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Assis, Arthur Alfaix. What is History for? Johann Gustav Droysen and the functions of historiography

New York: Oxford: Berghahn Books, 2014

A publicação de What is History for? Johann Gustav Droysen and the functions of historiography, de Arthur Assis, apresenta uma proveitosa discussão sobre a historiografia de Johann Gustav Droysen (1808-1884), importante historiador alemão do século XIX. Com base na análise da historiografia de Droysen, o autor oferece ao leitor um amplo panorama da historiografia alemã durante o século XIX, centrando-se nos debates sobre o historicismo, paradigma dominante no conhecimento histórico alemão oitocentista, e na reformulação do valor pragmático para a historiografia. Nesse sentido, a obra de Arthur Assis não se dirige somente aos especialistas e pesquisadores do pensamento de Droysen, mas a todos os estudiosos de historiografia alemã e geral, história intelectual e mesmo historiografia política, uma vez que destaca as influências políticas do pensamento daquele autor.

Arthur Assis é professor do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília, onde se dedica às áreas de teoria e metodologia da história. Sua obra configura um aprofundamento das questões às quais se dedicou durante sua pesquisa de doutorado, defendida em 2009, na Universidade de Witten, com a orientação do professor Jörn Rüsen. A influência do pensamento de Rüsen não passa despercebida para um leitor familiarizado com o seu pensamento. Ao longo da leitura, o diálogo de Assis com o pensamento de Rüsen e Koselleck torna-se evidente. De Rüsen, também um estudioso do pensamento de Droysen, percebe-se o diálogo com sua teoria da história, da importância do conhecimento histórico para o desenvolvimento intersubjetivo da nossa capacidade de orientação no presente, tendo em vista preencher nossas carências de orientação. A importância de Koselleck aparece na sua compreensão do moderno conceito de história a partir da transformação da experiência do tempo aliada à gênese de um novo leque de conceitos sociopolíticos que emergiram diante de um conjunto de transformações a partir da segunda metade do século XVIII. Embora Assis possua outros referenciais teóricos, o diálogo com Rüsen e Koselleck é significativo e enriquecedor.

Organizado em quatro capítulos, o livro de Arthur Assis estrutura-se em torno de um objetivo geral o qual corresponde ao seu questionamento fundamental: mediante a derrocada da historiografia tradicional exemplar e a ascensão do conceito moderno de história, o autor busca analisar como a função pragmática da história é redefinida nas obras de Droysen. Nesse sentido, Arthur Assis objetiva compreender o fundamento epistemológico que une a concepção de historiografia moderna a seu valor tradicional. O objetivo do autor é evidente: compreender o pensamento de Droysen tendo em vista a reformulação e ressignificação da função pragmática da ciência histórica.

Aspecto muito notável da obra de Assis é articular a teoria da história de Droysen com suas preferências políticas. Como afirma o próprio autor na introdução do livro, essa articulação entre a teoria histórica de Droysen e a política é uma lacuna muito presente nos estudos sobre o historiador alemão. Ao analisar a reformulação do caráter pragmático da história no pensamento de Droysen, o autor buscou com afinco entender as contradições e tensões entre o pensamento histórico de Droysen e suas tendências políticas diante da turbulenta realidade política europeia, principalmente a alemã, ao decorrer do século XIX.

O primeiro capítulo, "Functions of Historiography until the mid-19 century", cumpre um papel introdutório, porém não menos importante, para a discussão posterior sobre a reformulação do valor pragmático da historiografia. Partindo do conceito de "teoria exemplar da história" de George Nadel, o autor delimita o que entende por historiografia tradicional exemplar. Nesse sentido, a mais importante tarefa dos historiadores era "localizar no passado modelos atemporais de ação para serem imediatamente aplicados ou evitados no presente" (p.21).1 1 Todas as traduções do inglês foram feitas pela autora da resenha. Com base nesse conceito, Assis constrói uma vigorosa análise das formas e funções que a exemplaridade assumiu desde a historiografia da Antiguidade, passando por autores como Políbio e Cícero, até o surgimento da concepção moderna de história na segunda metade do século XVIII, estendendo sua análise até o século XIX tardio. Chega a duas conclusões: a primeira diz respeito à importância inquestionável da função exemplar para o pensamento histórico ocidental, e a segunda afirma que, até o final do século XVIII, vários autores buscaram justificativas que poderiam comprovar ou substituir a teoria exemplar da história (p.35-36).

