se iniciará com uma discussão sobre os passaportes no Antigo Regime, em particular em Portugal. Deve-se ter em mente que vários documentos distintos tinham essa denominação: aqueles concedidos em outros países para nacionais de terceiros países, aqueles de outros países concedidos aos seus respectivos nacionais e documentos voltados para a circulação doméstica. Será argumentado que as transformações conceituais no termo acompanham de perto a expansão da capacidade estatal e a preocupação com o tráfego internacional de indivíduos.

A segunda parte trata da fonte primordial deste artigo, os milhares de registros que compõem o códice de passaportes do Itamaraty, apresentando seus benefícios e suas limitações analíticas. A terceira parte é dedicada ao estudo dos servidores que atuavam na atividade, especificamente como se inseriam no processo de consolidação do Estado luso-brasileiro no Brasil. O argumento, aqui, é que o estudo dos servidores na área de passaportes confirma a tese já consolidada na literatura, de que ocorreu progressivo aproveitamento de indivíduos nascidos no Brasil na administração pública portuguesa, e que esses tiveram papel crucial na construção do Estado após a Independência. A quarta parte volta-se para o estudo específico dos registros dos viajantes, examinando-se quem são os indivíduos que se deslocavam do Rio de Janeiro para as províncias e para o exterior. O estudo dessas informações demonstrará que os passaportes são fontes cruciais para se compreender a dimensão social da mobilidade internacional no início do século XIX do ponto de vista do Rio de Janeiro, além de representarem esforço de construção burocrática para a regulação da circulação especial, do ponto de vista da segurança nacional.

PASSAPORTES NO ANTIGO REGIME

É impossível formular regras gerais para se compreender o uso de passaportes, mas se pode afirmar que, em grande parte da Europa, o controle sobre o deslocamento de indivíduos era executado sobretudo por senhores feudais com relação a seus servos. Assim, por exemplo, na Inglaterra, em 1381, uma ordenação proibia todos que não fossem nobres, soldados ou mercadores de saírem do reino sem licença. Um edito russo de 1719 obrigava os que saíssem de uma vila para outra a terem um passe de seus superiores (Torpey, 2000TORPEY, John. The Invention of the Passport: Surveillance, Citizenship and the State. Cambridge, U.K.: Cambridge University Press , 2000., pp. 18-9). Havia múltiplas razões para o controle do deslocamento de indivíduos pelo uso de passaportes, como controle da natureza da população (étnica, racial, religiosa ou religiosa), extração de impostos, limitação de saída de pessoas com competências valorizadas (maquinistas). A concepção mercantilista generalizada era que braços eram poder, não podendo uma autoridade prescindi-los. Em Portugal, os mais antigos registros de passaportes referem-se à administração colonial, datando do século XVI. O maior esforço de regulação veio no século XVIII. Em 1760, um alvará específico foi expedido indicando os casos em que era necessário expedir passaportes a viajantes. O foco era a “segurança pública” e há sensível burocratização do procedimento (Alvará declarando os casos..., 1760ALVARÁ DECLARANDO OS CASOS em que se devem passar passaportes e guias aos viajantes em quais os emolumentos que teriam de pagar; PT/TT/LO/003/0006/00028. Lisboa (Arquivo Nacional da Torre do Tombo, ANTT). 13 ago. 1760.).

No final do século XVIII, há grande transformação na atividade de emissão de passaportes na Europa, movimento associado às turbulências políticas do período. De forma geral, ocorreu um progressivo recrudescimento regulatório sobre a movimentação de indivíduos, algo que se acelerou nas duas primeiras décadas do século seguinte. A Revolução Francesa foi o estímulo para essa transformação de duas formas. Primeiro, pelo fortalecimento da capacidade estatal. Foi nesse período que a confecção, o processamento e a exigência de passaportes se burocratizou como atividade permanente (Robertson, 2010ROBERTSON, Craig. The Passport in America: The History of a Document. New York: Oxford University Press, 2010., p. 14). A segunda dimensão de influência veio por intermédio do medo de que o trânsito internacional de indivíduos poderia impactar negativamente a estabilidade doméstica dos regimes.

A derrota de Napoleão em Waterloo, em meados de 1815, aprofundou o processo de regulação do fluxo de indivíduos em decorrência da preocupação com as atividades de centenas de pessoas vinculadas ao ex-imperador. No âmbito da política europeia, os estadistas, além de ocuparem o território francês com mais de um milhão de soldados, criaram um sistema unificado e padronizado de passaportes, o que permitiu uma segurança no trânsito regional sem paralelos na história contemporânea europeia (Graaf, 2020GRAAF, Beatrice de. Fighting Terror After Napoleon: How Europe Became Secure after 1815. Cambridge; New York: Cambridge University Press, 2020., pp. 167-70). O controle sobre estrangeiros foi uma das maiores transformações, pois seriam, agora, “criminalizados”, e a atuação deles vista com desconfiança (Torpey, 2000TORPEY, John. The Invention of the Passport: Surveillance, Citizenship and the State. Cambridge, U.K.: Cambridge University Press , 2000., pp. 42 e 52).

Portugal não ficou atrás nessa transição de controle doméstico para preocupações internacionais. Em um alvará introduzido em 1792 determinou-se, como crime de alta traição, a saída de um indivíduo do reino sem o devido passaporte, sujeitando o indivíduo à perda de todos os seus bens (Alvará determinando que as pessoas..., 1792ALVARÁ DETERMINANDO QUE AS PESSOAS que voluntariamente se ausentarem do reino em tempo de paz, com causa atendível não tirando passaporte, passem para o fisco o rendimento, durante o tempo que estiverem ausentes, dos bens que possuírem; PT/TT/LO/003/0008/00048. Lisboa (Arquivo Nacional da Torre do Tombo, ANTT). 9 de janeiro de 1792.). A implementação ficou a cargo de Pina Manique, o poderoso e temido intendente geral de polícia de Lisboa. Após a invasão francesa, em 28 de março de 1808, ou seja, logo após a chegada da corte no Brasil, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra e futuro conde de Linhares, determinou que Paulo José Viana, servindo de intendente-geral de polícia no Rio de Janeiro, pessoalmente ou por terceiros, examinasse os estrangeiros que chegavam no Brasil. No dia seguinte, foi aberto o primeiro livro de “legitimação dos estrangeiros” (Arquivo Nacional, 1960, p. 5). O livro de passaportes só seria aberto meses depois, o que parece demonstrar certa curva de aprendizado das práticas burocráticas na nova capital do reino.

A portaria de 10 de outubro de 1811 proibiu a saída do reino de pessoas que pudessem atuar em sua defesa, e foi centralizada na pasta dos Negócios Estrangeiros e da Guerra a emissão de passaportes. Em Portugal, também se introduziu a regra de que ninguém poderia receber em sua casa ou prestar serviços a indivíduos sem passaportes (Edital de 22/12/1812)1 1 Resumos da legislação constam em Carneiro (1816). . Isso ocorreu concomitantemente com o interesse em controlar deslocamentos internos. Foi só em 31 de janeiro de 1863 que um decreto aboliu o passaporte para o interior, permitindo que todos os nacionais e estrangeiros circulassem livremente pelo país.

