RESUMO
Esta seção da Revista Brasileira de Inovação inclui 3 artigos selecionados daqueles apresentados no Encontro da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração (EnANPAD), que ocorreu em outubro de 2020. A seção especial introduz tópicos referentes a temas Emergentes em Gestão da Inovação e Empreendedorismo, que são relacionados a diversos modos de descontinuidades e desafios para gestão da inovação das organizações, estimulando, assim, transformação de setores, geração de novos negócios e novas epistemologias. Portanto, esta seção especial da revista enfatiza a relevância da temática e da necessidade de sua valorização por pesquisadores, educadores, gerentes e para a formulação de políticas públicas.
PALAVRAS-CHAVE:
Descontinuidades; Mudanças tecnológicas; Interrupções institucionais; Desafios globais; Novas epistemologias
ABSTRACT
This section of RBI (Revista Brasileira de Inovação) includes 3 papers selected from those presented at the Annual Meeting of the National Association of Postgraduation and Research in Management (EnANPAD), which was carried out in October 2020. The special section introduces topics related to emerging themes in Innovation Management and Entrepreneurship, which are related to different modes of discontinuities and challenges for the management of innovation in organizations, thus stimulating industry transformation, generation of new business and new epistemologies. Therefore, this special section of the journal emphasizes both the relevance of the issue and the need for its appreciation by researchers, educators, managers and public policies formulators.
KEYWORDS:
Discontinuities; Technological changes; Institutional interruptions; Global challenges; New epistemologies
Renovação e mudança estão na essência da inovação. Novos temas emergem frequentemente, e, do ponto de vista da gestão, tornam-se desafios para as organizações. Tais temas emergentes referem-se aos mais diversos modos de descontinuidades, como mudanças tecnológicas ou interrupções institucionais. Tecnologias disruptivas como as digitais (por ex. impressão 3D, Inteligência Artificial, data analytics, blockchain, etc.) e outras (ex. biotecnologia, nanotecnologia, etc.), além de desafios globais da sociedade (como incertezas relacionadas a pandemias e o desafio ambiental), e mudanças institucionais (como inovação transformativa, distanciamento versus proximidade, financeirização, etc.) têm se comportado como catapultas para promover a transformação de setores e gerar novos negócios.
Esses tópicos geralmente são discutidos do ponto de vista técnico em revistas especializadas ou chamadas de trabalhos específicas em eventos ou números especiais de revistas. No entanto, é importante entender peculiaridades do gerenciamento da inovação impulsionadas por eles, considerando as evidentes oportunidades de mudanças por meio da flexibilidade organizacional, imperativa em ambientes cada vez mais complexos e voláteis (SCHREYÖGG; SYDOW, 2010SCHREYÖGG, G.; SYDOW, J. Crossroads: organizing for fluidity? Dilemmas of new organizational forms. Organization Science, Providence, v. 21, n. 6, p. 1251-1262, 2010.). Também, esses temas e seus impactos na gestão da inovação devem ser considerados no momento da formulação de políticas públicas. Dessa forma, a Revista Brasileira de Inovação é um espaço privilegiado para essa discussão, dado seu foco em estudos da inovação e sua abordagem multidisciplinar, que considera a inovação em suas diferentes facetas e com seus impactos econômicos, sociais, organizacionais e ambientais.
O campo dos estudos da inovação tem se desenvolvido em diferentes correntes ao longo do tempo (FAGERBERG et al., 2012FAGERBERG, J.; FOSAAS, M.; SAPPRASERT, K. Innovation: exploring the knowledge base. Research Policy, Amsterdam, v. 41, n. 7, p. 1132-1153, 2012.). Se os primórdios, nos anos 1950, apresentavam foco em estudos ligados à economia e à sociologia, com os trabalhos de Nelson, Winter e Freeman, dentre outros (FAGERBERG et al., 2013FAGERBERG, J.; MARTIN, B. R.; ANDERSEN, E. S. Innovation studies: towards a new agenda. In: FAGERBERG, J.; MARTIN, B. R.; ANDERSEN, E. S. (Org.). Innovation studies: evolution and future challenges. Oxford: Oxford University Press, 2013. p. 1-20.), já em 1961 Burns e Stalker introduziam o tema da gestão para inovação, ao proporem a diferenciação da gestão em organizações mecanicistas e orgânicas – as últimas, mais propensas à inovação. Desde então, estudos direcionados à gestão da inovação vem se consolidando. Fagerberg et al. (2012)FAGERBERG, J.; FOSAAS, M.; SAPPRASERT, K. Innovation: exploring the knowledge base. Research Policy, Amsterdam, v. 41, n. 7, p. 1132-1153, 2012., por exemplo, dividem as publicações mais relevantes no campo dos estudos da inovação em três clusters, sendo o de Economia de P&D o maior deles, seguido de Organização para Inovação e Sistemas de Inovação. Eles identificam, ainda, um crescimento nas publicações relevantes do cluster Organização para Inovação a partir do final da década de 1980, ao ponto em que dos anos 1990 a 2008 esse cluster ultrapassa, em percentual de publicações, o cluster Economia de P&D, que pode ser considerado o cluster que deu origem ao campo.
