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REVIEW

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Language and its cultural substrate: perspectives for a globalized world

Claire Kramsch

University of California Berkeley - Califórnia / Estados Unidos. ckramsch@berkeley.edu

DIOGENES, Candido de Lima (Ed.). Language and its cultural substrate: perspectives for a globalized world. Vitória da Conquista: Edições UESB, 2012.

It is refreshing to read about the relationship of language and culture from the perspective of language scholars within the interdisciplinary tradition of Brazilian applied linguistics. With the exception of Peter Ecke, who teaches German and SLA at the U. of Arizona, all the contributors to this stimulating collection of papers work within a Brazilian educational and academic environment, all teach and/or research the teaching of English language and literature in Brazil. The perspectives they offer on the role of English in a globalized world are all the more enlightening, as they are written in perfect academic global English and should thus be easily accessible to a wide readership of English language educators and researchers. Yet they frame the issues differently from the way language and culture are usually framed in Anglo-American foreign language educational contexts. While applied linguists in these contexts worry about what culture should be taught, whether it should be taught at all in foreign language classes, how to avoid cultural stereotypes, and how to develop intercultural competence, Brazilian educators ask more critical, social, and political questions regarding the cultural 'substrate' of English now that it has become a global language. In fact, the question asked by Cynthia dos Santos in the initial chapter: Should the translator 'foreignize' the text to remain faithful to the original or 'domesticate' it to make it accessible to the reader? - could serve as a metaphor for the dilemma that each author grapples with in this very volume. Should language teachers in Brazil teach Anglo-American English as a 'foreign' language and culture, or as the 'domestic' language of a globalized Brazil and its attendant neoliberal culture? Each chapter strives to break out of this dilemma: by diversifying the various Englishes that should be taught (Schmitz); by reaching out to literature as a way of recapturing the complexity of individuals and situations (Hunter); by redefining interculturality (Oliveira) and multiliteracies (Eluf, Siqueira); by integrating into the curriculum literary authors that do not belong to the privileged Eurocentric-American WASP literati (Ferreira de Lima); by advocating the critical reading of texts (Rodrigues Lima) and the demystification of cultures and ideologies (Cruz). These efforts to relativize, pluralize, hybridize, and diversify English are all attempts to break out of the global-local dichotomy and to carve out a unique role for Brazilian language educators as mediators between the monolingual hegemony of global English and the multilingual fragmentation of local and national languages and dialects. While Rajagopalan's proposal to disinvent the native speaker, and indeed the entire concept of language itself, still awaits its concrete implementation in the language classroom, Candido de Lima's study of Brazilian immigrants in South Florida and the linguistic and cultural difficulties they encounter there is a stark reminder of what is at stake in the teaching of English in a global economy that uproots workers from their native soil and forces them to seek employment in 'foreign' lands. It is their plight that this book wants us to keep in mind, as the chapter that closes the volume questions: which knowledge of English would facilitate the survival of these immigrant workers and make their lives easier? There is no easy answer to this question, but this book has shown us at least some elements of a response from Brazilian applied linguists with an acute social conscience and an admirable sense of educational responsibility.

Recebido em 13/08/2012

Aprovado em 28/08/2012

A oralidade na escola: a investigação do trabalho docente como foco de reflexão

Adair Vieira Gonçalves

Universidade Federal da Grande Dourados Dourados - MS / Brasil. adairgoncalves@uol.com.br

Review LEAL, T. F.; GOIS, S. (Org.). A oralidade na escola: a investigação do trabalho docente como foco de reflexão. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.

Telma Ferraz Leal e Siane Gois, docentes da Universidade Federal de Pernambuco, organizaram o livro A oralidade na escola: a investigação do trabalho docente como foco de reflexão, publicado pela Editora Autêntica em 2012. Com formação, respectivamente, na área de Psicologia Cognitiva e Linguística, as autoras reuniram, num mesmo volume, trabalhos de pesquisadores de áreas distintas (Psicologia, Educação, Linguística), com um único objetivo: discutir o ensino do oral em contextos diversos.

