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Uma leitura crítica do processo didático-pedagógico encaminhado durante a pandemia da Covid-19 na rede pública estadual de ensino em Santa Catarina1 1 O presente artigo é produto do desenvolvimento do projeto de pesquisa “Os desafios da educação em linguagem no cenário instaurado pela pandemia da Covid-19”, vinculado à Universidade Federal da Fronteira Sul, e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) em junho de 2020.

A critical reading of the didactic-pedagogical process carried out during the Covid-19 pandemic in the state public school system in Santa Catarina

RESUMO

Este artigo tem como foco o processo de implementação de atividades não presenciais na rede estadual de ensino de Santa Catarina, com uma análise das orientações didático-pedagógicas encaminhadas pela Secretaria de Educação do estado (SED) aos docentes durante a pandemia da Covid-19, no ano de 2020. Para o estudo dessa problemática, com base no método dialético, organizamos os objetos culturais em análise no que nomeamos de Eventos Integrados. O estudo, fundamentado em discussões sobre educação humana integral em uma perspectiva histórico-cultural, tomando como base os estudos vigotskianos e bakhtinianos, revela uma dinâmica pautada no esvaziamento dos sentidos da educação, em se tratando do papel do professor e das relações de ensino e de aprendizagem, conflituando com um projeto de educação e de sociedade crítico e democrático.

PALAVRAS-CHAVE:
educação; linguagem; atividades não presenciais; TICs; Covid-19

ABSTRACT

This article focuses on the process of implementing non-classroom activities in the state school system in Santa Catarina, with an analysis of the didactic-pedagogical guidelines sent by the State Department of Education (SED) to teachers during the Covid-19 pandemic, in the year 2020. For the study of this problem, based on the dialectical method, we organized the cultural objects under analysis in what we call Integrated Events. The study, based on discussions about integral human education in a historical-cultural perspective, based on Vygotskian and Bakhtinian studies, reveals a dynamic based on the emptying of the meanings of education, in terms of the role of the teacher and the teaching and learning relationships, conflicting with a critical and democratic education and society project.

KEYWORDS:
education; language; non-classroom activities; TICs; Covid-19

1 Introdução

A pandemia provocada pela disseminação do vírus Sars-Cov-2, causador da doença denominada Covid-19, desencadeou um cenário atípico na rotina e na dinâmica da organização social e econômica da população mundial. No início do ano de 2020, as primeiras informações foram divulgadas pela China e os efeitos da rápida disseminação do vírus foram sendo sentidos em diversos países, principalmente da Europa. Em 11 de março do mesmo ano, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou que a doença havia atingido estado de pandemia e rapidamente deu-se início a um cenário mundial que foi se delineando com base nas determinações assumidas pelos governantes e nos efeitos da disseminação da doença em casos de países que secundarizaram as orientações da OMS, bem como de países com ampla experiência em contextos epidêmicos e pandêmicos, a exemplo da China e da Coreia do Sul.

No Brasil, desde o início das recomendações de isolamento social ampliado, orientadas pela OMS, bem como por especialistas nas áreas das ciências médica e biológica, a crise política gestada no e pelo governo federal somada ao cenário de pandemia do novo coronavírus têm gerado incertezas e constante preocupação, uma vez que, apesar da baixa letalidade da doença, o sucateamento dos sistemas de saúde nos conduz a um quadro bastante crítico.

Nesse contexto em que a pandemia atinge a sociedade como um todo, impactando em vários setores, a educação também foi tocada. Diante da situação imposta pela doença que se espalhou pelo mundo, no âmbito educacional brasileiro, o primeiro encaminhamento foi o cancelamento de aulas presenciais com o intuito de aumentar o distanciamento social e com isso diminuir a transmissão do vírus. Em 17 de março de 2020, o Ministério da Educação (MEC) publicou a portaria nº 343 autorizando instituições do sistema federal de ensino, composto pelas universidades federais, pelos institutos federais, pelo Colégio Pedro II, pelo Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), pelo Instituto Benjamin Constant (IBC) e pelas universidades e faculdades privadas, a substituir aulas presenciais por aulas a distância em cursos em andamento, com exceção dos cursos de Medicina e das práticas profissionais de estágio e laboratórios, enquanto durasse a pandemia do novo coronavírus.

Por meio de uma segunda publicação, desta vez no dia 1 de abril de 2020, o MEC lançou uma Medida Provisória (MP) que modifica os artigos 24 e 31 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), os quais tratam da obrigatoriedade de 800 horas distribuídas em 200 dias letivos na educação básica. A referida MP desobrigou o cumprimento dos 200 dias letivos, mas não das 800 horas, o que significou que estar na escola não era mais necessário nessa quantidade de dias, desde que o estudante cumprisse a carga horária exigida de estudo em casa. Essa flexibilização do calendário escolar não obrigou a utilização de metodologias e recursos relacionados à Educação a Distância, mas abriu espaço para que as redes de ensino utilizassem plataformas de ensino virtual, a fim de cumprirem, de alguma forma, a carga horária exigida até o final do ano letivo.

No estado de Santa Catarina, a exemplo de outros estados do país, a utilização de atividades não presenciais foi o encaminhamento dado para o cumprimento das horas letivas. Desde o dia 06 de abril de 2020, as escolas desse estado estavam autorizadas a ofertar atividades nesse formato2 2 Para o ano letivo de 2021, essa orientação mudou. As atividades passaram a ser ofertadas em três formatos diferentes, conforme consta em site da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina. Disponível em: https://www.sed.sc.gov.br/secretaria/imprensa/noticias/30943-sed-detalha-modelos-de-retorno-das-aulas-para-gestores-da-rede-estadual. Acesso em 10 maio 2021. . Docentes e gestores passaram a participar de formações on-line sobre ferramentas e estratégias que poderiam ser usadas em atividades não presenciais e as famílias dos alunos foram informadas sobre o cadastro desses estudantes em uma plataforma virtual, no caso, foi estabelecida uma parceria com a empresa Google. Segundo informações divulgadas no site da Secretaria de Educação do estado de Santa Catarina (SED), no dia 06 de abril de 2020, os alunos foram convocados a acessar os canais indicados (Google for Education, Estudante Online ou contatar o telefone 0800) para receber instruções dos professores e para acessar os conteúdos.

Nesse contexto, emergiram uma série de inquietações relacionadas aos desafios que foram incorporados ao fazer docente, considerando: i) questões relativas às complexas especificidades das modalidades presencial e a distância; ii) interesses econômicos subjacentes às estratégias de recursos digitais implementadas; iii) formação docente - inicial e continuada - e a carga de trabalho avessa às possibilidades de estudo e planejamento; iv) estrutura das unidades escolares em se tratando de espaços relativos ao uso e ao acesso a Tecnologias de Informação e Comunicação; v) acessibilidade remota por parte dos estudantes e a questão da universalização do acesso à educação básica; vi) elaboração de ações didático-pedagógicas para as aulas de língua portuguesa em busca de uma adaptação às condições de ensino e de aprendizagem no formato de atividades não presenciais.

Mediante a relevância dos desafios elencados, apresentamos, neste artigo, um recorte dessa problemática, abordando o processo de implementação de atividades não presenciais e as orientações didático-pedagógicas encaminhadas aos docentes no âmbito do estado de Santa Catarina, a partir das seguintes questões: Quais estratégias de ação por parte da Secretaria de Educação do estado de Santa Catarina foram implementadas em se tratando de adaptações referentes ao processo didático-pedagógico para a oferta de atividades não presenciais? Como tais estratégias conflituam com uma concepção de educação e uma concepção de língua voltadas para a formação integral? Para dar conta de responder a essas questões, apresentamos, nessas circunstâncias, uma proposição de instrumento metodológico adaptado a partir de diretrizes de análise ancoradas em uma perspectiva histórico-cultural (CORREIA, 2017CORREIA, K. Diretrizes para análise da escritura: uma abordagem histórico-cultural. 2017. 290 f. Tese (Doutorado em Linguística) - Programa de Pós-Graduação em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017. ; 2021CORREIA, K. A convalidação de diretrizes de análise para o estudo da educação em linguagem. In: DAGA, A. C; MOSSMANN, S. da S. (orgs.). Educação e linguagem na perspectiva histórico-cultural. São Carlos: Pedro & João, 2021. ).

Partindo de reflexões derivadas da problemática aqui referida, objetivamos, por meio do referido instrumento metodológico, descrever e explicar o processo de implementação das já citadas atividades não presenciais, focalizando o papel da linguagem para as relações humanas na esfera escolar. Organizamos, dessa maneira, o presente artigo em 4 seções, para além desta introdução, partindo dos fundamentos relacionados à educação em linguagem. Apresentamos, em seguida, considerações sobre o método, incluído o instrumento metodológico supracitado, na sequência, desenvolvemos duas seções analíticas, sendo que a última seção contempla também as considerações finais.

2 Educação para uma formação humana integral

Conforme contextualizamos na introdução deste artigo, o distanciamento físico entre as pessoas imposto pela pandemia da Covid-19 provocou o cancelamento de aulas presenciais em universidades e escolas e a adoção, por muitas dessas instituições, do ensino não presencial, o que exige recursos, estratégias e atitudes diferentes dos convencionais, pautados na exposição oral, no compartilhamento temporal-espacial e no contato face a face.