Apesar dos múltiplos instrumentos legais e do recrudescimento do controle, a legislação de passaportes, na Europa, era flagrantemente desrespeitada (Torpey, 2000TORPEY, John. The Invention of the Passport: Surveillance, Citizenship and the State. Cambridge, U.K.: Cambridge University Press , 2000., p. 49). Essa é uma questão importante para a análise subsequente do artigo. Como deixa claro o caso Ledo, apresentado no início do artigo, de forma alguma houve pleno registro dos deslocamentos do Rio de Janeiro para o exterior e para as províncias. Essa é uma situação existente dos dois lados do Atlântico, pois em 1817 D. Miguel Pereira Forjaz demonstrou irritação pelo fato de passageiros dos paquetes saídos de Falmouth, na Inglaterra, recorrentemente embarcarem para Portugal sem terem os devidos passaportes, algo que se repetiu ao menos até 1820 (Boisvert, 1971BOISVERT, Georges. Le Comte de Palmela et la presse portugaise libre (1816-1820). D’aprés des documents diplomatiques inédits. Arquivos do Centro Cultural Português, v. 3, pp. 459-519, 1971., pp. 516-8). O livro de passaportes é, desse modo, um retrato imperfeito e incompleto de um passado irresgatável. Constitui, todavia, importante representação para compreendermos a construção regulatória do Estado português no Brasil.

Sobre o documento em si, um primeiro elemento que deve ser destacado é que, em uma era de grandes desconfianças com relação a pessoas que se deslocavam entre as fronteiras, ele serviu como meio de comunicação entre representantes estatais comprometidos com a preservação da ordem interna (Robertson, 2010ROBERTSON, Craig. The Passport in America: The History of a Document. New York: Oxford University Press, 2010., p. 25). Em 4 de julho de 1811, por exemplo, após análises dos documentos foram detidos vários viajantes ao chegarem no Rio de Janeiro, denunciados pela análise de seus passaportes, entre eles dois irmãos de Rodrigo Navarro de Andrade, um diplomata português e Domingos Borges de Barros, futuro visconde da Pedra Branca, diplomata de D. Pedro I e político. Eles foram denunciados como agentes de Napoleão e só foram liberados em 28 de setembro (Havendo S. A. R. o Príncipe..., 1811HAVENDO S. A. R. O PRÍNCIPE Regente Nosso Senhor mandado deter (...). Gazeta do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 1, 9 out. 1811.).

O segundo é o entendimento do passaporte como mecanismo de sinalização. Em quase todos os locais, a emissão do documento dependia de cartas de recomendação de pessoas “respeitáveis”. Em 1817, por exemplo, Pedro José Caupers anunciou seus serviços de guarda-livros, indicando não só suas cartas de referência de comerciantes como o seu passaporte para justificar “não ser homem de suspeita” (Avisos, 1817AVISOS. Gazeta do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 4, 8 nov. 1817.). Essa característica de sinalização também servia para o Estado português vigiar seus nacionais no exterior. Uma viagem, por exemplo, para a Inglaterra, envolvia retirar passaporte na Secretaria dos Negócios Estrangeiros e certificá-los pelo cônsul inglês; só então se poderia embarcar no navio. Ao chegar no exterior, o cônsul português responsável pela jurisdição devia supervisionar as atividades de capitães, mestres e a equipagem das embarcações do país. Ele guardava os passaportes dos capitães das embarcações, mantendo-os até a partida. No meio tempo, deveria fazer com que as atividades de seus compatriotas fossem desempenhadas regulando-se “com probidade, boa fé e crédito da nação portuguesa; e com uma exata observância das leis e costumes do país” (Cópia das instruções pelas quais se devem..., 1805CÓPIA DAS INSTRUÇÕES PELAS QUAIS SE DEVEM regular os cônsules do Reino de Portugal, nos portos marítimos dos estados e repúblicas, para onde navegam e comerciam os vassalos portugueses; PT/TT/CLNH/0005/58. Lisboa (Arquivo Nacional da Torre do Tombo, ANTT). 25 de janeiro de 1805. ).

No Brasil, o decreto de 2 de dezembro de 1820 consolidou as práticas administrativas das duas últimas décadas. Ele merece ser examinado por ter sido promulgado no contexto do avanço liberal na Península Ibérica. O documento indicou que nenhuma pessoa, nacional ou estrangeira, poderia desembarcar em qualquer parte do reino sem o passaporte ou um documento que identificasse a sua “qualidade”, o lugar de onde saiu e o destino. Todo estrangeiro tinha de obrigatoriamente portar um passaporte, não só para sair do Rio de Janeiro como para ir de uma província a outra. Nesta situação, o passaporte deveria ser expedido e assinado por qualquer um dos ministros e Secretários de Estado, e até por governadores e capitães gerais - ou seja, não era monopólio da pasta de Negócios Estrangeiros. Para tirar esse passaporte, os viajantes deviam apresentar um atestado ou passe assinado pelo Intendente Geral de Polícia.

As turbulências políticas que varreram a península Ibérica acabaram solapando esse arcabouço regulatório. Do ponto de vista do território brasileiro, um dos aspectos mais interessantes foi que, no exterior, antes da Independência formal, autoridades locais não mais solicitavam que a legação portuguesa visasse o documento para viajantes que se dirigiam ao Brasil (Drummond, 2012DRUMMOND, Antonio de Menezes Vasconcellos de. Annotações de A. M. V. de Drummond à sua biografia. Brasília: Senado Federal, 2012 [1836]. [1836], p. 189).

Já do lado dos liberais portugueses, ocorreu uma verdadeira transformação. O movimento revolucionário pegou de surpresa muitos diplomatas e exilados portugueses na Europa. Em 19 de setembro de 1820, o governo interino em Lisboa enviou mensagem a todos os membros do corpo diplomático informando sobre a nova situação política do país. De todos os chefes de posto, somente dois responderam, um afirmando que necessitava da autorização de D. João VI para iniciar correspondência oficial, e o segundo enviando uma carta insolente. Os casos mais graves ocorreram na Espanha e na França, onde os diplomatas portugueses teriam se recusado a visar passaportes para pessoas com destino a Portugal, impedindo o retorno tão aguardado de emigrados políticos. Com a instalação das Cortes, foi criada, em 18 de abril de 1821, a Comissão Especial dos Diplomáticos, cujo objetivo era examinar a atuação de diplomatas portugueses no exterior na questão da emissão de passaportes. A questão simbolizou um dos maiores embates entre os princípios do Antigo Regime sobre a autoridade e a independência do rei de designar seus representantes em cortes estrangeiras e a nova ordem constitucional, que buscava constranger essa liberdade e submetê-la à vigilância do parlamento.

O LIVRO DOS PASSAPORTES

Tendo analisado o uso do passaporte no Antigo Regime, agora nossa atenção se voltará para o códice 355/4/12 do Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio de Janeiro), que pode ser denominado “livro dos passaportes”. O processo de criação e a própria sobrevivência dessa fonte são importantes, pois demonstram a constituição da administração portuguesa no Brasil e o processo de desagregação no mundo luso-brasileiro no declínio do Antigo Regime.