Também Lundvall (2013a)LUNDVALL, B.-A. Innovation studies: a personal interpretation of ‘The State of the Art'. In: FAGERBERG, J.; MARTIN, B. R.; ANDERSEN, E. S. (Org.). Innovation studies: evolution and future challenges. Oxford: Oxford University Press, 2013a. p. 21-70. afirma que os estudos sócio-econômicos das inovações são, talvez, o campo mais promissor para pesquisas futuras em inovação; seria necessário aprofundar a compreensão da inovação investigando as práticas dos atores e suas interações nos sistemas de inovação. Tidd e Bessant (2018)TIDD, J.; BESSANT, J. Innovation management challenges: from fads to fundamentals. International Journal of Innovation Management, London, v. 22, n. 5, p. 1840007, 2018. observam que a gestão da inovação pode ter uma influência ainda mais profunda no desenvolvimento econômico e social contribuindo para enfrentamentos dos desafios atuais, mas, para isso, é necessário que pesquisadores do campo retornem aos temas mais fundamentais da gestão da inovação, em vez de reinventar modismos e frameworks. Lundvall (2013b)LUNDVALL, B.-A. An agenda for future research. In: FAGERBERG, J.; MARTIN, B. R.; ANDERSEN, E. S. (Org.). Innovation studies: evolution and future challenges. Oxford: Oxford University Press, 2013b. p. 202-210. apontou, também, possíveis pontos para uma agenda de pesquisa em inovação à época, que persistem na segunda década do século XXI: investigar os novos papéis dos Sistemas Nacionais de Inovação e das redes de aprendizado considerando a globalização; investigar o “estado empreendedor” e o “estado que aprende”, questionando estereótipos; analisar o papel das novas tecnologias de informação e comunicação no cotidiano das famílias, e seus impactos para novas formas de vida; estudar a organização do trabalho em inovação, sobretudo em países em desenvolvimento, por meio de metodologias além dos surveys, que trazem poucos elementos para a compreensão do trabalho e dos processos intra-organizacionais, privilegiando estudos de caso e entrevistas diretas; aprofundar pesquisas sobre catch up tecnológico, considerando países em desenvolvimento; pesquisar inovações no sistema financeiro e suas contribuições para o crescimento, a estabilidade e, eventualmente, redução de desigualdades; aprofundar a análise da inovação no complexo militar; investigar aspectos da inovação verde e desenvolvimento sustentável; atentar para a questão migratória e seus impactos para a inovação, dado que a migração promove “circulação de cérebros”; e aprofundar pesquisas sobre fontes de e barreiras à criatividade individual e coletiva, com interface com pesquisas em neurociências. Aspectos relativos à gestão da inovação estão subjacentes a vários desses pontos.
Martin (2016)MARTIN, B. R. Twenty challenges for innovation studies. Science & Public Policy, London, v. 43, n. 3, p. 432-450, 2016. propôs alguns “desafios” para o campo dos estudos da inovação, vários deles também relacionados à gestão da inovação: por exemplo, acessar resultados e modos de inovação “sob o radar”, ou seja, que não sejam facilmente identificáveis por meio de surveys de inovação consagrados (como a PINTEC no Brasil); avançar na compreensão da inovação em serviços; investigar aspectos da inovação para sustentabilidade ou “inovação verde”, da inovação socialmente responsável e da inovação para o bem estar (vide também PUGH; CHIARINI, 2018PUGH, R.; CHIARINI, T. Innovation studies: a North-South global perspective. Innovation and Development, Abingdon, v. 8, n. 2, p. 227-248, 2018.); aprofundar as análises do problema da ambidestria, ou seja, a tensão entre exploration e exploitation, bem como analisar as tensões entre inovação aberta e fechada e entre competição e cooperação nos processos de inovação, entre outros. Tais desafios têm sido tratados em pesquisas recentes, porém é importante considerar que um campo de conhecimento robusto deve ser aprofundado teórica, empírica e metodologicamente, ao invés de dispersado com modismos (TIDD; BESSANT, 2018TIDD, J.; BESSANT, J. Innovation management challenges: from fads to fundamentals. International Journal of Innovation Management, London, v. 22, n. 5, p. 1840007, 2018.).
