Acessibilidade / Reportar erro

Análise citogenética e FISH no monitoramento da LMC em tratamento com inibidores da tirosino quinase

Cytogenetics and FISH monitoring CML during tyrosine kinase inhibitors treatment

Resumos

O monitoramento de tratamento com inibidor da tirosinoquinase (TK) tem sido feito com os objetivos de avaliar o sucesso da terapia e de definircondutas específicas nos casos nos quais não se obtem a remissão da LMC; naqueles em que ocorre a perda da remissão previamente alcançada, na eventualidade ou não de suspensão da medicação; quando há a evolução clonal a despeito da terapia ou o aparecimento de alterações clonais nas células Philadelphia (Ph)-negativas. Recomenda-se a avaliação citogenética aos três ou seis meses de instituição da terapêutica e, a partir daí, a cada seis meses até a remissão citogenética completa. Uma vez alcançada a remissão citogenética, o monitoramento passa a ser porPCR quantitativo em tempo real (PCR em tempo real, porém o cariótipo deve ser realizado a cada ano para a detecção de perda de resposta, alterações clonais em células Ph-negativas ou evolução clonal. Com efeito, só o cariótipo pode monitorar a aquisição de alteração clonal associada à progressão da doença. No presente manuscrito são também discutidos: Ph-variantes, deleção no derivado 9q e aparecimento de alterações clonais nas células Ph-negativas, situações menos freqüentes, mas que merecem monitoração mais amiúde.

Leucemia mielóide crônica; cariótipo; cromossomo Philadelphia; monitoramento citogenético; remissão citogenética completa; del der(9q)


Tyrosine kinase inhibitor treatment monitoring is performed in order to evaluate the success of therapy and to allow specific changes in cases in which remission was not obtained, was lost after being achieved with or without drug interruption, when clonal evolution occurs despite therapy or when clonal abnormalities are detected in Ph-negative cells. It is recommended to perform marrow karyotyping at three or six months after starting therapy and then at six-month intervals until complete cytogenetic remission (CCR) is achieved. Once in CCR, quantitative real time PCR is the method of choice for monitoring, but karyotyping should be performed every year to detect loss of response, clonal evolution or clonal abnormalities in Ph-negative cells. In fact, only karyotyping can monitor the acquisition of clonal aberrations related to disease progression. In this article situations less frequently found, but deserving close monitoring, such as variant Ph, deletion on derivative chromosome 9q and clonal aberrations in Ph-negative cells are also discussed.

Philadelphia chromosome; cytogenetic monitoring; complete remission; del der(9q)


ARTIGO ARTICLE

Análise citogenética e FISH no monitoramento da LMC em tratamento com inibidores da tirosino quinase

Cytogenetics and FISH monitoring CML during tyrosine kinase inhibitors treatment

Maria de Lourdes L. F. Chauffaille

Professora Associada da Disciplina de Hematologia e Hemoterapia - Unifesp-EPM, Assessora Médica para Hematologia e Citogenética do Fleury-Medicina e Saúde, São Paulo, SP

Endereço para correspondência Correspondência: Maria de Lourdes L. F. Chauffaille Rua Botucatu 740, 3º andar 04023-900 – São Paulo-SP E-mail: chauffaill@hemato.epm.br

RESUMO

O monitoramento de tratamento com inibidor da tirosinoquinase (TK) tem sido feito com os objetivos de avaliar o sucesso da terapia e de definircondutas específicas nos casos nos quais não se obtem a remissão da LMC; naqueles em que ocorre a perda da remissão previamente alcançada, na eventualidade ou não de suspensão da medicação; quando há a evolução clonal a despeito da terapia ou o aparecimento de alterações clonais nas células Philadelphia (Ph)-negativas. Recomenda-se a avaliação citogenética aos três ou seis meses de instituição da terapêutica e, a partir daí, a cada seis meses até a remissão citogenética completa. Uma vez alcançada a remissão citogenética, o monitoramento passa a ser porPCR quantitativo em tempo real (PCR em tempo real, porém o cariótipo deve ser realizado a cada ano para a detecção de perda de resposta, alterações clonais em células Ph-negativas ou evolução clonal. Com efeito, só o cariótipo pode monitorar a aquisição de alteração clonal associada à progressão da doença. No presente manuscrito são também discutidos: Ph-variantes, deleção no derivado 9q e aparecimento de alterações clonais nas células Ph-negativas, situações menos freqüentes, mas que merecem monitoração mais amiúde.

