AVALIAÇÃO DE SINTOMAS DE ANSIEDADE E DEPRESSÃO EM ATLETAS DE FUTEBOL DA CATEGORIA SUB-20 EM RECIFE-PE: UM ESTUDO TRANSVERSAL

RESUMO

Introdução

Ser jogador de futebol é um dos sonhos mais presentes no imaginário popular da criança brasileira. Entretanto, o caminho para a profissionalização é árduo, e diversos motivos podem ser apontados para essa dificuldade: ambiente muito acirrado, poucas chances, aconselhamento insatisfatório na carreira, entre outros. No futebol competitivo, o atleta deve estar pronto para todas as cobranças que vierem a ser feitas, assim como aceitar a exigência da melhor performance possível. Aliado a isso, atletas da categoria de base ainda são adolescentes e jovens em formação, normalmente até os 21 anos, que são muitas vezes obrigados a escolher o futebol e suas exigências, em detrimento do estudo e do convívio familiar, para se tornarem jogadores profissionais. Nesse cenário, um motivo ainda pouco debatido é a saúde mental entre jogadores de futebol.

Objetivos

Verificar a frequência de sintomas de ansiedade e depressão entre jogadores de futebol das categorias de base sub-20 dos clubes pernambucanos e avaliar sua associação a dados sociodemográficos, atléticos e de saúde.

Métodos

Aplicou-se a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD), assim como foram colhidos dados sociodemográficos, atléticos e de saúde. Realizou-se uma análise descritiva marginal, assim como avaliação categórica e numérica das variáveis relacionadas com ansiedade e depressão. Por fim, foi feito um estudo de regressão linear para os escores de ansiedade e depressão.

Resultado

Verificou-se associação estatisticamente significativa entre renda recebida e aumento de sintomas de ansiedade. Também foi identificado aumento de sintomas de depressão com a diminuição da renda recebida.

Conclusão

Mostra-se necessário a realização de mais pesquisas, com um número maior de participantes, assim como maior variabilidade de clubes, para melhor entender a relação encontrada. Nível de Evidência: II; Estudo prognóstico – Investigação do efeito de característica de um paciente sobre o desfecho da doença.

Saúde mental; Psicologia do esporte; Futebol; Depressão; Ansiedade; Atletas

ABSTRACT

Introduction

Being a soccer player is one of the dreams most present in the popular imagination of Brazilian children. However, the path to professionalization is arduous and several reasons can be pointed out for this difficulty: a very competitive environment, few chances, and poor career counseling, among others. In competitive soccer, the athlete must be ready for all the demands that will be made, as well as accept the demand for the best possible performance. Furthermore, athletes from the youth system are still adolescents and youths in development, usually up to 21 years of age, who are often forced to choose soccer and its demands, at the expense of their studies and family lives, to become professional players. In this scenario, a still little-debated topic is mental health among soccer players.

Objectives

To verify the frequency of anxiety and depression symptoms among soccer players of the under-20 youth categories of Pernambuco clubs and to assess its association with sociodemographic, athletic, and health data.

Methods

The Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS) was applied and socio-demographic, athletic, and health data were collected. A marginal descriptive analysis was conducted, as well as categorical and numerical assessments of anxiety- and depression-related variables. Finally, a linear regression study of the anxiety and depression scores was conducted.

Results

A statistically significant association was found between income received and an increase in anxiety symptoms. An increase in depressive symptoms as income decreased was also identified.

Conclusion

Further research with larger numbers of participants is needed, as well as with a greater variety of clubs, to better understand the relationship observed. Level of Evidence II; Prognostic study – Investigation of the effect of a patient characteristic on the outcome of their illness.

Mental health; Sports psychology; Soccer; Depression; Anxiety; Athletes

RESUMEN

Introducción

Ser jugador de fútbol es uno de los sueños más presentes en el imaginario popular de los niños brasileños. Sin embargo, el camino hacia la profesionalización es arduo y se pueden señalar varias razones para esta dificultad: un entorno muy competitivo, pocas oportunidades, asesoramiento insatisfactorio en la carrera, entre otras. En el fútbol de competición, el deportista debe estar preparado para todas las exigencias que se le planteen, así como para aceptar la demanda de un excelente desempeño . Junto a ello, los deportistas de la categoría de base son todavía adolescentes y jóvenes en formación, normalmente hasta los 21 años, que muchas veces se ven obligados a elegir el fútbol y sus exigencias, en detrimento del estudio y el entorno familiar, para convertirse en jugadores profesionales. En este escenario, un tema aún poco debatido es la salud mental entre los futbolistas.