A exposição oral, historicamente presente no ensino presencial, é o principal meio de interação ao qual o docente foi habituado para o desenvolvimento de sua atividade principal: ministrar aulas. É por meio dela que as interações acontecem em sala de aula e, mais do que isso, a presença física, de modo geral, sempre foi entendida como necessária para a consolidação dos processos interacionais que visam à aprendizagem (BORGES, 2007BORGES, M. K. Educação e cibercultura: perspectivas para a emergência de novos paradigmas educacionais. In: VALLEJO, A. P.; ZWIREWICZ, M. (orgs.). Sociedade da informação, educação digital e inclusão. Florianópolis: Insular, 2007. p. 53-86.). De acordo com Peters (2001PETERS, O. Didática do ensino a distância: experiências e estágio da discussão numa visão internacional. São Leopoldo: Unisinos, 2001. 402 p., p. 47),

Por milênios, ensinar e estudar foram atos que sempre ocorreram em proximidade física. Isto se fixou firmemente na consciência das pessoas. Por isso o ensinar e estudar a distância é considerado de antemão como excepcional, não comparável ao estudo face-to-face e, muitas vezes, também como especialmente difícil.

Assim, nesse cenário emergencial, de alterações repentinas nos modos de ensinar e de interagir com os alunos, há um conjunto de conhecimentos e habilidades didático-pedagógicas que se colocam como novos para professores e gestores, a exemplo de lidar com diferentes linguagens para a elaboração de aulas em plataformas virtuais: linguagem oral, escrita, audiovisual. Com relação à formação desses profissionais para atenderem a essas demandas, Kenski (2003KENSKI, V. M. Tecnologias e ensino presencial e a distância. Campinas, SP: Papirus, 2003. 157 p.) destaca que a familiarização com as tecnologias educativas demanda tempo. Mais do que isso, escolhas conscientes, relacionadas a estratégias adequadas, que favoreçam o processo de aprendizagem dos alunos, envolvem não só treinamento para o uso dos programas e conhecimento operacional, a fim de que os docentes se adaptem ao ambiente tecnológico, mas essencialmente voltam-se para processos e percursos formativos que explorem as potencialidades pedagógicas dos recursos tecnológicos para a educação. Cabe ressaltar que nesse processo de “capacitação” para o desenvolvimento de novas habilidades relacionadas às práticas pedagógicas é preciso considerar a cultura docente construída, da qual a relação presencial sempre foi base.

É importante pontuar, nessas circunstâncias, conforme discute Freitas (2020FREITAS, L. C. de. EaD, tecnologias e finalidades da educação. Avaliação educacional - Blog do Freitas. 17 abr. 2020. Disponível em: Disponível em: https://avaliacaoeducacional.com/2020/04/17/ead-tecnologias-e-finalidades-da-educacao/ . Acesso em: 17 nov. 2020.
https://avaliacaoeducacional.com/2020/04...
), que é necessário atentar para as diferenças substantivas, as quais se referem à base teórico-filosófica, entre o uso de recursos tecnológicos na educação e a adoção de estratégias que passam a naturalizar a Educação a Distância como um processo necessariamente mais avançado, porque ancorado em recursos dessa natureza e porque focado em uma formação mais centrada nas necessidades do mercado de trabalho. Freitas (2020FREITAS, L. C. de. EaD, tecnologias e finalidades da educação. Avaliação educacional - Blog do Freitas. 17 abr. 2020. Disponível em: Disponível em: https://avaliacaoeducacional.com/2020/04/17/ead-tecnologias-e-finalidades-da-educacao/ . Acesso em: 17 nov. 2020.
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) propõe uma reflexão fundamental acerca dessa relação:

Por isso é necessário separar a tecnologia da crítica da EAD. A crítica da EAD deve ser feita por ela ser portadora de finalidades educativas e de uma forma de organização do trabalho pedagógico ultrapassadas e não por ser portadora de tecnologia avançada. A tecnologia de ponta oculta um modelo atrasado de se conceber a educação. A tecnologia é bem-vinda, a forma como a EAD organiza o trabalho pedagógico hoje, não. É possível recusar esta forma de EAD, portanto, sem recusar a tecnologia.

Esta mudança de enfoque é importante para eliminarmos a argumentação oportunista de que a educação não aceita tecnologia. O que não aceitamos é o uso da tecnologia para veicular finalidades educativas limitadas, reduzidas a acesso de informação passada via definição prévia de “algoritmos” destinados a converter o trabalho vivo do professor em trabalho morto comercializável dentro de uma plataforma (FREITAS, 2020FREITAS, L. C. de. EaD, tecnologias e finalidades da educação. Avaliação educacional - Blog do Freitas. 17 abr. 2020. Disponível em: Disponível em: https://avaliacaoeducacional.com/2020/04/17/ead-tecnologias-e-finalidades-da-educacao/ . Acesso em: 17 nov. 2020.
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).

Em se tratando dos estudantes, os desafios, dentro desse cenário de aulas não presenciais, não são menores, considerando fundamentalmente o contexto de escolas públicas da rede estadual de ensino. Há questões de acesso à internet e outros recursos colocadas, bem como implicações de adaptação, possibilidade dos alunos de gerirem seu processo de organização do tempo e da disciplina para o estudo, ausência de contato com o ambiente da escola (bibliotecas, laboratórios, dentre outros) e ausência muitas vezes nesses espaços de uma estrutura adequada em se tratando do tema das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Além disso, há implicações do entendimento de que o ambiente de aprendizagem on-line é diferente do ambiente de aprendizagem presencial, mas isso não significa aligeiramento e nem simplificação do processo de aprendizagem.

Uma questão que, em nossa compreensão, merece maiores reflexões nessa pauta de discussão é sobre as relações intersubjetivas, as quais, no ensino não presencial, dão-se eminentemente por meio da modalidade escrita (DAGA, 2011DAGA, A. C. Compreensão leitora: o ato de ler e a apropriação de conhecimento na EAD. 297 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Programa de Pós-Graduação em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011.). As formas de interação prevalentes em plataformas virtuais de ensino, apesar de contemplarem oralidade e escrita, não são as faladas; elas implicam escrita e leitura. Outro ponto a ser destacado refere-se à relação entre sincronicidade e assincronicidade dos usos da língua nas atividades didático-pedagógicas. Isso parece-nos constituir novas bases de sustentação para as relações intersubjetivas com vistas ao ensino e à aprendizagem.

Nesse sentido, atentando para as bases teórico-filosóficas ancoradas no ideário vigotskiano e no ideário bakhtiniano, enfatizamos a centralidade da relação intersubjetiva para o processo de desenvolvimento dos sujeitos tomando a língua como elemento fundamental. Para Vygotski (1982 [1934]VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas: problemas de Psicología General. Madrid: Visor, 1982 [1934]. Tomo II. 484 p.), a prática social, a atividade, é desencadeadora das condições de formação da personalidade de modo que a linguagem é assumida como instrumento psicológico de mediação simbólica, caracterizando-se a partir de duas funções, interna e externa, e em dois planos, intra e interpsíquico.

Segundo Vygotski (2012 [1931]VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas: problemas del desarollo de la psique. Madrid: Machado Nuevo Aprendizaje, 2012 [1931]. Tomo III. 383 p.), a questão da subjetividade, na tensão entre o intra e o inter, refere-se à síntese das relações intersubjetivas estabelecidas ao longo da história, orientando-se, dessa maneira, pela formação de conceitos para a regulação da conduta. Este conceito vigotskiano busca dar conta de compreender o desenvolvimento psíquico dos sujeitos, considerando a complexificação da atenção, da memória, da linguagem e do pensamento, o que se desenvolve por meio da língua na modalidade oral e escrita dado o papel das relações caracterizadas em conformidade com a natureza da atividade. Como exemplo, podemos citar as atividades escolares e acadêmicas (com base em LEONTIEV, 1978LEONTIEV, A. N. Actividad, conciencia y personalidad. Cerrada de San Antonio: Editorial Cartago de México S.A., 1978. 234 p. ), as quais implicam instrução, entendida como relações entre ensino e aprendizagem para o desenvolvimento, considerados os princípios atinentes às zonas de desenvolvimento.

Para o ideário bakhtiniano, as relações intersubjetivas são também fundamentais para a compreensão da própria concepção de língua, haja vista que esta é definida como enunciado bilateral produzido em uma cadeia discursiva, caracterizando-se em Volóchinov (2017 [1929]VOLÓCHINOV, V. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017 [1929]. 276 p.) como social, ideológica e situada em relação à organização social e às condições econômicas. Para este autor, as condições concretas da realidade definem por meio dos usos da língua em diferentes esferas ideológicas a consciência dos sujeitos, o que influencia em sua atuação no que Bakhtin (2010 [1920-24]BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato responsável. Trad. Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010 [1920-24]. 155 p.) denomina como mundo da vida em tensionamento com o mundo da cultura. De acordo com Volóchinov (2017 [1929]VOLÓCHINOV, V. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2017 [1929]. 276 p.), a consciência do sujeito se forma, se nutre e se realiza no material sígnico elaborado no processo de interação verbal, na comunicação social de uma coletividade pautada pela organização da sociedade.