Na primeira página do códice há a indicação de que não se trata do documento original, pois foi constituído a partir da cópia do conteúdo de dois livros cuja custódia era da Repartição da Guerra, trabalho iniciado em 28 de junho de 1821. A data não é fortuita e está associada a duas mudanças importantes. A primeira foi o retorno de D. João VI e da corte para Portugal em 26 de abril de 1821. Antes de embarcar, o ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, Silvestre Pinheiro Ferreira, ordenou o envio do arquivo da Secretaria para Portugal na fragata Vênus. Os dez caixotes foram embarcados, mas o navio precisou se dirigir a Montevidéu, tendo o material desembarcado e sido designado para viajar em outro navio. Foi nesse contexto que Marcos de Noronha e Brito, o conde dos Arcos, então ministro da Marinha e Ultramar, mandou arrombar os caixões, separando papéis referentes a questões coloniais que deveriam permanecer no Rio de Janeiro. Isso explica o fato de muitos documentos, como o livro de passaporte, não terem sido transportados para Portugal (Ferreira, 1821aFERREIRA, Pinheiro. De Pinheiro Ferreira para Baptista Filgueiras; Palácio de Queluz, 4 de setembro de 1821. Lisboa (Arquivo Nacional da Torre do Tombo, ANTT). 1821a. ; Ferreira, 1821bFERREIRA, Pinheiro. De Pinheiro Ferreira para Baptista Filgueiras; Lisboa, 24 de setembro de 1821. Lisboa (Arquivo Nacional da Torre do Tombo, ANTT). 1821b.).

Uma segunda questão relevante foi a desagregação do ministério em duas unidades distintas - a Secretaria da Guerra e a de Negócios Estrangeiros. Desde o início das atividades da administração portuguesa no Brasil, questões militares e diplomáticas eram conduzidas sob uma mesma estrutura administrativa. Foi só com a separação, ocorrida em 12 de junho de 1821, que a dimensão diplomática ficaria apartada. Isso ocasionou uma série de desafios administrativos, como a divisão dos servidores e dos arquivos entre as duas pastas. Neste último caso, a existência de documentos de interesse das duas Secretarias ocasionou a necessidade de se redigirem cópias. O códice disponível no Arquivo Histórico do Itamaraty é um testemunho dessa transição. A primeira página indica que é uma cópia manuscrita resultante do desentranhamento do conteúdo dos livros ns. 1 e 2 da pasta da Repartição da Guerra. Como sabemos, nem todos os documentos relevantes foram copiados e, por décadas, muito material importante para a pasta de Negócios Estrangeiros permaneceu no Arquivo Militar, sendo consultado por diplomatas (Souza, 1952SOUZA, José Antônio Soares de. Um diplomata do Império (Barão da Ponte Ribeiro). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1952., p. 332).

O códice de passaporte apresenta informações sobre mais de quatro mil pessoas em 2.279 registros. Deve-se considerar que o processo de concessão de passaportes envolvia muitos documentos e formulário submetidos pelos requerentes, algo que provavelmente envolvia uma comunicação endereçada ao chefe da repartição com uma carta de recomendação, uma descrição física, a menção à nacionalidade, o propósito e o trajeto da viagem pretendida. Além desses elementos havia despachos emitidos no âmbito burocrático. Infelizmente, todos estes documentos não foram preservados. A despeito dessa limitação, a listagem das concessões é uma fonte riquíssima para a compreensão do fluxo transnacional de indivíduos.

O aspecto preliminar pertinente diz respeito à natureza do códice. O que ele registra? Ainda que a maioria da documentação se refira a concessões de passaporte para indivíduos deslocando-se para o exterior, há algumas notas que não se encaixam nesse conceito. Em alguns casos, trata-se de ordens dadas pelo príncipe regente ou pelo ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra sobre providências administrativas a serem tomadas, como a liberação de bens na alfândega, ou para que nenhuma autoridade colocasse embaraços ao deslocamento de determinadas pessoas - diplomatas, comerciantes e militares estrangeiros.

Com relação às datas das informações, o códice é importante, primeiramente, por indicar quando se iniciaram efetivamente as atividades da pasta de Negócios Estrangeiros no Brasil. A administração transmigrou de Lisboa em novembro de 1807, e o navio do príncipe regente chegou ao Rio de Janeiro em 8 de março do ano seguinte. As primeiras entradas no registro datam de julho de 1808. A literatura aponta, no entanto, que, no final de março deste ano, a falta de passaporte do irmão do vice-rei de Buenos Aires, Santiago de Liniers, serviu para que ele fosse preso e interrogado (Azevedo, 2002AZEVEDO, Francisca Nogueira de. Dom Joaquim Xavier Curado e a política bragantina para as províncias platinas (1800-1808). Topoi, v. 3, n. 5, pp. 161-183, 2002., p. 169). Observa-se, assim, que não foi automática a criação do aparato administrativo nos trópicos. Gabriela de Souza Coutinho, esposa de d. Rodrigo de Souza Coutinho, o primeiro-ministro dos Negócios Estrangeiros em território brasileiro, apresenta relato que corrobora essa visão. Segundo ela, a pasta funcionou em sua residência em regime de trabalho precário e pesado nesse momento inicial (Silva, 2006SILVA, Andrée Diniz-Mansuy. Portrait d’un homme d’Etat: D. Rodrigo de Souza Coutinho, Comte de Linhares, 1755-1812. II. Paris: Fundação Calouste Gulbenkian; Centre Culturel Calouste Gulbenkian, 2006., pp. 578-95).

Não se pode afastar a documentação primária, portanto, de seu contexto espacial e político. A chegada da corte se superpôs a um aparato administrativo colonial que se fortalecera no século anterior, deslocando a relevância geopolítica e comercial do Nordeste para o porto do Rio de Janeiro. Essa tendência foi aprofundada com a abertura dos portos, que levou à significativa elevação do tráfego marítimo - de 778 navios em 1807 para cinco mil em 1811 (Figueiredo; Santos; Lenzi, 2005FIGUEIREDO, Cláudio; SANTOS, Nubia Melhem; LENZI, Maria Isabel Ribeiro. O porto e a cidade: o Rio de Janeiro entre 1565 e 1910. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005., p. 66). Essa expansão teve efeitos equivalentes na demografia da cidade. As estimativas variam, mas só a transmigração da corte em 1808 teria elevado em cerca de 15% a população da cidade (Cavalcanti, 2004CAVALCANTI, Nireu Oliveira. O Rio de Janeiro setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da Corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2004., p. 96; Light, 2008LIGHT, Kenneth. A viagem marítima da família real: a transferência da corte portuguesa para o Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.).