De fato, estudos apontam que, no final do século XX, o campo de estudos da inovação parece ter atingido maturidade, consolidando teorias e conceitos, e simultaneamente tornando-se mais diverso tematicamente (MARTIN, 2016MARTIN, B. R. Twenty challenges for innovation studies. Science & Public Policy, London, v. 43, n. 3, p. 432-450, 2016.; FAGERBERG et al., 2012FAGERBERG, J.; FOSAAS, M.; SAPPRASERT, K. Innovation: exploring the knowledge base. Research Policy, Amsterdam, v. 41, n. 7, p. 1132-1153, 2012.). Se, por um lado, isso demonstra o fortalecimento do campo, por outro pode levar a certa estagnação ou “esclerose disciplinar” (MARTIN, 2013MARTIN, B. R. Innovation studies: an emerging agenda. IIn: FAGERBERG, J.; MARTIN, B. R.; ANDERSEN, E. S. (Org.). Innovation studies: evolution and future challenges. Oxford: Oxford University Press, 2013. p. 168-186. ), tanto em relação a temas, quanto epistemologicamente. Aqui, observa-se uma divergência entre pesquisas que relatam diversidade metodológica no campo (FAGERBERG et al., 2012FAGERBERG, J.; FOSAAS, M.; SAPPRASERT, K. Innovation: exploring the knowledge base. Research Policy, Amsterdam, v. 41, n. 7, p. 1132-1153, 2012.) e outras que, ao contrário, observam predominância de determinadas opções metodológicas, tais como os métodos quantitativos, em detrimento de outros (MARTIN, 2013MARTIN, B. R. Innovation studies: an emerging agenda. IIn: FAGERBERG, J.; MARTIN, B. R.; ANDERSEN, E. S. (Org.). Innovation studies: evolution and future challenges. Oxford: Oxford University Press, 2013. p. 168-186. ). Tal cenário aponta para a necessidade de lançar luz sobre temas emergentes que possam promover o avanço no campo dos estudos da inovação, tanto do ponto de vista temático quanto do metodológico. Khosravi et al. (2019)KHOSRAVI, P.; NEWTON, C.; REZVANI, A. Management innovation: a systematic review and meta-analysis of past decades of research. European Management Journal, Oxford, v. 37, n. 6, p. 694-707, 2019. contribuem nesse sentido apresentando um entendimento mais aprofundado das teorias existentes, que podem nortear estudos futuros para o desenvolvimento de novas teorias. Esses autores mostram, por meio de revisão sistematizada e meta-análise, que pesquisas futuras em gestão da inovação devem contemplar aprofundamento em temáticas referentes aos impulsionadores da inovação, seus resultados, além de análises multiníveis (ex. individual e organizacional) e multi-estágios (ex. estágio de conceptualização afetando os demais estágios da inovação).
Assim, considerando os desafios de gestão de inovação em temas emergentes enfrentados pelas organizações, coordenamos, no Encontro da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração - EnANPAD 2020, uma trilha intitulada “Temas emergentes em Inovação e Empreendedorismo”, da divisão de Inovação, Tecnologia e Empreendedorismo da ANPAD. Alguns artigos apresentados nesse evento foram selecionados para participar de avaliação para esta seção especial na Revista Brasileira de Inovação. Desses, três passaram exitosamente pelo processo de blind review da revista e estão aqui publicados. Para além da diversidade temática, os três artigos foram desenvolvidos a partir de pesquisas com diferentes estratégias metodológicas, permitindo, também, que se discuta o campo do ponto de vista epistemológico.
