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Problemas e perspectivas do tratamento da Leucemia Mielóide Crônica no Brasil

Problems and perspectives for the treatment of Chronic Myeloid Leukemia in Brazil

Resumos

O autor discute as limitações enfrentadas pelos centros de onco-hematologia nacionais na condução de pacientes com Leucemia Mielóide Crônica e os problemas relacionados à implementação, custeio e avaliação de resultados dos programas de tratamento para esta enfermidade.

Leucemia Mielóide Crônica; planejamento em saúde; fidelidade a diretrizes


This article discusses the limitations which Brazilian hematology-oncology centers face when conducting treatment programs for Chronic Myeloid Leukemia and the problems concerning their implementation, funding and quality assessment by National Health Organization.

Leukemia Myelogenous Chronic; health planning; guideline adherence


ARTIGO ARTICLE

Problemas e perspectivas do tratamento da Leucemia Mielóide Crônica no Brasil

Problems and perspectives for the treatment of Chronic Myeloid Leukemia in Brazil

Alexandre Nonino

Médico hematologista do Núcleo de Hematologia e Hemoterapia do Hospital de Base do Distrito Federal – Brasília-DF.

Endereço para correspondência Correspondência: Alexandre Nonino SQSW 303 Bloco K apto. 505 70673-311 – Brasília-DF – Brasil E-mail: nonino@cettro.com.br

RESUMO

O autor discute as limitações enfrentadas pelos centros de onco-hematologia nacionais na condução de pacientes com Leucemia Mielóide Crônica e os problemas relacionados à implementação, custeio e avaliação de resultados dos programas de tratamento para esta enfermidade.

Palavras-chave: Leucemia Mielóide Crônica; planejamento em saúde; fidelidade a diretrizes.

ABSTRACT

This article discusses the limitations which Brazilian hematology-oncology centers face when conducting treatment programs for Chronic Myeloid Leukemia and the problems concerning their implementation, funding and quality assessment by National Health Organization.

Key words: Leukemia Myelogenous Chronic; health planning; guideline adherence.

Introdução

As diretrizes de tratamento da Leucemia Mielóide Crônica (LMC) sofreram grandes mudanças nos últimos anos.1 No Brasil, várias dificuldades enfrentadas pelos centros de onco-hematologia limitam a adesão a estas diretrizes internacionais e às recomendações de especialistas nacionais como as contidas neste suplemento. Nosso objetivo é discutir estas limitações pertinentes ao diagnóstico, tratamento e monitorização de resposta dos pacientes com LMC e ao planejamento, custeio e avaliação de resultados pelos órgãos gestores de saúde no Brasil.

Mudanças no perfil epidemiológico e terapêutico do câncer

Os dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, que analisa a participação dos diferentes grupos nosológicos na mortalidade da população brasileira nas últimas décadas, mostram que o câncer foi o grupo de maior incremento relativo, tornando-se a segunda causa mais freqüente de óbitos no nosso país, atrás apenas das doenças circulatórias.2 Esta evolução é semelhante à descrita em outros países desenvolvidos e em desenvolvimento. Registros internacionais de câncer, além de aumento na incidência de casos da doença, revelam incremento ainda maior na prevalência de pacientes em tratamento oncológico,3 uma vez que novas drogas têm surgido e o número de linhas de tratamento possíveis tem-se multiplicado, permitindo maior sobrevida total, sobrevida livre de progressão e melhoria na qualidade de vida. A elevação dos custos das medicações oncológicas ocorre em praticamente todas as áreas da cancerologia e por isso pode-se afirmar que pacientes vivem cada vez mais à custa de tratamentos mais longos e mais caros.