Para Bakhtin (2010 [1952-53]BAKHTIN, M. M. Gêneros do Discurso. In: BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2010 [1952-53]. p. 261-307.), importa entender o enunciado como unidade de comunicação discursiva, como ato socialmente orientado pelos horizontes temático, axiológico, espacial e temporal e pelo auditório social, considerando a vida que habita a língua por meio dos enunciados tomados em sua concretude. Em Bakhtin (2010 [1959-61]BAKHTIN, M. M. O problema do texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas. In: BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal . Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes , 2010 [1959-61]. p. 307-335.), o texto é um acontecimento que se desenvolve no tensionamento entre duas consciências, enfatizando o papel da intersubjetividade como elemento central da relação dos sujeitos em sua unicidade por meio de enunciados, situados em esferas e cronotopos, considerando a atividade de interação verbal em foco, materializada em gêneros do discurso primários e secundários.

Em relação à ação docente, nesse contexto, importa considerar assim o papel do interlocutor mais experiente em se tratando dos processos de ensino e aprendizagem, levando em conta a seleção de objetos culturais tomados como objetos do conhecimento no processo de formação de conceitos para a autorregulação da conduta. Seja na educação presencial ou nos cursos on-line, essa relação é fundamental para que esses processos ocorram. De acordo com teorizações de Vygotski (1982 [1934]VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas: problemas de Psicología General. Madrid: Visor, 1982 [1934]. Tomo II. 484 p.), para quem o processo de internalização consiste numa série de transformações que são intersubjetivas antes de serem intrassubjetivas, a ação de um sujeito mais experiente é muito importante no processo de aprendizagem. Para o autor, o desenvolvimento cognitivo depende das interações com o outro e das ferramentas que a cultura proporciona para promover a aprendizagem, considerando, nesses termos, os objetos culturais materializados por meio da palavra, nas modalidades escrita e oral. Os conceitos, apropriados como conhecimento, ideias, atitudes e valores se desenvolvem pela interação com os outros, de maneira que o autor defende a centralidade da linguagem oral e escrita nesse processo no que se refere ao ato de ensinar e de aprender, os quais precisam ser assumidos como complementares.

Assim, a construção do conhecimento deriva de uma interação que se consolida em várias relações, ou seja, o conhecimento não está sendo concebido apenas como uma ação do sujeito sobre a realidade, mas sobremodo como resultado da ação intersubjetiva, por meio da mediação semiótica, que consolida a interação com outros sujeitos mais experientes em relação ao objeto da aprendizagem. Ademais, esse processo refere-se a um complexo sistema que implica, além dos processos já mencionados, levar em conta o papel da sensação, da percepção, da imaginação, da emoção e do sentimento (VYGOTSKI, 2012 [1931]VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas: problemas del desarollo de la psique. Madrid: Machado Nuevo Aprendizaje, 2012 [1931]. Tomo III. 383 p.). Desse modo, a atuação de um interlocutor mais experiente é peça-chave nas concepções de aprendizagem vigotskianas, pois o professor precisa planejar a ação didático-pedagógica com base nas zonas de desenvolvimento real e iminente (VYGOTSKI, 1982 [1934]VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas: problemas de Psicología General. Madrid: Visor, 1982 [1934]. Tomo II. 484 p.), possibilitando avanços que não ocorreriam espontaneamente; isso se dá em um processo de ensino. Focalizando, nesse sentido, especificidades de esfera e de cronotopo,

[...] a despeito de mudanças de estratégias de ensino, o papel do professor não muda no que diz respeito à sua condição de mediador mais experiente no ensino de saberes historicamente objetificados. Ainda que deixe de atuar nesse papel por meio eminentemente da oralidade e passe a fazê-lo pela mediatização escrita, o papel, em nossa compreensão, não se descaracteriza. A instauração de um novo paradigma diz respeito à forma como as interações se consolidam, mas não ao eixo nodal do papel que cabe ao professor nesse processo, ou seja, mediar a apropriação do conhecimento por parte do aluno (DAGA, 2011DAGA, A. C. Compreensão leitora: o ato de ler e a apropriação de conhecimento na EAD. 297 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Programa de Pós-Graduação em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011., p. 96).

Dentro desse quadro, importa problematizar o esvaziamento do processo de ensino em sua natureza conceitual pensando a prática social como fundamento da e para a formação humana (VIGOTSKY, 2012 [1931]; SAVIANI, 1983SAVIANI, D. Escola e Democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação e política. Campinas, SP: Autores Associados , 1983. 93 p., 1997SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 6. ed. Campinas, SP: Autores Associados , 1997. 137 p.; DUARTE, 2013 [1993]DUARTE, N. A individualidade para si: contribuição a uma teoria histórico-cultural da formação do indivíduo. 3. ed. rev. Campinas, SP: Autores Associados, 2013 [1993]. 253p.; MARTINS, 2015MARTINS, L. M. A formação social do professor: um enfoque vigotskiano. 2. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2015. 141p.; CERUTTI-RIZZATTI; PEREIRA, 2016CERUTTI-RIZZATTI, M. E.; PEREIRA, H. M. Por uma dimensão também conceitual da Educação em Linguagem. Fórum Linguístico, v. 13, n. 4, p. 1587-1598, 2016. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.5007/1984-8412.2016v13n4p1587 . Acesso em: 15 abr. 2020.
https://doi.org/10.5007/1984-8412.2016v1...
; MOSSMANN, 2019MOSSMANN, S. da S. Educação em Linguagem: da intersubjetividade à apropriação de objetos culturais atinentes à formação de professores de Língua Portuguesa. 2019. 566 f. Tese (Doutorado em Linguística) - Programa de Pós-Graduação em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019.). Uma formação entendida como integral no sentido da busca pela transformação subjetiva em um processo de superação de uma realidade pautada por um sistema econômico excludente e esvaziador do potencial do ser humano como indivíduo para si (DUARTE, 2013 [1993]DUARTE, N. A individualidade para si: contribuição a uma teoria histórico-cultural da formação do indivíduo. 3. ed. rev. Campinas, SP: Autores Associados, 2013 [1993]. 253p.). Essa é a concepção que ancora historicamente a Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina (SANTA CATARINA, 2014SANTA CATARINA, Secretaria do Estado da Educação. Proposta Curricular de Santa Catarina: formação integral na Educação Básica. Florianópolis: SED-SC , 2014. Disponível em: Disponível em: http://www.propostacurricular.sed.sc.gov.br/site/?p=arquivo . Acesso em: 23 mar. 2020.
http://www.propostacurricular.sed.sc.gov...
). Isso significa que o papel dos processos educacionais é - ou deveria ser - atuar em favor dessa formação humana integral, criando condições para que os sujeitos construam uma compreensão crítica de si, do outro e do mundo. E, nesse sentido, “[...] o processo de elaboração conceitual se destaca como referência do trabalho pedagógico, desdobrando-se no entendimento da atividade como recurso didático [...]” (SANTA CATARINA, 2014SANTA CATARINA, Secretaria do Estado da Educação. Proposta Curricular de Santa Catarina: formação integral na Educação Básica. Florianópolis: SED-SC , 2014. Disponível em: Disponível em: http://www.propostacurricular.sed.sc.gov.br/site/?p=arquivo . Acesso em: 23 mar. 2020.
http://www.propostacurricular.sed.sc.gov...
, p. 35).

Esse projeto formativo assenta-se em uma base materialista histórico-dialética e aponta para um horizonte que busca a emancipação humana, carregado de contradições, uma vez que é um processo social, marcado pelos enfrentamentos axiológicos e ideológicos, constitutivos das diferentes esferas da atividade humana.

3 Metodologia: considerações sobre o método

Diante do desafio de analisar fenômenos sociais dado o enfoque na relação entre atividade e linguagem, neste artigo, lançamos mão de procedimentos metodológicos tomados sob a lógica do método dialético. Dessa maneira, a partir de discussões situadas no materialismo histórico-dialético, dentre as quais recorremos às proposições de Vygotski (2012 [1931]VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas: problemas del desarollo de la psique. Madrid: Machado Nuevo Aprendizaje, 2012 [1931]. Tomo III. 383 p.) em se tratando da elaboração do método, entendemos como necessário focalizar um determinado fenômeno da realidade atentando para especificidades da relação entre processos e os objetos culturais produzidos no plano da história e da cultura. Ancoramo-nos em uma abordagem metodológica de base dialética em razão da compreensão de que método e teoria estão profundamente imbricados, de forma que para entender e explicar eventos relacionados à realidade natural e social necessitamos de instrumentos que nos permitam apreender os nexos internos em um tensionamento entre o que o se situa no plano universal e no plano singular.