O primeiro deles é o de Silva et al. (2022)SILVA, J. J., et al. The moderation of institutional mimicry on eco-innovation performance: evidence from Brazil. Revista Brasileira de Inovação, Campinas, v. 21, e022004, 2022., que aborda o mimetismo institucional como a imitação de práticas estabelecidas em outras organizações, que sejam motivadas pela incerteza acerca da eco-inovação. Ou seja, as empresas estrategicamente analisam tendências de seus competidores para se tornarem competitivas (caracterizando uma pressão institucional competitiva) em eco-inovacao. É evidente que desafios sociais e ambientais contemporâneos clamam por mudanças transformadoras (transformative changes) para lidar com preocupações distintas não somente organizacionais, mas também para elaboração de políticas adequadas (SCHOT; STEINMUELLER, 2018SCHOT, J.; STEINMUELLER, W. E. Three frames for innovation policy: R&D, systems of innovation and transformative change. Research Policy, Amsterdam, v. 47, n. 9, p. 1554-1567, 2018.). A temática da “inovação verde” e do desenvolvimento sustentável é uma agenda de pesquisa relevante nos estudos da inovação, incluindo aspectos relacionados à gestão da inovação.
O artigo publicado nesta seção especial considera a inovação numa perspectiva ambiental (eco-inovação) – envolvendo práticas, processos, gestão e marketing, e não apenas a relaciona com desempenho ambiental e financeiro das empresas, mas, a partir de um survey com 175 empresas do setor de produção agro-industrial orgânica, também avalia o papel moderador da pressão institucional competitiva (mimética) neste relacionamento. O artigo traz uma discussão relevante e a confirmação de que a eco-inovação se relaciona positivamente com desempenho ambiental, que por sua vez media a relação entre ela e o desempenho financeiro. O avanço principal do artigo é mostrar que as pressões miméticas moderam a relação entre eco-inovação e performance ambiental, contribuindo para a discussão sobre inovação verde e desenvolvimento sustentável numa perspectiva institucionalista.
É interessante observar, a partir de Silva et al. (2022)SILVA, J. J., et al. The moderation of institutional mimicry on eco-innovation performance: evidence from Brazil. Revista Brasileira de Inovação, Campinas, v. 21, e022004, 2022., que as estratégias competitivas das organizações estudadas também foram pautadas por expectativas sociais institucionalizadas por seus stakeholders, como preconiza Scott (2014)SCOTT, W. R. Institutions and organizations: ideas, interests and identities. Washington: SAGE, 2014., sendo que maiores pressões miméticas em um campo organizacional resultam em maior desempenho ambiental da eco-inovação implementada. Os autores afirmam que os executivos das empresas devem observar as melhores práticas dos concorrentes para absorver conhecimento, bem como buscar a eco-inovação objetivando melhor desempenho ambiental, mas há indícios de que isso não ocorre de forma linear, sendo que o estudo mostra que altos níveis de mimetismo levam a uma menor influência da eco-inovação no desempenho ambiental.
Uma das práticas mais usuais para enfrentar os desafios que temas emergentes em inovação trazem para as organizações é a colaboração entre diferentes atores, sobretudo quando leva à melhoria das capacidades da empresa proporcionando vantagem competitiva (PEREIRA; FARIAS, 2021PEREIRA, B. A; FARIAS, J. S. Literatura qualificada sobre capacidade absortiva para inovação em NEBTs e startups. Revista Brasileira de Inovação, Campinas, v. 20, e021020, 2021.), sendo, portanto, uma forma de melhorar a competitividade (DITTRICH; DUYSTERS, 2007DITTRICH, K.; DUYSTERS, G. Networking as a means to strategy change: the case of open innovation in mobile telephony. The Journal of Product Innovation Management, New York, v. 24, p. 510-521, 2007.; LAI; CHANG, 2010LAI, W-H.; CHANG, P-L. Corporate motivation and performance in R&D alliances. Journal of Business Research, New York, v. 63, p. 490-496, 2010.). Com efeito, práticas de inovação em colaboração, por meio de alianças, redes, cadeias de suprimentos tem sido identificadas nos estudos em gestão da inovação desde pelo menos meados do século XX (TROTT; HARTMANN, 2009TROTT, P.; HARTMANN, D. A. P. Why ‘open innovation’ is old wine in new bottles. International Journal of Innovation Management, London, v. 13, n. 4, p. 715-736, 2009.). A partir do trabalho de Chesbrough (2003)CHESBROUGH, H. W. Open innovation: the new imperative for creating and profiting from technology. Harvard: Harvard Business Press, 2003., as pesquisas que escrutinam a inovação colaborativa, ou “aberta”, ganharam novo fôlego. O uso de inovação colaborativa em empresas de serviços, nas quais tanto os processos quanto os resultados de inovação são, em sua maior parte, intangíveis, traz questões importantes para a gestão da inovação, sobretudo no contexto contemporâneo, no qual o valor que advém dos recursos e processos imateriais é decisivo para a competição.