No nosso país, dados do DATASUS mostram que, nos últimos seis anos, houve incremento de 40% dos procedimentos de alta complexidade em oncologia (Apac-Onco) autorizados, o que representou aumento de 63% dos gastos com quimioterapia ambulatorial do câncer.4 No caso específico da LMC, o aumento de procedimentos ambulatoriais autorizados e de custos neste mesmo período é ainda maior, da ordem de 46% e 307% respectivamente (Figura 1). Este incremento se deu principalmente pela introdução, em 2001, do imatinibe para o tratamento dos pacientes na Rede Pública (Figura 2). Nesta avaliação não foi considerada a redução dos gastos decorrentes da marcada diminuição recente dos transplantes de medula óssea para a LMC.5



Incorporação de novos tratamentos

A incorporação de novos recursos terapêuticos, como os tratamentos alvo-específicos para LMC, deve seguir um fluxo racional, que se inicia pela avaliação em câmara técnica das evidências científicas que suportam a sua indicação. O órgão gestor de saúde deve definir a prioridade de sua introdução em relação a outras propostas de incorporação tecnológica, levando em conta os custos envolvidos, tamanho da população beneficiada e disponibilidade orçamentária. Uma vez implementado, os centros executores de determinado programa de tratamento precisam ser continuamente avaliados para determinar se sua aplicação segue as diretrizes definidas pelo programa e se o impacto benéfico da nova terapêutica confirma aqueles observados nos ensaios clínicos.

Em nosso meio, este fluxo não se dá de forma sistemática ou com a periodicidade necessária. Assim, a priorização da introdução de novas terapêuticas pode ficar sujeita à intensidade de pressão de diferentes segmentos da sociedade. Além disso, os órgãos públicos de saúde fiscalizam a adequação da indicação do tratamento e a regularidade na sua cobrança, mas não há avaliação dos resultados terapêuticos obtidos na maioria dos centros. Como a qualidade do tratamento não depende apenas da disponibilidade de determinado método ou droga, mas de toda a estrutura de diagnóstico, terapia e monitoração, os resultados dos investimentos, apesar do dispêndio de valores cada vez maiores para o tratamento do câncer, são desconhecidos.

Registros e estatísticas

A estimativa de incidência das doenças oncológicas é essencial para o correto planejamento de prioridades e definição dos tratamentos viáveis. A incidência da LMC em registros internacionais é de um a dois casos por 100 mil habitantes, representando 15% a 20% dos casos de leucemias dos adultos.6 No Brasil, esta estimativa baseia-se em dados dos Registros de Câncer de Base Populacional (RCBPs). Há 28 destes Registros, funcionando em capitais e cidades do interior, cobrindo áreas geográficas e populações definidas. A estimativa de incidência de leucemias (agudas e crônicas) no Brasil para 2008 mostra grandes diferenças segundo a região avaliada, variando de 2,68 casos para 100 mil homens em Roraima até 8,32 casos no Rio Grande do Sul.7 Embora diferentes perfis de mortalidade e a migração para tratamento em áreas com centros especializados mais desenvolvidos possam, em parte, justificar estas diferenças, a subdiagnosticação e subnotificação estremecem ainda mais a validade destes dados. A confrontação entre o número de casos notificados por RCBPs de todas as regiões até 2004 (Tabela 1), último ano em que há dados consolidados disponíveis, com as populações destes centros urbanos indica claramente a existência de subnotificação.8

Tratamento

A proporção de pacientes em tratamento para LMC na Rede Pública em relação à população local varia em mais de 100% entre as regiões brasileiras (Tabela 2), o que pode ser justificado pela migração para tratamento, como previamente exposto, mas também levanta a preocupação que parcela da população com esta doença não tenha acesso ao diagnóstico e tratamento adequados.

No Sistema Único de Saúde, o uso do imatinibe para LMC em fase crônica só tem cobertura financeira para pacientes adultos, em segunda linha, após falha ou intolerância ao tratamento baseado em interferon, a despeito das evidências que definem o imatinibe em primeira linha como padrão para adultos e eficaz na população pediátrica.1 A Tabela 3 ilustra diferenças nos percentuais de pacientes submetidos a tratamentos de controle hematológico (baseado em hidroxiuréia e alquilantes), primeira linha (baseado em interferon) e segunda linha de controle citogenético em estados de uma mesma Região. A cobertura das Apac-Onco para segunda linha de tratamento é hoje inferior ao custo da medicação, fato que concorre para uso inadequado no que concerne à continuidade do tratamento e a dose ideal.

