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Universidades e Desenvolvimento Regional - as bases para a inovação competitiva Maurício Serra; Cássio Rolim; Ana Paula Bastos (2018) Rio de Janeiro, Brasil: Ideia D, 2018, 412p. ISBN 978-85-5731-002-5

Universidades e Desenvolvimento Regional - as bases para a inovação competitiva. Serra, Maurício; Rolim, Cássio; Bastos, Ana Paula. Rio de Janeiro, Brasil: Ideia D, 2018. 412p. 978-85-5731-002-5

O confinamento dos últimos meses (escreve-se no final de maio de 2020) permite-nos o cumprimento de um agradável compromisso (lamentavelmente adiado demais) com a leitura do livro “Universidades e Desenvolvimento Regional - as bases para a inovação competitiva”, organizado por Maurício Serra, Cássio Rolim e Ana Paula Bastos (2018SERRA, M.; ROLIM, C.; BASTOS, A.P. (org.). Universidades e Desenvolvimento Regional: as bases para a inovação competitiva. Rio de Janeiro: Ideia D, 2018.). Este livro desenvolve-se facilmente ao longo de mais de uma dezena de capítulos que refletem, de modo distinto, o contributo das Universidades (o mesmo é dizer das Instituições de Ensino Superior - IES) para o bem público bem como para o desenvolvimento das regiões onde estão localizadas. Na construção desta obra estiveram envolvidos 21 investigadores, latino-americanos e europeus, que procederam a reflexões teóricas e estudos de caso acerca dos efeitos positivos e das limitações decorrentes das relações entre as IES e as regiões de acolhimento. Os estudos empíricos abordam casos relativos a instituições no Brasil e noutros países da América Latina.

A generalidade da literatura acerca dos efeitos locais das IES, e também este livro, concluem pela existência de resultados positivos, para o desenvolvimento regional, decorrentes da presença dessas instituições. A procura de soluções que promovam o desenvolvimento das regiões e a melhoria da qualidade de vida das pessoas, nos lugares onde vivem, são uma consequência do inconformismo. A não aceitação das assimetrias de desenvolvimento, entre regiões e entre os cidadãos, como uma inevitabilidade, é um dos motivos pelos quais vários países, entre os quais o Brasil, alargaram a rede de ensino superior público às diversas regiões, mesmo as mais remotas, com vista a proporcionar o acesso a este grau de ensino de forma mais democrática e equitativa à generalidade da população que assim pode melhorar os respetivos níveis de escolaridade e enfrentar, de forma mais robusta e menos desigual, o mercado de trabalho. A capacidade de elevar as qualificações dos indivíduos é um dos primeiros efeitos locais das IES, que decorre diretamente do exercício da função ensino, que está presente em todas as instituições desta natureza. Estes diplomados são também os primeiros que, quando integrados no tecido produtivo e nas restantes organizações comunitárias, facilitam a transferência de conhecimento inovador e o melhor do desempenho global das sociedades. A educação, e em particular o ensino superior, provoca ganhos individuais mas também um conjunto diversificado de externalidades positivas de que toda a sociedade beneficia. Outro dos efeitos das IES é a capacidade de produzir conhecimento inovador, através da investigação, e são muitas que o fazem, contribuindo para o avanço da ciência. Contudo, para que seja regionalmente relevante é necessário que as empresas localizadas na área envolvente possam beneficiar dos resultados da investigação. As IES são instituições charneiras que permitem ligar o contexto global de ensino, ciência e desenvolvimento tecnológico, em que se integram, com as realidades locais onde se localizam, promovendo, muitas delas, compromissos entre o acompanhamento do mais sofisticado desenvolvimento científico com a necessária responsabilidade social.