Objetivos

Verificar la frecuencia de los síntomas de ansiedad y depresión entre los futbolistas de las categorías sub-20 de los clubes de Pernambuco y evaluar su asociación con datos sociodemográficos, deportivos y de salud.

Métodos

Se aplicó la Escala de Ansiedad y Depresión Hospitalaria (HAD), y se recopilaron datos sociodemográficos, deportivos y de salud. Se realizó un análisis descriptivo marginal, así como una evaluación categórica y numérica de las variables relacionadas con la ansiedad y la depresión. Por último, se realizó un estudio de regresión lineal para las puntuaciones de ansiedad y depresión.

Resultados

Hubo una asociación estadísticamente significativa entre los ingresos recibidos y el aumento de los síntomas de ansiedad. También se identificó un aumento de los síntomas de depresión con la disminución de la renta recibida.

Conclusión

Es necesario realizar más investigaciones, con un mayor número de participantes, así como una mayor variabilidad de clubes, para entender mejor la relación encontrada. Nivel de Evidencia: II; Estudio pronóstico – Investigación del efecto de una característica del paciente en el resultado de la enfermedad.

Salud mental; Psicología del deporte; Fútbol; Depresión; Ansiedad; Atletas

INTRODUÇÃO

Atualmente, a saúde mental representa um sério problema de saúde. Dentre as várias patologias psiquiátricas, os transtornos depressivos e os transtornos de ansiedade se destacam. Entre 1990 e 2019, entre as pessoas de 10 a 24 anos, elas se tornaram a segunda e terceiras doenças crônicas não-transmissíveis com maior quantidade de anos de vida perdidos ajustados por incapacidade, com a depressão causando a perda de 3.7 anos e a ansiedade de 3.2 anos.¹ Nesse mesmo grupo, no Brasil, esses anos são ainda maiores, e é de 4.6 anos, aproximadamente, para a depressão e ansiedade.² Esses anos perdidos também refletem economicamente. Em 2010, o Fórum Econômico Mundial estimou que as doenças mentais serão responsáveis por uma perda de até 16 trilhões de dólares até 2033.³ Em relação à prevalência, a ansiedade acomete em torno de 5.14% dos homens dessa idade, enquanto a depressão é responsável por 2,45%.²

Diante desse quadro, faz-se necessário conhecer fatores sociodemográficos que influenciam no risco e prognósticos dessas doenças. Ser homem, solteiro, adulto jovem, possuir ansiedade como comorbidade influenciam negativamente na depressão. Por outro lado, ter amizades sólidas durante adolescência e bom funcionamento sócio-ocupacional nos últimos 5 anos, além de núcleo familiar estável respondem por fatores protetores. Já a ansiedade parece ter início a partir dos 12 anos, aparecem em pessoas com baixo poder socioeconômico e nível educacional, baixa autoestima, ambiente familiar instável e história prévia de depressão.⁴ , ⁵ Desse modo, nota-se que são diversos os fatores de risco para o adoecimento mental que faz com que grande parcela da população esteja suscetível, incluindo os atletas de alto nível.⁶ , ⁷ Em 2021, o aspecto da saúde mental dos atletas ficou evidenciado nas Olimpíadas de Tóquio através das desistências e eliminações da ginasta Simone Biles e da tenista Naomi Osaka.⁸

Nesses atletas podemos observar alguns determinantes de ansiedade e depressão como a falha em performar em alto nível, múltiplas concussões, atletas mais jovens, competir em níveis menos competitivos, entre outros.⁹ , ¹⁰ Dentre os diversos grupos de análise dessa população, observa-se que um determinado conjunto pode estar à mercê de uma doença mental negligenciada visto que poucos estudos são realizados a este subgrupo: a dos jogadores de futebol.¹¹

Portanto, o presente estudo tem como objetivo descrever os níveis de ansiedade e depressão, além de avaliar possíveis determinantes para o aparecimento desses sintomas em jogadores de futebol da categoria sub-20 em clubes de Recife-PE.