Palavras-chave: Leucemia mielóide crônica; cariótipo; cromossomo Philadelphia; monitoramento citogenético; remissão citogenética completa; del der(9q).

ABSTRACT

Tyrosine kinase inhibitor treatment monitoring is performed in order to evaluate the success of therapy and to allow specific changes in cases in which remission was not obtained, was lost after being achieved with or without drug interruption, when clonal evolution occurs despite therapy or when clonal abnormalities are detected in Ph-negative cells. It is recommended to perform marrow karyotyping at three or six months after starting therapy and then at six-month intervals until complete cytogenetic remission (CCR) is achieved. Once in CCR, quantitative real time PCR is the method of choice for monitoring, but karyotyping should be performed every year to detect loss of response, clonal evolution or clonal abnormalities in Ph-negative cells. In fact, only karyotyping can monitor the acquisition of clonal aberrations related to disease progression. In this article situations less frequently found, but deserving close monitoring, such as variant Ph, deletion on derivative chromosome 9q and clonal aberrations in Ph-negative cells are also discussed..

Key words: Philadelphia chromosome; cytogenetic monitoring; complete remission; del der(9q).

Introdução

O fato da Leucemia Mielóide Crônica (LMC) apresentar, em mais de 90% dos casos, uma alteração citogenética específica, o cromossomo Philadelphia (Ph), ou translocação t(9;22)(q34;q11), propiciou a pesquisa e o desenvolvimento de novos agentes terapêuticos, como as drogas inibidoras da tirosinoquinase (TK). Com o advento dessa modalidade de medicamento que proporciona a remissão hematológica, citogenética e molecular, tornou-se necessário e importante o monitoramento dos pacientes com vistas à demonstração da eficácia do tratamento, ao controle da resistência/recaída ou à introdução de medidas alternativas no caso de falha terapêutica.

Como há variação na resposta ao inibidor de TK entre os indivíduos tanto no tempo para alcançar a remissão como no grau de diminuição da quantidade de transcritos, seja devido à heterogeneidade intrínseca da leucemia ou às diferenças inerentes a cada pessoa na metabolização das drogas, torna-se, por conseguinte, lógico avaliar o nível de resposta em diferentes momentos.1

Ainda nesse contexto, o grau de redução da massa tumoral existente correlaciona-se inversamente com a probabilidade de progressão subseqüente para fases avançadas da doença.1

O monitoramento citogenético cuidadoso está justificado pela ocorrência de importantes fenômenos, tais como: a inexistência ou a demora em alcançar a remissão, sendo necessário, em determinados casos, o ajuste de dose dos fármacos empregados; a perda da remissão previamente alcançada na eventualidade ou não de suspensão da medicação; a evolução clonal a despeito da terapia e, por fim, mas não menos relevante, o aparecimento de alterações clonais nas células Ph-negativas.2-5

A resposta ao tratamento segue habitualmente de maneira ordenada, ou seja, primeiramente o baço volta ao tamanho normal, depois a contagem sangüínea se normaliza, desaparece o cromossomo Ph no exame citogenético da medula óssea e, por último, diminuem os transcritos BCR/ABL. Portanto, esses critérios podem ser usados seqüencialmente para monitorar a resposta.

O presente capítulo se limitará a discutir o papel da citogenética clássica e da citogenética molecular, por meio de hibridação in situ por fluorescência (FISH), no monitoramento dos pacientes com LMC tratados com medicação inibidora da TK.

A maioria dos pacientes com LMC em fase crônica apresenta o cromossomo Ph clássico e responde ao inibidor da TK, em média, seis meses após o início do uso, na dose habitual.

A não aquisição de resposta citogenética após três meses de uso de mesilato de imatinibe é fator independente de prognóstico desfavorável para sobrevida,6 fato que justificaria a análise do cariótipo da medula óssea nesse momento.

