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Desenvolvimento do padrão de Voice Onset Time positivo por falantes brasileiros de inglês-L2: um estudo longitudinal durante a pandemia de covid-19

Development of a Positive Voice Onset Time Pattern by Brazilian Speakers of English as a Second Language: a Longitudinal Study During the COVID-19 Pandemic

RESUMO

Este estudo investiga os processos desenvolvimentais de uma língua adicional durante o período de distanciamento social da pandemia de covid-19 em cinco falantes plurilíngues, aprendizes de inglês como segunda língua (L2). Alicerçado em uma visão de língua como Sistema Dinâmico Complexo (DE BOT; LOWIE; VERSPOOR, 2007DE BOT, K.; LOWIE, W.; VERSPOOR, M. A Dynamic Systems Theory approach to second language acquisition. Bilingualism: Language & Cognition, Cambridge, v. 10, n. 1, p. 7-21, 2007.; LARSEN-FREEMAN; CAMERON, 2008LARSEN-FREEMAN, D.; CAMERON, L. Complex systems and applied linguistics. Oxford: Oxford University Press, 2008.; VERSPOOR; DE BOT; LOWIE, 2011VERSPOOR, M.; de BOT, K.; LOWIE, W. (Ed.). A dynamic approach to second language development: methods and techniques. Amsterdam: John Benjamins , 2011.), este estudo longitudinal analisa o desenvolvimento do padrão de Voice Onset Time positivo desses participantes ao longo de doze semanas, com uma intervenção de seis sessões remotas de instrução explícita de aspectos fonético-fonológicos de inglês. Através de simulações de Monte Carlo (VAN DIJK; VERSPOOR; LOWIE, 2011Van DIJK, M.; VERSPOOR, M.; LOWIE, W. Variability and DST. In: VERSPOOR, M.; de BOT, K.; LOWIE, W. (Ed.). A dynamic approach to second language development: methods and techniques. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2011. p. 55-84.), a análise quantitativa demonstrou picos positivos de desempenho, o que traz insumos a favor do papel da variabilidade no aprendizado e no desenvolvimento de novos padrões linguísticos. Os resultados qualitativos a respeito da intervenção on-line também mostram uma contribuição metodológica para o ensino de línguas e para a pesquisa empírico-experimental de maneira remota.

PALAVRAS-CHAVE:
Sistemas Dinâmicos Complexos; simulações de Monte Carlo; ensino remoto de línguas; Voice Onset Time

ABSTRACT

This study investigates additional language development in five plurilingual speakers of English as a second language (L2) during the COVID-19 pandemic and the consequent social distancing. From the perspective of language as a Complex Dynamic System (DE BOT; LOWIE; VERSPOOR, 2007DE BOT, K.; LOWIE, W.; VERSPOOR, M. A Dynamic Systems Theory approach to second language acquisition. Bilingualism: Language & Cognition, Cambridge, v. 10, n. 1, p. 7-21, 2007.; LARSEN-FREEMAN; CAMERON, 2008LARSEN-FREEMAN, D.; CAMERON, L. Complex systems and applied linguistics. Oxford: Oxford University Press, 2008.; VERSPOOR; DE BOT; LOWIE, 2011VERSPOOR, M.; de BOT, K.; LOWIE, W. (Ed.). A dynamic approach to second language development: methods and techniques. Amsterdam: John Benjamins , 2011.), this longitudinal study analyzes the development of a positive Voice Onset Time pattern among participants throughout 12 weeks, including a six-session intervention of explicit instruction of English phonetic-phonological aspects. From Monte Carlo Simulations (VAN DIJK; VERSPOOR; LOWIE, 2011Van DIJK, M.; VERSPOOR, M.; LOWIE, W. Variability and DST. In: VERSPOOR, M.; de BOT, K.; LOWIE, W. (Ed.). A dynamic approach to second language development: methods and techniques. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2011. p. 55-84.), our quantitative analysis showed positive peaks of performance, indicating the role of variability in learning and developing new language patterns. The qualitative results regarding the online intervention likewise contributed to both language teaching and remote empirical-experimental research studies.

KEYWORDS:
complex dynamic systems; Monte Carlo simulations; remote language teaching; Voice Onset Time

1 Introdução

Os estudos na linguística relacionados ao desenvolvimento de línguas adicionais1 1 Neste trabalho, não estabelecemos diferença entre os termos “‘Língua Adicional” (LA), “‘Língua Não Nativa” (LNN), egunda íngua” (L2) e “‘Língua Estrangeira” (LE), de modo a usarmos variavelmente os termos siglas correspondentes. têm alcançado certo grau de crescimento no cenário brasileiro, mas, de maneira geral, ainda há uma carência de um maior desdobramento no que se refere aos aspectos fonético-fonológicos envolvidos no desenvolvimento das línguas estrangeiras. Alguns modelos recentes que compreendem o multilinguismo encontram-se, presentemente, em um ponto de convergência das teorias sobre a dinamicidade e a complexidade dos sistemas linguísticos. Essas questões permeiam a visão de língua como um Sistema Dinâmico Complexo (BECKNER et al., 2009BECKNER, C.; BLYTHE, R.; BYBEE, J.; CHRISTIANSEN, M.; CROFT, W.; ELLIS, N.; HOLLAND, J.; KE, J.; LARSEN-FREEMAN, D.; SCHOENEMANN, T. Language is a complex adaptive system: position paper. Language Learning, Hoboken, v. 59, n. 1, p. 1-26, 2009.; DE BOT, 2017DE BOT, K. Complexity theory and dynamic systems theory: same or different? In: Ortega, L.; Han, Z. (Ed.). Complexity theory and language development: in celebration of Diane Larsen-Freeman. Amsterdam: John Benjamins, 2017. p. 51-58.; DE BOT; LOWIE; VERSPOOR, 2007DE BOT, K.; LOWIE, W.; VERSPOOR, M. A Dynamic Systems Theory approach to second language acquisition. Bilingualism: Language & Cognition, Cambridge, v. 10, n. 1, p. 7-21, 2007.; DE BOT; LOWIE; THORNE; VERSPOOR, 2013De Bot, K.; Lowie, W.; Thorne, S. L.; Verspoor, M. Dynamic Systems Theory as a comprehensive theory of second language development. In: García Mayo, M. P.; Gutiérrez Mangado, M. J.; Martinez-Adrián, M. (Ed.). Contemporary approaches to second language acquisition. Amsterdam: John Benjamins , 2013. p. 199-220.; LARSEN-FREEMAN; CAMERON, 2008LARSEN-FREEMAN, D.; CAMERON, L. Complex systems and applied linguistics. Oxford: Oxford University Press, 2008.; LOWIE; VERSPOOR, 2015LOWIE, W.; VERSPOOR, M. Variability and variation in second language acquisition orders: a dynamic reevaluation. Language Learning , Hoboken, v. 65, n. 1, p. 63-88, 2015., 2019LOWIE, W.; VERSPOOR, M. H. Individual differences and the ergodicity problems. Language Learning , Hoboken, v. 69, p. 184-206. 2019. Supl. 1.;VERSPOOR; DE BOT; LOWIE, 2011VERSPOOR, M.; de BOT, K.; LOWIE, W. (Ed.). A dynamic approach to second language development: methods and techniques. Amsterdam: John Benjamins , 2011.; YU; LOWIE, 2019YU, H.; LOWIE, W. Dynamic paths of complexity and accuracy in second language speech: a longitudinal case study of chinese learners. Applied Linguistics, Oxford, v. 41, n. 6, p. 855-877, 2019.), ao caracterizá-la como um sistema aberto e adaptativo, sujeito a mudanças imprevisíveis e composto por agentes ativos que interagem entre si e são capazes de ocasionar outras interações emergentes que se autoestruturam e mudam constantemente. Para tal teoria, o sistema é composto por diversos elementos que permeiam desde as relações estruturais dos muitos níveis linguísticos aos múltiplos processos cognitivos envolvidos, sem dicotomia entre o que é linguístico e o que é extralinguístico.

Entende-se, a partir dessas premissas, que o desenvolvimento linguístico também está sujeito a influências externas que transpassam o mero aprendizado ou a tradicional concepção de aquisição de formas puras. O conhecimento linguístico é resultado de uma análise estimativa das normas de uma comunidade de fala por meio do aparelho cognitivo, do corpo humano e da dinâmica da interação social, inclusive com o ambiente. O cérebro não é apenas biológico, é também cultural. Ele é o processamento sequencial, o planejamento e a habilidade de categorização que nos possibilitam a construção de um sistema linguístico. Contudo, essas habilidades não demandam, de fato, o uso efetivo da linguagem: a necessidade da fala é resultado da interação social. Assim, embora a língua seja indiscutivelmente moldada por habilidades cognitivas, não podemos desconsiderar que tais atividades se estabelecem a partir da vida social, que acaba por ter um papel fundamental no que entendemos por língua. (BECKNER et al., 2009BECKNER, C.; BLYTHE, R.; BYBEE, J.; CHRISTIANSEN, M.; CROFT, W.; ELLIS, N.; HOLLAND, J.; KE, J.; LARSEN-FREEMAN, D.; SCHOENEMANN, T. Language is a complex adaptive system: position paper. Language Learning, Hoboken, v. 59, n. 1, p. 1-26, 2009.)

