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Transfusão de concentrado de hemácias em Unidade de Terapia Intensiva

Red blood cell transfusion in the Intensive Care Unit

Resumos

HISTÓRIA E OBJETIVOS: A indicação de transfusão sangüinea em pacientes criticamente enfermos é complexa e pode ser influenciada por muitos fatores. Embora seja prática freqüente, poucos estudos são disponibilizados sobre o uso de sangue e hemocomponentes em pacientes sob cuidados intensivos. O objetivo deste trabalho é analisar a taxa e a incidência-densidade de transfusão de concentrado de hemácias (CH) na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Universitário Prof. Polydoro Ernani de São Thiago (HU/UFSC), bem como descrever os critérios clínicos utilizados e os valores de hemoglobina pré-transfusionais. MÉTODOS: Foram selecionados os pacientes admitidos na UTI do HU/UFSC entre janeiro de 2003 e dezembro de 2004. RESULTADOS: Dos 654 pacientes analisados, 108 (16,51%) receberam transfusão de CH, com incidência-densidade de 3,80 por 100 pacientes-dia. O CH foi o hemocomponente mais utilizado, com um total de 257 eventos transfusionais e 549 unidades. Baixo nível de hemoglobina foi o critério mais utilizado (58%). Valores de hemoglobina pré-transfusional inferiores a 7,0 g/dL foram verificados em 51,75% das transfusões. INTERPRETAÇÃO E CONCLUSÕES: Nos últimos 15 anos, diversos autores analisaram taxas de transfusões de CH em UTIs, encontrando percentuais entre 19% e 85%. Atualmente, em pacientes criticamente enfermos, recomendam-se transfusões quando os níveis de hemoglobina são inferiores a 7,0 g/dL e evitam-se quando são superiores a 10,0 g/dL. Na UTI do HU/UFSC, o hemocomponente mais utilizado é o CH, com percentuais inferiores aos de UTIs de outras instituições. Baixa concentração de hemoglobina com valor pré-transfusional inferior a 7,0 g/dL é o principal critério de indicação.

Transfusão de hemácias; unidades de terapia intensiva; sangue


HISTORY AND OBJECTIVES: Many factors influence the indication of blood transfusion for critical ill patients. Nevertheless there are few studies concerning the transfusion of blood components in patients under intensive care. This study is aimed at analyzing the rate and the transfusion incidence-density of red blood cells (RBC) in an Intensive Care Unit (ICU) of the University Hospital of Federal University of Santa Catarina and to describe the clinical criteria and the haemoglobin values applied to indicate transfusions. METHOD: For this study, patients admitted into the ICU between January 2003 and December 2004 were included. RESULTS: A total of 654 patients were studied. From those 108 (16.51%) received RBC transfusions with an incidence-density of 3.8 per 100 patients day. RBC was the most commonly used blood component (257 transfusions were performed using 549 RBC units). The criterion most frequently used for RBC transfusion was a low haemoglobin level (58%). Pre-transfusion haemoglobin levels lower than 7.0 g/dL were observed in 51.75% patients. ANALYSIS AND CONCLUSIONS: Over the last 15 years many authors found that RBC transfusion percentages in the ICU were between 19 and 85%. Currently, RBC transfusion is indicated for haemoglobin levels of less than 7.0 g/dL and transfusions should be avoided when the level is higher than 10.0 g/dL. In the ICU of the University Hospital, RBC is the most commonly used blood component with a lower percentage when compared to ICUs of other institutions. Low haemoglobin levels with pre-transfusion values less than 7.0 g/dL is the main criterion to indicate this conduct.

Erythrocyte transfusion; Intensive care units; Blood


ARTIGO ARTICLE

Transfusão de concentrado de hemácias em Unidade de Terapia Intensiva

Red blood cell transfusion in the Intensive Care Unit

Jovino S. FerreiraI; Vera L. P. C. FerreiraII; Gustavo L. PelandréIII

IProfessor do Departamento de Clínica Médica; Chefe do Serviço de Hemoterapia (SHMT); Hospital Universitário Prof. Polydoro Ernani de São Thiago; Universidade Federal de Santa Catarina

IIMédica hematologista do Serviço de Hemoterapia (SHMT); Hospital Universitário Prof. Polydoro Ernani de São Thiago; Universidade Federal de Santa Catarina