Uma vez alcançada a resposta citogenética completa (Tabela 1), que se constitui no desaparecimento do cromossomo Ph, geralmente aos três ou aos seis meses de tratamento, o paciente deve ser acompanhado com a monitoração do número de transcritos BCR/ABL por PCR quantitativo (habitualmente com o emprego da metodologia de PCR em tempo real), passando, a partir daí, a análise citogenética a ser feita anualmente no sentido de se avaliarem possíveis fenômenos novos, tais como: perda de resposta, alterações clonais em células Ph-negativas ou evolução clonal. Com efeito, só o cariótipo pode monitorar a aquisição de alteração clonal, muitas vezes associada à progressão da doença, e essa característica faz com que seu emprego seja visto como método complementar de elevada relevância independentemente dos achados moleculares concernentes à expressão do transcrito BCR/ABL.

Situações menos freqüentes que não se encaixam nessa acima descrita podem merecer orientação diferenciada e são abaixo listadas.

Alterações presentes ao diagnóstico

Como o cariótipo é o único exame que avalia todos os cromossomos, segue como padrão ouro, particularmente ao diagnóstico.

Para que o monitoramento adequado seja possível é necessário que se conheça o padrão inicial do cariótipo, ao diagnóstico, pois existem várias possibilidades, tais como: apenas o cromossomo Ph clássico, cromossomo Ph variante simples, cromossomo Ph variante complexo, cromossomo Ph clássico com alterações adicionais, evolução clonal, ausência do cromossomo Ph (com ou sem cromossomo Ph mascarado) ou outras anomalias na ausência do cromossomo Ph.

O cromossomo Ph clássico constitui-se na translocação entre os cromossomos 9 e 22 [t(9;22) (q34.1; q11.2)] e ocorre em cerca de 90% dos casos de LMC típica e foi acima descrito. O cromossomo Ph variante ocorre entre 5% e 10% dos casos e pode ser simples ou complexo. Simples é aquele no qual está envolvido outro cromossomo além dos 9 e 22, por exemplo, t(9;22;6)7 e o complexo conta com a participação de pelo menos dois outros cromossomos, ex. t (1; 9; 22;11).8 O cromossomo Ph variante tanto pode implicar doença de comportamento semelhante àquela com cromossomo Ph clássico ou apresentar-se de forma mais agressiva, devido ao envolvimento de outros genes ou a fenômenos de instabilidade genômica.8,9,10 De fato, o cromossomo Ph variante pode ter sido formado concomitantemente ao evento biológico que originou a t(9;22), na forma de um rearranjo simples com quebra simultânea de vários cromossomos seguida por fusão cruzada9 ou pode ser fruto de dois eventos sucessivos, o primeiro, no qual se deu a t(9;22), e um subseqüente, que envolveu outros dois cromossomos e originou a forma complexa, portanto, duas translocações em série.9,10 Essa última eventualidade pode ser considerada como evolução clonal com conseqüente menor sobrevida.

Além disso, cerca de 50% dos pacientes com cromossomos Ph variantes podem apresentar deleção adicional de regiões nos cromossomos 9 ou 22, a montante do ponto de quebra habitual, e detectada por meio de FISH, a qual é discutida adiante nessa revisão.11,12 A deleção do derivado 9q tem, de acordo com alguns autores, implicação prognóstica, pois os portadores dessa deleção têm sobrevida mais curta que os demais, como demonstrado em estudos realizados antes da era dos inibidores da TK. Mesmo em relação à resposta ao transplante de medula óssea há relatos de pior sobrevida dos pacientes portadores de del(9q).11,13,14

A importância do conhecimento dessa situação variante se justifica no fato de que os poucos trabalhos na literatura que incluem esses casos usaram doses mais elevadas que o habitual de mesilato de imatinibe, ou seja, 600 ou 800 mg diários.12 Assim, não é possível concluir-se, no momento, se com doses habituais esses pacientes teriam comportamento e resposta igual ou pior que os demais.14 Há, por conseguinte, o consenso de considerar as situações variantes como fase acelerada e tem sido recomendada a dose de 600 a 800 mg diários de mesilato de imatinibe para tais casos.

A presença do cromossomo Ph clássico com alterações adicionais representa <5% dos casos e, a depender da alteração, tanto pode significar evolução clonal, discutida a seguir, como alteração constitucional.