Os autores, em nove capítulos, discutem a premente necessidade de se efetivar a transposição didática (CHEVALLARD, 1991) de gêneros orais públicos nos níveis diversos de ensino.1 1 Embora não seja objetivo desta resenha verticalizar a discussão teórica sobre a transposição didática, é importante ponderar que Nóvoa e Corrêa defendem "uma compreensão mais exata do trabalho docente" em relação a esse tema, por isso propõem o uso de "transposição deliberativa", em vez de "transposição didática". Nessa sugestão dos autores, "leio o caráter múltiplo do objeto proposto, pois a transposição deliberativa abre para as situações de ensino tomadas como acontecimentos discursivos em que podem surgir encontros imprevistos de saberes" (NÓVOA apud CORRÊA, 2008, p. 27). Para tanto, analisam a didatização de gêneros orais em livros didáticos, abordam os documentos oficiais do Ensino Fundamental I e II; e, por fim, apresentam análises de diferentes gêneros em contexto escolar: entrevistas, notícias de rádio, lendas, seminários e exposição oral. O livro poderia ser dividido em duas grandes seções, numa relação hiperonímica-hiponímica, posto que, na primeira parte, há aspectos teóricos mais gerais e análises de documentos parametrizadores do ensino regular; na possível segunda parte, os autores tratam da didatização de alguns gêneros, portanto, mais prática.

No primeiro capítulo, A oralidade como objeto de ensino na escola: o que sugerem os livros didáticos?, Leal, Brandão & Lima discutem a oralidade no ensino e apontam quatro dimensões a serem contempladas no trabalho do professor: valorização de textos da tradição oral, oralização de textos escritos, variação linguística e relações entre fala/escrita e, finalmente, a produção/ compreensão de gêneros orais. As autoras apoiam-se em documentos oficiais, mais particularmente, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) para mostrar a necessidade dos gêneros orais públicos na educação básica, além de enfocar o ensino do oral em quatro coleções de livros didáticos para o Ensino Fundamental I.

Os dados gerados pelas autoras, ao investigarem quatro coleções de livros didáticos, merecem também uma atenção particular do leitor. Em apenas uma coleção, a frequência de gêneros orais chega aos 19,89%; nos demais, os índices são extremamente baixos: 8,36%, 7,98% e 2,02%. Na análise do corpus,a exposição oral, a entrevista e o relato pessoal são gêneros presentes em todas as coleções. Ainda que se possam tomar gêneros textuais/discursivos como equivalentes, Leal, Brandão & Lima fundamentam-se em Bakhtin, mas nominalizam os gêneros como textuais, em detrimento do termo discursivo. Além disso, neste primeiro capítulo, alguns parágrafos são desnecessários, já que as tabelas são autoexplicativas (cf. 1º parágrafo da página 23).

No capítulo seguinte, Ensino da Oralidade: revisitando documentos oficiais e conversando com professores, de autoria de Ávila, Nascimento & Gois, as questões de oralidade remetem aos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental II. Depois de citações literais e/ou paráfrases de questionários escritos por professores do Estado do Piauí, chegam à conclusão de que vivemos uma fase de transição entre o ensino tido como tradicional e o ensino sociointeracionista (e não de coexistência). Ademais, afirmam que os docentes têm se esforçado para compreender os documentos oficiais e, sobretudo, têm "investido em ações que demonstram seu interesse em atualizar a forma de ensinar a língua portuguesa" (GOIS & AVILA, 2012, p.55).

Naquela que poderia ser a segunda grande seção, composta pelos capítulos terceiro ao nono, são trazidas propostas de transposição didática de gêneros orais. São os aspectos mais específicos (relação de hiponímia), "com apresentação de estratégias didático-pedagógicas, importantes para o desenvolvimento da competência discursiva dos alunos no que diz respeito à oralidade" (quarta-capa do livro).

O terceiro capítulo, Sala de Aula: espaço também da fala, de Lima & Beserra, é um de texto de transição entre as partes por oferecer um protótipo de sequência didática (SCHNEUWLY & DOLZ, 2004; ROJO, 2012) para o ensino do gênero debate. A proposta de ensino para esse gênero pode ser exequível em turmas do Ensino Fundamental e Médio, guardado o nível de aprofundamento para cada etapa de escolaridade, além de cumprir um dos objetivos apresentados na quarta-capa: adequação da obra a seus destinatários. Nesse capítulo, as autoras, depois de fazer breve retomada de pesquisas anteriores envolvendo a relação fala/escrita, fundamentam-se na noção de continuum de Marcushi. Segundo Lima e Beserra, questões envolvendo a fala e a escrita devem ser compreendidas como "atividades complexas, altamente relevantes, cada uma com suas características e finalidades próprias, sendo, ambas, modalidades diversas de um mesmo sistema linguístico" (2012, p.61).