A administração joanina no Rio de Janeiro promoveu inédita abertura da colônia para estrangeiros, mas teve interesse em acompanhar muitos desses indivíduos que circulavam pelo país. A atividade registrada no livro dos passaportes, assim, está ligada a uma realidade altamente fluida. A expansão da atividade regulatória estatal buscava reduzir sobretudo os desafios que estrangeiros pudessem trazer para a ordem social e política portuguesa no território do Rio de Janeiro (Schultz, 2006SCHULTZ, Kirsten. A era das revoluções e a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro (1790-1821). In: MALERBA, Jurandir (Org.). A Independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro: FGV, 2006. pp. 125-151., p. 133; Silva, 2010SILVA, Maria Beatriz Nizza da. A Corte no Rio de Janeiro: o perigo francês, o perigo espanhol e o poderio inglês. In: CARDOSO, José Luís; MONTEIRO, Nuno Gonçalo; SERRÃO, José Vicente (Orgs.). Portugal, Brasil e a Europa Napoleónica. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2010. pp. 297-322., pp. 304 e 8). Esse fenômeno de burocratização esteve longe de se limitar à atividade da pasta de Negócios Estrangeiros e de ter se iniciado em 1808, como demonstra extensa literatura sobre um assunto. A historiografia, assim, já opera há bastante tempo sob a premissa de que a vivência administrativa da cultura jurídica do Antigo Regime foi reconstituída no Rio de Janeiro em bases particularmente novas, sendo essencial a compreensão desse estamento burocrático para o entendimento do processo de Independência (Costa; Slemian, 2013COSTA, Wilma Peres; SLEMIAN, Andréa. The Justice System, the National Guard and Control of Public Order: The Brazilian Empire in the Initial Decades of the Nineteenth Century. In: GARAVAGLIA, Juan Carlos; RUIZ, Juan Pro (Orgs.). Latin American Bureaucracy and the State Building Process (1780-1860). Cambridge: Cambridge Scholars Publishing, 2013. pp. 402-27., pp. 407-10; Souza, 2014SOUZA, Adriana Barreto de. Conselho Supremo Militar e de Justiça e a interiorização de uma cultura jurídica de Antigo Regime no Rio de Janeiro (1808-1831). Antíteses, v. 7, n. 14, pp. 301-323, 2014.; Uricoechea, 1978URICOECHEA, Fernando. O minotauro imperial: a burocratização do Estado patrimonial brasileiro no século XIX. Rio de Janeiro: Difel, 1978., p. 84; Wehling; Wehling, 2010WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José C. L’organisation de la justice á l’époque de dom João VI. In: COUTO, Jorge (Org.). Rio de Janeiro, capitale de l’Empire Portugais (1808-1821). Paris: Éditions Chandeigne, 2010. pp. 219-244., p. 227; Wehling, 1986).

A INTERIORIZAÇÃO DO OFICIALATO: OS SERVIDORES

A análise da emissão de passaportes pela Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra é oportuna por permitir o exame das redes de relacionamento da elite governamental luso-brasileira no período que vai da transmigração do governo português para o Brasil até o rompimento entre os dois países. Essa análise deve se iniciar com o próprio processo de transmigração da Corte para o Rio de Janeiro.

Somente vinte e um dos mais de dois mil registros não apontam o responsável pela emissão, sendo a informação mais preenchida no códice. 44 servidores diferentes assinaram os documentos. O primeiro aspecto a chamar a atenção é que todos os 11 chefes da pasta no período tiveram participação - de d. Rodrigo de Souza Coutinho, em 1808, a José Bonifácio, em 1821. Isso demonstra que a atividade não era plenamente delegável aos oficiais subalternos. Todo esse grupo, contudo, subscreveu somente 4,71% dos casos. A maioria decorreu de ocasiões em que o príncipe regente, e depois rei, ordenou esses ministros a rubricarem pedidos específicos. Um dos primeiros de que temos notícia é o concedido por Souza Coutinho, em 10/10/1808, o qual informa que o príncipe regente ordenava à alfândega que deixasse “sair livremente todos os objetos e volumes pertencentes ao fato e mobília do Arcebispo […] que acaba de chegar a esta Corte”. O arcebispo, Lorenzo Caleppi, fez parte do pequeno círculo diplomático que o Rio de Janeiro receberia no período joanino - ele tentou vir com a família real em 1807, mas não conseguiu chegar à área de embarque dos navios.

A concessão e o uso de passaportes do Estado foi, ao mesmo tempo, um exercício do poder estatal em formação e a própria construção desse poder. Muitos dos que atuaram nesse esforço não retornaram a Lisboa em 1821, tendo alguns ascendido a cargos no Brasil Independente. A análise dos servidores deve se iniciar com uma comparação com aqueles que atuavam em Portugal antes da transmigração da Corte. Infelizmente, não há registro, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, de volume semelhante que permita se comparar o período de 1808 a 1822 com a situação existente previamente em Lisboa. Isso dificulta o entendimento sobre continuidades e particularidades do funcionamento do Estado português em território brasileiro.

Pode-se, no entanto, contornar um pouco essa limitação utilizando-se o Almanack de Lisboa de 1807. Segundo este documento, a Secretaria de Negócios Estrangeiros e da Guerra contava com vinte e oito servidores. No topo estava o ministro, na época Antonio de Araújo Azevedo (futuro conde da Barca), seguido por dois oficiais maiores, um oficial de línguas, dezenove oficiais, três ajudantes e dois porteiros que atuavam como guarda-livros. Essa estrutura, contudo, era só teórica, pois quatro servidores atuavam em legações portuguesas no exterior (Almanach do anno de 1807, 1806ALMANACH DO ANNO DE 1807. Lisboa: Impressão Régia, 1806. , pp. 100-102). Comparando o registro de passaporte, identificamos que só sete desses trabalharam no Brasil nessa atividade - o mais relevante sendo Antônio de Araújo Azevedo. Parte significativa dos indivíduos da Secretaria que assinaram passaportes, portanto, não atuava na Secretaria em Lisboa em 1807, algo visível pela listagem de servidores no Almanack do Rio de Janeiro de 1811, que apresentava um ministro, dois oficiais maiores, treze oficiais e um porteiro - ou seja, uma estrutura bem menor se comparada àquela que o órgão tinha em Lisboa (Almanack da Corte do Rio de..., 1969ALMANACK DA CORTE DO RIO de Janeiro para o anno de 1811. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 282, n. 1, pp. 97-235, 1969., p. 135).