No ano de 2020, a humanidade conheceu uma nova situação de pandemia que afetou milhões de pessoas no mundo todo, mudando a maneira como interagimos e nos relacionamos com os outros. De maneira geral, a pandemia de covid-19 criou todo um novo conjunto de preocupações para o ser humano: o cuidado com a saúde própria e com a de entes queridos, a necessidade de distanciamento social e físico, as restrições de viagens, as fronteiras fechadas, a escassez de convívio diário, os serviços restritos e a incerteza quanto à volta da normalidade. Todos esses são fatores que influenciam o ambiente no qual estamos inseridos e, como fazemos parte desse grande sistema ecológico, as comunidades estão se adaptando ao “novo normal”. Com o sistema educacional, não seria diferente - escolas do mundo todo têm de se adequar a um modelo de ensino à distância, com recursos diferentes, enquanto os professores precisam lidar com os altos índices de estresse surgidos a partir da adoção dessa nova modalidade. (DONG; CAO; LI, 2020DONG, C.; CAO, S.; LI, H. Young children’s online learning during COVID-19 pandemic: Chinese parents’ beliefs and attitudes. Children and Youth Services Review, New York, v. 118, e105440, 2020.; PANISOARA et al., 2020PANISOARA, I. O.; LAZAR, I.; PANISOARA, G.; CHIRCA, R.; URSU A. S. Motivation and continuance intention towards online instruction among teachers during the COVID-19 pandemic: the mediating effect of burnout and technostress. International Journal of Environmental Research and Public Health, Basel, v. 17, n. 21, p. 8002, 2020.) Essas mudanças contínuas na pedagogia, aceleradas pela pandemia da covid-19, afetam o ensino de línguas e o modo como desenvolvemos línguas adicionais (MACINTYRE; GREGERSEN; MERCER, 2020MACINTYRE, P. D.; GREGERSEN, T.; MERCER, S. Language teachers’ coping strategies during the COVID-19 conversion to online teaching: correlations with stress, wellbeing and negative emotions. System, Amsterdam, v. 94, e102352, 2020.), o que inclui, mas não se limita ao uso crescente do ensino on-line em detrimento do ensino presencial, sobretudo em ambiente de dominância de língua materna. É importante estudar como essas tendências pedagógicas atuam no mais longo prazo, especialmente no que se refere à pesquisa acerca do desenvolvimento de línguas adicionais no Brasil, país predominantemente monolíngue.

Os estudos empírico-experimentais que adotam o paradigma da Teoria dos Sistemas Dinâmicos Complexos (TSDC) ainda são muito limitados em quantidade. Como previamente mencionado, o foco na língua como um sistema dinâmico complexo tem alcançado certo grau de desenvolvimento ao trazer premissas e contribuições teóricas em crescente popularidade entre acadêmicos bem-estabelecidos e professores de línguas. Embora tenhamos acesso a um grande manual de metodologia experimental dinâmica (VERSPOOR; DE BOT; LOWIE, 2011VERSPOOR, M.; de BOT, K.; LOWIE, W. (Ed.). A dynamic approach to second language development: methods and techniques. Amsterdam: John Benjamins , 2011.), são necessárias mais publicações acadêmicas que contribuam com a pesquisa empírica pautada na perspectiva do TSDC no Brasil, onde a pesquisa empírico-experimental que adota a perspectiva da TSDC ainda é muito escassa, particularmente no que concerne aos estudos longitudinais. (ALBUQUERQUE, 2019ALBUQUERQUE, J. I. A. Caminhos dinâmicos em inteligibilidade e compreensibilidade de línguas adicionais: um estudo longitudinal com dados de fala de haitianos aprendizes de Português Brasileiro. 2019. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019.; ALBUQUERQUE; ALVES, 2020ALBUQUERQUE, J. I. A.; ALVES, U. K. Uma visão dinâmica sobre a inteligibilidade de fala: um estudo longitudinal com haitianos e brasileiros. Entrepalavras, Fortaleza, v. 10, n. 1, p. 232-255, 2020.; ALVES; SANTANA, 2020ALVES, U. K.; SANTANA, A. Desenvolvimento das vogais do português brasileiro por um aprendiz argentino: uma análise de processo via teoria dos sistemas dinâmicos complexos (TSDCS). Estudos Linguísticos e Literários, Salvador, n. 67, p. 390-418, 2020.; LIMA JR., 2016aLIMA JR., R. M. A necessidade de dados individuais e longitudinais para análise do desenvolvimento fonológico de L2 como sistema complexo. Revista Virtual de Estudos da Linguagem, [s. l.], v. 14, n. 27, p. 203-225, 2016a., 2016bLIMA JR., R. M. Análise longitudinal de vogais do inglês-L2 de brasileiros. Gradus: Revista Brasileira de Fonologia de Laboratório, Curitiba, v.1, n.1, p. 145-176, 2016b., 2017LIMA JR., R. M. The influence of metalinguistic knowledge of segmental phonology on the production of English vowels by Brazilian undergraduate students. Ilha do Desterro, Florianópolis, v. 70, n. 3, p. 117-130, 2017.; LIMA JR.; ALVES, 2019LIMA JR., R. M.; ALVES, U. K. A dynamic perspective on L2 pronunciation development: bridging research and communicative teaching practice. Revista do GEL, São Paulo, v. 16, n. 2, p. 27-56, 2019.; PEREYRON, 2017PEREYRON, L. A produção vocálica por falantes de Espanhol (L1), Inglês (L2) e Português (L3): uma perspectiva dinâmica na (multi) direcionalidade da transferência linguística. 2017. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.; PEREYRON; ALVES, 2018aPEREYRON, L.; ALVES, U. K. A multi-direcionalidade da transferência da duração vocálica do português como L3 para a L1 (espanhol) e a L2 (inglês): um estudo longitudinal. Working Papers em Linguística, Florianópolis, v. 19, n. 2, p. 192-213, 2018a., 2018bPEREYRON, L.; ALVES, U. K. Efeitos da instrução articulatória das vogais médias baixas do Português (L3) no Espanhol (L1) e no Inglês (L2): um estudo de caso. Brazilian English Language Teaching, Porto Alegre, v. 9, n. 1, p. 167-189, 2018b.; SALVES; WANGLON; ALVES, 2020SALVES, D.; WANGLON, P.; ALVES, U. K. The role of L1 English speakers’ familiarity with Brazilian-accented English (L2) in the intelligibility of Brazilian learners of English (L2): a discussion on intelligibility from a Complex Dynamic Systems perspective. Ilha do Desterro , Florianópolis, v. 73, n. 1, p. 339-362, 2020.) Já no âmbito da pesquisa a respeito do ensino de línguas adicionais atrelada à TSDC, sobretudo na modalidade remota, os estudos são ainda mais escassos. (PAIVA, 2018PAIVA, V. L. M. O. Tecnologias digitais para o desenvolvimento de habilidades orais em inglês. DELTA, São Paulo, v. 34, n. 4, p. 1319-1351, 2018.) Além disso, não temos conhecimento de nenhum manual ou passo-a-passo sobre como conduzir estudos empírico-experimentais de curta ou longa duração ancorados na teoria que compila uma mudança na maneira de coletar dados na modalidade remota. A relevância dos estudos longitudinais para a realização de uma análise de processo é enfatizada (LOWIE; VERSPOOR, 2015LOWIE, W.; VERSPOOR, M. Variability and variation in second language acquisition orders: a dynamic reevaluation. Language Learning , Hoboken, v. 65, n. 1, p. 63-88, 2015., 2019LOWIE, W.; VERSPOOR, M. H. Individual differences and the ergodicity problems. Language Learning , Hoboken, v. 69, p. 184-206. 2019. Supl. 1.), pois, seguindo a visão de língua como um SDC, podem-se investigar as mudanças e interações, com possíveis transferências de padrões, entre os subsistemas de um falante multilíngue, a partir da observação do desenvolvimento de um aspecto fonético-fonológico da segunda língua (L2) e sua possível influência na alteração do sistema como um todo.

De acordo com essa teoria, o locus dos sistemas dinâmicos pode ser constituído por apenas um indivíduo (VERSPOOR, 2015VERSPOOR, M. Initial Conditions. In: DÖRNYEI, Z.; MacINTYRE, P. D.; HENRY, A. (Ed.). Motivational Dynamics in Language Learning . Bristol: Multilingual Matters , 2015. p. 38-46.), sendo possível, dentro de uma estrutura de sistema dinâmico, investigar os padrões de variabilidade ao longo do tempo e mapear as interações dos subsistemas a partir de um único indivíduo, analisando-o repetidas vezes. Além disso, a chave dos SDC é a variabilidade, pois ela é, dentro de qualquer subsistema, entendida como propriedade intrínseca do processo, capaz de ser a própria força propulsora para o desenvolvimento. (LOWIE; VERSPOOR, 2019LOWIE, W.; VERSPOOR, M. H. Individual differences and the ergodicity problems. Language Learning , Hoboken, v. 69, p. 184-206. 2019. Supl. 1.) Durante o desenvolvimento linguístico, prevê-se muita variação entre os dados por conta de períodos de estabilidade e de desestabilização, pois nesse processo o sistema está em constante mudança. Nesses períodos, podem-se observar picos de desestabilização do sistema, que - não sendo ruídos aleatórios - podem, por sua vez, ocasionar mudanças de fase, caracterizando alterações de estágios desenvolvimentais.

