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Carta da editora convidada

Carta da editora convidada

Invited editor's note

Ronice Müller de Quadros

Universidade Federal de Santa Catarina

Este volume reúne estudos da língua brasileira de sinais - Libras - no campo da Linguística Aplicada. A Libras é uma língua nacional legitimada por meio da Lei 10.436/2002. Essa lei resulta de uma conquista dos movimentos sociais dos surdos brasileiros aliados às produções científicas relativas à Libras. O presente volume apresenta alguns desses estudos que subsidiam as políticas linguísticas que impactam nas ações de valorização e documentação dessa língua no país. Entre essas ações, a educação bilíngue tem sido uma ferramenta crucial para os surdos brasileiros. De certa forma, a composição do presente volume reflete questões que têm impacto direto nas proposições relativas à educação bilíngue para surdos no país.

Antes de pensar em uma educação bilíngue, é fundamental garantirmos um processo de aquisição da linguagem saudável, do ponto de vista linguístico e social. Assim, o volume inicia com a discussão de Bernardino sobre o valor da interação na aquisição da língua de sinais. A autora analisou crianças surdas, filhas de pais ouvintes, que foram expostas à Libras. Na sequência, Quadros, Lillo-Martin e Chen-Pichler apresentam suas investigações com crianças bilíngues bimodais com foco na sobreposição de línguas, uma produção influenciada pela presença de interlocutores surdos e ouvintes. Considerando aspectos neurológicos, Valadão, Isaac, Rosset, Araujo e Santos apresentam uma análise de reações neurológicas por meio de ressonância magnética funcional de surdos bilíngues enquanto elaboram tarefas em Libras e em Português. Os autores concluíram que a atividade cerebral é mais ativada com tarefas em Libras, indicando que esses surdos bilíngues apresentam desempenho linguístico mais elaborado em Libras. Isso indica o papel fundamental da Libras na educação bilíngue, pois os surdos favorecem o canal visual nas tarefas linguísticas. Na direção da constituição da subjetividade surda, Ribeiro analisa epígrafes de pesquisadores surdos e conclui que há uma constituição hibridamente estabelecida, atravessada por uma imagem de sujeito surdo ativista.

Depois desses três artigos que se debruçam sobre a criança e o sujeito surdo, o volume conta com um conjunto de artigos diretamente relacionados com o ensino de línguas. A leitura antecede a escrita, assim Silva nos traz um estudo sobre o processo de ensino-aprendizagem da leitura de alunos surdos. A autora analisa o desenvolvimento da leitura mediado pela Libras e identifica estratégias de elaboração para compreensão da leitura em português, com o uso da alternância de línguas. Piconi analisa os materiais produzidos pelo Ministério da Educação para identificar as práticas de ensino de línguas para surdos, por meio de uma análise crítica discursiva. Finau adentra a aquisição da escrita do português por alunos surdos com foco em categorias aspectuais e observa a constituição de uma interlíngua com influência da Libras. A autora conclui que a aquisição da escrita de sinais poderá ser útil para a aquisição da escrita do português. Streiechen e Krause-Lemke também analisam as produções escritas de surdos. As autoras procuram identificar estratégias de ensino a partir da interação entre a estrutura da Libras e da Língua Portuguesa. Pires analisa interações na língua de sinais no contexto de sala de aula e conclui que é sumamente importante a interação efetiva na língua de sinais para subsidiar a produção escrita em português.

Sobre o ensino de línguas estrangeiras, Sousa analisa práticas de ensino de uma professora de inglês para alunos surdos. A autora constata a relevância do uso da língua brasileira de sinais para mediar o ensino de línguas para surdos, pois por meio dessa língua, os alunos constituem significados que podem ser registrados na escrita em inglês. Tavares e Oliveira também abordam o ensino do inglês para surdos na sala de aula. As autoras identificam a presença da Libras, do português e do inglês nos contextos de ensino do inglês para surdos, a mediação do intérprete de libras, a presença do professor e o uso de ferramentas tecnológicas que viabilizam o ensino do inglês no contexto de sala de aula.

Outros dois artigos tratam de questões pedagógicas relacionadas ao ensino da Libras como segunda língua. As autoras Lebedeff e Santos avaliam o uso de vídeos de curta metragem como objetos de ensino de línguas na aprendizagem da Libras e defendem que eles possibilitam práticas sociais reais de linguagem aos alunos. Rodrigues e Baalbaki apresentam uma análise das práticas sociais entre as línguas em contato, Libras e Língua Portuguesa, com foco no uso de empréstimos linguísticos por usuários da Libras. Essas práticas estão presentes no dia-a-dia das pessoas surdas, uma vez que estão imersas em uma sociedade que utiliza o português de forma ampla.

No próximo conjunto de artigos, o foco passa a ser a interpretação e/ou a tradução da Libras/Língua Portuguesa que também faz parte das práticas sociais em diferentes contextos nos quais essas duas línguas são mediadas. A própria educação bilíngue para surdos implica a produção de materiais em Libras a partir de textos originalmente escritos em português. Além disso, a interpretação de e para a Libras faz parte do cotidiano das pessoas surdas nos espaços educacionais e demais espaços sociais. Nascimento investiga a atividade de interpretação no contexto universitário. O autor analisa as interfaces e escolhas discursivas feitas pelos intérpretes enquanto enunciador e mediador das relações entre surdos e ouvintes. Albres analisa possíveis critérios para procedimentos de tradução de textos literários infanto-juvenis da Língua Portuguesa para a Libras. A autora observa que as traduções extrapolam o conteúdo literário, pois incluem as informações das ilustrações do livro, o gênero discursivo e a consideração do público alvo que possivelmente será interpelado pelo material. Por fim, Lemos apresenta as estratégias de interpretação usadas por intérpretes de língua de sinais diante de unidades fraseológicas em português.

Este volume conta ainda com uma resenha do livro LIBRAS? Que língua é essa?: crenças e preconceitos em torno da língua de sinais e da realidade surda, de Audrei Gesser, por Silva e Severo.

Diante desse conjunto de pesquisas aqui reportado, a Revista Brasileira de Linguística Aplicada contribui para a disseminação dos estudos sobre a Libras no Brasil e espera motivar futuras pesquisas nesse campo de investigação. Convidamos a todos os leitores a prestigiarem esses resultados.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2014
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