A ruptura administrativa com a situação de Lisboa pode ser examinada desde o topo da pirâmide administrativa. O experiente Antonio Joaquim de Morais, oficial maior da Secretaria desde 1797, e seu colega de cargo equivalente, Gregório Gomes da Silva, que entrara no serviço em 1784, não atuaram na pasta no Rio de Janeiro. Dos dezoito oficiais trabalhando em Lisboa em 1807, apenas três estavam na Secretaria em 1811, no Brasil. Houve, desse modo, grande espaço para a integração de uma emergente classe nascida em território brasileiro no aparelho estatal. Ela era constituída sobretudo por personalidades bem conectadas. O oficial mais jovem, Bento da Silva Lisboa, por exemplo, tinha dezoito anos em 1811 e era filho de José da Silva Lisboa, o futuro visconde de Cairu. O comerciante Camilo Martins Lage, por sua vez, foi nomeado em 1808 também oficial de secretaria. Sua família tinha raízes em Minas Gerais. Seu pai era militar de carreira, chegando a capitão da companhia das ordenanças da freguesia da Sé do Rio de Janeiro; seu tio mais novo foi procurador do Senado da Câmara e escrivão real; e seu cunhado era o futuro visconde e marquês de Maricá (Lorena, 1802LORENA, Bernardo José de Lorena. Carta para o Visconde de Anadia. Rio das Velhas, março de 1802; AHU_CU_011, Cx. 162, D. 12136. Lisboa (Arquivo Histórico Ultramarino). 1802.; Costa, s.dCOSTA, Julião Martins da. Requerimento pedindo provisão para se transportar ao Reino. 12 de novembro; AHU_CU_011, Cx. 162, D. 12136. Lisboa (Arquivo Histórico Ultramarino). s.d.; Macedo, s.d.MACEDO, José de Meira de. Requerimento pedindo confirmação da carta de sesmaria; AHU_CU_011, Cx. 160, D. 12009. Lisboa (Arquivo Histórico Ultramarino). s.d.). O terceiro caso de interesse é Simeão Estellita Gomes da Fonseca. Natural de Portugal, seu pai era militar com profunda atuação no Brasil, sendo responsável por fortificações e pela defesa da Colônia de Sacramento (Câmara, 1799CÂMARA, Sebastião Xavier da Veiga Cabral da. Registro de uma portaria passada ao interino intendente e pagador das tropas Simeão Estelita Gomes da Fonseca; Porto Alegre, 29 de dezembro de 1799, F1246/169v, 170. Porto Alegre (Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul). 1799.).

É importante notar, no entanto, que existiu certa especialização da atividade, com 60,24% dos documentos sendo emitidos por oito servidores. Há, portanto, indicação de um início de burocratização administrativa, algo que não necessariamente ocorreu em outros países. Para se ter uma medida de comparação, nos Estados Unidos, antes de 1806, o equivalente americano ao oficial maior era o responsável por emitir praticamente todos passaportes (Robertson, 2010ROBERTSON, Craig. The Passport in America: The History of a Document. New York: Oxford University Press, 2010., p. 110).

O códice de passaportes se encerra em março de 1822. É oportuno estudar o que aconteceu com o contingente administrativo que atuava na atividade com o processo de desagregação no mundo luso-brasileiro, em especial as diferentes lealdades e transferências administrativas, um processo que não foi simples. Camilo Martins Lage, por exemplo, de oficial inicialmente responsável por atividades simples como fazer cópias de documentos e emitir passaportes (10 dos 78 de 1810) passou, em 1815, a ser oficial maior e braço direito do Conde da Barca, cuidando, no Rio de Janeiro, de todos os despachos referentes à Conferência de Viena e da política internacional europeia no mundo pós-napoleônico. Apesar de nascido no Brasil, retornou para Portugal com D. João VI, onde conseguiu passar para o serviço diplomático, um feito raríssimo na história colonial. Em 1823, contudo, decidiu pedir demissão do serviço português e solicitou que José Bonifácio o aproveitasse na “carreira diplomática” brasileira (Ministério Das Relações Exteriores, 1972 [1922]MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Arquivo diplomático da Independência. Volume I. Grã-Bretanha. Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores, 1972 [1922]., p. 253). Mudou, portanto, duas vezes sua lealdade.

O frei português Tibúrcio José da Rocha, apesar de português e de possuir extensos elos com a elite governamental lusitana, optou por permanecer no Brasil. Parece, contudo, ter sido ambivalente, pois seu nome não é reproduzido em nenhuma das várias listas e dos vários panfletos que circularam no Rio de Janeiro defendendo a Independência. Ele migrou para a Secretaria da Guerra no momento de divisão da pasta, servindo de esteio à burocracia nascente do Estado brasileiro (Larangeira, 2011LARANGEIRA, Álvaro Nunes. Arqueobiografia do pioneiro da imprensa no Brasil: nas pegadas do frei Tibúrcio. Revista FAMECOS: mídia, cultura e tecnologia, v. 18, n. 3, pp. 765-781, 2011.). Ocorreu, também, rápida promoção de vários servidores, que passaram para o serviço diplomático, como o caso de Isidoro da Costa e Oliveira e de Bento da Silva Lisboa, processo raro de ocorrer na antiga repartição portuguesa para nascidos no Brasil. Lisboa, em particular, teria grande atuação no Primeiro Reinado, chegando a atuar como ministro dos Negócios Estrangeiros. Dos vinte e um servidores que assinaram passaportes entre 1820 e 1822 (excluindo-se os chefes da pasta, como José Bonifácio), somente seis não estavam servindo ao governo no Rio de Janeiro, ainda que em outro órgão, em 18252 2 Considerando, também, que Martins Lage faleceu em 1824. .

O exame da atividade de emissão de passaportes demonstra que esta função exemplifica o que se denominou recentemente de “interiorização do oficialato”, um processo não planejado de integração de nascidos no Brasil no aparelho administrativo português em posição subalterna, os quais, no entanto, progressivamente ascenderam na hierarquia funcional do Estado português (Carvalho, 2013CARVALHO, Marieta Pinheiro de. Administração e ação política na corte do Rio de Janeiro: a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil. Revista Acervo, v. 25, n. 2, pp. 45-58, 2013., p. 24). O caso dos passaportes também confirma o argumento clássico de Maria Odila Leite da Silva Dias sobre a continuidade da estrutura centralizadora colonial no Rio de Janeiro por intermédio do que ela denominou de “elitismo burocrático”, processo que cimentou os elos entre classes dominantes e aparelho estatal (Dias, 1986DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole (1808-1853). In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). 1822: dimensões. Perspectiva, 1986. pp. 160-86., p. 33).

VIAJANTES, DIPLOMATAS E ESCRAVOS: OS REQUISITANTES DE PASSAPORTES

Contando inicialmente com poucos servidores e criando uma máquina administrativa praticamente do zero, talvez tenha sido natural o atraso na abertura do livro de passaporte e o início do controle de deslocamento de indivíduos. No segundo semestre de 1808, no entanto, a atividade já estava funcionando de forma plena. O livro de registro possui 2.120 nomes distintos de requisitantes. Em 130 casos, uma mesma pessoa é registrada mais de uma vez, comumente por ter se deslocado novamente após um retorno ao Rio de Janeiro. Em outros casos, essas repetições são registros duplicados, ou seja, notações de passaportes que, por algum motivo, foram repetidas, geralmente com diferenças de dias e do servidor que validou o documento.

Cada entrada no livro de registro não corresponde necessariamente a um indivíduo. Em 595 casos, encontramos referências a acompanhantes que viajavam com o titular - como esposa, filhos, criados e escravos. Muitas vezes, o servidor registrava termos vagos como “pessoas de sua legação e as de sua família”, como o passaporte concedido ao Barão de Sturmer em abril de 1821. Outro exemplo é o passaporte concedido ao explorador Johann Baptist Ritter von Spix. O passaporte que lhe foi concedido para transitar pelo interior do país em novembro de 1817 (ele já havia recebido um em setembro para se deslocar pelo Rio de Janeiro) informa que ele era acompanhado por “criados”3 3 Nesses casos, os registros foram padronizados, a depender se a referência fosse cumulativa a secretários de embaixada, pessoas de família e outras categorias. Quando a menção se dava no plural, como no caso do passaporte de Sturmer, parte-se da premissa de que são duas pessoas, apesar de potencialmente abranger mais. O número registrado no caso de Spix foram de três pessoas, apesar de o termo no plural poder indicar mais de duas pessoas. .