À luz de todas essas questões levantadas, o presente estudo tem como objetivo realizar uma análise de processo (LOWIE, 2017LOWIE, W. Lost in state space? Methodological considerations in Complex Dynamic Theory approaches to second language development research. In: ORTEGA, L.; HAN, Z. (Ed.). Complexity theory and language development: in celebration of Diane Larsen-Freeman. Amsterdam: John Benjamins , 2017. p. 123-141.), por meio de um estudo longitudinal, a fim de investigar a trajetória desenvolvimental de língua de falantes plurilíngues (português-L1, inglês-L2 e francês-L32 2 O presente trabalho faz parte de um projeto de pesquisa maior, que visa a investigar não somente o desenvolvimento de padrões da L2, mas também da L3. Por delimitação de espaço, o presente artigo concentra-se somente na L2. ) aprendizes de nível intermediário de inglês como L2. A TSDC é uma teoria essencialmente sobre mudanças ao longo do tempo e, portanto, é a perspectiva com o maior potencial para descrever e explicar o desenvolvimento e as mudanças linguísticas como um processo. (LOWIE, 2017LOWIE, W. Lost in state space? Methodological considerations in Complex Dynamic Theory approaches to second language development research. In: ORTEGA, L.; HAN, Z. (Ed.). Complexity theory and language development: in celebration of Diane Larsen-Freeman. Amsterdam: John Benjamins , 2017. p. 123-141.) Desse modo, as análises de recortes transversais dos fatores que afetam o produto do desenvolvimento em um momento específico do tempo não são suficientes para descrever o processo real de desenvolvimento, embora seja reconhecido que as duas formas de análise sejam complementares. (LOWIE; VERSPOOR, 2019LOWIE, W.; VERSPOOR, M. H. Individual differences and the ergodicity problems. Language Learning , Hoboken, v. 69, p. 184-206. 2019. Supl. 1.) Especificamente, este estudo longitudinal propõe-se a acompanhar remotamente, no período de três meses - com doze coletas de caráter semanal -, o desenvolvimento da produção de Voice Onset Time (VOT) por falantes brasileiros nativos de português, aprendizes pouco proficientes de inglês como L2, enquanto se realiza uma intervenção para acelerar o desenvolvimento da pronúncia por meio de seis sessões síncronas de instrução explícita de aspectos fonético-fonológicos da língua no formato de educação à distância (EaD). Tais sessões foram conduzidas entre a quarta e a nona semanas das coletas, de modo a investigar em que medida o desenvolvimento acelerado de uma L2 tipologicamente diferente das demais provoca alterações, ao longo do tempo, no sistema como um todo. Conduzimos o mesmo estudo com cinco participantes, buscando replicações de análises de processo (VERSPOOR, 2015VERSPOOR, M. Initial Conditions. In: DÖRNYEI, Z.; MacINTYRE, P. D.; HENRY, A. (Ed.). Motivational Dynamics in Language Learning . Bristol: Multilingual Matters , 2015. p. 38-46.) a fim de investigar as diferentes trajetórias desenvolvimentais do mesmo aspecto linguístico, nesse caso, o VOT, considerando-se os diferentes estágios e condições iniciais desses indivíduos.

Em linhas gerais, o VOT é caracterizado como o intervalo de tempo de retardo entre a soltura de uma consoante plosiva e o início da vibração vocálica do segmento seguinte. (LISKER; ABRAMSON, 1964LISKER, L.; ABRAMSON, A. S. A cross-language study of voicing in initial stops: acoustical measurements. Word, Abingdon, v. 20, n. 3, p. 384-422, 1964.) Nas línguas conhecidas do mundo, podemos verificar três tipos principais de padrões de produção de VOT: VOT zero, VOT positivo e VOT negativo. A escolha desse objeto de estudo deu-se devido à sua crescente relevância para sustentar a visão dinâmica de língua, o que envolve questões que permeiam a transferência linguística em múltiplas direções (COHEN, 2004COHEN, G. V. The VOT Dimension: a bi-directional experiment with English Brazilian Portuguese stops. 2004. Dissertação (Mestrado em Letras) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.; KUPSKE, 2016KUPSKE, F. Imigração, atrito e complexidade: a produção das oclusivas surdas do inglês e do português por brasileiros residentes em Londres. 2016. Tese (Doutorado em Letras) - Instituto de Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.; SCHERESCHEWSKY; ALVES; KUPSKE, 2017SCHERESCHEWSKY, L. C.; ALVES, U. K.; KUPSKE, F. F. First language attrition: the effects of English (L2) on Brazilian Portuguese VOT patterns in na L1-dominant environment. Letrônica, Porto Alegre, v. 10, n. 2, p. 700-716, 2017., 2019SCHERESCHEWSKY, L. C.; ALVES, U. K.; KUPSKE, F. F. Atrito linguístico em plosivas em início de palavra: dados de bilíngues e trilíngues. Revista Linguíʃtica, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 10-29, 2019.), a influência tipológica nessas transferências (LLAMA, 2008LLAMA, R. Cross-linguistic influence in third language acquisition: the roles of typology and L2 status. 2008. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) - Concordia University, Montreal, 2008.; LLAMA; LÓPEZ-MORELOS, 2016LLAMA, R.; LÓPEZ-MORELOS, L. P. VOT production by Spanish heritage speakers in a trilingual context. International Journal of Multilingualism, Abingdon, v. 13, n. 4, p. 444-458, 2016.; LLAMA; CARDOSO; COLLINS, 2010LLAMA, R.; CARDOSO, W.; COLLINS, L. The influence of language distance and language status on the acquisition of L3 phonology. International Journal of Multilingualism , Abingdon, v. 7, n. 1, p. 39-57, 2010.), além de seu status fundamental de distinção, entre os falantes nativos de inglês, entre segmentos surdos e sonoros iniciais. (SCHWARTZHAUPT, 2015SCHWARTZHAUPT, B. M.; ALVES, U. K.; FONTES, A. B. A. L. The role of L1 knowledge on L2 speech perception: investigating how native speakers and Brazilian learners categorize different VOT patterns in English. Revista de Estudos da Linguagem, Belo Horizonte, v. 23, n. 2, p. 311-334, 2015.; SCHWARTZHAUPT; ALVES; FONTES, 2015SCHWARTZHAUPT, B. M. Testing intelligibility in English: the effects of positive VOT and contextual information in a sentence transcription task. 2015. Dissertação (Mestrado em Letras) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.) Grosso modo, de acordo com a literatura citada, as línguas escolhidas para o estudo, português e inglês, apresentam dois padrões tipológicos distintos em posição inicial de palavra: enquanto o português apresenta VOT negativo (pré-vozeamento) para plosivas sonoras e VOT zero (não aspiração) para plosivas surdas, o inglês apresenta VOT zero para plosivas sonoras3 3 O padrão VOT negativo também pode ser produzido variavelmente com o VOT zero nas plosivas iniciais. (LISKER; ABRAMSON, 1964) e VOT positivo para plosivas surdas. A partir do estudo desse aspecto fonético-fonológico podemos observar, então, questões referentes à multidirecionalidade da transferência, à adaptabilidade e à capacidade de auto-organização da língua.

Este trabalho tem, portanto, a intenção de contribuir empiricamente para a compreensão desses aspectos, que podem, por sua vez, contribuir para o entendimento do processo de desenvolvimento das línguas adicionais à luz da TSDC. Ademais, pretendemos trazer contribuições metodológicas a respeito do ensino de línguas e da condução de um estudo empírico de maneira remota. Em tempos da “nova realidade” de distanciamento social por conta da pandemia de covid-19, a ciência brasileira ainda tenta entender as mudanças necessárias para garantir a segurança na condução dos estudos empírico-experimentais, o que se torna ainda mais desafiador em termos de estudos fonético-fonológicos, cujos recursos instrumentais frequentemente demandam uma coleta presencial de dados.

2 Metodologia

2.1 Objetivos

O objetivo geral deste estudo é realizar uma análise de processo a partir de um estudo longitudinal, a fim de investigar a trajetória desenvolvimental linguística, durante o período de isolamento social em função da pandemia de covid-19, de cinco falantes plurilíngues, aprendizes de inglês como L2. Como objetivos específicos deste trabalho, temos um de cunho mais qualitativo, em que buscamos (1) averiguar o papel da instrução explícita remota de um padrão de VOT positivo dessa L2, tipologicamente diferente das demais línguas, na aceleração do desenvolvimento fonético-fonológico desses falantes (PEREYRON, 2017PEREYRON, L. A produção vocálica por falantes de Espanhol (L1), Inglês (L2) e Português (L3): uma perspectiva dinâmica na (multi) direcionalidade da transferência linguística. 2017. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017., PEREYRON; ALVES, 2018bPEREYRON, L.; ALVES, U. K. Efeitos da instrução articulatória das vogais médias baixas do Português (L3) no Espanhol (L1) e no Inglês (L2): um estudo de caso. Brazilian English Language Teaching, Porto Alegre, v. 9, n. 1, p. 167-189, 2018b.), e um de cunho quantitativo, em que pretendemos (2) verificar possíveis picos significativos de VOT através de uma simulação de Monte Carlo com 10.000 interações (Verspoor; de Bot; Lowie, 2011VERSPOOR, M.; de BOT, K.; LOWIE, W. (Ed.). A dynamic approach to second language development: methods and techniques. Amsterdam: John Benjamins , 2011.), de modo a determinar se alterações bruscas no subsistema são resultados de ruído, ou indicativas de mudanças de padrões.

2.2 Hipóteses

A partir da elaboração dos objetivos supracitados, algumas hipóteses podem ser levantadas, ao prevermos que (1) a instrução explícita de um padrão de VOT positivo terá efeito na aceleração do desenvolvimento fonético-fonológico dos falantes, mesmo se conduzidas de maneira remota,4 4 Entende-se que a modalidade remota apresenta diferenças em relação ao ensino presencial, uma vez que, por exemplo, os estímulos sonoros e visuais podem sofrer interferências de captação ou reprodução no computador. além de conjecturarmos que (2) haverá picos significativos máximos nas linhas desenvolvimentais nas três consoantes-alvo, sobretudo após o início da instrução explícita acerca da L2, de modo a evidenciar que as alterações nas produções de VOT são indicadoras de uma desestabilização no sistema que pode levar a uma mudança de padrão.

2.3 Desenho

Conforme mencionado na introdução, o presente trabalho refere-se a um estudo longitudinal que se propôs a trabalhar com falantes plurilíngues, pouco proficientes em inglês-L2, acompanhando-os por doze semanas (três meses) e realizando-se uma intervenção pedagógica para acelerar o desenvolvimento fonético-fonológico dessa L2 tipologicamente diferente das demais, através de seis sessões de instrução explícita no meio desses três meses. Especificamente, o desenho deste estudo quasi experimental se deu ao longo de treze semanas, já que na primeira semana realizamos um convite aberto aos participantes, que voluntariamente preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e os questionários do estudo,5 5 Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Instituição de Ensino Superior dos autores, tendo sido obtido, via Plataforma Brasil, parecer de aprovação com o número CAAE 28634620.8.0000.5347. disponibilizados on-line. Da segunda à quarta semana, os participantes realizaram gravações semanais com uma tarefa de leitura em voz alta de frases-veículo de maneira individual e remota. Da quinta à décima semana, os voluntários participaram, também individualmente, de seis sessões semanais síncronas por Google Meet, com aulas de 45 minutos com instrução explícita de fonética e fonologia de inglês, ministradas pela pesquisadora, além de realizarem as mesmas gravações semanais após cada sessão de instrução. Cabe mencionar que essas sessões via Google Meet não faziam parte do projeto original para o estudo, que previa encontros presenciais, porém a plataforma foi escolhida por atender à demanda de adaptar a instrução para a modalidade remota, necessária durante o período de isolamento social decorrente da pandemia de covid-19, além de ser gratuita e on-line. Por fim, as semanas onze, doze e treze foram semelhantes às de número dois a quatro, nas quais os participantes apenas realizaram as gravações semanais com as tarefas de leitura em voz alta, de modo individual e remoto.