Quanto às empresas de medicina complementar, não há exigência legal para que proporcionem tratamento com drogas orais para seus clientes. Com a multiplicação de tratamentos oncológicos orais alvo-específicos, mais eficazes e mais bem tolerados, porém dispendiosos, como é o caso dos inibidores de tirosino quinase para a LMC, esta inexigência precisa ser discutida.

Mesmo quando as drogas estão disponíveis, má adesão ao tratamento pode ser freqüente e os profissionais de saúde devem permanecer atentos para esta ocorrência e tentar amenizá-la. Este problema é comum às enfermidades que produzem poucos sintomas e cujo tratamento é longo, mesmo em países com indicadores socioeconômicos superiores aos do Brasil. Um estudo realizado em pacientes em uso de imatinibe no M.D.Anderson Cancer Center demonstrou que mais de um terço dos pacientes tem adesão ruim (uso de menos de 70% da dose prescrita), o que representa maior custo de tratamento e seguramente menor eficácia.9

Deve-se salientar que o número de estudos clínicos no Brasil teve grande incremento nos últimos anos.10 Os comunicados especiais da Anvisa para estudos com novas terapêuticas saltaram de 30 em 1995 para 940 em 2005. Entre estes, estão estudos de acesso expandido aos novos inibidores de tirosina-quinase para pacientes com LMC após falha ao imatinibe. A adesão às diretrizes de Boas Práticas Clínicas e Laboratoriais exigidas para Pesquisa Clínica influencia positivamente os centros no tratamento de todos os seus pacientes, além de oferecer alternativas terapêuticas comercialmente não disponíveis.

Estrutura dos Centros

O diagnóstico e o tratamento da LMC demandam acesso A estrutura laboratorial para a realização de exames imprescindíveis, como é o caso de citogenética de medula óssea e P.C.R. quantitativo para Bcr-Abl.1 Esta estrutura não está disponível em todos os centros de onco-hematologia nacionais. Além disso, a lista de testes desejáveis tem-se estendido conforme a experiência no tratamento alvo-específico da LMC se avoluma, como é o caso da pesquisa de mutações do bcr-abl11 e da dosagem sérica de imatinibe.12 Esforços para a cooperação entre centros devem ser empreendidos para que todos os pacientes tenham a monitorização adequada de sua resposta ao tratamento.

Conclusões

Assim como ocorre internacionalmente, no Brasil observamos aumento relativo da mortalidade causada por neoplasias malignas, da prevalência de pacientes oncológicos em tratamento e dos custos deste. Este crescente impacto social e financeiro do câncer em geral e da LMC em particular demanda registros mais confiáveis e maior controle de qualidade nos resultados obtidos no seu tratamento.

Há grande heterogeneidade entre diferentes regiões e centros oncológicos no Brasil, no que se refere à sua capacidade de diagnosticar e tratar os pacientes com LMC. Esforços para garantir a adesão de médicos e pacientes a diretrizes de tratamento e o estabelecimento de parcerias entre centros nacionais é essencial para reduzir estas diferenças. Além disso, é imprescindível que os defasados valores e indicações autorizadas para tratamento da LMC na Rede Pública de Saúde sejam corrigidos.

Recebido: 19/2/2008

Aceito: 01/04/2008

Avaliação: Co-editores e um revisor externo.

Publicado após revisão e concordância do editor.

Conflito de interesse: não declarado.

O tema apresentado e o convite ao autor constam da pauta elaborada pelos co-editores, Professor Ricardo Pasquini e Professor Cármino Antonio de Souza.

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  • Correspondência:

    Alexandre Nonino
    SQSW 303 Bloco K apto. 505
    70673-311 – Brasília-DF – Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2008

    Histórico

    • Aceito
      01 Abr 2008
    • Recebido
      19 Fev 2008
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