A partir da ascensão do conceito moderno de história e de uma nova percepção de tempo - a temporalização de Koselleck - a historiografia tradicional exemplar passa a ser vista como um problema para o aprendizado histórico, e novos caminhos para a revalorização do valor pragmático da historiografia são propostos. No segundo capítulo da obra, "The Theoretical Design of a New Justification", Arthur Assis explica o conceito de "pensar historicamente" ("historical thinking") de Droysen, base do método histórico e da reformulação da função pragmática da historiografia presente no pensamento do historiador alemão. O pensar historicamente, ou seja, a capacidade subjetiva de conectar em perspectiva o presente e o passado cognoscível, constitui a base da ciência histórica e delimita sua função (p.63). Nesse ponto, o autor enfatiza o efeito pragmático e o viés pedagógico da história em Droysen, pois o valor social da historiografia estaria em sua capacidade de despertar nos leitores o senso para a realidade (p.77). Aqui, o pensamento de Droysen é influenciado pelos ideais do neo-humanista Wilhelm von Humboldt para o qual uma das funções do conhecimento histórico era despertar o senso para a realidade, ou, em outras palavras, a capacidade para perceber as forças, as ideias que se encontram para além dos eventos históricos. Assis sublinha o caráter hermenêutico do método histórico de Droysen, pois junto à pesquisa factual havia uma ligação entre o passado, o presente e o próprio investigador. Droysen, como bem destaca o autor, foi um dos primeiros intelectuais a utilizar o conceito hermenêutico de compreensão como a principal especificidade metódica das ciências humanas.

Uma vez apresentada a função do conhecimento histórico em Droysen mediante a ressignificação do valor pragmático da história a partir da capacidade subjetiva do pensar historicamente, Arthur Assis inicia a segunda parte de sua obra. Nos capítulos 3 e 4 o autor procura atrelar o pensamento histórico de Droysen, tal como apresentado no capítulo 2, ao entendimento que o historiador alemão construiu do seu próprio presente. No capítulo 3, "Historical Thinking and the Genealogy of the Present", Assis traça as aproximações entre o pensamento de Droysen e a filosofia da história de Hegel, ressaltando a importância do pensamento hegeliano para a concepção de história de Droysen. Assis afirma que para Droysen, assim como para Hegel e outros intelectuais alemães do século XIX, a ideia do processo histórico como a conquista da ideia de liberdade era fundamental. Para Droysen, interpretar a gênese do presente significava aplicar o seu método histórico - o pensar historicamente - para compreender o desenvolvimento da ideia de liberdade desde seu início até o tempo presente do historiador (p.104). O autor apresenta ainda o entendimento de Droysen sobre os processos políticos cujas consequências políticas haviam transformado o quadro político europeu, como a Revolução Francesa e a Guerra Franco-Prussiana. A compreensão de Droysen da genealogia de seu próprio tempo é explorada por Assis atenciosamente. O autor analisa a compreensão de Droysen sobre as tendências econômicas políticas e intelectuais de seu tempo, como o materialismo, o racionalismo, o positivismo e o capitalismo.

O último capítulo, "The Politics of Historical Thinking and the Limits of the New Function", visa preencher a lacuna apontada por Assis em sua introdução, ou seja, apontar as tensões e convergências entre as preferências políticas de Droysen e a sua teoria da história. Segundo Assis, a partir de 1840 Droysen se preocupa consideravelmente com a formação e as transformações do Estado da Prússia, e as fronteiras entre a sua teoria da história e uma produção historiográfica motivada por suas preferências políticas começam a se confundir. A posição liberal-nacional de Droysen e sua posição congruente com a escola histórica do direito de Savigny são apresentadas e analisadas por Assis, que observa a íntima relação entre o pensar historicamente e o comprometimento político de Droysen.

Arthur Assis alcança o propósito fundamental de seu livro: analisar a proposta de Droysen à teoria exemplar da história, ou seja, o pensar historicamente. Ao apresentar as implicações políticas do pensamento de Droysen, o autor ressalta que toda teoria é sempre acompanhada das experiências históricas do próprio intelectual. Em tempos nos quais as discussões sobre a incerteza da cientificidade da história mediante análises pós-modernas crescem significativamente, o livro de Arthur Assis cumpre importante papel ao refletir e induzir o questionamento sobre as formas e as funções que o conhecimento histórico assume frente às experiências e transformações do tempo presente. Ao final da leitura, resta-nos questionar: o conhecimento histórico ainda nos ensina a pensar historicamente?

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2015
  • Aceito
    01 Mar 2015
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