2.4 Participantes

Para a realização deste estudo, contamos com a participação de forma remota de cinco voluntários residentes de Porto Alegre (RS) que permaneceram na cidade ou na região metropolitana durante todo o período de isolamento social. Todos os participantes eram falantes nativos do mesmo dialeto de português, falantes de inglês como segunda língua (L2) e de francês como terceira língua (L3). Cabe mencionar que essa amostra de falantes trilíngues faz parte de uma amostra maior referente a um projeto de pesquisa de mais longo alcance, em que é preciso manter o controle metodológico de encontrar falantes dessas três línguas específicas, e, uma vez que o conhecimento de língua francesa como L3 não exerce influência significante na produção de VOT em inglês como L2 (LLAMA, 2008LLAMA, R. Cross-linguistic influence in third language acquisition: the roles of typology and L2 status. 2008. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) - Concordia University, Montreal, 2008.), mantivemos o recorte desses mesmos participantes para o estudo atual. Em relação ao perfil dos cinco participantes, quatro deles eram mulheres e um era um homem, tendo eles com média de idade de 25,6 anos. Antes do período de coleta de dados, todos os participantes assinaram virtualmente um TCLE enviado por e-mail e preencheram uma versão adaptada do Questionário de Experiência e Proficiência Linguística de Scholl e Finger (2013SCHOLL, A. P; FINGER, I. Elaboração de um questionário de histórico da linguagem para pesquisas com bilíngues. Nonada: Letras em revista, Porto Alegre, v. 2, n. 21, p. 1-17, 2013.), a fim de registrar particularidades acerca de suas trajetórias de desenvolvimento linguístico e identificar, através de uma seção de autoavaliação do referido questionário, a proficiência em aspectos como leitura, escrita, compreensão oral e fala, para melhor compreender o momento em que se encontravam no início da participação no estudo.

Como este trabalho analisa dados individuais, cabe identificar a situação de cada participante no período de coleta de dados, pois, apesar de todos estarem em casa em isolamento social, cada um relatou um cotidiano diferente durante o período. Essas descrições são de vital importância em uma análise alicerçada na TSDC, sobretudo ao considerarmos o participante como locus. Reiteramos que conduzimos o mesmo estudo com cinco participantes, buscando replicações de análises de processo (VERSPOOR, 2015VERSPOOR, M. Initial Conditions. In: DÖRNYEI, Z.; MacINTYRE, P. D.; HENRY, A. (Ed.). Motivational Dynamics in Language Learning . Bristol: Multilingual Matters , 2015. p. 38-46.) a fim de investigar diferentes trajetórias desenvolvimentais do mesmo aspecto linguístico, considerando-se diferentes estágios e condições iniciais. Assim, o Participante 1 relatou morar sozinho e não estar trabalhando durante o período de isolamento social, utilizando majoritariamente a Língua 1 para comunicação virtual e a Língua 2 para consumo de entretenimento. Em relação à proficiência, autoavaliou-se com uma nota média de 8,25 em inglês (10, 7, 8, 8 em leitura, escrita, compreensão oral e fala, respectivamente) e 8 em francês (10, 8, 7, 7). A Participante 2 relatou morar com o namorado falante bilíngue de inglês e trabalhar diariamente na Língua 1, ministrando aulas on-line de redação em língua portuguesa, além de utilizar a Língua 2 para entretenimento em inglês e as configurações do celular em francês, na Língua 3. Em relação à proficiência, autoavaliou-se com uma nota média de 8,75 em inglês (9, 8, 9, 9) e 5,75 em francês (7, 5, 5, 6). A Participante 3 mora sozinha e relatou trabalhar diariamente por Zoom em português e em inglês, utilizando suas Línguas 1 e 2 também para entretenimento - a Língua 3 fica restrita ao consumo eventual de conteúdo na internet. Em relação à proficiência, autoavaliou-se com uma nota média de 5,5 em inglês (5, 4, 6, 5) e 4 em francês (4, 3, 4, 5). Por fim, a Participante 4 e a Participante 5 moram juntas e trabalham diariamente com francês, relatando rotinas semelhantes. Ambas participantes relataram uso majoritário da Língua 1 para atividades acadêmicas e comunicação e da Língua 3 para trabalho, ao ministrarem aulas on-line de francês - a Língua 2 é pouco utilizada, apenas para eventual consumo de entretenimento. A Participante 4 avaliou-se com uma proficiência 6 em inglês (7, 5, 6, 6) e 10 em francês (10, 10, 10, 10), enquanto a Participante 5 avaliou-se com 6 em inglês (6, 5, 8, 5) e também 10 em francês (10, 10, 10, 10).

2.5 Instrumentos e procedimentos de coleta

Por conta da pandemia de covid-19, os procedimentos para a implementação do projeto que foram aprovados pelo CEP, que previam a condução do experimento de maneira presencial, precisaram ser adaptados. Para a realização do estudo de maneira remota, foi, então, enviado aos participantes por e-mail o link para uma pasta compartilhada do Google Drive com acesso restrito ao participante e aos pesquisadores. Nessa pasta, havia um documento de texto interativo com uma versão adaptada do Questionário de Histórico da Linguagem de Scholl e Finger (2013SCHOLL, A. P; FINGER, I. Elaboração de um questionário de histórico da linguagem para pesquisas com bilíngues. Nonada: Letras em revista, Porto Alegre, v. 2, n. 21, p. 1-17, 2013.) e também um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Todos os participantes preencheram os dois documentos voluntariamente. Após o preenchimento do TCLE e do questionário, foram incluídas subpastas intituladas de “Semana 1” a “Semana 12”, contendo os instrumentos de coleta de dados, cujos conteúdos eram liberados semanalmente pela pesquisadora. A parte experimental deste estudo contava essencialmente com dois módulos de instrumentos: um módulo com instrumentos referentes a uma tarefa de leitura em voz alta, realizada pelos participantes de maneira remota, e um módulo com instrumentos referentes às sessões de instrução explícita. Os dois módulos de instrumentos de coleta de dados serão abordados nas subseções seguintes.

2.5.1 Instrumentos referentes à tarefa de leitura

Como previamente mencionado, o principal instrumento de coleta de dados do estudo referia-se a uma tarefa de leitura. Na pasta compartilhada do Drive referente a cada semana de coleta, além da apresentação de slides de PowerPoint com as listas de palavras a serem lidas para a atividade, havia, também, um documento de texto com instruções para a preparação e realização da tarefa, que utilizava um computador e um aparelho celular de uso pessoal do participante na segurança de sua própria residência. Nesse documento, havia imagens e direções com um passo a passo para o download de um aplicativo para celular para o auxílio das gravações intitulado AVRx (NEWKLINE, 2014Newkline. Awesome Voice Recorder [software mobile]. [S. l.]: Newkline, 2014. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3xHZCdJ . Acesso em: 13 abr. 2020.
https://bit.ly/3xHZCdJ...
) e disponível para plataformas Android e iOS. Um exemplo da primeira página do documento com as instruções pode ser visto na Figura 1.

Figura 1
Recorte do documento com instruções para os participantes

A tarefa a que os participantes foram submetidos consistia na leitura em voz alta de slides com 24 frases-veículo “I would say _.”, em inglês, seguidas por palavras-alvo com /p/, /t/ e /k/ em posição inicial, todas com três repetições apresentadas em ordem aleatória, além de frases com palavras distratoras. Como os participantes realizariam a tarefa de leitura dos mesmos instrumentos durante as doze semanas do estudo, as listas de frases com as palavras-alvo foram randomizadas doze vezes. Além disso, as palavras distratoras foram mudadas a cada semana, de modo que, a partir do início das sessões de instrução explícita, as palavras escolhidas como distratores apresentavam o mesmo aspecto fonético-fonológico em foco na sessão de instrução referente àquela semana.

