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Massa Crítica: Unicamp e a origem do polo de tecnologia de Campinas Guilherme Gorgulho (2019) São Paulo: Editora da Unicamp. 2019. ISBN 9788526814967

Massa Crítica: Unicamp e a origem do polo de tecnologia de Campinas. Gorgulho, Guilherme. São Paulo: Editora da Unicamp, 2019. 9788526814967

O livro Massa Crítica: Unicamp e a origem do polo de tecnologia de Campinas, da autoria de Guilherme Gorgulho (2019GORGULHO, G. Massa Crítica: Unicamp e a origem do polo de tecnologia de Campinas. São Paulo: Editora da Unicamp, 2019.), ultrapassa o interesse localista e institucional, extravasando a sua análise para a criação e consolidação do sistema de ciência e tecnologia no Brasil. O autor coloca no centro a história do desenvolvimento deste polo científico e tecnológico, mas vai estabelecendo as relações desta entidade com a comunidade científica envolvente, as políticas públicas de cada época e o contexto internacional que sempre condicionou as orientações internas relativas a esta área.

Organizado em oito capítulos, um prólogo e um epílogo, ass fontes consultadas do livro são bastante variadas, indo das monografias científicas até ao documento oficial ou ao artigo de jornal. A obra usa também o método da entrevista, decerto semiestruturada pela fluidez encontrada na narrativa do livro. Foram realizadas vinte e nove pesquisas junto a personalidades importantes e envolvidas na criação e desenvolvimento do polo de tecnologia de Campinas. Nesse sentido, este livro de história institucional e da ciência ganha um cunho muito vincado pela história oral, assentando boa parte da sua narrativa nos testemunhos prestados pelos entrevistados, posteriormente cruzados com os outros elementos de história institucional, como a legislação ou as atas de encontros institucionais oficiais. A obra desenrola-se num estilo que, marcado pela informalidade e pela oralidade, vai sendo confrontado com as fontes oficiais. O autor coloca inúmeras vezes os atores deste grande projeto em discurso direto e, em outros momentos, opta por um discurso indireto, mas ainda assim focado no protagonista, valorizando não só as relações institucionais como também as pessoais, eventualmente essenciais para compreender as decisões que marcaram o caminho da ciência, tecnologia e inovação no Brasil.

O prólogo mostra que nos anos 1960 encetava-se uma política de contenção de fuga de cérebros a partir do Brasil, cuja pretensão era reverter esse processo e fazer regressar ao país os cientistas que haviam se espalhado pela Europa e América do Norte. Este movimento, dirigido às ciências exatas e à tecnologia, pretendia criar e aprofundar a relação entre universidade e sociedade. No primeiro capítulo, “Núcleo duro”, o autor explica como em dez anos a criação desta universidade conseguiu trazer de volta ao país 180 cientistas vindos dos locais habituais para onde se verificava a fuga de cérebros (Europa e Estados Unidos da América). O crescimento rápido da universidade, a vinculação destes quadros hiperespecializados e a ligação entre universidade e sociedade, vistos como positivos, acabaram por receber a desconfiança de alguns cientistas que anteviam o perigo excessivo da pesquisa aplicada e do peso exagerado da decisão burocrática. O confronto entre cientistas defendendo formatos diferentes de universidade acabou por produzir os seus efeitos na Unicamp que, tal como se afirma no capítulo 2, “Reforma contras as torres de marfim”, também crescia debaixo dos resultados das políticas públicas do governo brasileiro que tinham oficialmente mudado com a introdução do Programa Estratégico de Desenvolvimento do governo de Costa e Silva, que instituía a ciência e tecnologia endógenas como uma prioridade para o crescimento econômico.