Nesse sentido, o segundo artigo publicado, de Almeida e Barros (2022)ALMEIDA, M. G., BARROS, H. M. O uso de mecanismos de apropriação em projetos de inovação colaborativos em serviços empresariais de Tecnologia da Informação. Revista Brasileira de Inovação, Campinas, v. 21, n. e022003, 2022., trata da apropriabilidade, ou seja, da captura de valor da inovação em serviços nas relações empresariais colaborativas, especificamente quando da colaboração em nível de projetos inovadores. A discussão sobre apropriação de resultados da inovação colaborativa encerra, em si, um paradoxo, uma vez que quanto maior o fluxo de conhecimento entre os parceiros, maiores as possibilidades de inovação, mas, também, menor a garantia de proteção dos novos conhecimentos gerados. No caso de serviços, a questão ganha ainda mais relevância devido à imaterialidade dos resultados: como garantir que as empresas envolvidas no processo de inovação tenham retorno sobre seus investimentos em inovação, dado que serviços podem ter processos mais transparentes, acessíveis e, consequentemente, imitáveis? Adiciona-se a isso, o recente crescimento do segmento de serviços estimulado pela inovação conforme mostrado por Snyder et al. (2016)SNYDER, H. et al. Identifying categories of service innovation: a review and synthesis of the literature. Journal of Business Research, New York, v. 69, n. 7, p. 2401-2408, 2016., com empresas que vão de serviços de internet como Facebook e Netflix, àquelas que redefiniram seus negócios para focar em serviços ao cliente como IBM ou para transformar experiências do cliente como IKEA. Portanto, serviços mostram-se como relevante campo quando pensamos em temas emergentes para inovação e empreendedorismo, haja vista o impacto disruptivo da pandemia da COVID-19 em segmentos tradicionais de serviços como turismo e varejo, sendo que suas inúmeras empresas se transformaram ou transformarão pela inovação (PANTANO et al., 2020PANTANO, E. et al. Competing during a pandemic? Retailers’ ups and downs during the COVID-19 outbreak. Journal of Business Research, New York, v. 116, p. 209-213, 2020.).
Por meio de um estudo longitudinal em seis empresas do setor de serviços ligados à Tecnologia da Informação, configurando três díades de parceiros para inovação, Almeida e Barros (2022)ALMEIDA, M. G., BARROS, H. M. O uso de mecanismos de apropriação em projetos de inovação colaborativos em serviços empresariais de Tecnologia da Informação. Revista Brasileira de Inovação, Campinas, v. 21, n. e022003, 2022., identificaram diferentes mecanismos de apropriação da inovação, formais e informais, em fases distintas dos projetos de inovação. Assim, a pesquisa possibilitou captar aspectos dinâmicos da inovação colaborativa e seus modos de captura de valor associados. Observou-se, também, que a ocorrência de alguns eventos modificou a conduta dos parceiros quanto aos mecanismos de apropriação. Os autores propõem um modelo das dinâmicas na construção dos mecanismos de apropriação em inovações colaborativas, ressaltando que as etapas do projeto de inovação e o grau de exposição ao fluxo de conhecimento influenciam na adoção dos mecanismos de apropriação. Ademais, aspectos como riscos, incertezas e modificações na percepção do valor da inovação por parte dos atores, determinam eventos que, por sua vez, podem alterar os mecanismos de apropriação estabelecidos.