De acordo com Vygotski (2012 [1931]VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas: problemas del desarollo de la psique. Madrid: Machado Nuevo Aprendizaje, 2012 [1931]. Tomo III. 383 p.), os princípios fundamentais do método dialético referem-se à análise de processos, de modo que sejam historicizados os elementos constitutivos de determinado fenômeno da realidade, na busca por desvelar nexos internos e essenciais à compreensão da questão tematizada como recorte que requer atenção do pesquisador. Outro eixo fundante relacionado ao método proposto é a busca por explicação dos fenômenos. Para o autor, o objetivo da pesquisa é evidenciar a gênese da unidade em análise e a natureza do movimento tomado como dinâmico e causal de modo que seja superada uma análise fundamentalmente descritiva e focada nos elementos que se dão a conhecer pelos nexos mais imediatos e superficiais. Vygotski (2012 [1931]VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas: problemas del desarollo de la psique. Madrid: Machado Nuevo Aprendizaje, 2012 [1931]. Tomo III. 383 p.) propõe foco, então, na gênese do fenômeno em tela, de maneira que se investigue comportamentos e objetivações automatizadas e muitas vezes naturalizadas, atentando para os nexos internos e profundos que constituem um dado fenômeno em uma relação que focaliza a tensão entre constituintes em uma busca pela apreensão da dimensão real dos fenômenos por meio das mediações abstratas elaboradas a partir das conexões entre palavra e pensamento.

Nesses termos, objetivamos a partir da análise dos processos de formação de conceitos e da relação entre determinações dadas pela ótica da singularidade em tensão com a dimensão universal, apresentar uma análise pautada na apreensão dos fenômenos tomados na relação entre forma e conteúdo, buscando desenvolver o complexo exercício da investigação e da desnaturalização dos fenômenos que se constituem como objetivações culturais situadas em cronotopos e esferas determinadas pela atividade humana. Assim, neste artigo, sob essa lógica, apresentamos o campo da pesquisa, bem como os objetos culturais em análise por meio da pesquisa documental, além de um instrumento analítico. Temos em nosso horizonte como objetivo contextualizar a dinâmica da implementação das atividades não presenciais e explicar de que modo influencia e conflitua com um projeto de educação e de sociedade crítico e democrático.

Como parte dos procedimentos metodológicos, o campo da pesquisa refere-se ao lócus para o qual voltamos nossa atenção em busca de estabelecer as relações depreendendo unidades constitutivas de uma totalidade. No caso deste estudo, delimitamos articulações entre esfera escolar e estatal, entendendo como núcleo a Secretaria do Estado da Educação de Santa Catarina (SED-SC) dada sua constituição como órgão responsável pela educação na rede pública estadual desta unidade da federação. Reconhecida assim a partir da lei nº 5.516 aprovada em 28 de fevereiro de 1979, apesar de uma série de alterações sofridas desde então as quais envolveram a reinserção dos assuntos da cultura na pasta, a inclusão da ciência e da tecnologia e ainda de temas afetos ao campo do desporto. Em 2007, a Secretaria de Estado da Educação foi retomada como órgão que se ocupa fundamentalmente de formular e avaliar as políticas educacionais, coordenar as atividades, ações, programas e projetos relacionados à educação básica, profissional e superior em Santa Catarina, além de administrar e orientar a esfera educacional da rede pública, atuando em parceria com o Conselho Estadual de Educação (CEE). Em se tratando da dinâmica de funcionamento da SED, além dos secretários da educação e da estrutura administrativa, há núcleos de gestão relacionados ao Ensino (gerências de Gestão e Supervisão Escolar, Educação Fundamental, Ensino Médio e Profissional, Modalidades, Programas e Projetos Educacionais, Alimentação Escolar) e ao Planejamento e às Políticas Educacionais (gerências de Políticas Educacionais, Avaliação de Desempenho e Estatísticas e Planejamento e Gestão), contando ainda como parte dessa estrutura com o Conselho Estadual de Educação.

Nesses termos, é importante focalizar a participação do Conselho Estadual de Educação como constitutivo dessa estrutura organizacional, enfatizando seu papel junto à SED, partindo de três eixos de atuação: função consultiva, normativo-jurisdicional e deliberativa. Não nos ateremos a abordar cada um desses eixos em decorrência das especificidades do gênero em termos de extensão do texto, contudo destacamos, dado o enfoque deste estudo, que de acordo com a função consultiva compete ao CEE propor alterações de leis que regulamentam o sistema de ensino; na função normativo-jurisdicional, destacamos a autorização e avaliação de programas de Educação a Distância e sua implementação para a educação básica, questão que nos importa pelo recorte supracitado; na função deliberativa, enfatizamos ainda que compete ao CEE: “[...] autorizar experiências pedagógicas com regimes especiais na Educação Básica, assegurando a validade dos estudos realizados” (SANTA CATARINA, 2005SANTA CATARINA. Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina. Resolução nº 075, de 22 de novembro de 2005. Aprova o Regimento Interno do Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina (CEE/SC). Florianópolis: CEE-SC , 2005. Disponível em: Disponível em: http://www.cee.sc.gov.br/index.php/regimentos/1578-regimento-interno-do-conselho-estadual-de-educacao-de-santa-catarina/file . Acesso em: 03 dez. 2020.
http://www.cee.sc.gov.br/index.php/regim...
, p. 3).

A partir dessa breve contextualização do campo, passamos aos objetos culturais selecionados para o estudo da dinâmica da implementação do regime de atividades nos moldes já citados. Tais objetos foram elencados por serem representativos da articulação entre as esferas estatal e escolar, possibilitando-nos assim analisar este processo e suas contradições com um projeto de educação e de sociedade que se pretende crítico e omnilateral, em conformidade com a Proposta Curricular do estado (SANTA CATARINA, 2014SANTA CATARINA, Secretaria do Estado da Educação. Proposta Curricular de Santa Catarina: formação integral na Educação Básica. Florianópolis: SED-SC , 2014. Disponível em: Disponível em: http://www.propostacurricular.sed.sc.gov.br/site/?p=arquivo . Acesso em: 23 mar. 2020.
http://www.propostacurricular.sed.sc.gov...
).

Para desenvolver o percurso analítico, lançaremos mão de uma proposição que toma por base diretrizes de análise elaboradas por Correia (2017CORREIA, K. Diretrizes para análise da escritura: uma abordagem histórico-cultural. 2017. 290 f. Tese (Doutorado em Linguística) - Programa de Pós-Graduação em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017. ; 2021CORREIA, K. A convalidação de diretrizes de análise para o estudo da educação em linguagem. In: DAGA, A. C; MOSSMANN, S. da S. (orgs.). Educação e linguagem na perspectiva histórico-cultural. São Carlos: Pedro & João, 2021. ) e aplicadas por Mossmann (2019MOSSMANN, S. da S. Educação em Linguagem: da intersubjetividade à apropriação de objetos culturais atinentes à formação de professores de Língua Portuguesa. 2019. 566 f. Tese (Doutorado em Linguística) - Programa de Pós-Graduação em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019.). Em nossa ressignificação desse instrumento, teremos como constituintes de análise a atividade humana, em eventos, situados em cronotopos e esferas específicas, nos quais os interactantes se enunciam por meio da língua em uma materialidade linguístico-textual. A seguir, apresentamos as diretrizes de análise para pesquisas voltadas para relações entre linguagem e atividade humana. Não nos deteremos na explanação de cada constituinte, pois entendemos que os conceitos apresentados e articulados são amplamente conhecidos na área da Linguística Aplicada. Enfatizamos, contudo, que tais relações conceituais assentam-se em uma base histórico-cultural, tendo o pensamento vigotskiano e bakhtiniano como eixo, conforme apresentamos na seção de fundamentação deste artigo.

Figura 1
Diretrizes de análise de base histórico-cultural

Assim, dadas as diretrizes de análise de base histórico-cultural, apresentamos o percurso analítico que será empreendido nas seções a seguir. Entendemos, desse modo, que para contextualizar e explicar o processo de implementação das atividades não presenciais na rede estadual de SC faz-se necessário compreender esse processo como uma atividade humana que se concretiza em eventos, os quais identificamos que se organizaram em textos-enunciados, tomados neste artigo como objetos culturais, ou seja, como produto da atividade humana situado em um determinado cronotopo, vinculado a uma esfera da atividade e elaborado por interactantes que assumem papéis centrais nesse processo. Os objetos culturais referem-se, nesses termos, aos documentos de base normativa e deliberativa produzidos pela SED, bem como materiais para a formação dos professores da rede em relação à atuação nesse contexto de pandemia, entendendo a SED com um autor que se enuncia a partir da esfera estatal. Esses objetos foram produzidos como textos-enunciados orientados à esfera escolar, visando dar conta da efetivação da continuidade do ano letivo nos moldes já anunciados.

Nesse contexto, ao analisarmos tais documentos e entendendo as especificidades linguístico-discursivas e textuais desses objetos culturais tomados como textos-enunciados, identificamos uma dinâmica que se efetiva em três movimentos e que tomaremos pela articulação dos documentos, considerando que tais artefatos se relacionam e se complementam. Assim, temos a proposição de uma unidade de análise que chamaremos de eventos integrados. Os eventos integrados foram agrupados com base em três movimentos: i) Evento Integrado 1 - implementação das atividades não presenciais; ii) Evento Integrado 2 - condições para implementação: ciclos formativos; iii) Evento Integrado 3 - orientações específicas: a avaliação.