METODOLOGIA

Amostra populacional e critérios de inclusão e exclusão

Foram rastreados 79 jogadores nos elencos de 3 clubes recifenses que faziam parte das três primeiras divisões do futebol brasileiro à época da coleta de dados. Todos os atletas que compunham as equipes foram listados para a participação na pesquisa e amostragem foi por conveniência. Desses, 4 eram menores de 18 anos, 1 acima de 20 anos e 12 recusaram a participação ou não atenderam os pesquisadores, resultando em com 62 atletas da categoria sub-20, sendo 21, 23 e 19 atletas por cada clube. Os participantes elegíveis para o estudo possuíam idade média 18,8 ± 0,76. A coleta dos dados foi realizada entre os meses de julho e dezembro de 2019. Dentro desse período, dois clubes foram coletados durante fase classificatória do campeonato estadual da categoria, enquanto a coleta no outro clube foi feita durante a fase preparatória para competir na Copa São Paulo de futebol júnior, uma competição de relevância nacional. Esse número fornece um poder de teste de 87%, considerando uma significância estatística de 5% e um tamanho de efeito de 0,8. Foram incluídos no estudo todos os atletas como idade igual ou maior que 18 anos até os 20 anos e do sexo masculino. Como critério de exclusão, verificou-se aqueles atletas que possuíam menos de 3 meses treinando em categorias de base, além daqueles que nunca tivessem participado de uma competição oficial de base.

Instrumentos de coleta e aplicação dos questionários

A escala hospitalar de ansiedade e depressão (HAD), desenvolvida por Zigmond e Snaith em 1983, validada e adaptada para o português do Brasil por Botega et al. em 1995 e com aplicação para ambientes extra-hospitalares, assim como já foi aplicada em grupo de atletas,¹⁵ é composta de duas subescalas, a de ansiedade (HAD-A) e a de depressão (HAD-D) e avalia a intensidade desses sintomas nas duas semanas anteriores à entrevista. Foram utilizados os valores do estudo de validação no Brasil: todo escore igual ou acima de 8, para atingir o melhor percentual de sensibilidade e especificidade, foi definido com presença de sintomas de ansiedade e escores acima de 9 para definir sintomas de depressão.¹⁵ As subescalas foram avaliadas individualmente. Como forma de melhor caracterizar a amostra, foi elaborado pelos pesquisadores um questionário que incluía questões sociodemográficas, atléticas e de saúde.

Análise dos dados

Foi realizada uma análise descritiva das variáveis presentes no estudo no questionário sociodemográfico, atlético e de saúde. Essas variáveis foram definidas de modo a cobrir possíveis fatores de riscos relacionados ao desenvolvimento de sintomas ansiosos e/ou depressivos. Em relação à HAD, foram realizadas duas análises: de forma categórica, estudando-se a presença ou ausência de sintomas ansiosos, além de uma análise numérica, com os padrões já definidos anteriormente.

Para verificação da existência de associação entre as variáveis categóricas, utilizou-se o Teste Exato de Fisher. Após isso, realizou-se uma análise para determinar quais variáveis sociodemográficas estavam relacionadas com escores numéricos da HAD. Essa análise foi feita de forma a pré-selecionar as variáveis que farão parte do modelo de regressão linear e para isso, aplicou-se o Teste de Normalidade de Shapiro-Wilk no qual foi verificado que ambos os escores não possuíam distribuição Normal a uma significância estatística de 1% (p < 0.01).

Aspectos éticos

Esta pesquisa foi elaborada seguindo as normas e diretrizes propostas pela resolução 510/16 da CONEP e somente iniciado após aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Associação Educacional de Ciências da Saúde, sob o parecer número 3.316.234 e CAAE: 12320119.1.0000.5569.

RESULTADOS

Nossa amostra foi composta por atletas com idade média de 18,8 anos, em sua maioria, negra, solteira, sem filhos, renda mensal de até 1 salário-mínimo (durante a coleta, aproximadamente, 265 dólares), procedente de Pernambuco. Esses atletas dividiam um cômodo com 4 ou mais pessoas. Consideramos um quarto de alojamento do clube ou um quarto residencial ( Tabela 1 ).

Tabela 1
Dados sociodemográficos de atletas de futebol da Categoria Sub-20 de times pernambucanos.