Por fim, o terceiro artigo, de Garcia e Andrade (2022)GARCIA, A. S., ANDRADE, D. M. O campo de pesquisas do empreendedorismo: transformações, padrões e tendências na literatura científica (1990 – 2019). Revista Brasileira de Inovação, Campinas, v. 21, e022002, 2022., aborda o empreendedorismo, que se constitui especialmente relevante quando consideramos temas emergentes e os seus consequentes enfrentamentos pelas organizações. Mesmo com reconhecimento do papel primordial da gestão empreendedora em momentos de descontinuidades, pesquisas nessa temática são recentes, no entanto, como mostrado pelos autores, com muitos potenciais nas suas diferentes abordagens, definições, conceitos, teorias e ramificações. Assim, é importante sistematizar os estudos realizados até o momento, de modo a revelar temas preferidos, ascendentes ou descendentes, bem como os conceitos já consolidados, apontando para novas agendas de pesquisa. A partir de uma análise bibliométrica de 15034 artigos, disponíveis na coleção principal da Web of Science e publicados no período de 1990 a 2019, os autores observam um crescimento no número de publicações ao longo do tempo, em especial na última década considerada. Também foram identificadas três fases nos estudos acerca do empreendedorismo, sendo a primeira uma fase introdutória com relação às temáticas; a segunda, de desenvolvimento de novos temas e conceitos; e a terceira, de refinamento desses conceitos. Da primeira para a segunda fase, observa-se uma ampliação de temas, e da segunda para a terceira, a manutenção dos mesmos. É interessante observar que, embora a primeira fase seja marcada por discussões acerca da importância econômica do empreendedorismo e das características do empreendedor individual, temáticas como “educação empreendedora” e “empreendedorismo étnico” já estavam presentes. Na segunda fase, temas como “empreendedorismo feminino”, “empreendedorismo social” e “empreendedorismo acadêmico” adentram o campo, além de discussões sobre riscos e oportunidade empreendedora. As características individuais dos empreendedores continuam como ponto de interesse, porém com perspectivas ontológicas e epistemológicas ampliadas. Finalmente, na terceira fase, há permanência e avanços nos temas empreendedorismo social, feminino, acadêmico, corporativo e oportunidades empreendedoras; o conceito de ecossistema empreendedor também ganha destaque, enriquecendo a discussão sobre a importância do contexto para a inovação e o empreendedorismo.
Os autores também apontam para uma evolução nos estudos no período, que deixam de abordar o empreendedorismo como um evento e passam a investigar o processo do empreendedorismo. Essa trajetória também pode ser observada nos estudos no campo da inovação e da gestão da inovação de forma geral. Ainda assim, o artigo de Garcia e Andrade (2022)GARCIA, A. S., ANDRADE, D. M. O campo de pesquisas do empreendedorismo: transformações, padrões e tendências na literatura científica (1990 – 2019). Revista Brasileira de Inovação, Campinas, v. 21, e022002, 2022., mostra que, no caso dos estudos sobre empreendedorismo, o foco permanece nas características dos indivíduos e das oportunidades empreendedoras, mesmo que tratando de etapas de um processo; seria importante desenvolver a abordagem do processo de empreendedorismo, ou mesmo, a nosso ver, de empreendedorismo como processo (CHILES et al., 2017CHILES, T. H.; ELIAS, S. R. S. T. A.; LI, Q. Entrepreneurship as process. In: LANGLEY, A.; TSOUKAS, H. (Org.). The SAGE handbook of process organization studies. London: SAGE Publications, 2017. p. 432-450.). Ainda, são apontados temas ausentes, tais como o empreendedorismo público; dessa forma, sugerem-se novas agendas de pesquisa.
Os três artigos apresentados nesta Seção Especial são um convite para que os pesquisadores em gestão da inovação e empreendedorismo reflitam acerca de temas emergentes que instiguem novos estudos. Com efeito, em nosso entendimento, haveria espaço para outras questões de pesquisa que possam contribuir para o avanço no campo, conforme nossa chamada inicial para trabalhos no EnANPAD 2020.