IIIAluno do Curso de Graduação em Medicina;Universidade Federal de Santa Catarina

Correspondência para Correspondência para: Gustavo L. Pelandré Universidade Federal de Santa Catarina - Centro de Ciências da Saúde - Departamento de Clínica Médica Hospital Universitário - Serviço de Hemoterapia Campus Universitário - Trindade 88040-970, Florianópolis - SC, Brasil Telefone: (48) 3319114 Ramal: 9114 Fax: (48) 2345344 E-mail: gupelandre@terra.com.br

RESUMO

HISTÓRIA E OBJETIVOS: A indicação de transfusão sangüinea em pacientes criticamente enfermos é complexa e pode ser influenciada por muitos fatores. Embora seja prática freqüente, poucos estudos são disponibilizados sobre o uso de sangue e hemocomponentes em pacientes sob cuidados intensivos. O objetivo deste trabalho é analisar a taxa e a incidência-densidade de transfusão de concentrado de hemácias (CH) na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Universitário Prof. Polydoro Ernani de São Thiago (HU/UFSC), bem como descrever os critérios clínicos utilizados e os valores de hemoglobina pré-transfusionais.

MÉTODOS: Foram selecionados os pacientes admitidos na UTI do HU/UFSC entre janeiro de 2003 e dezembro de 2004.

RESULTADOS: Dos 654 pacientes analisados, 108 (16,51%) receberam transfusão de CH, com incidência-densidade de 3,80 por 100 pacientes-dia. O CH foi o hemocomponente mais utilizado, com um total de 257 eventos transfusionais e 549 unidades. Baixo nível de hemoglobina foi o critério mais utilizado (58%). Valores de hemoglobina pré-transfusional inferiores a 7,0 g/dL foram verificados em 51,75% das transfusões.

INTERPRETAÇÃO E CONCLUSÕES: Nos últimos 15 anos, diversos autores analisaram taxas de transfusões de CH em UTIs, encontrando percentuais entre 19% e 85%. Atualmente, em pacientes criticamente enfermos, recomendam-se transfusões quando os níveis de hemoglobina são inferiores a 7,0 g/dL e evitam-se quando são superiores a 10,0 g/dL. Na UTI do HU/UFSC, o hemocomponente mais utilizado é o CH, com percentuais inferiores aos de UTIs de outras instituições. Baixa concentração de hemoglobina com valor pré-transfusional inferior a 7,0 g/dL é o principal critério de indicação.

Palavras-chave: Transfusão de hemácias; unidades de terapia intensiva; sangue.

ABSTRACT

HISTORY AND OBJECTIVES: Many factors influence the indication of blood transfusion for critical ill patients. Nevertheless there are few studies concerning the transfusion of blood components in patients under intensive care. This study is aimed at analyzing the rate and the transfusion incidence-density of red blood cells (RBC) in an Intensive Care Unit (ICU) of the University Hospital of Federal University of Santa Catarina and to describe the clinical criteria and the haemoglobin values applied to indicate transfusions.

METHOD: For this study, patients admitted into the ICU between January 2003 and December 2004 were included.

RESULTS: A total of 654 patients were studied. From those 108 (16.51%) received RBC transfusions with an incidence-density of 3.8 per 100 patients day. RBC was the most commonly used blood component (257 transfusions were performed using 549 RBC units). The criterion most frequently used for RBC transfusion was a low haemoglobin level (58%). Pre-transfusion haemoglobin levels lower than 7.0 g/dL were observed in 51.75% patients.

ANALYSIS AND CONCLUSIONS: Over the last 15 years many authors found that RBC transfusion percentages in the ICU were between 19 and 85%. Currently, RBC transfusion is indicated for haemoglobin levels of less than 7.0 g/dL and transfusions should be avoided when the level is higher than 10.0 g/dL. In the ICU of the University Hospital, RBC is the most commonly used blood component with a lower percentage when compared to ICUs of other institutions. Low haemoglobin levels with pre-transfusion values less than 7.0 g/dL is the main criterion to indicate this conduct.

Key words: Erythrocyte transfusion; Intensive care units; Blood.