Para a seleção das palavras-alvo iniciadas pelas plosivas surdas em estudo, também foram usados os mesmos critérios adotados previamente em Kupske (2016KUPSKE, F. Imigração, atrito e complexidade: a produção das oclusivas surdas do inglês e do português por brasileiros residentes em Londres. 2016. Tese (Doutorado em Letras) - Instituto de Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.) e em Schereschewsky, Alves e Kupske (2017SCHERESCHEWSKY, L. C.; ALVES, U. K.; KUPSKE, F. F. First language attrition: the effects of English (L2) on Brazilian Portuguese VOT patterns in na L1-dominant environment. Letrônica, Porto Alegre, v. 10, n. 2, p. 700-716, 2017., 2019SCHERESCHEWSKY, L. C.; ALVES, U. K.; KUPSKE, F. F. Atrito linguístico em plosivas em início de palavra: dados de bilíngues e trilíngues. Revista Linguíʃtica, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 10-29, 2019.), de acordo com os quais, além de se controlar o número de sílabas das palavras, foram levados em consideração os contextos vocálicos seguintes, pois os estudos anteriores presentes na literatura já verificaram que essas condições podem afetar a produção de VOT nessas plosivas. (COHEN, 2004COHEN, G. V. The VOT Dimension: a bi-directional experiment with English Brazilian Portuguese stops. 2004. Dissertação (Mestrado em Letras) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.) Assim, as palavras-alvo foram escolhidas a partir de dois contextos vocálicos: (1) plosivas precedendo vogal alta posterior e (2) plosivas precedendo vogal baixa posterior, resultando em seis categorias (/p/, /t/ e /k/ seguidas de vogal alta posterior e de baixa posterior). Cada uma dessas categorias foi representada por três palavras-alvo de modo a contarmos com dezoito palavras-alvo (seis por consoante-alvo) e seis itens distratores. Além disso, mantivemos a metodologia de Kupske (2016KUPSKE, F. Imigração, atrito e complexidade: a produção das oclusivas surdas do inglês e do português por brasileiros residentes em Londres. 2016. Tese (Doutorado em Letras) - Instituto de Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.) e de Schereschewsky, Alves e Kupske (2017SCHERESCHEWSKY, L. C.; ALVES, U. K.; KUPSKE, F. F. First language attrition: the effects of English (L2) on Brazilian Portuguese VOT patterns in na L1-dominant environment. Letrônica, Porto Alegre, v. 10, n. 2, p. 700-716, 2017.; 2019SCHERESCHEWSKY, L. C.; ALVES, U. K.; KUPSKE, F. F. Atrito linguístico em plosivas em início de palavra: dados de bilíngues e trilíngues. Revista Linguíʃtica, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 10-29, 2019.) de coletar nove tokens para cada um dos types (ou três tokens por alvo); dessa forma, cada participante realizou, em cada semana, a leitura em voz alta de três sequências diferentes com repetições dos itens, com pequenas pausas entre elas para descanso. As apresentações tinham um intervalo de transição automática de três segundos entre os slides com frases-veículo e palavras-alvo e de sete segundos entre os slides com instruções, totalizando cerca de cinco minutos para cada tarefa de leitura. Ao fim das gravações, os participantes haviam sido instruídos a compartilharem os arquivos de áudio na pasta do Google Drive. Como eram arquivos de áudio muito grandes, para que os participantes não fossem lesados de nenhuma maneira, a primeira pesquisadora deste trabalho imediatamente solicitava permissão para salvar os arquivos, de modo que não fosse utilizada a capacidade de armazenamento pessoal da nuvem de cada um, e sim o de um e-mail feito exclusivamente para a realização desta pesquisa.

2.5.2 Materiais para o planejamento e desenvolvimento das sessões de instrução explícita

Conforme o desenho previsto para a condução deste estudo, entre as semanas cinco e dez do período de coleta de dados, ocorridas entre maio e junho de 2020, realizamos seis sessões de instrução explícita de aspectos fonético-fonológicos de inglês, a fim de acelerar o desenvolvimento do subsistema de língua inglesa dos nossos participantes, com foco no desenvolvimento de um padrão de VOT tipologicamente diferente do padrão da L1. As sessões de instrução foram individuais para os Participantes 1, 2 e 3, e em dupla para as Participantes 4 e 5, por opção própria delas, uma vez que moravam juntas. Todas as sessões ocorreram de maneira remota, por meio da plataforma Google Meet, e tiveram duração média de 45 minutos.

Essas mini-aulas foram conduzidas com um metodologia comunicativa com base nas propostas de Zimmer, Silveira, Alves (2009ZIMMER, M.; ALVES, U. K.; SILVEIRA, R. Pronunciation instruction for Brazilians: bringing theory and practice together. Cambridge: Cambridge Scholars Publishing , 2009.), Celce-Murcia, Brinton e Goodwin (2010CELCE-MURCIA, M.; BRINTON, D. M.; GOODWIN, J. M. Teaching Pronunciation: a course book and reference guide. 2. ed. Cambridge: Cambridge Scholars Publishing, 2010.) e Alves, Brisolara e Perozzo (2017ALVES, U. K.; BRISOLARA, L. B.; PEROZZO, R. V. Curtindo os sons do Brasil: fonética do português do Brasil para hispanofalantes. Lisboa: Lidel, 2017.), além de exercícios propostos no canal do Youtube denominado “Sounds American”.6 6 Canal de acesso gratuito com conteúdos públicos em formato de vídeo na plataforma YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UC-MSYk9R94F3TMuKAnQ7dDg. Acesso em: 28 mar. 2020. De acordo com os primeiros, “as práticas pedagógicas devem direcionar o enfoque aos detalhes que não seriam percebidos de outra maneira, pois alguns aspectos sonoros podem ser salientes ao ouvido nativo, mas não facilmente percebidos pelo aprendiz”. (ZIMMER; SILVEIRA; ALVES, 2009ZIMMER, M.; ALVES, U. K.; SILVEIRA, R. Pronunciation instruction for Brazilians: bringing theory and practice together. Cambridge: Cambridge Scholars Publishing , 2009., p. XV) Conforme o modelo sugerido pelos autores supracitados, cada sessão organizava-se em cinco etapas: (1) descrição e análise, com os detalhes formais dos aspectos fonético-fonológicos explicitados; (2) discriminação auditiva, com exposição dos sons da língua inglesa através de áudios encontrados publicamente no canal “Sounds American”; (3) prática controlada, com atividades em que se repetiam as estruturas apresentadas; (4) prática guiada, com atividades que induziam a utilização dos aspectos estudados de maneira mais livre; e (5) prática comunicativa, com um debate ou discussão aberta que possibilitava o exercício das formas trabalhadas naquela sessão. Considerando as premissas dinâmicas de interconectividade do sistema (LARSEN-FREEMAN, 2015LARSEN-FREEMAN, D. Ten ‘lesssons’ from Dynamic Systems Theory: what is on offer. In: DÖRNYEI, Z.; MacINTYRE, P. D.; HENRY, A. (Ed.). Motivational dynamics in language learning. Bristol: Multilingual Matters, 2015. p. 11-19., 2017LARSEN-FREEMAN, D. Complexity Theory: the lessons continue. In: ORTEGA, L.; HAN, Z. (Ed.). Complexity theory and language development: in celebration of Diane Larsen-Freeman. Amsterdam: John Benjamins , 2017. p. 11-50.) e da impossibilidade de se isolar os elementos que o compõem, julgamos necessário inserir aspectos de língua inglesa que tangenciam e/ou influenciam a produção de VOT, aspectos esses referentes tanto a sons consonantais como a sons vocálicos. Ademais, Alves (2015ALVES, U. K. Ensino de pronúncia na sala de aula de língua estrangeira: questões de discussão a partir de uma concepção de língua como sistema adaptativo e complexo. Revista Versalete, Curitiba, v. 3, nº 5, 2015.), Kupske e Alves (2017KUPSKE, F.; ALVES, U. K. Orquestrando o caos: o ensino de pronúncia de língua estrangeira à luz do paradigma da complexidade. Fórum Linguístico, Florianópolis, v. 14, n. 4, p. 2771-2784, 2017.) e Lima Jr. e Alves (2019LIMA JR., R. M.; ALVES, U. K. A dynamic perspective on L2 pronunciation development: bridging research and communicative teaching practice. Revista do GEL, São Paulo, v. 16, n. 2, p. 27-56, 2019.) enfatizam o caráter pedagógico da instrução formal dos aspectos fonético-fonológicos e apontam que as etapas sugeridas pelo modelo têm de estar a serviço de um tópico comunicativo maior, de modo a tornar o ensino mais relevante e motivador para o público-alvo. Assim, depois de uma ambientação inicial, cada sessão tinha um tema como tópico conversacional adaptado à rotina de isolamento social e escolhido pelos pesquisadores, com foco em um aspecto fonético-fonológico característico de inglês, escolhido com base em Zimmer, Silveira e Alves (2009ZIMMER, M.; ALVES, U. K.; SILVEIRA, R. Pronunciation instruction for Brazilians: bringing theory and practice together. Cambridge: Cambridge Scholars Publishing , 2009.). Em todas as sessões, era reforçado e revisado o aspecto-foco da pesquisa, o padrão diferente do VOT positivo com aspiração, como mostra a Figura 2.

Figura 2
Slide referente a uma parte da sessão de instrução explícita sobre aspiração

A partir dessa configuração padrão, cada sessão de instrução formal estruturou-se em cima dos seguintes tópicos: na sessão um, o tópico foi “cinema e o consumo de filmes durante a quarentena”, enquanto o foco formal era na aspiração do VOT positivo em /p/, /t/ e /k/ iniciais na língua inglesa. Na sessão dois, o tópico foi centrado em “música e as apresentações em casa em formato de lives dos artistas”, enquanto o aspecto fonético-fonológico estudado era a duração da vogal na produção de /b/, /d/ e /g/ em posição final. A sessão três teve como tópico conversacional “celebridades, tabloides e nomes artísticos”, enquanto o aspecto fonético-fonológico foi nas consoantes nasais finais.

Conforme as premissas da teoria regente dessa pesquisa a respeito da interconectividade do sistema, em especial os trabalhos mencionados que estudam especificamente a produção de VOT, julgamos necessário que, depois das três primeiras sessões com foco em aspectos relacionados aos sons consonantais da língua inglesa, as outras três apresentassem minúcias sobre diferenciações entre sons vocálicos de inglês. A sessão quatro, então, teve como tópico “o período de isolamento social e a necessidade de ficar em casa”, de modo que o aspecto linguístico estudado fosse as diferenças entre as vogais /i:/ e / ɪ / e as vogais / ɛ/ e /æ/. Na sessão cinco, o tópico abordado foi “crenças e superstições populares”, enquanto o foco foi na diferença entre as vogais / ʊ/ e /u:/. Por fim, a última sessão, sessão seis, teve como tópico “a alimentação em isolamento social”, e o aspecto fonético-fonológico estudado foi a diferença entre as vogais / ʌ/ e /ə/ da língua inglesa. Mais uma vez, é necessário reiterar que, apesar do aspecto linguístico em destaque variar em cada sessão, as características da estrutura do aspecto-foco deste estudo, a aspiração que caracteriza o padrão de Voice Onset Time positivo em inglês, eram abordadas em algum momento da aula e fomentadas, seja nos exemplos citados do tópico conversacional, seja nos exercícios de discriminação auditiva, como mostra a Figura 3.