Do ponto de vista do contexto econômico, o processo de financeirização do capitalismo contemporâneo tem gerado estudos em gestão, sobretudo dedicados a investigar o impacto da financeirização nas estratégias das companhias, nos processos de fusão e aquisição, e no trabalho (vide VAN DER ZWAN, 2014VAN DER ZWAN, N. Making sense of financialization. Socio-Economic Review, Oxford, v. 12, n. 1, p. 99-129, 2014. para uma revisão). No que se refere à inovação, diversos estudos têm demonstrado as consequências da financeirização para os investimentos em P&D, com destaque para os trabalhos de William Lazonick (por exemplo, LAZONICK, 2014LAZONICK, W. Profits without prosperity. Harvard Business Review, Boston, v. 92, n. 9, p. 46-55, 2014.; LAZONICK; MAZZUCATO, 2013LAZONICK, W.; MAZZUCATO, M. The risk-reward nexus in the innovation-inequality relationship: who takes the risks? Who gets the rewards? Industrial and Corporate Change, Oxford, v. 22, n. 4, p. 1093-1128, 2013.; LAZONICK; TULUM, 2011LAZONICK, W.; TULUM, O. US biopharmaceutical finance and the sustainability of the biotech business model. Research Policy, Amsterdam, v. 40, n. 9, p. 1170-1187, 2011.). Contudo, ainda permanece uma lacuna a respeito das relações entre a financeirização e o processo, as atividades e a gestão da inovação. Por exemplo, a financeirização tem afetado as formas de avaliação da inovação? Os indicadores de inovação têm se transformado a partir deste fenômeno? A formação dos atores da inovação (engenheiros, técnicos, cientistas...), bem como suas carreiras, tem sofrido transformações a partir da financeirização? Como as decisões tecnológicas tomadas durante o processo de inovação por esses atores têm sido afetadas pelas pressões trazidas pela financeirização, como as exigências de retorno a acionistas em curto prazo?
Um outro desafio contemporâneo é referente à gestão das relações inter e intra-organizacionais para a produção de valor por meio da inovação e demanda maior compreensão quando da superação de descontinuidades, sejam elas tecnológicas, institucionais ou de desafios globais. Um aspecto importante é o da proximidade ou distanciamento geográfico, que, embora venha sendo estudado nas perspectivas de ecossistemas (Franco et al., 2020FRANCO, M.; ESTEVES, L.; RODRIGUES, M. Clusters as a mechanism of sharing knowledge and innovation: case study from a network approach. Global Business Review, New Delhi, 2020. No prelo.) e de internacionalização (VERBEKE; ASMUSSEN, 2016VERBEKE, A.; ASMUSSEN, C. G. Global, local, or regional? The locus of MNE strategies. Journal of Management Studies, Oxford, v. 53, n. 6, p. 1051-1075, 2016.), sua relevância se intensifica num momento de (e de pós) pandemia COVID-19 e merece novas formas de reflexões. É importante considerar que as proximidades entre os parceiros podem ser ampliadas para além da questão geográfica (BOSCHMA, 2005BOSCHMA, R. A. Proximity and innovation: a critical assessment. Regional Studies, Oxfordshire, v. 39, n. 1, p. 61-74, 2005.). Na verdade, estudos sugerem a existência de efeitos inter-relacionais de compensação entre os tipos de proximidades (HANSEN, 2015HANSEN, T. Substitution or overlap? The relations between geographical and non-spatial proximity dimensions in collaborative innovation projects. Regional Studies, Oxfordshire, v. 49, n. 10, p. 1672-1684, 2015.; HUBER, 2011HUBER, F. On the role and interrelationship of spatial, social and cognitive proximity: personal knowledge relationships of R&D workers in the cambridge information technology cluster. Regional Studies, Oxfordshire, v. 46, n. 9, p. 1169-1182, 2011.). Em outras palavras, não é necessário estar próximo em todas as dimensões para alcançar resultados de inovação, pois o distanciamento em uma dimensão pode ser compensado por algum grau de proximidade em outra e ainda melhorar o desempenho inovador da empresa (BOSCHMA; FRENKEN, 2010BOSCHMA, R. A.; FRENKEN, K. The spatial evolution of innovation networks: a proximity perspective. In: BOSCHMA, R. A.; MARTIN, R. (Org.). The handbook of evolutionary economic geography. Cheltenham: Edward Elgar, 2010. p. 120-135.; SALVINI; GALINA, 2022SALVINI, J.; GALINA, S. Análise configuracional das proximidades em alianças de inovação. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 62, n. 3, p. 1, 2022.). Ou seja, o equilíbrio pode ser alcançado a partir da combinação das proximidades (HUBER, 2011HUBER, F. On the role and interrelationship of spatial, social and cognitive proximity: personal knowledge relationships of R&D workers in the cambridge information technology cluster. Regional Studies, Oxfordshire, v. 46, n. 9, p. 1169-1182, 2011.). No entanto, essa é uma abordagem relativamente recente, o que mostra a oportunidade de novos estudos: Como as organizações se beneficiam do conhecimento geograficamente disperso, superando o desafio da colaboração (offshoring e outsourcing) a longa distância? Como a substituição/sobreposição (HANSEN, 2015HANSEN, T. Substitution or overlap? The relations between geographical and non-spatial proximity dimensions in collaborative innovation projects. Regional Studies, Oxfordshire, v. 49, n. 10, p. 1672-1684, 2015.) influenciam as relações entre parceiros com distâncias geográficas e não-espaciais? Como as organizações desenvolvem capacidades por meio de interações para inovação provenientes de tecnologias emergentes com diferentes tipos e localização de parceiros?