Introdução

Durante as últimas décadas, a segurança das transfusões sangüíneas tem sido rigorosamente avaliada em muitos países, uma vez que o procedimento envolve riscos, com implicações administrativas, logísticas e econômicas.1,2 Mesmo com indicações criteriosas, aproximadamente 20% das transfusões sangüíneas apresentam algum tipo de efeito adverso, de gravidade clínica variável. Entre eles destacam-se a transmissão de infecções virais (especialmente HIV, hepatites B e C), reações hemolíticas por incompatibilidade entre grupos sangüíneos, reações alérgicas, contaminações bacterianas, injúrias pulmonares agudas e imunossupressão.3 Nos Estados Unidos, cerca de 22 milhões de unidades de hemo-componentes são transfundidas a cada ano, o que faz desta prática uma das mais importantes intervenções médicas da atualidade.4

A indicação de transfusão sangüínea em pacientes criticamente enfermos é complexa e pode ser influenciada por muitos fatores, como idade, medicações em uso, severidade da doença e comorbidades associadas.5 Alguns estudos mostram que cerca de 95% dos pacientes admitidos em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) têm níveis de hemoglobina abaixo do normal, o que faz da transfusão de hemácias uma das intervenções terapêuticas mais utilizadas nestas unidades.2,6 Dado o grande número de transfusões requeridas, os critérios de transfusão de hemácias são particularmente importantes para esta população.2

Atualmente, poucos estudos são disponibilizados sobre o uso de sangue e hemocomponentes em pacientes sob cuidados intensivos.6,7 Este trabalho objetivou analisar a taxa e a incidência-densidade de transfusão de concentrado de hemácias na UTI do HU/UFSC, bem como descrever os critérios clínicos e os valores de hemoglobina pré-transfusionais.

Casuística e Método

Foram selecionados para o estudo os pacientes admitidos na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Universitário Prof. Polydoro Ernani de São Thiago (HU/UFSC), no período de 01 de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2004.

Foi considerado taxa de transfusão o percentual de pacientes incluídos no estudo que receberam transfusão de CH durante a internação na UTI, e incidência-densidade de transfusão o quociente entre o número de pacientes transfundidos e o número total de pessoas-tempo suscetíveis ao primeiro evento de transfusão durante a internação na UTI.8

Os critérios de indicação de transfusão de CH foram classificados em três grupos, para melhor exposição dos resultados: hemorragia, baixa concentração de hemoglobina (não associada à hemorragia) e pré-operatório.2,6,7,9

Para as variáveis hematócrito e hemoglobina pré-transfusionais foram considerados os últimos valores verificados pelos exames laboratoriais realizados até 24 horas antes de cada evento de transfusão.

Os valores de hemoglobina pré-transfusional foram divididos em três categorias: valores menores que 7,0 g/dL, entre 7,0 e 10,0 g/dL e maiores que 10,0 g/dL, de acordo com patamares estudados por outros autores.10,11

As variáveis categóricas foram expressas em valores absolutos e percentuais. As variáveis contínuas foram expressas em média e desvio padrão.

O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina (CEPSH-UFSC).

Resultados

Do total de 654 pacientes analisados, 108 (16,51%) receberam transfusão de concentrado de hemácias (CH) durante a internação na UTI, com incidência-densidade de 3,80 por 100 pacientes-dia. O CH foi o hemocomponente mais utilizado na UTI do HU, com um total de 257 eventos transfusionais e 549 unidades utilizadas.

Entre os pacientes transfundidos, 58 (53,70%) eram do gênero masculino, com média total de idade de 50,35 (± 17,43) anos e tempo de permanência na UTI de 18,41 (± 19,61) dias. Houve predomínio de pacientes oriundos das unidades de centro cirúrgico (27,78%), emergência (22,22%) e clínica médica (20,37%).

Os diagnósticos pré-transfusionais mais prevalentes foram sepse/choque séptico (31,52%), doenças neoplásicas (13,23%) e hemorragia aguda (12,45%).

Houve maior percentual de mortalidade entre os pacientes transfundidos (38%), quando comparados aos não transfundidos (24%). Baixos níveis de hemoglobina foram responsáveis pela maioria das unidades de CH transfundidas (58%), como mostra a Figura 1.


A maioria dos eventos transfusionais apresentou concentração de hemoglobina pré-transfusional menor que 7,0 g/dL (51%), como mostra a Tabela 1.