A detecção de evolução clonal apresenta correspondência clínica com progressão da doença para fase acelerada ou crise blástica, e se caracteriza pelo aparecimento de alterações cromossômicas adicionais ao cromossomo Ph, mais freqüentemente representadas por: trissomia 8, aquisição de um segundo cromossomo Ph (duplo Ph) e isocromossomo do braço longo do 17, entre outras.15 A evolução clonal pode estar presente em 7% dos casos de LMC ao diagnóstico, embora o mais freqüente seja a ocorrência em fase mais tardia, no decorrer da progressão da doença, e detectável pelo cariótipo meses antes de outras manifestações clínicas ou hematológicas. A evolução clonal pode ser observada em 42% dos casos em fase acelerada e em 80% dos pacientes em crise blástica.5,16

A presença de alterações cromossômicas indicativas de evolução clonal no cariótipo de pacientes em uso de medicação inibidora de TK não tem impacto na aquisição da resposta citogenética maior ou completa, mas é fator independente de prognóstico desfavorável para sobrevida tanto nas fases crônica como acelerada da LMC.6

Diante da detecção de evolução clonal, a dose da medicação inibidora de TK deverá ser ajustada e o monitoramento adaptado ou, ainda, outras medidas terapêuticas devem ser consideradas

A ausência do cromossomo Ph em caso clinicamente compatível com LMC suscita a investigação da presença do rearranjo BCR/ABL por métodos moleculares, tais como, FISH ou PCR, já que o mesmo pode estar presente na ausência de alteração cromossômica. Em especial, esse fenômeno pode ser observado quando essas células não entram em divisão e, por conseguinte, o clone não pode ser detectado pelo método citogenético. Tal situação ocorre em <5% dos casos e é denominada "cromossomo Ph mascarado". O comportamento evolutivo desses pacientes é igual àqueles Ph-positivos.

Na presença de outras anomalias cromossômicas diferentes do Ph, também há que se conferir a presença do rearranjo BCR/ABL por outros métodos. Caso o rearranjo esteja de fato ausente, a alteração cromossômica é indicativa de doença clonal e, nesses casos, considera-se a doença como LMC atípica.17

Legenda: LMC= leucemia mielóide crônica; Ph = cromossomo Philadelphia; [20]= 20 metáfases analisadas; FISH-DF= hibridação in situ por fluorescência com sonda de dupla fusão; del der(9q)= presença de deleção no derivado 9q; RT-PCR = reação em cadeia da polimerase com transcritpase reversa; DMPcr= doença mieloproliferativa crônica

A figura 1 apresenta um algoritmo que pode auxiliar na orientação investigativa dessas situações, ao diagnóstico.18 A figura 2 apresenta um algoritmo com sugestão de monitoramento após o diagnóstico.



Tipo de resposta citogenética

A resposta citogenética é graduada conforme a porcentagem de células Ph-positivas residuais na medula óssea, a saber: resposta mínima, quando houver de 66% a 95% de células Ph-positivas; resposta menor, com 36%-65%; resposta parcial com 1% a 35%, e resposta completa, ausência do cromossomo Ph (Tabela 1). A resposta completa e a parcial também são interpretadas como resposta maior. Cerca de 40% dos pacientes apresentarão resposta citogenética maior em seis meses e 65% alcançarão remissão citogenética completa em um ano de tratamento com inibidor da TK.19

Estabeleceu-se como vinte o número mínimo de metáfases para a análise do cariótipo, pois se trata de amostragem suficiente para afastar mosaicismo maior que 14%, com intervalo de confiança de 95%, ou para detectar a presença de subclones.18,20

Alterações cromossômicas clonais em células Ph-negativas durante uso de inibidor da TK

