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Formação acadêmica e autoria na RBH

Academic Background and Authorship in RBH

Os periódicos acadêmicos em História têm como tradição uma especialização temática, seja temporal, geográfica ou metodológica. Entretanto, a Revista Brasileira de História, periódico da Associação Nacional de História (Anpuh), almeja abarcar o maior leque possível de temas e de abordagens, sempre com altas exigências de método e de elaboração reflexiva e crítica. Além disso, busca-se nos autores uma grande diversidade de vínculos institucionais e de nacionalidades, num impossível projeto de refletir com fidelidade a produção qualificada de cunho histórico da atualidade. Acabo de usar aqui dois termos que merecem explicação: “cunho histórico” e “produção qualificada”.

A profissão de historiador decerto não é a mais velha da História, mas é com certeza detentora de larguíssima tradição. Ela está em vias de regulamentação no Brasil, mesmo se a atual política de governo para a educação básica tem-se direcionado a um menor protagonismo da disciplina nas escolas e assim também do profissional da área. Esses reconhecimento e regulamentação, que esperamos se concretizem num futuro próximo, não implicam um exclusivismo rigoroso, sobretudo no meio acadêmico. A RBH tira muito proveito do que tecnicamente é chamado de “áreas correlatas”, mas que vai muito além das tradicionais Ciências Humanas; afinal, tudo pode ser historicizado, e as contribuições dos especialistas das Ciências Naturais e Exatas, desde que numa abordagem metodologicamente compatível com o conhecimento historiográfico, produzem pesquisas de muito proveito para nós historiadores. Exemplo disso é o que se anuncia como um rico dossiê a ser publicado no próximo número (78) em torno das naturais relações existentes entre Arquivologia, Ciência da Informação e História.

Se a variedade de conteúdo é muito ampla, a diversidade de autores, no entanto e infelizmente, não é irrestrita, pois, por questões não só acadêmicas como também práticas, ela tem limites. Entramos assim na questão da “produção qualificada”. Espera-se de toda pesquisa - desde as de iniciação científica até as de pós-doutorado - algum tipo de contribuição. Aquelas feitas durante a graduação do futuro historiador têm como objetivo principal a sua formação: a aqui­sição de métodos e de técnicas, a familiarização com a produção anterior e com a historiografia geral. Mas isso não impede que trabalhos de conclusão de curso tenham trazido contribuições importantes para os seus respectivos campos de estudo. Mestrados acadêmicos e doutorados são tradicionalmente vistos de modo muito distinto. Tratar-se-ia de coroamentos de pesquisas originais e de relevância que teriam implicado um vasto trabalho de pesquisa bibliográfico e/ou de fontes primárias. Esse é, sem dúvida, o caso de muitos deles. No entanto, tendo em vista a tendência de diminuição do tempo de duração desses percursos, mas também a lógica produtivista que se impõe à área, os mestrados acabam tendo muito mais uma função de complementação formativa, de erudição do diplomado. A RBH, tendo em vista essa realidade, assim como outra muito mais chã - qual seja, a da impossibilidade de tratar o grande número de submissões que receberia (em virtude de sua missão generalista) caso aceitasse textos com autoria ou mesmo coautoria de mestres - a RBH, dizia, após alguns questionamentos, decidiu reiterar essa política restritiva a autores de artigos com doutorado. Mesmo correndo o risco de perder contribuições importantes, esse engessamento, que espero ser apenas conjuntural, tem como objetivo manter, se não aprimorar essa “produção qualificada”.

O presente número, composto de artigos avulsos publicados em Ahead of Print, é um reflexo pertinente dessa política. Seus autores estão vinculados a instituições da Bahia, do Paraná, do Ceará, de São Paulo e do Chile, e os textos, em diálogo com os atuais debates de cada área, para além dos estudos de casos, trazem contribuições reflexivas sobre os temas abordados.

A partir da noção de performance religiosa, Lígia Bellini e Moreno Laborda Pacheco analisam o modo pelo qual mulheres conseguiram obter protagonismo social, inserindo suas estratégias no debate sobre a existência de corpos intermédios na sociedade de Antigo Regime. Cláudio DeNipoti estuda o modo como surgiram, no contexto da ilustração pombalina, debates gramaticais e ortográficos por entre os membros da Real Mesa Censória portuguesa, apontando para as consequências políticas de algumas dessas questões e para questões surgidas no processo de normatização do português escrito. Seguem três textos nos quais os autores lidam com diferentes contextos de transição política, econômica ou social, elencando questões metodológicas que essas abordagens suscitam. Marisa Saenz Leme estuda as contradições e compatibilidades das concepções ilustrado-liberais de um rico mercador do Rio Grande do Sul do começo do século XIX; Mariana Albuquerque Dantas mostra a capacidade de adaptação das classificações de populações indígenas em função das diferentes conjunturas políticas de luta por acesso à terra do Pernambuco da segunda metade do século XIX; e Marco Antonio León, por sua vez, reflete sobre o papel da imprensa numa cidade de médio porte do Chile (Concepción) na construção das representações de modernidade, principalmente no que toca os setores da população que surgiram nesse contexto, antes e depois da crise de 1929. Finalmente, José Geraldo Vinci de Moraes lida com a problemática da construção da memória, e assim da narrativa historiográfica, a partir do trabalho de pesquisa sobre a formação da música popular no Rio de Janeiro dos anos 1950 e 1960 levado a cabo pelo jornalista Lúcio Rangel.

Para além de três resenhas, este número da RBH traz ainda um tributo, da lavra de Ana Vitoria Rocha, ao recentemente falecido Luiz Alberto Moniz Bandeira (Salvador, 30 de dezembro de 1935 - Heidelberg, 10 de novembro de 2017), marco da historiografia e da ciência política brasileira, dando conta de sua longa carreira dedicada à História das Relações Internacionais e da importância de sua obra O Ano vermelho: a Revolução Russa e seus reflexos no Brasil, cuja quarta edição foi publicada também em 2017 (Moniz Bandeira, 2017MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto de. O Ano Vermelho: a Revolução Russa e seus reflexos no Brasil [1967]. 4.ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.).

Não posso encerrar sem externar meus vivos agradecimentos ao Conselho Editorial, à Editoria Associada Internacional, aos Assistentes Editoriais Pablo Serrano e Marcus Vinicius Correia Biaggi, assim como à equipe de edição da RBH - Armando Olivetti, Flavio Peralta e Roberta Accurso - que têm me ajudado com paciência na edição e produção do que o leitor recebe hoje a ler.

A RBH não teria a qualidade que tem sem o apoio do Programa de Pós--Graduação em História, Cultura e Práticas Sociais da Universidade do Estado da Bahia (PPGHCPS-Uneb) e do CNPq.

Bruno Feitler

REFERÊNCIA

  • MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto de. O Ano Vermelho: a Revolução Russa e seus reflexos no Brasil [1967]. 4.ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018
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