Discussão

Anemias são condições freqüentes em pacientes criticamente enfermos.2,3 Entre as principais causas, destacam-se perdas sangüíneas, hemodiluição e inadequada resposta eritropoiética.12,13 As transfusões de concentrados de hemácias (CH), então, são utilizadas para aumentar a capacidade de transporte de oxigênio do sangue, através do aumento da concentração de hemoglobina, na presença de enfermidades agudas ou crônicas.11

Esta pesquisa analisou 654 pacientes, encontrando 108 pacientes transfundidos (16,51%) e 0,84 unidades de CH por paciente admitido. Nos últimos 15 anos, diversos autores analisaram transfusões de CH em UTIs. O percentual de pacientes transfundidos, nos diversos estudos, variou entre 19% e 85%, com média de 1,8 a 9,5 unidades de CH por paciente admitido.1-3,6,7,14

O Serviço de Hemoterapia (SHMT) do HU da UFSC vem promovendo, desde 1995, atividades de ensino e pesquisa em paralelo às atividades assistenciais, especialmente voltadas para alunos de graduação em medicina e médicos assistentes das diversas unidades de internação. Manuais com diretrizes sobre o uso racional de sangue e hemoderivados foram elaborados a partir de publicações científicas recentes e diretrizes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Os menores índices de transfusão encontrados refletem os efeitos da política de uso racional de sangue e hemocomponentes do SHMT do HU, que visa otimizar a utilização destes segundo parâmetros preconizados internacionalmente.

Em relação a outros estudos, houve menor prevalência de pacientes cirúrgicos e maior tempo médio de internação na UTI por paciente admitido. Isto sugere predomínio de transfusões por doenças crônicas ou de evolução arrastada, onde baixos níveis de hemoglobina seriam o critério de transfusão mais esperado.

Estudos recentes contestam a utilização do nível de hemoglobina como parâmetro isolado na indicação de CH e sugerem que a transfusão seja subordinada a uma avaliação clínica baseada em parâmetros como sinais vitais, condições hemodinâmicas e presença de sangramento.11

Historicamente, acreditava-se que a concentração de hemoglobina deveria ser mantida em níveis superiores a 10,0 g/dL para garantir bom aporte de oxigênio aos tecidos. Atualmente, muitos autores têm recomendado transfusão de CH em pacientes criticamente enfermos, com concentração de hemoglobina inferior a 7,0 g/dL, evitando transfusões com valores de hemoglobina superiores a 10,0 g/dL.9-11

Neste estudo, a média de hemoglobina pré-transfusional foi de 6,86 ± 1,19 g/dL para todos os pacientes transfundidos. Os transfundidos por hemorragia apresentaram menores valores médios, 6,54 ± 1,38 g/dL, se comparados a transfusões por baixa concentração de hemoglobina, 6,93 ± 1,04 g/dL e pré-operatório, 7,86 ± 0,81 g/dL. Como se observa na Tabela 1, apenas um evento de transfusão foi realizado com nível de hemoglobina superior a 10,0 g/dL. Isto se justifica pelo fato do paciente ter sido acometido por doença sistêmica grave, com quadro de hemorragia pulmonar maciça secundária a leptospirose e de evolução fatal.

Os valores de hemoglobina obtidos diferem dos verificados em outros estudos e se aproximam dos princípios estabelecidos pelos guidelines atuais. Estes achados, que traduzem diretrizes criteriosas e restritivas de utilização de CH em pacientes criticamente enfermos, justificam os menores índices de transfusão detectados e refletem o cuidado da equipe multidisciplinar na conscientização do uso racional do sangue.

Conclusões

O hemocomponente mais utilizado na UTI do HU/UFSC é o CH, com taxa e incidência-densidade de transfusão inferiores às de UTIs de outras instituições. Baixa concentração de hemoglobina com valor pré-transfusional inferior a 7,0 g/dL é o principal critério de indicação de CH na UTI do HU/UFSC, seguido de hemorragia.

Agradecimentos

Aos funcionários do Serviço de Hemoterapia e da Unidade de Terapia Intensiva do HU/UFSC.

Recebido: 13/09/2005

Aceito após modificações: 25/09/2005

Avaliação: Editor e dois revisores externos.

Conflito de interesse: não declarado

Instituição: Hospital Universitário Prof. Polydoro Ernani de São Thiago (HU) - Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

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  • Correspondência para:

    Gustavo L. Pelandré
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Abr 2006
    • Data do Fascículo
      Set 2005

    Histórico

    • Aceito
      25 Set 2005
    • Recebido
      13 Set 2005
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