Há vários trabalhos publicados demonstrando alterações cromossômicas clonais nas células Ph-negativas de pacientes que responderam à medicação inibidora da TK. 3,4,5,14 As anormalidades descritas incluem: +8, -7q- e -Y. Em alguns casos, as anormalidades observadas são transitórias, enquanto em outros persistem ou aumentam de proporção com o tempo. Aparentemente, tais alterações não predispõem à transformação para síndrome mielodisplásica ou leucemia aguda e tampouco são conseqüências do tratamento direto com mesilato de imatinibe. Essas alterações podem, entretanto, refletir instabilidade genômica em uma população de células que precedeu a aquisição do cromossomo Ph e, com a supressão do clone Ph, essa população torna-se evidente, adicionalmente podem corresponder a uma resposta anormal ao estresse conseqüente da restauração da hematopoese Ph-negativa e, presumivelmente, normal. A primeira hipótese torna-se mais convincente à luz da noção de que a neoplasia é um evento de múltiplos passos e o cromossomo Ph seria o fenômeno tardio que determinaria o estabelecimento clínico da LMC e o controle da evolução da doença. Nesse contexto, a redução ou eliminação do clone Ph permitiria que célula progenitora se expandisse adquirindo nova anomalia cromossômica com potencial de escape ao controle da droga. Há estudos que demonstram que o percentual de células Ph-negativas é inversamente proporcional ao clone Ph-positivo, sugerindo a coexistência de duas populações celulares.3,21

Crise blástica súbita em paciente com resposta citogenética durante o uso de inibidor da TK

A instalação de crise blástica em pacientes em remissão completa citogenética em uso de inibidor de TK é evento raro, descrito numa freqüência de 4% dos casos.16 Aparentemente, a medicação inibidora de TK permite que subclones mais agressivos surjam no âmbito da população restaurada de células normais.16

Resistência ou ausência de remissão citogenética

O paciente que não alcança resposta citogenética deve ser interrogado acerca do uso correto da medicação, na dose preconizada inicialmente de 400 mg/dia. O próximo passo corresponde ao aumento da dose para 600 mg ou 800 mg/dia, que pode induzir a resposta citogenética, ainda que não duradoura.22,23 A partir daí, o paciente que não atinge resposta citogenética durante o uso de dose mais elevada deve ser dirigido para inibidor de TK de segunda geração. Nesse contexto, pode-se suspeitar da emergência de mutações que confiram resistência a determinados inibidores de TK, como o mesilato de imatinibe, justificando a escolha de droga de segunda geração.21 A documentação laboratorial da resistência a um ou mais inibidores de TK pode auxiliar no algoritmo de decisão terapêutica.

Perda de remissão molecular

Toda vez que o paciente apresentar perda de resposta molecular deve ser submetido ao exame de cariótipo da medula óssea, já que só ele permite a demonstração da aquisição de alterações clonais que são mais freqüentes nessas condições.

Citogenética molecular: hibridação in situ por fluorescência (FISH)

A hibridação in situ por fluorescência é método que utiliza sonda (seqüência de DNA) complementar ao alvo que se pretende analisar. Essa técnica pode ser usada para detectar o rearranjo BCR/ABL, ao diagnóstico, e tem sido preconizada para as situações em que não se tem metáfases para análise ou de Ph-mascarado no cariótipo.24,25 Pela rapidez do teste, pode também ser usada em situações específicas.

A primeira geração de sondas (fusão simples) permitia a visualização de um sinal correspondente ao ABL (vermelho) e outro ao BCR (verde). O rearranjo BCR/ABL era detectado quando houvesse a união de dois sinais, um verde e um vermelho, conferindo uma cor amarelada, além da presença de mais um sinal verde e um vermelho isolados, correspondentes aos cromossomos homólogos, 9 e 22, normais (Figura 3-a). Entretanto, como podia haver justaposição geográfica de sinais, sugerindo falsa fusão, o valor de normalidade variava conforme a qualidade técnica e destreza instaladas em cada laboratório.26 A segunda geração de sondas foi confeccionada para contornar esse problema e exibia um sinal vermelho extra no braço longo do cromossomo 9 envolvido na translocação. Nesse modelo, a célula com rearranjo apresentava, além do sinal de fusão e dos sinais vermelho e verde isolados dos homólogos normais, um sinal extra vermelho, correspondente ao alelo 9 translocado (Figura 3-b).27,28 Já a terceira geração de sondas, conhecida como de dupla fusão, apresenta sinais extras tanto no derivado 9q como no 22q, aumentando a sensibilidade e especificidade do método, mas, fundamentalmente, permitindo a detecção de deleções adicionais em ambos os cromossomos (Figura 3-c).29 Graças ao uso dessas sondas de segunda e terceira geração, diversas situações anormais com perda do sinal extra ou de dupla fusão puderam ser detectadas.30,31,32