As IES localizadas em regiões periféricas enfrentam desafios específicos relacionados com a natureza desses lugares. Nestes casos, além do exercício das funções tradicionais, mas imprescindíveis, de ensino e investigação, a missão dessas instituições não pode deixar de contemplar o seu papel estratégico na promoção do envolvimento (social, cultural, ambiental) com a sociedade, bem como na construção de processos de governança e liderança regionais que atentem às características específicas e necessidades dos territórios, mesmo que para isso elas tenham de ultrapassar os seus muros. As IES latino-americanas, em geral, têm colocado o envolvimento social na agenda da terceira missão, traduzindo assim o reconhecimento de quanto a sua localização ajuda a comunidade local. O forte envolvimento social é uma resposta à debilidade do estado social e o contributo para a superação das dificuldades sentidas em diversas sociedades. As características concretas das cidades e das regiões onde as IES se localizam, por seu turno, implicam também na respetiva relevância. Uma única IES de pequena dimensão, numa cidade média, provoca um conjunto de efeitos muito mais visíveis e relevantes do que uma grande IES numa cidade de maior dimensão, onde o conjunto de instituições (onde se podem incluir até diversas IES) é mais amplo e a densidade relacional mais intensa. O grau de inserção regional é maior em cidades de menor dimensão, onde a IES, além dos efeitos diretos no rendimento, é muitas vezes a entidade que concentra os trabalhadores mais qualificados, fornece serviços especializados e consultadoria, disponibiliza espetáculos, espaços de cultura, desporto e lazer bem como serviços de saúde pessoais e animais; ou seja, um pilar da construção do ecossistema urbano.

Contudo, a existência ou mesmo a criação de IES não garante, por si só, o crescimento económico regional, uma vez que a transferência de conhecimento e a geração de inovações não são automáticas nem imediatas. Além de as universidades terem vocações, culturas organizacionais, heterogeneidades internas e preferências distintas, o “perfil” socioeconómico das regiões onde elas estão localizadas importa muito. De facto, a importância das IES para as regiões está provavelmente sobrevalorizada, uma vez que estas instituições enfrentam, no âmbito do seu compromisso social, diversas barreiras, internas e externas, significativas, profundamente enraizadas e difíceis de superar. Entre as barreiras internas incluem-se, por exemplo, a autonomia na tomada de decisão e identificação de prioridades regionais ou a valorização das atividades de cooperação com o território quando, habitualmente, o ensino e a investigação conferem mais prestígio, notoriedade e melhores avaliações para progressão na carreira dos docentes e investigadores. No âmbito das barreiras externas está, por exemplo, a dificuldade de comunicação entre as empresas e outras entidades regionais e as IES: por um lado, saber quais são as necessidades das empresas e, por outro, quais são os conhecimentos diferenciados e inovadores que as IES têm disponíveis é determinante para efetivar o envolvimento regional. Além destas dificuldades, também o enquadramento normativo suprarregional, fundamentalmente de natureza sectorial, não promove a articulação entre a política pública que visa promover o desenvolvimento regional - que não considera as IES - e a política de educação, em particular do ensino superior, que não integra na sua missão os objetivos de desenvolvimento regional.

Tendo consciência de todas as potencialidades bem como os constrangimentos, no que respeita aos efeitos regionais das IES, é inegável que estas instituições podem cooperar de distintas formas para a transformação socioeconómica regional, e é impossível e indesejável pensar o desenvolvimento regional sem a sua participação. De facto, as universidades podem promover a “mão invisível” do desenvolvimento regional. O livro Universidades e Desenvolvimento Regional - as bases para a inovação competitiva é, pois, um valioso contributo para a discussão ponderada e atualizada, de acordo com perspetivas e metodologias distintas, dos efeitos, e respetivos limites, das IES nos lugares onde se localizam.

Agradecimentos

Agradeço aos colegas Maurício Serra e Renato de Castro Garcia por me terem mostrado o livro “Universidades e Desenvolvimento Regional: as bases para a inovação competitiva” e pelo desafio de escrever sobre o mesmo.

Referências

  • SERRA, M.; ROLIM, C.; BASTOS, A.P. (org.). Universidades e Desenvolvimento Regional: as bases para a inovação competitiva. Rio de Janeiro: Ideia D, 2018.
  • Fonte de financiamento:

    a autora declara não haver fonte de financiamento neste caso.
  • ERRATA

    Na resenha "Universidades e Desenvolvimento Regional - as bases para a inovação competitiva", com DOI https://doi.org/10.20396/rbi.v19i0.8659962, publicada no periódico Revista Brasileira de Inovação, 19:1-4, e0200017, na página 1, onde se lia:
    “Ana Paula Bastos”
    leia-se:
    “Ana Paula Bastos (2018)”
    na página 4, onde se lia:
    Agradecimentos
    leia-se:
    Referências
    SERRA, M.; ROLIM, C.; BASTOS, A.P. (org.). Universidades e Desenvolvimento Regional: as bases para a inovação competitiva. Rio de Janeiro: Ideia D, 2018.
    Agradecimentos”

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    08 Jun 2020
  • Revisado
    29 Jun 2020
  • Aceito
    29 Jun 2020
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