Em Entrevistas: propostas de ensino em livros didáticos, capítulo 4 da coletânea, Leal & Seal, numa espécie de "tira-dúvidas", oferecem reflexões significativas aos docentes, especialmente aos do Ensino Fundamental I e II, a respeito das diversas relações entre oral/escrita, além de fornecerem orientações para o planejamento do ensino dos gêneros orais. Em seguida, o foco recai no gênero entrevista como objeto de ensino em duas coleções de livros didáticos de História. Leal e Seal concluem que é bastante representativa a quantidade de atividades com o gênero nas duas coleções analisadas: 4,71% e 4,96%, respectivamente. Entretanto, apontam que a entrevista é subaproveitada, trazida às coleções como forma de coleta de informações a respeito de temas diversos, servindo de pretexto para a prática de escrita.

No 5º capítulo, Esclarecendo o trabalho com a oralidade: uma proposta didática, de Melo, Marcushi & Cavalcante apoiam-se fortemente nos autores do Grupo de Genebra, especialmente os que trabalham com a Didática de Línguas, Schneuwly & Dolz (2004), para, em seguida, propor atividades com o gênero entrevista jornalística. Decorrente do gênero, as autoras apresentam quadros muito claros que poderão favorecer a transposição didática. Por outro lado, poderiam ter mostrado que a sequência didática deve partir de um estudo detalhado do gênero, isto é, da construção do modelo didático. É necessário apontar ainda a oscilação de termos ao se referirem à reescrita de textos, tais como retextualização e refacção, sem os leitores inferirem se se trata da mesma questão.

No sexto capítulo, Atenção, senhores ouvintes: as notícias nas ondas do rádio, Santos, Costa-Maciel e Barbosa oferecem importante contribuição ao ensino por mostrarem momentos distintos de preparação para didatização do gênero notícia radiofônica. As atividades do gênero focaram cuidadosamente os diversos contextos de produção a que estiveram expostos os estudantes do programa Educação de Jovens e Adultos (EJA).

No sétimo capítulo, E a língua falada se ensina? A lenda como objeto para o ensino da oralidade, Bastos & Gomes fazem uma contextualização sóciohistórica do gênero lenda ao apresentar uma espécie de estabilização linguísticodiscursiva dessa prática linguageira e sugerir encaminhamentos pedagógicos. É necessário destacar, por outro lado, problemas recorrentes em coletâneas de textos: a reiteração de trechos em que se defende a oralidade/escrita como continuum2 2 Uma posição diferente da noção de continuum na relação oral/escrita pode ser encontrada em Corrêa (2004). em passagens do capítulo, além de notas explicativas desnecessárias.

No oitavo capítulo, O gênero seminário: habilidades a serem desenvolvidas e o papel da mediação docente, além de retomarem também Schneuwly & Dolz (2004), Nascimento, Silva & Lima apresentam um modelo de sequência didática desenvolvido no período de dez aulas com uma turma de estudantes de 5º ano. Pelos dados da interação, chega-se à conclusão de que os alunos acumularam capacidades linguageiras (de ação, discursivas e linguístico-discursivas), em virtude de planejarem a fala antes da efetivação do seminário, de levarem em consideração meios não linguísticos da comunicação oral (gesto, postura) e meios paralinguísticos (entonação).

Em "A exposição oral na educação infantil: contribuições para o ensino dos gêneros orais na escola", último texto da coletânea, Nascimento, Leal & Seal trazem, na primeira seção do capítulo, reflexões importantes a respeito de uma sequência didática do gênero exposição oral implementada por uma docente de uma instituição pública da cidade de Recife, num contexto de educação infantil, com crianças entre cinco e seis anos. Ao refletir sobre a formação continuada de professores e a necessária utilização de gêneros orais nos primeiros anos da Educação Básica, apresentam também excertos de interação docente/alunos no momento da efetivação da exposição oral.