Cerca de 9% a 33% dos casos de LMC têm deleção der(9q), fato que confere sobrevida significativamente mais curta que aqueles sem tal deleção.33-38 Estudo realizado em 120 pacientes com LMC Ph+/BCR/ABL+ atendidos no ambulatório de Leucemias da Disciplina de Hematologia e Hemoterapia da Unifesp revelou a presença de deleção no der(9q) ou del 5' ABL em 15% dos casos. Esses pacientes apresentaram sobrevida global (27 versus 61 meses, p=0,02) e duração da fase crônica (17 versus 56 meses, p=0,02) significativamente menores que os pacientes sem a deleção.11

O mecanismo implicado para explicar a gravidade da doença nesses casos de deleção der(q) seria a perda de um ou mais genes supressores tumorais na região da deleção que induziria à agressividade por evento secundário ou por haploinsuficiência.39 Conforme anteriormente exposto, tais casos merecem atenção dedicada tanto para dose terapêutica como para o controle de tratamento.

O método de FISH tem sido empregado ao diagnóstico adjutoriamente ao cariótipo, para detecção da deleção do derivado 9q. Depois disso, pode ser usado no monitoramento precoce, aos três e seis meses de tratamento, como alternativa ao cariótipo da medula óssea, uma vez que pode ser feito em amostra de sangue periférico. Após a remissão citogenético-molecular, cabe o monitoramento com PCR em tempo real por sua maior sensibilidade. A FISH volta a ter papel destacado na fase acelerada, crise blástica ou de resistência ao tratamento, quando pode evidenciar reaparecimento do rearranjo ou mesmo mais de uma cópia por ocasião da amplificação da fusão gênica.

Recebido: 22/02/2008

Aceito:23/03/2008

Avaliação: Co-editores e um revisor externo.

Publicado após revisão e concordância do editor.

Conflito de interesse: não declarado.

O tema apresentado e o convite ao autor constam da pauta elaborada pelos co-editores, Professor Ricardo Pasquini e Professor Cármino Antonio de Souza.