Finalmente, um dos avanços recentes mais interessantes no campo dos estudos organizacionais tem sido o “practice turn”, ou seja, a inserção do conceito de “prática” como ontologia e epistemologia. Sob influência do conceito sociológico de estruturação, a organização passaria não mais a ser vista apenas como uma estrutura formal institucionalizada, mas como um objeto em construção permanente, que delimita o contexto das práticas, ao mesmo tempo em que é transformada por ela. Isso dá origem a estudos tais como “estratégia como prática” (WHITTINGTON, 2006WHITTINGTON, R. Completing the practice turn in strategy research. Organization Studies, London, v. 27, n. 5, p. 613-634, 2006.). No mesmo sentido, a filosofia dos processos tem sido adotada pelos estudos organizacionais, resultando em propostas que também veem a organização de modo dinâmico, dessa vez como um processo em permanente transformação; a organização seria um constante “vir a ser” ou “tornar-se” (becoming), e, nessa perspectiva, em geral o termo “organizing” é preferido a “organization”. Essas abordagens pretendem se distanciar dos estudos funcionalistas, que constituem o mainstream do campo da gestão, e caminhar em direção a enfoques complexos (TSOUKAS, 2017TSOUKAS, H. Don’t simplify, complexify: from disjunctive to conjunctive theorizing in organization and management studies. Journal of Management Studies, Oxford, v. 54, n. 2, p. 132-153, 2017.). Como a gestão da inovação poderia se beneficiar dessas novas perspectivas? Existem estudos que propõem que a inovação seja analisada como um processo (GARUD et al., 2017GARUD, R. et al. From the process of innovation to innovation as process. In: LANGLEY, A.; TSOUKAS, H. (Org.). The SAGE handbook of process organization studies. London: SAGE Publications, 2017. p. 451-466.), e outros que propõem que o empreendedorismo seja visto como prática (CLAIRE et al., 2020CLAIRE, C.; LEFEBVRE, V.; RONTEAU, S. Entrepreneurship as practice: systematic literature review of a nascent field. Entrepreneurship and Regional Development, London, v. 32, n. 3-4, p. 281-312, 2020.). Avançar nessas novas abordagens nos parece um campo de pesquisa promissor para os estudos em gestão da inovação. Tais avanços podem implicar, também, na adoção ou na construção de novas epistemologias no campo dos estudos da inovação, como metodologias centradas em processos, eventos, narrativas, etnografias, entre outros (TSOUKAS, 2017TSOUKAS, H. Don’t simplify, complexify: from disjunctive to conjunctive theorizing in organization and management studies. Journal of Management Studies, Oxford, v. 54, n. 2, p. 132-153, 2017.; LANGLEY et al., 2013LANGLEY, A. N. N. et al. Process studies of change in organization and management: unveiling temporality, activity, and flow. Academy of Management Journal, St. Louis, v. 56, n. 1, p. 1-13, 2013.; SANDBERG; TSOUKAS, 2011SANDBERG, J.; TSOUKAS, H. Grasping the logic of practice: Theorizing through practical rationality. Academy of Management Review, Mississippi, v. 36, n. 2, p. 338-360, 2011.).
Convidamos os leitores da Revista Brasileira de Inovação a considerarem esses e outros temas emergentes em gestão da inovação e empreendedorismo, como os discutidos pelos trabalhos desta Seção Especial, e contribuírem com suas pesquisas para o avanço desse campo de conhecimento, com vistas a alavancar inovações que conduzam ao desenvolvimento social e econômico de modo sustentável.
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Errata
Por conta de problemas técnicos durante a produção, no editorial Introdução à seção especial “Temas emergentes em Gestão da Inovação e Empreendedorismo”, com número de DOI: https://doi.org/10.20396/rbi.v21i00.8668065, publicado no periódico Revista Brasileira de Inovação, vol. 21, 2022, e022001,Onde se lia:Leia-se:A Produção Editorial pede desculpas pela falha.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Maio 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
06 Jan 2022 -
Aceito
04 Mar 2022