Figura 3
Slide referente a uma parte da sessão de instrução explícita sobre nasais

Ao final da última sessão de instrução explícita, a pesquisadora deste estudo, responsável por ministrar as sessões, conduziu uma atividade de revisão de todos os aspectos estudados, indicando pistas de como melhorar tanto a percepção quanto a produção da pronúncia dos referidos aspectos (por exemplo, a aspiração - aspecto estudado na sessão um - foi referida como “o fenômeno da PeTeCa” pelo fato de essa palavra compreender os três sons aspirados em posição inicial em inglês). Após tratamento e compilação dos materiais utilizados nas sessões, uma nova subpasta foi compartilhada com cada participante para que lhe fosse disponibilizado todo o material para uso, revisão e estudo próprios.

2.6 Procedimentos de análise de dados

As análises acústicas dos valores de VOT das plosivas produzidas pelos participantes foram realizadas através do software Praat (BOERSMA; WEENINK, 2020BOERSMA, P.; WEENINK, D. Praat: Doing Phonetics by Computer: version 6.1.16 [software]. Amsterdam: University of Amsterdam, 2020. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3gW1Orl . Acesso em: 08 ago 2020.
https://bit.ly/3gW1Orl...
), versão 6.1.16 para Mac. Neste trabalho, por conta das restrições de tempo, analisamos apenas o valor absoluto das produções de VOT. Isso quer dizer que, ao analisar a onda acústica da gravação, olhamos apenas para o dado referente à plosiva inicial de cada uma das palavras, sem analisar a percentagem de tempo em que ela ocupa na frase toda. Os critérios para a medição do VOT seguem aqueles de Schereschewsky, Alves e Kupske (2019SCHERESCHEWSKY, L. C.; ALVES, U. K.; KUPSKE, F. F. Atrito linguístico em plosivas em início de palavra: dados de bilíngues e trilíngues. Revista Linguíʃtica, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 10-29, 2019.): seleciona-se o período de surdez da consoante inicial imediatamente após a soltura da plosiva até a marca do primeiro pulso regular da vibração vocálica seguinte. Os dados das três repetições das três consoantes foram registrados na escala de milissegundos e ordenados em tabelas do Microsoft Excel, resultando em 648 entradas com valores de duração da produção VOT por participante, sendo 54 tokens por semana por doze semanas. Essas entradas foram então reordenadas por types e, em seguida, divididas por consoante, de modo que a tabela final com os dados acústicos contava com 216 dados de VOT por participante para serem analisados estatisticamente.

Em relação às análises estatísticas, seguimos as diretrizes do manual de metodologia experimental dinâmica de Verspoor, De Bot e Lowie (2011VERSPOOR, M.; de BOT, K.; LOWIE, W. (Ed.). A dynamic approach to second language development: methods and techniques. Amsterdam: John Benjamins , 2011.). Com uma abordagem dinâmica ao desenvolvimento de L2, olha-se para a variabilidade como um elemento inerente a qualquer sistema complexo, ou seja, o modo como uma variável que reflete dados singulares em relação a como um sistema muda ao longo tempo, desde o recorte de um estado de relativa estabilidade até o momento em que se muda de uma fase para outra. Nesse sentido, uma análise de processo opta pelo olhar para a não-linearidade do desenvolvimento e, por isso, seguindo a proposta de Van Dijk, Verspoor e Lowie (2011Van DIJK, M.; VERSPOOR, M.; LOWIE, W. Variability and DST. In: VERSPOOR, M.; de BOT, K.; LOWIE, W. (Ed.). A dynamic approach to second language development: methods and techniques. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2011. p. 55-84.), realizamos uma análise de picos através de simulações de Monte Carlo. Esse tipo de cálculo serve para verificar a significância dos picos de variabilidade, isto é, para observar se as mudanças bruscas nos dados longitudinais são indicativos de uma mudança de fase na aprendizagem ou se são apenas fruto de ruído aleatório. Para isso, instalou-se um suplemento gratuito para Microsoft Excel denominado PopTools (HOOD, 2009HOOD, G. Poptools [software]. Canberra: Pest Animal Control Co-operative research Center (CSIRO), 2009. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3gPunGU . Acesso em: 5 ago. 2020.
https://bit.ly/3gPunGU...
) e inseriram-se os dados em planilhas no modelo sugerido no manual. (VERSPOOR; DE BOT; LOWIE, 2011VERSPOOR, M.; de BOT, K.; LOWIE, W. (Ed.). A dynamic approach to second language development: methods and techniques. Amsterdam: John Benjamins , 2011., p. 172-176) Para esta análise, escolhemos trabalhar com as médias dos valores de duração de VOT entre os seis types de cada consoante-alvo, ou seja, organizamos três tabelas paralelas para cada participante: uma para /p/, uma para /t/ e uma para /k/.

Para calcularmos os picos de desempenho, seguimos essencialmente três passos: primeiro, calculamos a distância entre os valores dos pontos de coleta, verificando as médias móveis. Com isso, identificamos a distância máxima entre cada média móvel em janelas de tamanho de 2, 3, 4, 5 e 6 casas, com o maior valor entre todos esses resultados, isto é, a maior distância entre médias móveis, definido como o critério empírico de maior pico de desempenho. Para o segundo passo, utilizamos a ferramenta PopTools para “embaralhar” os dados e simular uma nova organização da amostra, de modo a repetir exatamente os mesmos cálculos do primeiro passo com a amostra reorganizada. Por fim, para o terceiro passo, acionamos novamente o PopTools para a realização das simulações de Monte Carlo. Para a nossa amostra, determinamos a replicação da amostra em 10.000 simulações e verificamos a ocorrência de picos máximos e mínimos, ou seja, de aumentos ou quedas bruscas nos valores das médias móveis das produções de VOT entre os pontos de coleta. O resultado final da estatística das simulações (o valor de “p”) foi encontrado a partir do quociente entre o número de vezes em que as simulações obtinham um critério empírico maior ou igual, no caso de picos máximos, e menor ou igual, para picos mínimos, ao critério original, dividido pelo número de simulações feitas (10.000). Em síntese, as simulações de Monte Carlo auxiliaram a verificar a probabilidade da variabilidade entre o desempenho ao longo do tempo ser fruto do acaso, representando uma instabilidade natural do sistema, ou ser fruto de uma mudança provocada pelo aprendizado de um novo padrão. Nesse caso, quanto menor o número de vezes em que as simulações obtiverem uma distância entre as médias móveis maior ou igual (ou menor ou igual, no caso de picos mínimos) do que a maior distância encontrada originalmente, menor o número de p e, portanto, mais significativo o pico - o que é um grande indicador de que aquela variação pode ser o resultado de um sistema em mudança. A seção seguinte conterá os resultados obtidos a partir da análise descrita acima.

3 Resultados

3.1 Análise descritiva das trajetórias desenvolvimentais

Primeiramente, apresentamos aqui os dados brutos das médias de produção de VOT em inglês dos nossos participantes nas três consoantes estudadas. Como mencionado anteriormente, por questões de espaço, apresentamos apenas os valores absolutos dessas médias de produção das palavras-alvo em inglês. Abaixo, encontram-se os dados referentes aos cinco participantes, com uma entrada para cada coleta ao longo das doze semanas na escala de milissegundos (ms). Os dados referentes à produção da plosiva bilabial encontram-se na Tabela 1:

Tabela 1
Médias de duração de VOT de [p] em ms

Em seguida, os dados referentes à produção da plosiva coronal encontram-se na Tabela 2:

Tabela 2
Médias de duração de VOT de [t] em ms

Por fim, os dados referentes à produção da plosiva velar encontram-se na Tabela 3:

Tabela 3
Médias de duração de VOT de [k] em ms

A partir da análise descritiva dos dados de VOT, podemos identificar um padrão evidente de instabilidade na produção das três consoantes para os cinco participantes, uma vez que todos apresentaram muita variabilidade nas médias, e nenhum participante permaneceu com o sistema perfeitamente estável se compararmos os diversos pontos do início ao final do período de coletas. Ademais, chama a atenção o visível aumento do número absoluto das médias em todos os quesitos, o que é um indicativo inicial do efeito das sessões de instrução explícita no desenvolvimento desse padrão da L2 - os valores médios da duração do VOT nas três consoantes-alvo apresentam cada vez mais variabilidade e aumentam consideravelmente a partir do início da intervenção (entre as coletas 3 e 4).

Salvas as limitações de não termos o controle sobre a variável da duração relativa da produção do VOT dentro das frases-veículo - um participante que realiza a tarefa de leitura num ritmo cada vez mais demorado tende a produzir as palavras-alvo mais lentamente, por exemplo, aumentando o valor absoluto do VOT, com o contrário também sendo possível -, nem da possibilidade de os participantes desenvolverem a consciência sobre o objeto de estudo e exagerarem na produção, podemos observar uma clara tendência de aumento das médias. De modo geral, esses dados descritivos já podem trazer insumos para iniciar uma discussão acerca da natureza desse sistema linguístico, que, diante das premissas previstas pela TSDC, como abordado anteriormente, começa a apresentar evidências de algumas características, como a de serem abertos e suscetíveis a mudanças, autoestruturantes e dinâmicos, já que apresentam alterações e movimentos de instabilidade ao longo do tempo. Mais ainda, pode-se observar que os dados também trazem indícios de que a variabilidade impulsiona a mudança, pois, ao olharmos para as produções durante o período de intervenção (coletas 4 a 9), a grande variabilidade parece preceder uma nova fase de um padrão novo aprendido: uma produção mais longa de VOT em inglês.

3.2 Análise de picos

Por fim, apresentamos, aqui, os dados individuais desses participantes, com as análises estatísticas inferenciais realizadas a partir de análises de pico através de simulações de Monte Carlo. Operacionalmente, um pico de desempenho é definido como “a distância entre um ponto mínimo e um ponto máximo observados em um conjunto de dados” (VAN DIJK; VERSPOOR; LOWIE, 2011VERSPOOR, M.; de BOT, K.; LOWIE, W. (Ed.). A dynamic approach to second language development: methods and techniques. Amsterdam: John Benjamins , 2011., p. 80), nesse caso, das médias móveis das produções de VOT. Como mencionado anteriormente, a partir de uma extensão para Microsoft Excel, o Poptools, conduzimos as simulações de Monte Carlo para que fosse possível replicar 10.000 vezes uma reorganização dos dados e recalcular as distâncias máximas entre essas médias móveis, verificando quantas vezes era possível encontrar uma distância igual ou maior, no caso de picos máximos, e igual ou menor, no caso de picos mínimos, à maior distância original.