  • 1. Goldman JM. How I treat myeloid leukemia in the imatinib era. Blood. 2007;110(8):2828-38.
  • 2. O'Dwyer ME, Gatter KM, Loriaux M, et al Demonstration of Philadelphia chromosome negative abnormal clones in patietns with CML during major cytogenetics responses induced by imatinibe mesylate. Leukemia. 2003;17:481-7.
  • 3. Andersen MK. Clonal Ph-negative hematopoiesis in CML after therapy with imatinib mesylate is frequently characterized by trisomy 8. Leukemia 2002;16:1390-5.
  • 4. Abruzzese E, Gozzetti A, Galkimberti S, Trawinska MM, Caravita T, Siniscalchi A, et al. Characterization of Ph negative abnormal clones emerging during imatinib therapy. Cancer. 2007;109:2466-72.
  • 5. Schoch C, Haferlach T, Kern W, Schnittger S, Berger U, Hehlmann R, et alOccurrence of additional chromosome aberrations in chronic myeloid leukemia patients treated with imatinib mesylate. Leukemia. 2003;17:461-63.
  • 6. Cortes JE, Talpaz M, Giles F, O'Brien S, Rios MB, Shan J, et al. Prognostic significance of cytogenetic clonal evolution in patients with chronic myelogenous leukemia on imatinib mesylate therapy. Blood. 2003;101:3794-3800.
  • 7. Chauffaille ML et al. LMC com cromossomo Philadelphia-variante: relato de três casos. Newslab. 1999;7(37):58-60.
  • 8. Babickaa L, Zemanovaa Z, Pavlistovaa L, Brezinovab J, Ransdorfovab S, Houskovaa L, et al Complex chromosomal rearrangements in patients with chronic myeloid leukemia. Cancer Genet Cytogenet. 2006;168:22-29.
  • 9. Fitzgerald PH, Morris CM. Complex chromosomal translocations in the Philadelphia chromosome leukemias. Serial translocations or a concerted genomic rearrangement? Cancer Genet Cytogenet. 1991;57(2):143-51.
  • 10. Nacheva E, Holloway T, Brown K, Bloxham D, Green AR. Philadelphia-negative chronic myeloid leukaemia: detection by FISH of BCR-ABL fusion gene localized either to chromosome 9 or chromosome 22. Br J Haematol. 1994;87(2):409-12
  • 11. Vaz de Campos MG, Montesanto FT, Rodrigues MM, Chauffaille MLLF. Clinical implications of der(9q) deletions detected through dual-fusion fluorescence in situ hybridization in patients with CML. Cancer Genet Cytogenet. 2007;178:49-56.
  • 12. Quintas-Cardama A, Kantarjian H, Talpaz M, O'Brien S, Garcia-Manero G, Verstovsek S, et al Imatinib mesylate therapy may overcome the poor prognostic significance of deletions of derivative chromosome 9 in patients with chronic myelogenous leukemia. Blood. 2005;105:2281-6.
  • 13. Morel F, Ka C, Le Bris MJ, Herry A, Morice P, Bourquard P, et al. Deletion of the 5ABL region in Philadelphia chromosome positive chronic myeloid leukemia: frequency, origin and prognosis. Leuk Lymphoma. 2003;44(8):1333-8.
  • 14. Kreil S, Pfirrmann M, Haferlach C, Waghorn K, Chase A, Hehlmann R, et al Heterogeneous prognostic impact of derivative chromosome 9 deletions in chronic myelogenous leukemia. Blood. 2007;110:1283-90.
  • 15. Heim S, Mitelman F. Cancer Cytogenetics, 2nd Ed. John Wiley & Sons. New York, 1995.
  • 16. Alimena G, Breccia M, Latagliata R, Carmosino I, Russo E, Biondo F, et al Sudden blast crisis in patients with Philadelphia chromosome-positive chronic myeloid leukemia who achieved complete cytogenetic remission after imatinib therapy. Cancer. 2006;107:1008-13.
  • 17. Jaffe ES, Harris NL, Stein H, Vardiman JW. World Health Organization Classifications of Tumours. Pathology and Genetics of Tumour of Haematopoietic Tissues. IARC Press, Lyon, France, 2001.
  • 18. Haferlach C, Rieder H, Lillington DM, Dastugue N, Hagemeijer A, Harbott J, et al Proposals for standardized protocols for cytogenetic analyses of acute leukemias, chronic lymphocytic leukemia, chronic myeloid leukemia, chronic myeloproliferative disorders, and myelodysplastic syndromes on behalf of the European Leukemia Net-Workpackage Cytogenetics. Genes Chromosomes Cancer. 2007;46:494-9.
  • 19. Baccarani M, Saglio G, Goldman J, Hochhaus A, Simonsson B, Appelbaum F, et al Evolving concepts in the management of chronic myeloid leukemia: recommendations from an expert panel on behalf of the European LeukemiaNet. Blood. 2006; 108:1809-20.
  • 20. Richardson AM. Chromosome analysis, in The AGT Cytogenetics Laboratory manual. 3rd ed. Edited by Barch MJ, Knutsen T, Spurbeck J. Lippincott Raven publishers, Philadelphia, 481-526. 1997.