Tal sistematização objetiva descrever para explicar de que modo a implementação das atividades não presenciais ocorreu e de que modo influencia e conflitua com um projeto de educação voltado para a formação integral, concepção que, como mencionamos antes, é apresentada na Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina (SANTA CATARINA, 2014SANTA CATARINA, Secretaria do Estado da Educação. Proposta Curricular de Santa Catarina: formação integral na Educação Básica. Florianópolis: SED-SC , 2014. Disponível em: Disponível em: http://www.propostacurricular.sed.sc.gov.br/site/?p=arquivo . Acesso em: 23 mar. 2020.
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). Abordamos, assim, o Evento Integrado 1, apresentando uma análise sobre as particularidades do processo de implementação materializado pelo Decreto 509, de 17 de março de 2020, pela Resolução 009, de 19 de março de 2020 e pelo Plano de Atividades, de 30 de março de 2020, analisando, para tanto, as implicações do cronotopo, das esferas e dos interactantes. Em seguida, apresentamos o Evento Integrado 2, com foco nos ciclos formativos ofertados pela SED, analisando, do mesmo modo, correlações que se estabelecem em tal proposta a partir das especificidades de textos-enunciados dada a autoria, o público a quem se destina, as esferas e o cronotopo. Por fim, debruçamo-nos sobre o Evento Integrado 3, apresentando e problematizando o Ofício Circular n. 110/2020, a Portaria 1433, de 22 de julho de 2020 e um documento denominado de Orientações sobre Avaliação da Aprendizagem.

4 O processo de implementação das atividades não presenciais entre esfera estatal e esfera escolar: contextualização pelos eventos integrados

As relações de cronotopo, motivadas pelo cenário de pandemia, em uma realidade marcada pelos anseios de determinados atores sociais em favor dos avanços tecnológicos na esfera escolar, conduziram o Estado de Santa Catarina ao primeiro ato de suspensão das aulas nas unidades das redes pública e privada de ensino, incluindo educação infantil, ensino fundamental, nível médio, educação de jovens e adultos (EJA), ensino técnico e ensino superior. Em nossa análise, tal ação constitui o Evento Integrado 1, apresentando as primeiras orientações para execução do trabalho remoto. Esse ato ocorreu no dia 17 de março de 2020, com a publicação do Decreto nº 509, uma semana após a OMS ter decretado situação de pandemia por conta da Covid-19. De acordo com esse decreto, as aulas estavam suspensas, em todo território catarinense, por um período de 30 dias, a partir de 19 de março de 2020, em que os primeiros quinze dias contemplariam o período de recesso escolar na rede pública estadual.

Dois dias após a publicação do Decreto nº 509, o Conselho Estadual de Educação (CEE/SC) dispôs, por meio da Resolução CEE/SC nº 009 - segundo objeto que constitui o Evento Integrado 1, sobre o regime especial de atividades escolares não presenciais no sistema estadual de educação de Santa Catarina por um período de 30 dias, para fins de cumprimento do calendário letivo do ano de 2020, como medida de prevenção e combate ao contágio do Coronavírus. No que se refere a esse sistema de atividades, o documento contempla especificações sobre as atribuições de gestores das unidades escolares e do corpo docente no processo, além de tratar de temas como frequência, material e avaliação. O presente documento estrutura-se como um texto-enunciado que evoca uma extensa base legal para estabelecer marcos e estratégias a serem apropriadas pelo público a que se destina, em especial, gestores, corpo docente, discentes e suas famílias, considerando, com foco nas demandas da esfera escolar, o planejamento de ações para garantia de efetivação do ano letivo.

Com base na Resolução do CEE, e com o objetivo de prover atividades pedagógicas que atendessem a essa Resolução, a SED propôs um conjunto de ações relacionadas à implementação de atividades não presenciais na rede estadual de ensino. Assim, apresentou, em 30 de março de 2020, dez dias após a publicação da Resolução do CEE, um documento intitulado Plano de Atividades, que foi encaminhado aos professores no dia 01 de abril de 2020, um dia antes de serem iniciadas as formações pedagógicas das quais os professores participariam e cinco dias antes da retomada do calendário escolar. Esse é o terceiro objeto que constitui o Evento Integrado 1, condicionando a implementação das atividades não presenciais. Nesse documento, a SED destaca como sendo objetivos do Plano: disponibilizar a todos os alunos da rede estadual de ensino a oportunidade de acesso a atividades escolares no período de distanciamento social; zelar pelo relacionamento já existente entre escola, professor, aluno e famílias/responsáveis; implementar soluções diversificadas de amplo e fácil acesso à comunidade escolar; ofertar uma plataforma básica para que o professor criasse, distribuísse e avaliasse atividades pedagógicas no período de distanciamento social.

Por meio desse documento, a Secretaria disponibilizou, pela primeira vez desde o início da pandemia, dados de acesso de alunos e professores a computador e à internet. Em termos de elementos relacionados ao cronotopo e suas implicações para a efetivação da proposta apresentada no texto-enunciado do Plano de Atividades, conforme os dados disponibilizados, 48,25% dos alunos possuem computador em casa e 71,29% deles têm acesso à internet. Em se tratando dos professores, 94,48% possuem computador e 92,29% têm acesso à internet. Em relação aos dados apresentados, destacamos um aspecto de fragilidade dessa proposta de implementação, indicando a ausência de condições materiais equânimes, o que é direito garantido pela Constituição Federal (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 6 out. 2020.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
). Ademais, a base de dados utilizada para o levantamento em questão indica outro aspecto que pode ser questionado, uma vez que as unidades escolares apresentaram os dados de que dispunham naquela ocasião, os quais foram obtidos mediante a realização de matrícula, em um cenário pré-pandemia no qual não havia ainda uma preocupação com a elaboração de uma base de dados com os contornos exigidos por um contexto de estabelecimento das relações educacionais por meios alternativos.

Diante das necessidades impostas pelo cronotopo, com base nesse levantamento em relação ao acesso a essas ferramentas, a SED apresentou estratégias para a implementação de atividades não presenciais na rede estadual de ensino, com a especificação daquelas utilizadas para os alunos com acesso e daquelas utilizadas com os alunos sem acesso ou com acesso restrito. Para os estudantes com acesso, foram listados os seguintes canais e plataformas: Google for Education (Google ClassRoom, chat/fórum, formulário, documentos, YouTube, HangoutMeet); Professor Online; Estudante Online; bases de conteúdos de apoio (livro didático; página Recursos Digitais de Aprendizagem SED; Catálogo SED Digital); ferramentas já utilizadas pelos professores (sites, blogs, mídias sociais, grupos WhatsApp); contratação de serviço de mensagens SMS (chamada de pais e responsáveis por SMS). Para os alunos sem acesso ou com acesso restrito a computador e internet, foram mencionados os seguintes recursos: material impresso (livro didático e materiais elaborados pelos professores) para entrega física semanalmente (na escola, em ponto de entrega ou na residência do aluno); realização de atividades na escola, condicionada à identificação de alunos que não conseguirem acesso por nenhum dos outros meios; contratação de serviço de mensagens SMS para pais e responsáveis; contratação de serviço 0800, direcionando às Coordenadorias Regionais de Educação dúvidas sobre acesso a materiais e entrega. No que diz respeito a estratégias gerais, utilizadas com os dois grupos de estudantes, a SED mencionou, no Plano de Atividades, a realização de programas e outras inserções na Televisão Aberta - NDTV/Record News e em redes de rádio, diariamente, com conteúdos que contemplam objetivos de aprendizagem por etapa de ensino. Esse último tipo de estratégia não se efetivou ao longo de 2020.

Ainda nesse documento, há a definição dos papéis a serem desempenhados pelas coordenadorias regionais, pelas escolas, pelos professores e pelas famílias. Nesse contexto, destacamos as funções atribuídas às escolas e aos docentes, as quais dizem respeito, no caso dos interactantes responsáveis pela gestão escolar, à estrutura e à organização da distribuição das atividades e à busca ativa por alunos que não estariam respondendo a tais tarefas, e, em se tratando dos interactantes atuando como docentes, à elaboração, disponibilização e correção desses materiais, bem como à interação com os estudantes.

Outro aspecto abordado no Plano de Atividades da SED referiu-se à “capacitação” docente, a qual envolveria a formação dos gestores para uso da plataforma G-suite e dos professores para uso do Google Sala de Aula, com utilização de metodologias ativas de aprendizagem. No documento, há uma imagem que resume o que a SED nomeou de suportes e parceiros nesse processo:

Figura 2
Suportes e parceiros da SED

Por fim, a SED apresentou, no documento, um cronograma que indicava as etapas desde a suspensão das aulas presenciais até o que estaria previsto como marco para o reinício do calendário escolar com as atividades não presenciais, conforme Figura a seguir:

Figura 3
Cronograma de retomada das atividades de ensino

Em nossa compreensão, esse cronograma é representativo da brevidade do processo, que, desde a suspensão das aulas até a retomada do calendário, somou cerca de 20 dias. Diante do que é exposto no Evento Integrado 1 relativamente à reorganização das atividades de ensino nesse breve intervalo de tempo, é importante levantar as seguintes questões: 1) aos docentes e aos estudantes foi dado tempo suficiente para que organizassem suas rotinas, adaptando-se ao novo cenário imposto pela pandemia?; 2) é possível, em tão pouco tempo, viabilizar um processo qualificado de implantação das atividades em um formato delimitado pela modalidade escrita e pela assincronicidade, proporcionando formação adequada aos docentes, bem como disponibilização de acesso a ferramentas tecnológicas à comunidade escolar? 3) que concepção de educação ancora a proposta de adaptação para atividades nesses moldes, considerando os pontos 1 e 2? Essas são problematizações que entendemos relevantes para qualificar os processos de ensinar e aprender, atentando para o papel da linguagem nesse percurso, em especial, em contextos em que predomina a interação por meio da leitura e da escrita. Movimento que requer tempo para experienciação por parte de alunos e professores, a fim de que o uso das ferramentas disponíveis possa ser feito de maneira apropriada e consciente, tendo como foco o desenvolvimento dos sujeitos.

