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Pedro Clóvis Junqueira

EDITORIAL

Pedro Clóvis Junqueira

Milton Artur Ruiz

Departamento de Clínica Médica, Disciplina de Hematologia e Hemoterapia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Milton Artur Ruiz Rua Catarina Nucci Parise, 760 - Jardim Vivendas 15090-470 - São José do Rio Preto (SP), Brasil E-mail: brazilbloodjournal@yahoo.com.br

Faleceu o velho guerreiro. Ao saber da notícia e começar a escrever sobre um dos principais mentores da Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (SBHH), me senti envergonhado por não saber mais da trajetória do principal lutador do reconhecimento da hemoterapia como atividade médica em nosso país.

Lembro-me como se ainda fosse hoje da primeira vez em que o vi. Em Curitiba, Congresso Nacional de Hematologia de 1974, organizado pelo Colégio Brasileiro de Hematologia, e, na ocasião, uma figura que pouco me chamou a atenção. O único detalhe foi que alguém me sussurrou aos ouvidos, "olhe, o inimigo está aí". Sem atinar o motivo da observação, só fui entendê-la muito tempo depois; afinal, imberbe, eu não passava de um residente distante e neófito em relação aos problemas políticos da especialidade.

O tempo passou e a SBHH se reestruturou, adquiriu uma sede na Av. Rio Branco, no Rio de Janeiro, sob sua presidência, e o Mestre começou a atrair jovens para o seio da entidade. Já participando como ouvinte nas conversas que os mais antigos realizavam, sempre com o Mestre Junqueira em destaque, histórias e reminiscências da SBHH eram desfiadas e romanceadas. Contava a todos, com propriedade, de como havia sido a fundação da SBHH na esteira de um primeiro Congresso Paulista, de 1949, que fora um sucesso. Enaltecia, ou criticava, os fatos, na maioria das vezes, com seu jeito maranhense carioca de ser e quase sempre terminava suas histórias com sonoras gargalhadas. Descrevia com propriedade as confusões que ocorreram para se organizar o primeiro Congresso Brasileiro no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, Rio de Janeiro, e as tratativas também para se eleger uma primeira diretoria da SBHH. Relatava como eram as odisseias para se organizarem os primeiros congressos e contava de maneira matreira a história de como surgiu o símbolo da sociedade e o motivo da existência da molécula de fibrinogênio no centro da gota de sangue do logotipo da SBHH. Na realidade, dizia, isto era uma referência a um tipo de bucha que havia em grande quantidade na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, local do Congresso de 1953. De forma diletante e jocosa, explicava que sempre ao início de cada sessão a dita bucha era entregue ao palestrante como símbolo do evento e assim ela passava de mão em mão durante o Congresso. Desta forma surgiu o símbolo da SBHH - de uma brincadeira e de rascunhos em mesas de restaurantes, bem ao jeito do Mestre.

Em sua gestão como presidente, a SBHH passou a ser uma entidade reconhecida, bem como a voz da Hematologia/Hemoterapia junto à AMB, e naquele mesmo ano foi realizado o primeiro exame de Títulos de Especialista em Hematologia e Hemoterapia. Esta era a segunda vez que o via, alegre e saltitante, no Hospital dos Servidores do Estado, na cidade de São Paulo, o local da prova.

Os anos foram se passando e os Congressos se sucedendo, como o de Brasília, quando a SBHH, por grande influência sua, acredito, elegia a primeira mulher presidente. Naqueles tempos, as Assembleias estavam entre os momentos mais esperados dos Congressos, onde tudo se discutia e a política corria solta e quente apesar dos anos duros e de chumbo, e, em todas elas, o Mestre Junqueira pontificava.

Passei a conhecê-lo mais de perto, em 1981, durante o Congresso Brasileiro de Fortaleza. Influenciado por Celso Guerra acedeu em que eu participasse da diretoria da SBHH no cargo de secretário geral. A partir de então os nossos contatos foram constantes, e o seu estímulo ao progresso do Boletim, que existia desde 1973, foi incessante. Enfatizava e me cobrava, dizendo que os sócios precisavam estar informados e que, para muitos, o Boletim era o único veículo pelo qual recebiam informações da especialidade. Participou da modificação e da evolução do Boletim, e creio que os mais antigos poderão ainda se lembrar da sua seção "Ponto Futuro", que parafraseava um ex-técnico do Flamengo, outra de suas paixões, que tinha terminologias avançadas para as jogadas no futebol, ou seja, o Mestre sempre olhava para o futuro da especialidade.

Aficionado por avanços, encantava-se por novidades. Quem não deve tê-lo ouvido descrever o "salto do sapo", programa de doações para transfusão, assim como citar que transplante de medula óssea seria um sucesso, isto no início da década de 90. Visitava todos, participava de eventos, saraus literários, academias, enfim, estava presente em todos os acontecimentos da SBHH. Escrevia, guardava informações de tudo o que ocorria e, principalmente, editava e estimulava todos a participarem de livros sobre a Hemoterapia. Assim, por sua influência, fez com que eu me debruçasse nas Reminescências da SBHH, que, durante algum tempo, passaram a fazer parte dos números do Boletim que se sucediam.

Mesmo depois da transformação do Boletim em Revista, o Boletim da Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (Bol Soc Bras Hematol Hemoter., ISSN 0102 7662) e depois na Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (RBHH) volta e meia me encaminhava, com sua letra pequena e redondinha, informações da vida de ex-colegas e de histórias desde quando a Hemoterapia usava o frasco de vidro, assim como colaborava com diversos artigos. Nos 50 anos da SBHH, junto com seus colegas do Rio de Janeiro, realizou um Congresso inesquecível, e a sua alegria era esfuziante que só não foi completa pela perda, durante o evento, de um dos seus grandes amigos, o Professor Halley Pacheco de Oliveira.

Poderia me alongar descrevendo suas atividades didáticas, participações em Congressos no Brasil e no exterior, de títulos e honrarias recebidos da SBHH e de outras entidades,(1) mas peço perdão à Norma e a todos os colegas que tiveram a oportunidade e o privilégio de tê-lo mais frequentemente em seu convívio, pois eu me sentiria um usurpador, me restringindo à lembrança de suas palavras sempre gentis e alegres em relação a mim, do apoio que sempre recebi quando estive na direção da SBHH e o seu irrestrito estímulo à minha função de editor da RBHH.

Recebido: 19/10/2010

Aceito: 21/10/2010

  • 1. Pimentel MA. Trajetória de um Mestre. Biografia do Prof. Pedro Clóvis Junqueira. Juiz de Fora: Editar; 2000. 145p.
  • Correspondência:
    Milton Artur Ruiz
    Rua Catarina Nucci Parise, 760 - Jardim Vivendas
    15090-470 - São José do Rio Preto (SP), Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Fev 2012
    • Data do Fascículo
      2010
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