Entre 1820 e 1822, há volume maior de situações em que são registradas mais de cinco pessoas com o titular. Dois exemplos são dignos de nota: os 83 passageiros do navio inglês Lord Lendock, que viajavam à Europa em fevereiro de 1822, e a lista de passageiros do navio inglês São Patrício, que seguiu provavelmente em fevereiro do mesmo ano para o mesmo destino. Sobre esta questão, devemos fazer dois comentários. Primeiro, deve-se cogitar a alta probabilidade de que o registro mais intensivo dos acompanhantes e de passageiros decorreu de um novo procedimento padrão da atividade administrativa. Em segundo lugar, o alto fluxo parece resultar do processo de desagregação do império espanhol na América do Sul, pois todos têm origem no Prata e no Pacífico. Na referência do navio Lendock, por exemplo, temos D. Fernando Zambrano, que, segundo o almanaque peruano de 1820, atuava na Junta Superior de Apelações e na contadoria e tesouraria do Exército em Lima, situação semelhante àquela de outros passageiros do navio (Paredes, 1819PAREDES, José Gregório. Almanaque peruano y guia de forasteros para el año bisiesto de 1820. Lima: Real Casa Niños Expósitos, 1819.). A presença de criados, esposas e filhos (sete, no caso de D. Cosme Ximenes) indica que muitos não tinham expectativas de retornar às Américas.

Assim como há o registro da elite colonial civil e militar espanhola deixando as Américas, também é possível identificar um fluxo de pessoas nascidas em território espanhol se deslocando no continente. Manuel Francisco Artigas, irmão de José Artigas, por exemplo, foi capturado por forças portuguesas e preso na Ilha das Cobras em 1818. O livro de passaportes indica que ele seguiu para Montevidéu com sua esposa e um escravo em 10 de maio de 1821. Não se encontrou com seu irmão, exilado no Paraguai desde 1820, pois faleceu em 1822.

Infelizmente não há relatos conhecidos sobre o contexto social e regulatório no qual se dava a requisição de passaportes4 4 Ver Arquivo Nacional, 1962, p. vi. . A análise formal do processo também oferece poucas pistas. Podemos utilizar a regulação publicada na Gazeta do Rio de Janeiro em 9 de dezembro de 1820 como uma codificação da prática do período. O passaporte teria como fim manter a “segurança” e a “conservação da pública tranquilidade” do Reino, ou seja, demonstrava uma evolução mais agressiva para a componente transnacional do documento. A legislação era direcionada tanto a nacionais como a estrangeiros e voltada ao Reino do Brasil, proibindo a entrada e a circulação sem a apresentação de um passaporte ou portaria que indicasse a “qualidade” do indivíduo, o lugar de onde saiu e o seu destino. O comandante de toda embarcação remeteria, no Rio de Janeiro, ao Intendente Geral de Polícia e, em outras localidades, aos governadores e magistrados, os passaportes de seus passageiros (Decreto, 1820DECRETO. Palácio do Rio de Janeiro, 2 de dezembro de 1820. Gazeta do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, pp. 1-3, 9 dez. 1820.).

Esse processo foi na contramão do que ocorria na Europa após as guerras napoleônicas, quando se diminuiu a regulação e o controle de deslocamento pelo uso do passaporte. Podemos explicar essa dicotomia ao observar que o levante de Pernambuco e o do Porto de 1817 ocorreram concomitantemente à aceleração das guerras hispano-americanas de Independência. Nesse contexto, o maior controle dos passaportes pode ser um bom indicador da preocupação da monarquia luso-brasileira com a segurança interna do regime. Talvez esse seja um elemento para explicar a abrupta elevação de concessões de passaporte - a média anual de registros saltou de 53, entre 1808 a 1816, para 299, entre 1817 e 1822 (uma elevação de 81 para 565 pessoas), ou seja, quase sextuplicou. Considerando que o volume de navios que aportaram no Rio de Janeiro não sofreu variação equivalente, o mais provável é que tenha realmente ocorrido uma mudança do padrão de vigilância administrativa5 5 Havia uma média anual de 56 navios entrando no porto do Rio de Janeiro de julho de 1811 a 1816, e de 75 navios de 1817 até abril de 1821 (Silva, 2012). .

Gráfico 1:
Total de pessoas e de registros de passaportes, 1808-1822.

Temos, em muitos casos, a descrição física de muitas das pessoas registradas, um padrão também observável na série Registro de Estrangeiros, publicada pelo Arquivo Nacional (Arquivo Nacional, 1962ARQUIVO NACIONAL. Registro de estrangeiros, 1831-1839. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1962., p. 5). Sabemos que o ato de anotar essas características no registro de passaportes vulgarizou-se na Europa exatamente nesse período (Lyon, 2009LYON, David. Identifying Citizens: ID Cards as Surveillance. Cambridge, UK: Polity, 2009., p. 21). Não fica claro, no entanto, por que só alguns passaportes foram contemplados com descrições. A maioria, no entanto, concentra-se entre 1813 e 1816. Uma das hipóteses para o desuso poderia ser o fim da guerra na Europa, que diminuiria a dimensão de segurança. Mas ficaria difícil concordar com essa tese se considerarmos que as instabilidades no mundo Atlântico permaneceram durante todo o período (e até se agravaram, considerando as revoltas em Pernambuco e no Porto). De qualquer maneira, sabemos que elas eram precisas para a época. Isso pode ser observado pelas descrições de viajantes que tiraram mais de um passaporte, como é o caso do viajante Antonio José de Almeida. Ele foi descrito por três servidores em três viagens, entre 1813 e 1814, de forma praticamente idêntica.

Sobre as características dos viajantes, um aspecto importante é a questão de gênero. No mesmo período, há evidência de que regiões controladas pelos austríacos na Itália permitiam a concessão de passaporte para mulheres quando autorizadas por escrito pelos maridos, além daquelas que fossem legalmente separadas ou viúvas (Geselle, 2001GESELLE, Andrea. Domenica Saba Takes to the Road: Origins and Development of a Modern Passport System in Lombardy-Veneto. In: CAPLAN, Jane; TORPEY, John (Orgs.). Documenting Individual Identity: The Development of State Practices in the Modern World. Princeton: Princeton University Press, 2001. pp. 199-217., p. 200). Seria essa uma realidade também no Rio de Janeiro? É muito difícil identificar o gênero só com base no nome, mas na listagem temos 99 entradas (4,34% do total) de nomes claramente femininos em que o passaporte é encabeçado por uma mulher, sem o marido ou pai. Em 39 casos, o passaporte não indica acompanhantes, indicando alta probabilidade de que tenham viajado sozinhas; em outras 33 situações, elas são acompanhadas por filhos. Destaca-se, aqui, o caso de Anne Penichon, que se deslocou para Buenos Aires liderando um grupo com sete familiares e doze escravos em 1810.