Vale destacar aqui nossa contínua preocupação com a qualidade das experiências que professores e alunos estão tendo com o uso das tecnologias durante seu percurso formativo. Freitas (2020FREITAS, L. C. de. EaD, tecnologias e finalidades da educação. Avaliação educacional - Blog do Freitas. 17 abr. 2020. Disponível em: Disponível em: https://avaliacaoeducacional.com/2020/04/17/ead-tecnologias-e-finalidades-da-educacao/ . Acesso em: 17 nov. 2020.
https://avaliacaoeducacional.com/2020/04...
) chama atenção para a importância de as políticas públicas estarem comprometidas com a diminuição de alunos por professor, e isso teria que ser ressignificado, modificando o lugar que os sistemas educacionais acabam cedendo aos aparatos tecnológicos na vinculação com os processos de ensino e aprendizagem. Ter a tecnologia a nosso favor, nesse contexto, não significa fazer com que milhares de alunos migrem para plataformas virtuais de aprendizagem num curto espaço de tempo, mas nos faz questionar o modo como os sujeitos se apropriam dessas tecnologias para terem suas práticas sociais de fato transformadas, facultando-lhes uma outra relação com a formação de sua subjetividade, atentando para a centralidade da palavra no constante tensionamento entre mundo da cultura e mundo da vida (com base em BAKHTIN, 2010 [1920-1924]BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato responsável. Trad. Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010 [1920-24]. 155 p.).

Na esteira dessa discussão, outra questão suscitada pela rápida implementação das já citadas atividades diz respeito à parceria da SED com a empresa Google, que já existia antes do contexto da pandemia. O programa Google for Education, assinado em 2019, é fruto de uma parceria entre a SED, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a companhia Google. Esse tipo de programa, a exemplo de outros, desvela a parceria público-privada, que tem sido objeto de análise de autores que se ocupam do fenômeno da mercantilização da educação, fundamentado “[...] no interesse da classe empresarial de valorizar o capital a partir da venda de serviços educacionais (supostamente capazes de melhorar a ‘qualidade’ da educação)” (MARTINS; PINA, 2020MARTINS, A. S.; PINA, L. D. Mercantilização da educação, escola pública e trabalho educativo: uma análise a partir da pedagogia histórico-crítica. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, SP, v. 20, p. 1-21, 2020. DOI: 10.20396/rho.v20i0.8657754. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8657754 . Acesso em: 27 nov. 2020.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
, p. 16). Ainda em se tratando dessa inserção de grupos empresariais ligados à área das tecnologias na educação, parece necessário levantar a discussão sobre o sigilo e o controle de dados dos interactantes que passam, nesses moldes, a vivenciar relações intersubjetivas essencialmente por meio dessas plataformas.

Dando continuidade à contextualização do processo de implementação mencionado, elencamos, como Evento Integrado 2, os eventos voltados à formação dos professores para atuação nesse contexto de atividades remotas. No que se refere ao processo de “capacitação” docente, implementado a partir do dia 02 de abril de 2020, as temáticas relacionaram-se, especialmente na primeira metade do mês de abril, ao uso de recursos ligados ao Google, como Google Classroom, HangoutMeet, Google Documentos, Google Formulário e Google Drive. Alguns outros momentos formativos do que a SED nomeou de 1º Ciclo de Formação contemplaram discussões sobre práticas pedagógicas mediadas por tecnologias digitais, processo avaliativo e educação inclusiva, até se iniciar, em 22 de abril, uma série de webinars nomeadas de Mosaicos com Experiências que abarcaram exemplos de práticas pedagógicas de diferentes áreas, desenvolvidas em diferentes modalidades e níveis de ensino. O 1º Ciclo de Formação abarcou 31 webinars, ofertadas de 02 de abril a 15 de maio de 2020.

O 2º Ciclo de Formação, realizado de 27 de agosto a 05 de novembro de 2020, foi composto por 28 webinars, das quais, 24 contemplaram discussões sobre organizadores curriculares das diferentes áreas. Outras três abarcaram a temática das tecnologias digitais e ensino e a última abordou o percurso formativo na educação básica. Sobre esses ciclos formativos cabe destacar, ainda, que todas essas atividades ficaram disponíveis no site da SED, podendo ser visualizadas posteriormente pelos docentes.

Figura 4
Registros de tela de página destinada à formação docente

Como podemos perceber, o 1º Ciclo de Formação foi um pouco mais intenso do que o 2º Ciclo, com uma maior concentração de webinars (uma webinar a cada dia útil do período estabelecido). Somados os dois ciclos, temos um tempo significativo de formações às quais os professores tiveram que se dedicar, o que ocupou parte das suas cargas horárias diárias. Por mais que não fossem obrigados a assistir a todas, o tempo de dedicação lhes exigiu conhecer e aprimorar habilidades no que toca à inter-relação desses novos conhecimentos com a sua prática docente na configuração de ensino não presencial.

Em relação ao Evento Integrado 2, atentando para os objetos culturais elencados acima, é importante avançar no que se refere à análise da dinâmica da qualidade e da quantidade. Certamente, entendemos que o movimento apresentado pela SED, como interactante responsável pelo processo a partir da esfera estatal, era necessário e crucial para que o Evento Integrado 1 pudesse ser de algum modo efetivado. Precisamos, contudo, refletir sobre aspectos que se enovelam e se naturalizam nos textos-enunciados referentes aos ciclos formativos ofertados. Chamamos a atenção, nesses termos, para: i) a concentração temporal das atividades formativas; ii) a falta de destinação de carga horária adequada em termos de plano de carreira; iii) as condições objetivas para a realização dessas atividades formativas; iv) a qualidade em termos de propostas teórico-metodológicas, considerando o percurso formativo dos docentes da rede estadual de SC.

Nesse sentido, é fundamental problematizar a concentração ao longo do ano de 2020 do que foi nomeado como ciclos formativos, haja vista que os tópicos abordados referem-se a discussões que podem ser apresentadas pela interactante SED como específicas em relação à adaptação para atividades não presenciais, mas o fato é que, estando na segunda década do século XXI e em um cronotopo marcado por significativos avanços tecnológicos, tais temas já deveriam pautar de modo sistemático os processos de formação continuada da rede. Pode-se contra-argumentar que ao corpo docente é reservado espaço anual para formação continuada na rede, ao que respondemos com um dado que destacamos como relevante: a carga horária destinada à formação continuada, tomando por base os calendários dos anos letivos de 2018 e 2019. Dos 200 dias letivos, em 2018, foram destinados cinco dias para planejamento na primeira semana do ano e especificamente para formação dos professores foram destinados cinco dias letivos, mais precisamente períodos, sopesando a carga horária do professor, uma semana após o fim do primeiro semestre. Já em 2019, para além da semana destinada ao planejamento, a formação continuada foi distribuída ao longo do ano, sendo reservado um dia/período, a depender da carga horária do professor na unidade escolar, sendo ao todo quatro dias destinados para formação pedagógica.

Nossa crítica ancora-se, nesse sentido, na necessidade de formação do corpo docente, bem como da destinação de uma carga horária que inviabiliza a apropriação conceitual de determinados objetos culturais por parte dos professores, considerando as relações entre ensino e aprendizagem para o desenvolvimento intelectual e cultural desses profissionais (VYGOTSKI, 2012 [1931]VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas: problemas del desarollo de la psique. Madrid: Machado Nuevo Aprendizaje, 2012 [1931]. Tomo III. 383 p.).

Na sequência, com foco agora no Evento Integrado 3, em se tratando das orientações que foram sendo elaboradas pela SED ao longo de todo o período de implantação das atividades não presenciais, no dia 07 de maio de 2020, por meio do Ofício Circular nº 110/2020, primeiro objeto cultural em análise do Evento Integrado 3, os professores receberam algumas orientações pedagógicas relacionadas ao planejamento e à avaliação da aprendizagem. Nesse documento, que retoma alguns itens já especificados em documentos anteriores emitidos pela Secretaria, como na Portaria nº 924, há o destaque para a manutenção da qualidade das atividades em detrimento da quantidade de conteúdos e para o estabelecimento de uma relação dialógica no processo de ensino-aprendizagem. Chama-se a atenção, também, para a textualização da necessidade da mediação do ensino a partir da ação ativa do professor e para o cadastro das atividades desenvolvidas durante o regime especial, o que envolveria o registro das estratégias utilizadas para o ensino, dos instrumentos de avaliação escolhidos, bem como da forma como os alunos responderam a essas estratégias e como se apropriaram dos conhecimentos mobilizados. Com isso, parece-nos clara a preocupação da Secretaria com a documentação dessas atividades não presenciais para fins de comprovação posterior da carga horária de ensino desenvolvida.