O capítulo 3, “A solidez da física”, avança na narrativa e coloca a questão da passagem da assimilação para a geração de tecnologia brasileira, numa transição que se revelava lenta e dispendiosa. Em simultâneo, o autor explica o processo que os próprios cientistas tinham escolhido seguir: uma primeira fase de publicação científica e reconhecimento pelos pares e uma segunda fase de criação de uma infraestrutura tecnológica que assegurasse a produção de qualidade. Desta forma, combinavam ciência de tecnologia, colocando a universidade brasileira no mapa internacional para, em seguida, poderem desenvolver as parcerias universidade/sociedade tão almejadas pelo poder de então. Ainda neste capítulo o autor menciona a permanente tensão entre meritocracia e distributivismo, ou seja, entre a distribuição baseada em resultados versus a distribuição que abrangesse todas as áreas. Tensões estas que desempenharam um papel importante, também na Unicamp. Aliás, a base da crítica feita a esta universidade, explorada no capítulo 4, “Um reforço engenhoso”, aponta o desvio do foco do ensino e pesquisa universitários para a dependência face às grandes empresas privadas e públicas que precisavam do conhecimento ali produzido, isto é, as áreas de conhecimento mais produtivas e com maior ligação à sociedade civil prosperavam em detrimento de outras.

O capítulo 5, “Tecnologia para interligar o Brasil”, eleva a questão a outro patamar, mostrando como os cientistas foram se não forçados, pelo menos, encaminhados para uma estreita cooperação com o governo militar, orientada para uma ainda maior aplicabilidade direta da sua investigação. O objetivo político era a independência tecnológica e os cientistas foram orientados para o reforço da aliança entre universidade e empresas, desenvolvida por Gorgulho no sexto capítulo, intitulado “Ponte entre a academia e empresa”. O sétimo capítulo, “Da bancada ao chão da fábrica”, expõe a tensão entre protecionismo e competição externa e a competição por verbas na ciência, já num contexto de existência do Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil. No epílogo, o autor reflete sobre a globalização e o impacto das políticas neoliberais na reorientação nas políticas públicas de ciência, com severas consequências na universidade. Um dos resultados destas novas políticas era a saída de cérebros do Brasil, fechando o livro com políticas que contrariam exatamente o movimento que deu origem à Unicamp e seu polo tecnológico: a atração de cérebros.

Esta obra, para além da história institucional da Unicamp e da criação e desenvolvimento do seu polo de tecnologia de Campinas, traz à luz dois aspectos importantíssimos quando se estuda as políticas públicas de Ciência, Tecnologia e Inovação, mostrando a exposição destas políticas à mudança de regime e sistema político no Brasil e a vulnerabilidade face a fatores externos. O livro é imensamente rico em informação e nem todas as relações e aspectos mencionados acabam por ser cabalmente explorados e, provavelmente, essa proliferação de dados dificultou a organização da obra que acaba por ser muito centrada num punhado de atores. Todavia, abre novos caminhos interpretativos sobre o impacto das políticas públicas e no debate da relação entre ciência e sociedade/empresa. Simultaneamente, dá pistas sobre o papel de algumas personalidades na solidificação de um caminho para a ciência e tecnologia brasileiras que nunca foi consensual ou incontestado.

Agradecimentos

Agradeço aos colegas André Sica Campos e Janaína Costa por me apresentarem o livro Massa Crítica. Agradeço ainda, ao Sandro Mendonça pelas nossas conversas sobre política de inovação, ciência e tecnologia.

Referências

  • GORGULHO, G. Massa Crítica: Unicamp e a origem do polo de tecnologia de Campinas. São Paulo: Editora da Unicamp, 2019.
  • Fonte de financiamento:

    a autora declara não haver fonte de financiamento neste caso.
  • ERRATA

    Na resenha “Massa Crítica: Unicamp e a origem do polo de tecnologia de Campinas”, com DOI https://doi.org/10.20396/rbi.v19i0.8660844, publicado no periódico Revista Brasileira de Inovação, 19:1-4, e0200018, na página 1, onde se lia:
    “Guilherme Gorgulho”
    leia-se:
    “Guilherme Gorgulho (2019)”
    na página 3, onde se lia:
    Agradecimentos
    leia-se:
    Referências
    GORGULHO, G. Massa Crítica: Unicamp e a origem do polo de tecnologia de Campinas. São Paulo: Editora da Unicamp, 2019.
    Agradecimentos”

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    13 Ago 2020
  • Revisado
    13 Ago 2020
  • Aceito
    17 Ago 2020
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