Como estamos investigando as trajetórias individuais, conduzimos as simulações individualmente para cada participante, com as médias de VOT em inglês das três consoantes estudadas, buscando tanto picos máximos quanto picos mínimos. Aqui, apresentaremos os picos significativos (p ≤ 0,05) marginalmente significativos (0,05 < p ≤ 0,1). O valor de p indica a frequência com que a diferença original entre as médias móveis das durações de VOT foi replicada nas 10.000 simulações aleatórias. Segundo Van Dijk, Verspoor e Lowie (2011VERSPOOR, M.; de BOT, K.; LOWIE, W. (Ed.). A dynamic approach to second language development: methods and techniques. Amsterdam: John Benjamins , 2011.), somente se essa frequência for muito baixa (abaixo de 5%, o que corresponde a um valor p de 0,05), podemos dizer que encontramos picos raros, ou seja, podemos afirmar que menos de 5% de todas as simulações produziram valores semelhantes aos dados originais, de modo que esse pico possa ser considerado significativo. Apresentamos, também, os picos marginalmente significativos, pois esses também indicam dados relevantes para a discussão que almejamos propor.7 7 Faz-se necessário mencionar que alguns dados precisaram ser destendenciados estatisticamente (detrending), a fim de evitar o viés linear do desenvolvimento. Antes de olharmos para os picos de desempenho, é preciso observar se há um aumento geral nos dados, pois, se há uma linha de tendência linear em qualquer direção (ascendente ou descendente), o movimento pode ocasionar picos, não frutos da variabilidade, mas por conta do próprio aumento. Além disso, também pode atenuar picos que passam despercebidos em função do acréscimo ou decréscimo linear. (VAN DIJK; VERSPOOR; LOWIE, 2011, p. 81) O processo de destendenciamento permite atenuar os efeitos da inclinação na linha de tendência longitudinal.

3.2.1 Participante #1

Figura 4
Médias de duração de VOT, em ms, do Participante #1

Legenda: A linha azul representa as produções de [p]; a vermelha, as de [t]; e a verde, as de [k].


Tabela 4
Análise de Picos do Participante #1

O Participante #1 apresentou picos máximos de desempenho para as três consoantes. Em outras palavras, as médias de produção de VOT deste participante aumentaram significativamente (p = 0,0186 para [p], p = 0,0148 para [t] e p = 0,299 para [k]). Como se trata de médias móveis referentes a duas coletas, não se pode apontar um momento exato, mas é possível observar que a mudança significativa ocorreu no momento entre os pontos 7 e 8 e 11 e 12 das coletas, para a consoante bilabial, e entre os pontos 6 e 7 e 11 e 12, para as consoantes coronal e velar. Chama a atenção que o Participante #1 demonstra um salto de aprendizagem, representado pelos picos máximos, depois do final do período de instrução. Esses saltos são ancorados em algum ponto entre as coletas 6, 7 e 8, no meio do período de instrução, e atingem o pico somente entre as coletas 11 e 12, o que equivale ao terceiro momento do estudo longitudinal, em que os participantes continuam a realizar as coletas de voz depois do fim da instrução. Entretanto, cabe salientar que, nesse momento, os participantes já haviam recebido o material com as revisões das sessões de instrução, de modo que não seja prudente descartar a possibilidade de que o participante tenha continuado o estudo dos aspectos de pronúncia por conta própria, experimentando as formas, o que indicaria o alto grau de variabilidade no período.

3.2.2 Participante #2

Figura 5
Médias de duração de VOT da Participante #2

Legenda: A linha azul representa as produções de [p]; a vermelha, as de [t]; e a verde, as de [k].


Tabela 5
Análise de Picos da Participante #2

A Participante #2, por outro lado, já mostra um processo desenvolvimental diferente daquele do primeiro participante. Encontramos um pico máximo marginalmente significativo para [k] (p = 0,0964) entre os pontos 1;2 e 4;5 das coletas, mas sem haver nenhum outro pico nas outras duas plosivas. É interessante observar como a Participante #2 apresenta um pico máximo logo depois do início do período de instrução, mas continua apresentando bastante variabilidade, pelo que se pode observar pelos dados descritivos, até o fim do período de coletas, na pronúncia das três consoantes.

3.2.3 Participante #3

Figura 6
Médias de duração de VOT da Participante #3

Legenda: A linha azul representa as produções de [p]; a vermelha, as de [t]; e a verde, as de [k].


Tabela 6
Análise de Picos da Participante #3

A Participante #3, por sua vez, apresentou um pico máximo significativo somente para [t] (p = 0,0293) entre os pontos de coleta 2 e 3, e 7 e 8. Assim como a Participante #2, ela demonstrou um pico máximo para uma consoante depois do início da intervenção com instrução explícita, mas também continuou apresentando variabilidade até o fim do período de coletas. Tanto para a Participante #2 quanto para a Participante #3, fica evidente que a instrução teve um papel importante no desenvolvimento da aspiração em língua inglesa, pois ambas demonstram picos máximos após o aspecto ter sido introduzido e explanado nas sessões. Além disso, o fato de não termos encontrado picos significativos não indica, necessariamente, que não houve variabilidade ou aprendizado de um novo padrão, pois os picos podem ter sido atenuados por um aumento linear das médias de produção de VOT, ou podem não ter sido suficientemente bruscos para implicar uma mudança repentina em um curto intervalo de tempo e serem, dessa forma, considerados “incomuns”. A Participante #4, abaixo, também traz dados interessantes nesse quesito.

3.2.4 Participante #4

Figura 7
Médias de duração de VOT da Participante #4

Legenda: A linha azul representa as produções de [p]; a vermelha, as de [t]; e a verde, as de [k].


Diferentemente dos demais, a Participante #4 não apresentou picos significativos nas produções de inglês, nem máximos nem mínimos. Contudo, Van Dijk, Verspoor e Lowie apontam que algumas técnicas de atenuação estatística eliminam muito dos detalhes finos dos dados e que não encontrar picos significativos não implica, necessariamente, que não haja variabilidade. Para isso, os autores sugerem que se utilizem outros métodos complementares para a análise, como a estruturação dos dados descritivos em gráficos de mínimo-máximo. A técnica consiste em “organizar janelas móveis que se movem um ponto por vez, sobrepondo-se amplamente às janelas anteriores, usando todos os mesmos pontos de coleta menos o primeiro e mais próximo”. (VAN DIJK; VERSPOOR; LOWIE, 2011Van DIJK, M.; VERSPOOR, M.; LOWIE, W. Variability and DST. In: VERSPOOR, M.; de BOT, K.; LOWIE, W. (Ed.). A dynamic approach to second language development: methods and techniques. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2011. p. 55-84., p. 75) Por exemplo, nesse caso, para cada conjunto de três pontos consecutivos, sobrepondo os dois anteriores e adicionando o próximo, identificamos os valores mínimo e máximo entre os três e repetimos o procedimento até o final, plotando em seguida esse dados em gráficos. Os autores indicam que a plotagem dos gráficos é uma ferramenta visual que auxilia a identificar as flutuações ao longo do tempo, uma vez que a distância entre os pontos mínimo e máximo nessas janelas móveis, chamadas de larguras de banda (VAN DIJK; VERSPOOR; LOWIE, 2011Van DIJK, M.; VERSPOOR, M.; LOWIE, W. Variability and DST. In: VERSPOOR, M.; de BOT, K.; LOWIE, W. (Ed.). A dynamic approach to second language development: methods and techniques. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2011. p. 55-84.), expressam a quantidade de variabilidade em relação aos saltos desenvolvimentais - por exemplo, quanto maior a largura de banda, maior a variabilidade naquela janela. Esses procedimentos também foram realizados no Microsoft Excel, usando recursos padrões do software.

Usando desses artifícios, plotamos os valores mínimos e máximos das janelas móveis da Participante #4, criando os gráficos de mínimo-máximo da Figura 8. Ao observarmos os dados das diferentes larguras de banda nas médias móveis ao longo do processo, fica evidente que a participante apresentou bastante variabilidade nas produções das três consoantes, principalmente depois do início das sessões de instrução explícita (entre os pontos 3 e 4). Nesse caso, é possível que a própria linha de desenvolvimento tenha influenciado para a não significância dos picos de desempenho, de modo que o aumento das médias de produção da participante não demonstrou mudanças bruscas, apesar de tal produção apresentar bastante variabilidade, o que justificaria não termos encontrado picos significativos.

Figura 8
Gráficos de mínimo-máximo da produção de VOT da Participante #4

Além disso, podemos observar três estágios razoavelmente estabelecidos de bastante variabilidade no processo da participante para as três consoantes. O primeiro, no início da instrução explícita, é o momento em que mais vemos variabilidade na duração do VOT, e condiz com as primeiras explicações sobre os detalhes da produção do VOT positivo com aspiração. No segundo momento, aproximadamente entre os pontos 5 e 9, vemos uma largura de banda menor do que no primeiro momento, mas que permanece ainda bastante grande, indicando que a participante ainda varia na produção da forma-alvo, embora seja visualmente claro que a participante já está em outra “fase” das experimentações, uma vez que os valores mínimo e máximo variam em uma distância diferente (com durações maiores) de VOT do que inicialmente. Por fim, um terceiro momento pode ser observado, aproximadamente a partir do ponto 10, depois do final das sessões de instrução, que apresenta uma variabilidade menor, mas com uma tendência de inclinação positiva, que pode ser um indicativo de que a participante ainda pode experimentar na produção e ainda pode variar bastante no processo de desenvolvimento.