  • 21. Kantarjian H, Schiffer C, Jones D, Cortes J. Monitoring the response and course of chronic myeloid leukemia in the modern era of BCR-ABL tyrosine kinase inhibitors: practical advice on the use and interpretation of monitoring methods. Blood. 2008;111:4, 1774-90.
  • 22. Kantarjian H, Talpaz M, O'Biren S et al Doses escalation of imatinib mesylate can overcome resistance to standard dose therapy in patients with chronic myelogenous leukemia. Blood. 2003;101: 473-5.
  • 23. Marin D, Goldman JM, Olavarria E, Apperley JF. Transient benefit only from increasing imatinib dose in CML patients who do not achieve complete cytogenetic remissions on conventional doses. Blood. 2003;102:2702-3.
  • 24. Campos MVG et al Cromossomo Ph mascarado em crise blástica linfóide de LMC. Rev bras hematol hemoter. 2003;25 (Supl. 2):81.
  • 25. Chauffaille ML et al. Fluorescent in situ hybridization for BCR/ABL in CML after bone marrow transplantation. S Paulo Med Jour. 2001;119:16-8.
  • 26. Gozzetti A, LeBeau MM. Fluorescence in situ hybridization: uses and limitations. Semin Hematol. 2000;37:320-33.
  • 27. Lawce H et al. BCR/ABL FISH: probes, patterns, and prognoses. J Assoc Genet Technol. 2002;28:40-6.
  • 28. Chauffaille ML. Módulo de Onco-hematologia Manual Fleury de Diagnóstico em Hematologia, 2003.
  • 29. Dewald et al Highly sensitive fluorescent in situ hybridization method to detect double BCR/ABL fusion and monitor response to therapy in CML. Blood. 1998;91:3357-65.
  • 30. Sinclair P et al Large deletions at the t(9;22) breakpoint are common and may identify a poor-prognosis subgroup of patients with CML. Blood. 2000;95:738-44.
  • 31. Kolomietz E et al Primary chromosomal rearrangements of leukemia are frequently accompanied by extensive submicroscopic deletions and may lead to altered prognosis. Blood. 2001;97:3581-8.
  • 32. Huntly B et al Deletions of the derivative chromosome 9 occur at the time of the Ph translocation and provide a powerful and independent prognostic inidicatoor in CML. Blood. 2001; 98:1732-8.
  • 33. Cohen N, Rozenfeld-Granot G, Hardan I, Brok-Simoni F, Amariglio N, Rechavi G. et al Subgroup of patients with Philadelphia-positive chronic myelogenous leukemia characterized by a deletion of 9q proximal to ABL gene: expression profiling. resistance to interferon therapy. and poor prognosis. Cancer Genet Cytogenet. 2001;128(2):114-9.
  • 34. Huntly BJ, Bench AJ, Delabesse E, Reid AG, Li J, Scott MA, et al. Derivative chromosome 9 deletions in chronic myeloid leukemia: poor prognosis is not associated with loss of ABL-BCR expression. elevated BCR-ABL levels or karyotypic instability. Blood. 2002; 99(12):4547-53.
  • 35. Mohr B, Bornhauser M, Platzbecker U, Freiberg-Richter J, Naumann R, Prange-Krex G, et al. Problems with interphase fluorescence in situ hybridization in detecting BCR/ABL-positive cells in some patients using a novel technique with extra signals. Cancer Genet Cytogenet. 2001;127(2):111-7.
  • 36. Lee DS, Lee YS, Yun YS, Kim YR, Jeong SS, Lee YK, et al A study on the incidence of ABL gene deletion on derivative chromosome 9 in chronic myelogenous leukemia by interphase fluorescence in situ hybridization and its association with disease progression. Genes Chromosomes Cancer. 2003;37(3):291-9.
  • 37. Lee YK, Kim YR, Min HC, Oh BR, Kim TY, Kim YS, et al Deletion of any part of the BCR or ABL gene on the derivative chromosome 9 is a poor prognostic marker in chronic myelogenous leukemia. Cancer Genet Cytogenet. 2006;166(1):65-73.
  • 38. Gonzalez FA, Anguita E, Mora A, Asenjo S, Lopez I, Polo M, et al. Deletion of BCR region 3 in chronic myelogenous leukemia. Cancer Genet Cytogenet. 2001;130(1):68-74.
  • 39. Yoong Y, VanDeWalker TJ, Carlson RO, Dewald GW, Tefferi A. Clinical correlates of submicroscopic deletions involving the ABL-BCR translocation region in chronic myeloid leukemia. Eur J Haematol. 2005;74(2):124-7.
  • Correspondência:

    Maria de Lourdes L. F. Chauffaille
    Rua Botucatu 740, 3º andar
    04023-900 – São Paulo-SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2008

    Histórico

    • Recebido
      22 Fev 2008
    • Aceito
      23 Mar 2008
    Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia e Terapia Celular R. Dr. Diogo de Faria, 775 cj 114, 04037-002 São Paulo/SP/Brasil, Tel. (55 11) 2369-7767/2338-6764 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: secretaria@rbhh.org