Cabe destaque a esse Ofício, também, porque, em sua maior parte, esse texto-enunciado dá orientações sobre o processo de avaliação das atividades não presenciais. Define-se, assim, a avaliação como dialógica e processual, a partir da qual se abre espaço para trocas e compartilhamentos de experiências. Nesse mesmo documento, a SED recomendou a utilização de diferentes instrumentos de avaliação, com destaque para algumas ferramentas digitais, sobretudo integradas ao Google for Education, as quais, conforme consta no documento, “[...] oferecem alternativas interessantes para a avaliação [...]” (SANTA CATARINA, 2020cSANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação. Diretoria de Ensino. Ofício Circular nº 110, de 07 de maio de 2020. Florianópolis: SED-SC , 2020c., p. 18). Em relação ao sistema de notas, há a indicação, nesse documento, de que o fechamento da média por período só poderia ocorrer após o retorno das aulas presenciais, momento em que aos estudantes seriam dadas novas oportunidades de aprendizagem, apesar de se sinalizar que recuperações paralelas eram possíveis durante o regime especial de atividades escolares não presenciais.

Em se tratando da organização das atividades avaliativas e do processo de organização do calendário escolar, é importante mencionar, em seguida, o segundo objeto cultural que compõe o Evento Integrado 3: a Portaria n. 1433, de 22 de julho de 2020. Esta Portaria ancorou-se nos documentos legais que amparam o cronotopo atual na rede estadual, dando destaque para a Resolução 009 e para a Medida Provisória 934, considerando a flexibilização dos 200 dias letivos, além disso cita o processo formativo ofertado pela SED como uma “garantia” de que o processo de implementação de atividades não presenciais se deu de forma a superar os desafios, visando alcançar “[...] resultados de aprendizagem e da permanência de seus estudantes no percurso escolar” (SANTA CATARINA, 2020bSANTA CATARINA. Portaria nº 1433, de 22 de julho de 2020. Diário Oficial do Estado de Santa Catarina. Florianópolis, SC, 22 jul. 2020b, n. 21.315, p. 6-7. Disponível em: Disponível em: http://dados.sc.gov.br/dataset/0a43e611-003a-48c8-a9d4-882abcde8caa/resource/08179d87-f053-4444-9382-12752ade7dba/download/portaria-sed-n-1433-de-22.07.2020.pdf . Acesso em: 18 ago. 2020.
http://dados.sc.gov.br/dataset/0a43e611-...
, p. 6). Destacamos, assim, que neste documento articulam-se os Eventos Integrados 1, 2 e 3, justificando-se sua necessidade de efetivação dadas as relações entre cronotopo - marcado pela pandemia e pelos avanços dos recursos tecnológicos, esfera estatal e escolar - com foco nas definições do calendário, enfatizando a avaliação, considerando como interactantes, a SED e a unidade escolar, com foco no papel docente.

Com base em tais pressupostos, a portaria determinou alteração no calendário escolar, assim como na forma de organização do ano letivo, propondo, então, que a distribuição das atividades escolares passasse a ser semestral e não mais trimestral. Destaca-se que essa alteração foi informada à comunidade escolar em 22 de julho, indicando que o primeiro semestre se encerrava então em 24 de julho e o segundo semestre iniciaria em 03 de agosto, estendendo-se até 21 de dezembro. É importante novamente mencionar a brevidade dessas alterações em relação ao tempo de adaptação que seria necessário para que o corpo docente e discente lidasse de modo qualitativo com tais determinações, especialmente em se tratando do processo de avaliação e de fechamento das notas para o primeiro semestre, o que, como mencionamos anteriormente, com base no Ofício Circular nº 110/2020, apresentava outras orientações.

Outro documento3 3 Este documento não apresenta numeração ou especificação em relação à sua natureza. Parece tratar-se de um Ofício Circular, mas como não está especificado, preferimos fazer remissão a ele como documento. que constitui o Evento Integrado 3 trata de orientações sobre avaliação da aprendizagem. Esse texto-enunciado foi encaminhado aos professores na primeira quinzena do mês de novembro. Nesse documento, a SED também informou sobre a organização referente ao término do ano letivo, elencando os critérios para permanência ou avanço dos estudantes no que determinou como fluxo 2020/2021. A avaliação, que, de acordo com o que está posto no documento, “[...] deverá levar em consideração uma concepção formativa, processual, inclusiva, os registros do Apoio Pedagógico Presencial e da Busca Ativa” (SANTA CATARINA, 2020aSANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação. Diretoria de Ensino. Orientações sobre Avaliação da Aprendizagem. Florianópolis: SED-SC, [2020a]. , p. 2), constitui-se, em nossa compreensão, em um dos grandes nós de todo esse processo. Na próxima seção deste artigo, vamos problematizar essa discussão sobre as orientações encaminhadas acerca da avaliação e de outros processos didático-pedagógicos.

5 Reflexões finais: os processos didático-pedagógicos durante o ciclo de atividades não presenciais como um debate essencial

Nesta última seção, a partir da contextualização apresentada na seção anterior, que teve como foco os eventos integrados, propomo-nos a explicar como as estratégias adotadas pela SED conflituam com as concepções de educação e de linguagem que ancoram um projeto de formação integral (SANTA CATARINA, 2014SANTA CATARINA, Secretaria do Estado da Educação. Proposta Curricular de Santa Catarina: formação integral na Educação Básica. Florianópolis: SED-SC , 2014. Disponível em: Disponível em: http://www.propostacurricular.sed.sc.gov.br/site/?p=arquivo . Acesso em: 23 mar. 2020.
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). Objetivamos, assim, dentro dos limites deste artigo, problematizar as questões fundamentais que constituem um percurso formativo que se ocupe de uma formação crítica e da qual não se pode abrir mão especialmente em se tratando da educação pública.

Nesses termos, importa enfatizar que concebemos a educação como atividade humana essencial, que requer atenção aos processos de ensino e de aprendizagem, os quais se efetivam em ações didático-pedagógicas (LIBÂNEO, 1999LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1999. 288p. ; SAVIANI, 2009SAVIANI, D. Formação de professores: aspectos históricos, e teóricos do problema no contexto brasileiro. Revista Brasileira de Educação, v. 14, n. 40, p. 143-155, jan./abr. 2009. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbedu/v14n40/v14n40a12.pdf . Acesso em: 02 dez. 2020.
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; MARTINS, 2016MARTINS, L. M. Desenvolvimento do pensamento e educação escolar: etapas da formação de conceitos à luz de Leontiev e Vigotski. Fórum Linguístico , v. 13, n. 4, p. 1572-1586, out./dez. 2016. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/forum/article/view/1984-8412.2016v13n4p1572 . Acesso em: 02 dez. 2020.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/for...
) voltadas para o desenvolvimento intelectual e cultural dos sujeitos. Desse modo, buscamos debater pontos de tensionamento relacionados às concepções de educação e de linguagem subjacentes à proposta que se efetiva nos Eventos Integrados 1, 2 e 3 analisados anteriormente, considerando como pontos de tensão: i) formação humana; ii) planejamento; iii) avaliação; iv) centralidade da concepção de língua para a formação.

Entendemos, assim, que em uma concepção de educação pautada na integralidade da formação dos sujeitos é imprescindível uma elaboração didática que tenha como eixo fundamental do processo a avaliação em uma relação dialética entre conteúdo e método, objetivos e avaliação, em acordo com o que propõem Freitas et al. (2009FREITAS, L. et al. Avaliação educacional: caminhando pela contramão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. 87 p.). Desse modo, o planejamento é uma atividade complexa e que exige formação inicial e continuada que possibilite ao professor lidar com uma série de objetos culturais em um processo de permanente apropriação de conceitos relacionados a: currículo e políticas educacionais, instrumentos didático-pedagógicos, recursos tecnológicos, teorizações e concepções atinentes à área de atuação (MOSSMANN, 2019MOSSMANN, S. da S. Educação em Linguagem: da intersubjetividade à apropriação de objetos culturais atinentes à formação de professores de Língua Portuguesa. 2019. 566 f. Tese (Doutorado em Linguística) - Programa de Pós-Graduação em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019.). Tal complexidade nos coloca diante de um tensionamento entre o que analisamos nos eventos integrados e o que se defende na proposta curricular do estado, haja vista que o espaço para essa formação, bem como a carga horária evidenciam uma fragilidade em termos de efetivação de um trabalho educativo com foco na apropriação conceitual para o desenvolvimento da subjetividade.