3.2.5 Participante #5

Figura 9
Médias de duração de VOT da Participante #5

Legenda: A linha azul representa as produções de [p]; a vermelha, as de [t]; e a verde, as de [k].


Tabela 7
Análise de Picos da Participante #5

A Participante #5, por fim, apresentou picos máximos marginalmente significativos para [p] (p = 0,0577) entre os momentos 1 e 2, e 6 e 7 e para [t] (p = 0,0525) entre os momentos e 2 e 3, e 7 e 8. Para a plosiva velar, apresentou um pico máximo significativo (p = 0,046) entre os momentos 1 e 2, e 6 e 7. Aqui fica claro que há um “divisor de águas” na coleta 7, pois, para essa participante, os picos encontrados sempre envolvem o referido ponto. Cabe mencionar que a coleta 7 equivale à metade do período analisado e diz respeito à semana do primeiro encontro síncrono com sessão explícita de pronúncia de aspectos vocálicos em que o tópico abordado não foi necessariamente o VOT positivo com aspiração, mas compreende a primeira “revisão” de tal aspecto fonético-fonológico, que foi relembrado, enfatizado e contextualizado com diferentes vogais. Aqui, temos mais um resultado sugestivo de que a intervenção, mesmo de maneira remota, compreendeu um importante papel no desenvolvimento dessa participante, que, a partir do início das sessões, apresentou altos índices de variabilidade em todas as consoantes estudadas.

4 Considerações finais

No presente trabalho, apresentamos uma análise de processo alicerçada na Teoria dos Sistemas Dinâmicos Complexos, a partir de um estudo longitudinal do desenvolvimento de língua adicional durante o período de distanciamento social da pandemia de covid-19. Acompanhamos, durante doze semanas, o desenvolvimento fonético-fonológico de inglês como segunda língua de cinco participantes plurilíngues nativos de português e aprendizes de inglês como L2 e analisamos suas produções semanais de voice onset time durante o período. Realizamos uma intervenção com seis sessões remotas síncronas de instrução explícita de aspectos fonético-fonológicos da língua no formato EAD, conduzidas nas mesmas semanas das coletas de quatro a nove através do Google Meet, período intermediário desse estudo, para acelerar o desenvolvimento da pronúncia em inglês e para investigar em que medida o desenvolvimento acelerado de uma L2 tipologicamente diferente das demais provoca alterações, ao longo do tempo, no sistema como um todo.

Por conta da pandemia de covid-19 e da necessidade de mudanças abruptas no cotidiano, tivemos que adaptar o projeto inicial para a condução desse estudo para a modalidade remota. Dessa forma, incluímos como um dos objetivos do estudo, de caráter mais qualitativo, discutir a efetividade da instrução explícita no formato EAD no desenvolvimento de aspectos fonético-fonológicos de uma língua adicional. Numa visão de língua à luz da TSDC, em que não é possível isolar subsistemas uns dos outros, inclusive o sistema em que o falante está inserido, faz-se extremamente necessária a discussão da relação do distanciamento social com o desenvolvimento de línguas adicionais. Sobretudo numa área que estuda fenômenos fonético-fonológicos, uma discussão que remodele a forma como conduzimos a pesquisa nessas condições se torna ainda mais relevante devido às incongruências da modalidade remota em relação à comunicação presencial, tanto no que diz respeito à bidimensionalidade dos estímulos visuais quanto nas interferências produzidas na captação dos estímulos sonoros pelo computador ou celular.

Tendo isso em mente, enfatizamos a necessidade verificada de conduzir esse estudo longitudinal com distanciamento social. Assim, as sessões de coletas de dados foram adaptadas para serem conduzidas remotamente e as sessões de instrução foram adaptadas a uma plataforma on-line que disponibilizava os recursos para a condução de aulas síncronas virtuais e também para a troca de material entre os pesquisadores e os participantes de modo que facilitasse a análise subsequente. Seguindo Van Dijk, Lowie e Verspoor (2011Van DIJK, M.; VERSPOOR, M.; LOWIE, W. Variability and DST. In: VERSPOOR, M.; de BOT, K.; LOWIE, W. (Ed.). A dynamic approach to second language development: methods and techniques. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2011. p. 55-84.), realizamos uma análise inferencial de picos de desempenho com 10.000 simulações de Monte Carlo para analisar as flutuações de variabilidade nas produções de VOT.

Uma das principais premissas da TSDC é a de que a variabilidade, representada aqui pelos picos de desempenho individuais ao longo do tempo, é propriedade intrínseca do processo e pode acarretar o desenvolvimento. Os aprendizes são expostos a vários estímulos e acabam experimentando entre as muitas estruturas; portanto, em determinados momentos do processo de desenvolvimento, uma maior variabilidade significa mais aprendizado. Basicamente, para desenvolver a língua e aprender algo novo, os aprendizes têm de começar experimentando diferentes formas, e, somente depois de um número suficiente de interações, acabam por se contentar com uma forma ou outra. Por outro lado, como apontam Verspoor, Lowie e Wieling (2020), uma forma que pode aparentemente ter sido estabelecida pode se tornar instável novamente quando o aprendizado começa a se concentrar em uma nova forma. Esse processo leva à variabilidade e, às vezes, a picos de desenvolvimento em muitos subsistemas linguísticos diferentes. Ainda assim, como o desenvolvimento é um processo de propriedade individual e, portanto, nenhum indivíduo se desenvolve exatamente da mesma maneira, era de se esperar encontrarmos diferentes processos e resultados completamente diversos entre as análises de picos.

Os participantes do nosso estudo apresentaram, cada um à sua maneira, o equivalente a três padrões desenvolvimentais da L2 no que concerne à produção do VOT positivo com aspiração tipologicamente característico de inglês. Observa-se que, para o Participante #1, o salto na variabilidade das produções é verificável a partir dos pontos 6, 7 e 8, no meio do período de coletas e no meio do período de intervenção, e a ascendência atinge o ápice entre os pontos 11 e 12, perto do fim do experimento. As participantes #2, #3 e #5 apresentam mudanças positivas bruscas no desempenho em picos que partem dos momentos iniciais da pesquisa, verificáveis entre os pontos 1, 2 e 3, e 5, 6, 7 e 8, exatamente até o meio do período de coletas e no meio do período de intervenção. Por fim, a Participante #4, mesmo não apresentando picos significativos, mostrou uma maior largura de banda nas médias móveis, e, portanto, uma maior variabilidade, a partir dos pontos 3 e 4, ao início da intervenção com as sessões de instrução explícita.

Conforme esclarecido no parágrafo anterior, todos os participantes, com a exceção da Participante #4, demonstraram picos de aprendizagem do padrão de VOT positivo de inglês para pelo menos uma das consoantes estudadas depois do início do período de instrução formal, indicando que a instrução contribuiu, mesmo de maneira remota, para mudanças no sistema da língua adicional e, possivelmente, para o aprendizado de um novo padrão. As análises descritivas complementares à análise inferencial ainda demonstraram que, mesmo não encontrando picos significativos para a Participante #4 ou para outras consoantes de outros participantes, os dados apresentaram sinais claros de muita variabilidade na produção e, possivelmente, de estágios iniciais de uma mudança a favor do desenvolvimento do padrão de VOT estudado.

Em uma época atípica em que a sociedade precisa se reinventar e em que as relações humanas sofreram uma brusca mudança, especialmente no que concerne à distância física e à distância alegórica, apresentamos este estudo com a esperança de termos contribuído com insumos tanto teóricos quanto empíricos para a efervescente área das investigações empírico-experimentais com análises de processo de aspectos fonético-fonológicos. Buscamos, com essas contribuições, acalorar a discussão a respeito de uma visão dinâmica de língua, para que, pelo menos em termos de pesquisa científica, estejamos cada vez mais próximos.

Agradecimentos

Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelas concessões de bolsas de mestrado e de produtividade em pesquisa durante o desenvolvimento deste estudo.

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  • 1
    Neste trabalho, não estabelecemos diferença entre os termos “‘Língua Adicional” (LA), “‘Língua Não Nativa” (LNN), egunda íngua” (L2) e “‘Língua Estrangeira” (LE), de modo a usarmos variavelmente os termos siglas correspondentes.
  • 2
    O presente trabalho faz parte de um projeto de pesquisa maior, que visa a investigar não somente o desenvolvimento de padrões da L2, mas também da L3. Por delimitação de espaço, o presente artigo concentra-se somente na L2.
  • 3
    O padrão VOT negativo também pode ser produzido variavelmente com o VOT zero nas plosivas iniciais. (LISKER; ABRAMSON, 1964LISKER, L.; ABRAMSON, A. S. A cross-language study of voicing in initial stops: acoustical measurements. Word, Abingdon, v. 20, n. 3, p. 384-422, 1964.)
  • 4
    Entende-se que a modalidade remota apresenta diferenças em relação ao ensino presencial, uma vez que, por exemplo, os estímulos sonoros e visuais podem sofrer interferências de captação ou reprodução no computador.
  • 5
    Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Instituição de Ensino Superior dos autores, tendo sido obtido, via Plataforma Brasil, parecer de aprovação com o número CAAE 28634620.8.0000.5347.
  • 6
    Canal de acesso gratuito com conteúdos públicos em formato de vídeo na plataforma YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UC-MSYk9R94F3TMuKAnQ7dDg. Acesso em: 28 mar. 2020.
  • 7
    Faz-se necessário mencionar que alguns dados precisaram ser destendenciados estatisticamente (detrending), a fim de evitar o viés linear do desenvolvimento. Antes de olharmos para os picos de desempenho, é preciso observar se há um aumento geral nos dados, pois, se há uma linha de tendência linear em qualquer direção (ascendente ou descendente), o movimento pode ocasionar picos, não frutos da variabilidade, mas por conta do próprio aumento. Além disso, também pode atenuar picos que passam despercebidos em função do acréscimo ou decréscimo linear. (VAN DIJK; VERSPOOR; LOWIE, 2011, p. 81) O processo de destendenciamento permite atenuar os efeitos da inclinação na linha de tendência longitudinal.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    11 Dez 2020
  • Aceito
    16 Abr 2021
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