No geral, a concepção adotada pelo livro resenhado é o ensino do oral autônomo, cumprindo recomendações dos PCNs para a Educação Básica. Como se sabe, há nos estudos da linguagem duas perspectivas diferentes para a abordagem do oral: o oral integrado e o oral autônomo. No oral integrado, as atividades estão atreladas, por exemplo, ao desenvolvimento de capacidades discursivas, tais como dizer, explicar, argumentar nas mais diversas situações escolares e em várias disciplinas durante as interações em sala de aula. De modo diferente, na segunda tendência, no oral autônomo,

[o gênero] é abordado como objeto de ensino e aprendizagem em si. Não constituem um percurso de passagem para a aprendizagem de outros comportamentos linguísticos (em relação somente com outros saberes disciplinares) [que seria o ensino do oral integrado]. Também não estão subordinados a outros objetos de ensino-aprendizagem (DOLZ & SCHNEUWLY, 2004, p. 177).

Em se tratando da relação fala/escrita, a obra rejeita a visão dicotômica; por exemplo, a de que a fala é contextualizada, e a escrita, descontextualizada. Por outro lado, os autores, a depender de suas convicções teóricas, defendem ora tal relação como um continuum e, em decorrência disso, trazem as reflexões de Marcushi (2001), ora adotam os postulados de Corrêa (2004) sobre a heterogeneidade da escrita.

Algumas passagens da obra, por outro turno, merecem particular atenção. Certos trechos poderiam estar em nota de rodapé; não estando, oferecem certa quebra na leitura/raciocínio do leitor: "Para um maior aprofundamento desse tema, leia-se o capítulo 1 dessa obra...". Caberia aos organizadores remeter o leitor aos demais capítulos da obra.

Outro fato que se destaca na obra são as repetições de ideias, fato muito comum em coletâneas de textos, principalmente nas introduções dos diversos capítulos. "A discussão sobre o ensino da oralidade, embora pareça recente, não é..." (Cap. 1, p. 13); "A oralidade, no entanto, não tem ocupado muito espaço nas esferas educacionais formais no mundo contemporâneo" (Cap. 1, p. 14); "Entretanto, a fala, historicamente, tem tido pouco espaço na sala de aula..." (Cap. 2, p. 37); "Sabemos que o fato de se dar pouco espaço ao ensino da oralidade não ocorre por acaso" (Cap. 2, p. 38); "Por diversas razões, o estudo sistemático da língua falada não foi, durante muito tempo, preocupação da escola e, por isso, esteve ausente das salas de aula e das atividades de língua portuguesa" (Cap. 3, p. 57); "É realmente intrigante pensarmos o quanto a oralidade, apesar de ser muito mais presente nas interações humanas que a escrita, tem sido de tal forma desvalorizada nos espaços escolares" (Cap. 4, p. 73); "Porém, estudos apontam que ela não vem recebendo as atenções necessárias..." (Cap. 8, p. 161).

É necessário destacar, por outro lado, que, ao final de cada capítulo, há referências atualizadas a respeito da temática: são dissertações e teses defendidas sobre o oral como ensino, artigos em periódicos eletrônicos qualificados na área e capítulos de livros publicados nos últimos anos. Sobretudo, o livro ainda oferece linguagem fácil aos docentes do Ensino Fundamental e Médio e aos docentes em formação inicial interessados em ampliar seus conhecimentos e levar para a sala de aula os protótipos de sequências didáticas para a posterior transposição.

Referências

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental - Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.

CORRÊA, M. L. G. O Estatuto da Linguística Aplicada no Campo das Ciências da Linguagem e o Ensino da Escrita. Revista da Abralin, v. 7, n. 2, p. 243-271, jul./dez. 2008.

______. O modo heterogêneo de constituição da escrita. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

CHEVALLARD, Y; JOSHUA, M-A. La transposition didactique: du savoir savant au savoir enseigné. Paris: La Pensée Sauvage Editions, 1991.

DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B; HALLER, S. O oral como texto: como construir um objeto de ensino. In: ROJO, R.; CORDEIRO, G. S. (Org. e trad.). Gêneros orais e escritos na escola. São Paulo: Mercado de Letras, 2004, p. 149-185.

LEAL, T. F.; GOIS, S. (Org.). A oralidade na escola: a investigação do trabalho docente como foco de reflexão. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.

ROJO, R.; MOURA, E. Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola, 2012.

SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução e Organização de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas: mercado de Letras, 2004.

Recebido em 22/08/2012

Aprovado em 28/11/2012

Letramentos multimodais na escola

Multimodal Literacies in the School

Hércules Tolêdo Corrêa

Universidade Federal de Ouro Preto Ouro Preto - Minas Gerais / Brasil. herculest@uol.com.br; herculest@cead.ufop.br

ROJO, R.; MOURA, E. (Org.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola, 2012. 264 p. (Estratégias de Ensino, 29).

Hibridação. Talvez seja este o conceito mais importante para caracterizar os temas tratados no livro Multiletramentos na escola, além, obviamente, dos dois conceitos explicitados no título do livro organizado por Roxane Rojo e Eduardo Moura, publicado pela Parábola Editorial em 2012.

Numa época em que crianças e adolescentes da classe média brasileira, fora da escola, vivem conectados à internet, assistindo a vídeos, papeando em messengers, ouvindo música, baixando filmes, jogando on-line, lendo mangás, dentre tantas outras alternativas que a rede de computadores oferece, não faz sentido que a escola rejeite essas práticas. Se observarmos bem, trata-se de práticas de letramentos de diversas formas, o que levou um grupo de pesquisadores reunidos numa pequena cidade norte-americana a publicar o livro Multiliteracies: Literacy Learning and the Design of Social Futures (COPE; KALANTZIS, 2006).

Com base no livro do Grupo de Nova Londres e articulando conceitos como o de hibridização - desenvolvido pelo antropólogo argentino Néstor García Canclini - e as reflexões do físico e educador Jay Lemke, Roxane Rojo apresenta, no capítulo introdutório do livro, seus pressupostos teóricos, que embasaram seus cursos de pós-graduação na Unicamp e na UFMT em 2010 e incentivaram os trabalhos que deram origem aos capítulos apresentados no livro.

Misto de livro acadêmico e livro didático, Multiletramentos na escola se apresenta com um projeto gráfico híbrido. Por um lado, por características formais como o embasamento teórico, as notas de pé de página e a divisão em capítulos que se compõem como artigos, apresenta-se como um livro acadêmico. Por outro lado, características como cores, ilustrações de vários tipos (desenhos, fotografias, reprodução de pinturas) e imagens retiradas da internet fazem o volume se apresentar também como um "livro didático" a ser usado em cursos de graduação em Letras ou como suporte para o professor em exercício nos ensinos fundamental e médio. Coerente ao que propõe, o livro impresso também apresenta possibilidades de acesso complementar, gratuito, por meio de download das sequências didáticas que foram aplicadas pelos autores dos diferentes artigos (ver <www.parabolaeditorial.com.br>). Esse recurso a mais, a complementação do conteúdo do livro com arquivos da internet, constitui uma produtiva novidade para os leitores.

O livro tem sua origem em propostas apresentadas em três cursos ministrados por Roxane Rojo em 2010: duas disciplinas regulares da pósgraduação no Instituto Euvaldo Lodi da Universidade Estadual de Campinas (IEL/Unicamp) sobre "Estudos do letramento e da leitura" e um minicurso de verão, de uma semana, sobre "Multiletramentos e ensino de Língua Portuguesa", ministrado no mestrado em Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Mato Grosso. Diferentemente de muitas propostas de trabalhos produzidos no âmbito desses cursos, que se caracterizam muitas vezes por densas discussões teórico-conceituais, a proposta da professora foi a de que os cursistas "elaborassem trabalhos colaborativos que descrevessem, de maneira teoricamente embasada, propostas de ensino de língua portuguesa que eles tivessem experimentado em suas escolas com seus alunos ou que pudessem ser experimentadas por eles mesmos ou por outros colegas professores em outras ocasiões" (ROJO, p. 7-8).