Variáveis	n = 62 atletas	%
Cor/Raça
Branca	10	16,1
Negra	52	83,9
Estado civil
Solteiro	59	95,2
Casado/união estável	3	4,8
Número de filhos
Nenhum	53	85,5
1 Filho	8	12,9
Sem informações	1	1,6
Número de moradores no quarto
2	9	14,5
3	16	25,8
4 ou mais	32	51,6
Sem informações	5	8,1
Naturalidade
Pernambuco	40	64,5
Outras Localidades	22	35,5
Idade	18,8 ± 0,76	18,0 – 20,0

A amostra dos atletas foi dividida em goleiro, zagueiro, lateral, meio-campo defensivo, meio-campo ofensivo e ataque. Caso os atletas jogassem em mais de uma posição, considerou-se a posição que o atleta mais jogou durante as partidas da equipe. Metade dos jogadores eram titulares do time e tinham jogado em 2 ou mais clubes. Não houve uma predominância na maneira como o atleta se tornou atleta do clube, representado como “chegada ao clube” ( Tabela 2 ).

Tabela 2
Informações desportivas de atletas de futebol da Categoria Sub-20 de times pernambucanos.

Variáveis	n = 62 atletas	%
Posição na equipe
Goleiro	5	8,1
Zagueiro	12	19,4
Lateral	9	14,5
Meio-campo defensivo	10	16,1
Meio-campo ofensivo	9	14,5
Ataque	17	27,4
Titularidade na equipe
Sim	31	50,0
Não	30	48,4
Sem informação	1	1,6
Chegada ao clube
Escolinha	8	12,9
Peneira	7	11,3
Indicação técnico	13	21,0
Empresário	16	25,8
Outros	18	29,0
Número de clubes
Um	13	21,0
Dois	20	32,3
Três	15	24,2
Quatro ou mais	13	21,0
Sem informações	1	1,6

Apenas 5 estavam lesionados no momento da entrevista. Além disso, somente 3 atletas tiveram doença psiquiátrica atestada por psiquiatra anteriormente. Após a aplicação do questionário, a aplicação das escalas, quando analisado os domínios da ansiedade e da depressão separadamente, verificou-se que 9 atletas estavam com sintomas sugestivos de ansiedade e 4 estavam com sintomas sugestivos de depressão ( Tabela 3 ).

Tabela 3
História clínica e de saúde mental e Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD).

Variáveis	n = 62 atletas	%
Lesão atual
Sim	5	8,1
Não	57	91,9
Doença psiquiátrica prévia
Sim	3	4,8
Não	59	95,2
Diagnóstico referido
Ansiedade	3	4,8
Sem diagnóstico prévio	59	95,2
HAD-A
Com sintomas	9	14,5
Sem sintomas	53	85,5
HAD-D
Com sintomas	4	6,5
Sem sintomas	58	93,5

Após análise dos dados para verificação de associação, encontrou-se relação estatisticamente significativa entre a renda mensal do atleta e o aparecimento de sintomas ansiosos (p = 0.046) quando analisados como variável categórica ( Tabela 4 ).

Tabela 4
Perfil da amostra e sintomas de ansiedade e depressão de atletas de futebol Sub/20.

	HAD-A			HAD-D
Variáveis	Com sintomas	Normal	p-valor	Com sintomas	Normal	p-valor
	n (%)	n (%)		n (%)	n (%)
Renda mensal
Sem renda	0 (0,0)	21 (100,0)	0,046 *	2 (9,5)	19 (90,5)	0,526 *
Até 1 SM	6 (20,7)	23 (79,3)		1 (3,4)	28 (93,3)
Entre 1 SM e 3 SM	3 (25,0)	9 (75,0)		1 (8,3)	11 (91,7)
Naturalidade
Pernambuco	6 (15,0)	34 (85,0)	1,000 *	2 (5)	38 (95)	0,61 *
Outras Localidades	3 (13,6)	19 (86,4)		2 (9,1)	20 (90,9)
Número de Moradores no quarto+
2	0 (0)	9 (100)	0,229 *	1 (11,1)	8 (88,9)	0,264 *
3	4 (25)	12 (75)		2 (12,5)	14 (87,5)
4 ou mais	3 (9,6)	29 (90,6)		1 (3,1)	31 (96,9)
Posição na equipe
Goleiro	0 (0,0)	5 (100,0)	0,263 *	0 (0)	5 (100,0)	0,798 *
Lateral	1 (11,1)	8 (88,9)		0 (0)	9 (100)
Zagueiro	1 (8,3)	11 (91,7)		0 (0)	12 (100)
Meio-campo defensivo	3 (30)	7 (70)		1 (10)	9 (90)
Meio-campo ofensivo	3 (33,3)	6 (66,7)		1 (11,1)	8 (11,1)
Atacante	1 (5,9)	16 (94,1)		2 (11,8)	15 (88,2)
Titularidade na equipe
Sim	6 (19,4)	25 (80,6)	0,473 *	2 (6,5)	29 (93,5)	1,000 *
Não	3 (10)	27 (90)		2 (6,7)	28 (93,3)
Chegada ao clube
Escolinha	2 (25,0)	6 (75,0)	0,787 *	0 (0,0)	8 (100,0)	0,089 *
Peneira	1 (12,5)	7 (87,5)		1 (14,3)	6 (85,7)
Indicação técnico	2 (15,4)	11 (84,6)		0 (0)	13 (100)
Empresário				3 (18,8)	13 (81,2)
Outros	4 (11,8)	30 (88,2)		0 (0)	18 (100)