Essa é uma indicação importante do ponto de vista historiográfico, pois reforça a crítica a teses inspiradas em observadores como John Luccock, de que as mulheres do setor mais privilegiado da sociedade eram reclusas e não se deslocavam (Luccock, 1820LUCCOCK, John. Notes on Rio de Janeiro, and the Southern Parts of Brazil; Taken during a Residence of Ten Years in that Country, from 1808 to 1818. London: S. Leigh, 1820., p. 111). O registro de passaportes demonstra que a movimentação feminina teve uma projeção internacional. Tal fato não ocorreu apenas no que concernia às estrangeiras ou luso-brasileiras influentes. Registrou-se também caso de escrava se deslocando sozinha, sem acompanhante.

A escravidão e o deslocamento de negros, então, são elementos importantes que devemos examinar. Muitas vezes, no códice, há referência explícita indicando que um determinado indivíduo é negro e que trabalha como criado, mas não se especifica se é escravo - algumas vezes, explicita-se a condição legal, que exclui a possibilidade de escravidão formal (como “preto forro” ou “preto livre”). Um exemplo de descrição dos acompanhantes é o registro de passaporte do diplomata Antonio Saldanha da Gama (1778-1839), futuro conde de Porto Santo, de 2 de julho de 1814. Ao ser nomeado para o Congresso de Viena, ele levou oito criados, três brancos e três negros de maior de idade (dois homens e uma mulher) e um casal negro menor de idade. Outra descrição é a do oficial da própria secretaria que ia a Lisboa, Antônio Xavier de Abreu Castello Branco. Registrou-se que ele levava em sua companha uma criada com o nome de “Maria Mina”, sem que se identificasse se ela era escrava.

O mesmo problema sofre a classificação de criado. Em alguns casos, são registradas outras características (índio botocudo, por exemplo), sem o registro de que seja um criado; em outros, indica-se o termo “liberto(a)” ou “é acompanhado por”, mas sem se detalhar a indicação de ser criado particular. Há, portanto, certo grau de imprecisão no exercício da classificação, tanto em decorrência das fontes como de avaliação subjetiva. Nesse caso, na base de dados apenas foram denominados escravos os casos em que explicitamente há referência, quando, por exemplo, no mesmo passaporte, há referência a escravos e a criados, de forma separada. Isso não exclui, contudo, a possibilidade de que muitos escravos tenham sido inscritos como criados, como parece ser a situação de muitos que se deslocaram à Europa - como a situação dos que acompanharam Saldanha da Gama.

Os escravos são descritos geralmente pelo primeiro nome, combinado com a região de origem (Congo, Cabinda, Calabar, Mina, Benguela, Cassange, Moçambique). Alguns são definidos como “buçaes” (não falavam português) ou ladinos (nascidos no Brasil). Há pouquíssimas informações adicionais, como a idade - caso de Marcos Benguela, criado negro de 12 anos que acompanhava um inglês que retornava ao seu país, em 1817; ou Rodrigo, escravo da nação cassange de três anos levado para Bremen em 1814. No total, há certeza de 266 escravos, sendo que 112 (42%) deslocou-se para outras localidades do Brasil e 118 (44%) para outra parte das Américas, sendo 105 para o Rio da Prata.

É interessante notar que há casos de deslocamento internacional autônomo da população negra. Domingues Moçambique, definido como “forro”, viajou desacompanhado para Marselha em 1817; Francisco de Mina, escravo de João Moreno, foi para Montevidéu sozinho em 1818; Florêncio Criolo, escravo de João Pablo Spres, foi para o mesmo destino em 1820; em 1814, a escrava Rosa Criola foi “remetida” a Buenos Aires. Neste último caso, a linguagem é muito importante. O passaporte foi pedido em nome dela, deixando claro que ela não tinha a liberdade de solicitar tal documento. Além disso, esse é um dos poucos casos que apresentam detalhes mais precisos. Sabemos que ela era natural de Buenos Aires, tinha 22 anos, “estatura ordinária, rosto comprido, sobrancelhas delgadas e nariz chato”. Há alguma situação peculiar aqui, não discernível para o observador atual, pois foram emitidos dois passaportes no mesmo dia. Um por José Luis Ferreira e um segundo por Francisco Antônio Pereira, os dois a “remetendo” para Buenos Aires. Alguns escravos realizavam grandes deslocamentos. Um, cujo nome não foi registrado, pertencia ao cônsul português João Carlos Pimentel da Silva e viajaria a Macau e depois à Europa.

A documentação registra também certa ambivalência administrativa que parece indicar dúvidas sobre se o local de destino das viagens dos requerentes aceitaria a escravidão de indivíduos. Esse é o caso dos passaportes concedidos ao cônsul português José Amado Grehon. Ele era coronel do exército, tendo sido secretário de governo do estado de Goiás. Foi nomeado para um posto diplomático em Washington. Em 4 de agosto de 1818, foi concedido um passaporte a ele, a três membros de sua família e a dois criados. Quatro dias depois, no entanto, um segundo passaporte foi registrado em nome de “Felizarda”, indicando que ela acompanharia Grehon aos Estados Unidos. O que explica essa adição? Se ela era escrava, uma hipótese pode ser a ambivalência sobre se seria adequado deslocar-se com ela (a escravidão foi permitida em Washington, D.C. até 1862, mas ele poderia não saber disso), ou qual seria o custo do transporte.

DESTINOS INCERTOS

Como já apontado acima, não é possível saber o processo de interação social que levou à emissão dos passaportes, mas, em decorrência da alta variabilidade de respostas, tudo leva a crer que a designação do destino foi feita segundo a expressão escrita ou oral dos viajantes - o campo foi preenchido de mais de 250 formas distintas, decorrentes provavelmente da percepção individual sobre o que se concebia como espaço territorial organizado de destino, geralmente porto, cidade ou país6 6 Somente em 45 dos casos (1,97%) não há tal informação, ou ela está ilegível, a maior parte dos casos sendo, na verdade, de ordens de desembaraço determinadas por D. João VI. .

O primeiro elemento é o direcionamento regional. Pelos dados disponíveis, 19,16% dos viajantes tiveram como destino exclusivamente localidades no Brasil, como Auguste de Saint-Hilaire - em 19 de novembro de 1816 ele foi a Minas Gerais; em 17 de junho de 1818, a Espírito Santo, São Paulo, Goiás e Rio Grande do Sul; e em 14 de novembro de 1821, a Minas Gerais e Goiás. O fluxo maior, no entanto, foi aquele direcionado à Europa (37,78%) e às Américas (35,29%). A informação mais importante, no entanto, é o “cão que não latiu”, pois somente 2,64% dos viajantes registrados foram à Ásia, à África e ao Oriente Médio. Considerando as densas relações humanas entre o Rio de Janeiro e a África, tal proporção de registros é muito baixa. A hipótese mais plausível talvez seja a de que, em decorrência de grande parte do fluxo do Rio de Janeiro para o continente africano dizer respeito ao tráfico de escravos, teriam existido incentivos elevados para que essas pessoas viajassem sem a devida documentação. Isso ajuda a qualificar as limitações dessa fonte como retrato global dos deslocamentos humanos do período, e talvez confirme a tese de que indivíduos envolvidos no tráfico de escravos buscassem discrição, naturalmente em consequência das pressões britânicas (Conrad, 1985CONRAD, Robert Edgar. Tumbeiros: o tráfico de escravos para o Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985., pp. 67-76; Ferreira, 2012FERREIRA, Roquinaldo Amaral. Cross-Cultural Exchange in the Atlantic World: Angola and Brazil during the Era of the Slave Trade. Cambridge, U.K.: Cambridge University Press, 2012., p. 8; Rebelo, 1970REBELO, Manuel dos Anjos da Silva. Relações entre Angola e Brasil: 1808-1830. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1970., p. 75).