A obra divide-se em duas partes maiores, ligadas 1) à educação estética e 2) à educação ética e crítica. Em relação aos letramentos estéticos, os temas abordados vão desde o uso de blogs e outras possibilidades da cibercultura para um trabalho com contos clássicos (como Branca de Neve e Chapeuzinho Vermelho), minicontos e hipercontos, variações contemporâneas do gênero clássico conto em diferentes linguagens - a multimodalidade ou multissemiose, mas partindo sempre da linguagem verbal em sua manifestação artística, que é a literatura -, passando pela leitura de poemas em interface com gêneros multimodais até um trabalho mais específico com linguagens não verbais, como a pintura. Nesta seção são seis artigos, que servem de exemplos para os professores usarem em suas salas de aula ou promoverem adaptações conforme suas possibilidades e circunstâncias, já que outra questão bastante discutida no livro são os letramentos locais e globais, ou seja, a necessidade que temos, nós professores, de adequarmos as práticas de sala de aula a demandas específicas de nossos alunos, de acordo com as diferentes comunidades em que atuamos.

A parte intitulada "Por uma educação ética e crítica" traz cinco artigos que abordam temas como a música, a linguagem dos documentários, videoclipes e curtas-metragens, além do radioblog em trabalhos que propõem ir além da educação estética, priorizando também a ética e a crítica. Numa sociedade conectada como a nossa, em que mesmo as camadas mais populares têm certo acesso à internet, por meio de LAN houses e alguns programas governamentais e não governamentais, com a informação acessível num clique com o mouse, cabe a nós, professores, promovermos essas educações ou letramentos - estético, ético e crítico.

Nas seções introdutórias dos capítulos, os leitores são convidados a dialogar com pesquisadores que tratam de temas como os gêneros discursivos, a pedagogia de projetos, a metodologia das sequências didáticas e os estudos sobre (multi)letramentos. Em seguida, os alunos-professores-pesquisadores apresentam seus trabalhos com textos multimodais na escola, principalmente em turmas de ensino fundamental e médio, que vão desde a exploração do chamado movimento manguebeat, passando pela análise de curtas-metragens, aproximações entre a linguagem poética e os recursos multimodais disponíveis na internet e radioblogs. É importante enfatizar que Rojo e Moura se propõem a apresentar, com este livro, "protótipos, ou seja, estruturas flexíveis e vazadas que permitem modificações por parte daqueles que queiram utilizá-las em outros contextos que não o das propostas iniciais" (ROJO, p. 8).

A ênfase em proposta de educação estética, ética e crítica vem ao encontro de uma concepção de ensino de linguagem que passa pelo seu caráter procedimental, enfatizando para o professor do século XXI que ele tem à sua disposição, por meio da cibercultura, um conjunto de produtos culturais que precisam ser pensados criticamente por seus alunos e que, a partir deles, esses mesmos alunos podem se tornar produtores de outros materiais, promovendo, dessa forma, situações escolares que se aproximam de situações não escolares em que a construção da aprendizagem se coloca como muito mais importante que um ensino tradicional. Se pensamos em ensino, pensamos sobretudo na figura de um professor mediador dessa construção da aprendizagem do aluno e, por que não, também como um aprendiz. É o que faz, por exemplo, Roxane Rojo, nas páginas iniciais do livro, quando agradece a uma turma do primeiro período do curso de graduação em Letras por lhe apresentar os animes, um mundo um pouco distante daqueles que, como eu, já se aproximam dos 50 anos, mas que nem por isso viram as costas para os interesses da juventude.

Referências

COPE, B.; KALANTZIS, M. (Org.). Multiliteracies: Literacy Learning and the Design of Social Futures. New York: Routledge, 2006.

ROJO, R. Apresentação: Protótipos didáticos para os multiletramentos. In:______.; MOURA, E. (Org.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola, 2012. 264 p. (Estratégias de Ensino, 29).

Recebido em 04/07/2012

Aprovado em 28/08/2012

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    Embora não seja objetivo desta resenha verticalizar a discussão teórica sobre a transposição didática, é importante ponderar que Nóvoa e Corrêa defendem "uma compreensão mais exata do trabalho docente" em relação a esse tema, por isso propõem o uso de "transposição deliberativa", em vez de "transposição didática". Nessa sugestão dos autores, "leio o caráter múltiplo do objeto proposto, pois a
    transposição deliberativa abre para as situações de ensino tomadas como
    acontecimentos discursivos em que podem surgir encontros imprevistos de saberes" (NÓVOA
    apud CORRÊA, 2008, p. 27).
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    Uma posição diferente da noção de continuum na relação oral/escrita pode ser encontrada em Corrêa (2004).
  • Publication Dates

    • Publication in this collection
      11 June 2013
    • Date of issue
      Mar 2013
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