Nesse sentido, é de fundamental importância conceber a avaliação como atividade que qualifica os processos de ensino e aprendizagem vivenciados por docentes e discentes. Com base no que analisamos nos eventos integrados, o planejamento aparece como instrumento a ser elaborado de forma remota, conjunta e colaborativa, o que significa tomá-lo na dimensão do diálogo com a realidade vivenciada pelos alunos e suas famílias, considerando o tempo de orientação direta do docente ao estudante e o tempo que o aluno leva para se apropriar das atividades não presenciais propostas, sem a intervenção do professor. Essas orientações repercutem no modo como o docente pensa e executa a avaliação, mas sobretudo na dinâmica fundamental desses processos avaliativos, uma vez que, sem uma interação mais imediata com o interlocutor mais experiente, processos de tamanha complexidade reduzem-se a atendimentos pontuais, geralmente marcados por um espaçamento temporal que exigiria dos estudantes estratégias de estudo bem sistematizadas, o que não parece ser o caso da realidade de grande parte dos estudantes na educação básica principalmente. Tal afirmação ancora-se em estudos e pesquisas relacionadas à centralidade da linguagem em sua modalidade escrita, considerando especificidades da leitura e da escrita para o aprendizado (DAGA, 2011DAGA, A. C. Compreensão leitora: o ato de ler e a apropriação de conhecimento na EAD. 297 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Programa de Pós-Graduação em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011.; 2016DAGA, A. C. O (ex)orbitar do ato de ler: um estudo sobre vivências de estudantes com a escrita em contexto de ambientação rural. 2016. 368 f. Tese (Doutorado em Linguística) - Programa de Pós-Graduação em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016.; BRITTO, 2012BRITTO, L. P. L. Inquietudes e desacordos: a leitura além do óbvio. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2012. 144 p.; GERALDI, 2010GERALDI, J. W. A aula como acontecimento. São Carlos: Pedro & João Editores , 2010. 208 p.).

Sobre o planejamento, há nos documentos analisados na seção anterior, orientações acerca da elaboração de planos de aula. Em síntese, é fundamental que contenham as estratégias utilizadas para o ensino, os instrumentos de avaliação, a carga horária correspondente à matriz curricular, as datas da realização das atividades, bem como as formas de registro da frequência do aluno e os critérios de avaliação. Em tese, reside na base dessa concepção a ideia de um planejamento flexível e que tenha por finalidade permitir que o aluno se aproprie dos conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade, conforme orientações da Proposta Curricular de Santa Catarina (2014). No entanto, é importante que destaquemos algumas problematizações que tocam a essência dita dialógica desse modo de pensar a avaliação. Como dar conta de um processo de formação qualitativo para os docentes num espaço tão curto de tempo entre o funcionamento das tecnologias e sua posterior execução no trabalho remoto em sala de aula? É possível, com base nessa questão, respeitar o tempo de apropriação docente e discente acerca dos conhecimentos trabalhados e compartilhados nas aulas? E ainda: é possível atingir os objetivos pretendidos em cada um dos planos de aula que foram desenvolvidos ao longo desse processo, dando conta de acompanhar a apropriação conceitual por parte dos estudantes?

A partir desses tensionamentos, avançamos ainda para uma discussão em torno da concepção de língua. Entendemos a centralidade da linguagem em suas modalidades oral/sinalizada e escrita, considerando fundamentalmente o papel da palavra para a formação de conceitos, implicando no desenvolvimento do pensamento, tal qual discute Vygotski (1982 [1934]VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas: problemas de Psicología General. Madrid: Visor, 1982 [1934]. Tomo II. 484 p.). Ancorando-nos nos estudos vigotskianos, importa então problematizar as especificidades das relações entre linguagem e pensamento para o desenvolvimento, passando pelos processos de sistematização, de acompanhamento e das relações cronotópicas relacionadas às atividades desenvolvidas na esfera escolar nesse contexto, considerando as zonas de desenvolvimento dos sujeitos e suas possibilidades de apropriação dos conteúdos trabalhados em uma modalidade não presencial, centrada na escrita e na leitura.

Dessa forma, é necessário enfatizar que o trabalho educativo requer apropriação de determinados objetos culturais, estando essa atividade ancorada nas possibilidades e limitações dadas as relações intersubjetivas que constituem a esfera escolar. A intersubjetividade mostra-se, aqui, como requisito para que discutamos como nos apropriamos do mundo e nos posicionamos frente a ele na relação com a alteridade. Na ótica bakhtiniana, dar lugar aos outros e considerá-los como partícipes da formação da própria consciência suscita a compreensão de que o processo de apropriação solicita vivência, assinatura e resposta (com base em BAKHTIN, 2010 [1920-24]BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato responsável. Trad. Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010 [1920-24]. 155 p.). O professor atua, nesse sentido, como interlocutor indispensável para que o aluno perceba o mundo de modo crítico e atue na sociedade consciente de sua importância como ser social.

A atividade mediada revela-se, desse modo, central no processo de desenvolvimento psíquico humano, permitindo o trabalho dos homens na realidade que modificam, nas relações sociais que os constituem, implicando desenvolvimento das funções psíquicas superiores como a formação de conceitos, a atenção voluntária e a memória lógica, originadas do conjunto de vivências, destacando-se que tais funções requerem primeiramente experienciação com os signos nas relações intersubjetivas, para depois interiorizarem-se (com base em VYGOTSKI, 2012 [1931]VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas: problemas del desarollo de la psique. Madrid: Machado Nuevo Aprendizaje, 2012 [1931]. Tomo III. 383 p.).

Temos nesse cenário o surgimento de muitos desafios concernentes ao uso das plataformas digitais pelos docentes e a condução do ensino para que de fato a aprendizagem ocorra por parte dos alunos, nem todos com condições de acesso favoráveis para acompanhamento nessa nova modalidade de aprender. Recapitulando a Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina (2014), é fundamental que o docente, ao planejar as aulas, privilegie uma abordagem investigativa, pautada em leituras e problematizações que instiguem o pensamento crítico pela palavra. Desse modo, enfatizamos que a mediação face a face, a leitura das reações, as interferências e acréscimos produzidos entre os atores sociais vêm a sofrer mudanças qualitativas com a ausência do diálogo simultâneo tão assíduo na modalidade presencial.

Encaminhando-nos para o fechamento deste artigo, cabe ponderar, mediante os eventos analisados, o reconhecimento do papel da SED como interactante responsável pela proposição de ações no que tange à gerência do ensino público no Estado, com destaque para as implicações cronotópicas que incidem sobre os interactantes que se enunciam na esfera estatal dadas as suas representações de mundo. Entendemos necessária, no entanto, a problematização sobre os modos como esse processo foi encaminhado, considerando que as tomadas de decisão acerca das atividades didático-pedagógicas incidem sobre a atuação docente e sobre o processo de aprendizagem dos estudantes. Em tese, na condição de interlocutores mais experientes, os docentes assumem - ou deveriam assumir - um papel político permanentemente tensionado pelas contradições de nossa sociedade: em se tratando da educação em linguagem e dos processos educacionais como um todo, o de trabalhar para que a ampliação das práticas e representações sociais gestadas nas relações intersubjetivas oportunizem aos sujeitos pensarem o mundo e se posicionarem diante dele. Isso exige, em nossa compreensão, condições objetivas que facultem aos sujeitos a devida apropriação para os mais variados usos da língua, seja na presença de recursos tecnológicos diversos ou na ausência deles, o que somente é possível na articulação com uma concepção de educação para omnilateralidade, na assunção da língua como objeto social, tomada na interação viva entre os sujeitos, requerendo-lhes contrapalavra e assinatura (com base em BAKHTIN, 2010 [1920-24]BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato responsável. Trad. Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010 [1920-24]. 155 p.).

Por fim, destacamos a nossa ciência acerca de outros desdobramentos que podem se colocar diante de um cenário tão inquietante como o da pandemia. Afinal, ensinar e aprender são processos altamente complexos e que requerem planejamento de ações advindas de apropriação, gerida no percurso formativo de todos os atores sociais envolvidos. É evidente que o processo tende a ser desigual para professores e alunos consideradas as condições econômicas envolvidas, além de o tempo de apropriação no que se refere ao uso das plataformas digitais também ser distinto para cada um, o que precisa ser problematizado quando tratamos de ensino e aprendizagem em instâncias educacionais, a exemplo da escola. Fica, aqui, o reconhecimento da necessidade de novas análises a um tema tão caro ao sistema educacional brasileiro.

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  • VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas: problemas de Psicología General. Madrid: Visor, 1982 [1934]. Tomo II. 484 p.
  • 1
    O presente artigo é produto do desenvolvimento do projeto de pesquisa “Os desafios da educação em linguagem no cenário instaurado pela pandemia da Covid-19”, vinculado à Universidade Federal da Fronteira Sul, e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) em junho de 2020.
  • 2
    Para o ano letivo de 2021, essa orientação mudou. As atividades passaram a ser ofertadas em três formatos diferentes, conforme consta em site da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina. Disponível em: https://www.sed.sc.gov.br/secretaria/imprensa/noticias/30943-sed-detalha-modelos-de-retorno-das-aulas-para-gestores-da-rede-estadual. Acesso em 10 maio 2021.
  • 3
    Este documento não apresenta numeração ou especificação em relação à sua natureza. Parece tratar-se de um Ofício Circular, mas como não está especificado, preferimos fazer remissão a ele como documento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    07 Dez 2020
  • Aceito
    20 Maio 2021
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