O segundo elemento de discussão é o fato de somente 385 passaportes (16,89%) apresentarem como destino um país - 108 (4,70%) referiam-se explicitamente à Inglaterra ou à Grã-Bretanha, enquanto 140 (6,14%) apresentam portos específicos, como Falmouth, Londres e Liverpool. Mesmo assim, é digno de nota que somente 16 casos referiram-se a nomes de países que viriam a existir na América do Sul - Chile (4), Paraguai (2) e Peru (10). O território hoje conhecido como Argentina já tinha densas relações com o Rio de Janeiro, mas na listagem não há referência a ele ou às Províncias Unidas. Como bem aponta João Paulo Pimenta, a crise dos projetos coloniais de Portugal e Espanha nas Américas não gestou Estados a partir de arcabouços nacionalistas pré-existentes (Pimenta, 2006PIMENTA, João Paulo. Estado e nação no fim dos impérios ibéricos no Prata, 1808-1828. São Paulo: Hucitec, 2006., pp. 18-21 e 80). Isso pode ser observado examinando-se os destinos do Prata. Há cidades (Buenos Aires) como designações regionais (Arica, Costa do Peru, Rio da Prata, Domínios Espanhóis, Porto do Mar do Pacífico), mas nenhuma referência que indique uma concepção de nação territorialmente mais ampla. Os passaportes, dessa forma, são testemunhos relevantes do processo de construção social da nacionalidade.

CONCLUSÃO

O deslocamento de indivíduos no espaço luso-brasileiro é fenômeno de especial relevância para se estudarem hierarquias, identidades e redes. Também não se pode olvidar ser essa dimensão extremamente oportuna para se compreender a construção do Estado no final do período colonial. Este artigo observou esses elementos por intermédio da análise do códice de registros de passaportes de 1808 a 1822, do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

O primeiro elemento a ser considerado é que o controle de deslocamentos de indivíduos sempre foi atributo básico do conceito de soberania no Estado moderno. No início da era contemporânea, contudo, essa preocupação migrou do controle da mão de obra doméstica para o aspecto de segurança. O deslocamento de pessoas com potencial de subverter a ordem doméstica levou à tentativa, muitas vezes fracassada, de se controlar a circulação internacional e doméstica de indivíduos. A concessão do passaporte foi elemento central desse processo em toda a Europa e no Brasil, sendo o “livro dos passaportes” (códice 355/4/12) um importante registro dessa dinâmica, uma vez que ele apresenta o fluxo de milhares de pessoas.

Argumentou-se aqui que o estudo da atividade de concessão de passaportes é uma excelente oportunidade para se compreender a construção do Estado no Brasil joanino. Identificou-se que poucos dos servidores atuando em Lisboa na atividade migraram para o Rio de Janeiro. Isso abriu oportunidades para nascidos no Brasil bem relacionados e criou um grupo com grande experiência administrativa, que seria aproveitado na construção do Estado após 1822 - uma realidade distinta se comparada com outros países da região.

Do ponto de vista substantivo, os quase dois mil nomes registrados no livro de passaportes oferecem visão importante sobre o fluxo humano que transitou do Rio de Janeiro para as províncias e para o exterior. Dois elementos se destacam do ponto de vista historiográfico. O primeiro é a questão das mulheres. O exame das listagens de passaportes demonstra a mobilidade do grupo, muitas vezes de forma desacompanhada de marido, filhos e pais. O segundo é a dimensão racial dos viajantes. Ainda que seja difícil diferenciar escravos propriamente ditos de alforriados e africanos livres, é inegável que o Estado português facilitou ou promoveu, inclusive por intermédio de seus servidores, o deslocamento internacional de indivíduos cujas liberdades não eram plenas.

A regulação dos passaportes fez parte do processo mais amplo de construção do Estado e de tentativa de controle dos movimentos a favor de correntes liberais reformistas. A regulação do tema, portanto, sofreu o impacto das transformações do mundo Atlântico, em especial dos movimentos políticos que varreram a América e a Europa no período. A crise dos passaportes em 1820 demonstrou que a mobilidade internacional de indivíduos era um ponto de resistência das autoridades constituídas, que viam com desconfiança o fluxo desimpedido de pessoas.

REFERÊNCIAS

  • ALMANACH DO ANNO DE 1807. Lisboa: Impressão Régia, 1806.
  • ALMANACK DA CORTE DO RIO de Janeiro para o anno de 1811. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 282, n. 1, pp. 97-235, 1969.
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  • 1
    Resumos da legislação constam em Carneiro (1816CARNEIRO, Manoel Borges. Extracto das leis, avisos, provisões, assentos, e editais, e de algumas notáveis proclamações, acórdãos, e tratados publicados nas cortes de Lisboa, e Rio de Janeiro desde a época da partida d’El-Rei Nosso Senhor para o Brazil em 1807 até julho de 1816, para servir de subsídio à jurisprudência e à história portuguezas. Lisboa: Impressão Régia , 1816.).
  • 2
    Considerando, também, que Martins Lage faleceu em 1824.
  • 3
    Nesses casos, os registros foram padronizados, a depender se a referência fosse cumulativa a secretários de embaixada, pessoas de família e outras categorias. Quando a menção se dava no plural, como no caso do passaporte de Sturmer, parte-se da premissa de que são duas pessoas, apesar de potencialmente abranger mais. O número registrado no caso de Spix foram de três pessoas, apesar de o termo no plural poder indicar mais de duas pessoas.
  • 4
    Ver Arquivo Nacional, 1962ARQUIVO NACIONAL. Registro de estrangeiros, 1831-1839. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1962., p. vi.
  • 5
    Havia uma média anual de 56 navios entrando no porto do Rio de Janeiro de julho de 1811 a 1816, e de 75 navios de 1817 até abril de 1821 (Silva, 2012SILVA, Camila Borges da. Uma perspectiva atlântica: a circulação de mercadorias no Rio de Janeiro após a transferência da corte portuguesa para o Brasil (1808-1821). Navigator, v. 8, n. 16, pp. 21-34, 2012.).
  • 6
    Somente em 45 dos casos (1,97%) não há tal informação, ou ela está ilegível, a maior parte dos casos sendo, na verdade, de ordens de desembaraço determinadas por D. João VI.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2021
  • Aceito
    24 Ago 2022
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