• (*) Teste Exato de Fisher. (⁺) O “número de moradores no quarto” com sintomas fica com (n = 7) pois os outros dois estavam sem informações quanto a essa variável.

Quando analisadas numericamente, observou-se a renda mensal relacionada com o aparecimento de sintomas depressivos (p = 0.05). Deve-se ressaltar, porém, a existência de um outlier nessa associação que quando retirado torna a relação estatisticamente significativa.

Por fim, a amostra foi estudada, ainda numericamente, através dos modelos de regressão linear para os escores de ansiedade e depressão. Vemos na ( Tabela 5 ) que, a uma significância estatística de 5%, o escore médio dos jogadores sem renda (casela de referência) é igual ao escore médio dos jogadores com renda até 1SM (p = 0.507). Por outro lado, temos que o escore dos jogadores com renda entre 1 e 3SM é em média 2.940 (IC (95%) = [0.871, 5.009] pontos maior do que o dos jogadores sem renda. Concluímos, assim como nas análises acima, que jogadores com renda maior tendem a ter ansiedade maior.

Tabela 5
Resultado do modelo de regressão para ansiedade.

Parâmetro	Estimativa	SE	t	p
Intercepto	4.143	0.624	6.644	0
Renda até 1 SM	0.547	0.819	0.668	0.507
Renda entre 1 e 3 SM	2.940	1.034	2.844	0.006

Observamos na Tabela 6 que, a uma significância estatística de 5%, o escore médio dos jogadores sem renda (casela de referência) é igual ao escore médio dos jogadores com renda entre 1 e 3 SM (p = 0.21). Por outro lado, temos que o escore dos jogadores com renda até 1 SM é em média 1.622 (IC (95%) = [0.09, 3.14] pontos menor do que o dos jogadores sem renda. No grupo dos jogadores com renda entre 1 e 3 SM temos um outlier ( Figura 1 ), isto é, um jogador com escore de depressão muito maior do que os demais o que causou a diferença dos jogadores com renda entre 1 e 3 SM não ser estatisticamente significativa. Ressalta-se que esse outlier está presente apenas na análise numérica, não se aplicando à análise categórica. Quando retiramos esse outlier, a relação entre quem não recebe renda e renda entre 1 e 3SM se mantém relevante estatisticamente (p = 0.01779) e passamos a ter também um escore de depressão estatisticamente menor e com significância estatística (p = 0.01774) dentre os jogadores com renda entre 1 e 3 SM. Concluímos, assim como nas análises acima, que jogadores com renda menor tendem a ter mais sintomas de depressão.

Tabela 6
Resultado do modelo de regressão para ansiedade.

Parâmetro	Estimativa	SE	t	p
Intercepto	5.138	0.581	9.265	0
Renda até 1 SM	-1.622	0.763	-2.127	0.038
Renda entre 1 e 3 SM	-1.214	0.963	-1.261	0.212

Figura 1
Relação entre renda mensal e sintomas depressivos.

DISCUSSÃO

Este trabalho teve como objetivo avaliar a frequência de sintomas de ansiedade e depressão entre jogadores de futebol sub-20. Além disso, coletamos informações adicionais a fim de analisar se havia relação entre os sintomas e as características específicas dessa população.

A revisão da literatura trouxe poucos dados quantitativos sobre jogadores de futebol sub-20, porém é prolífica na análise de outros grupos populacionais.¹⁹ Sendo assim, utilizamos dados de estudos com populações semelhantes, como jogadoras e jogadores de futebol profissional, principalmente europeus, além de outros esportes para estabelecer as variáveis a serem investigadas.¹³ , ²² , ²³ Em comparação com os estudos acima, que focam principalmente nas variáveis esportivas,¹¹ , ²⁴ , ²⁵ acrescentamos outras à investigação para melhor refletir aspectos econômicos e culturais da formação do atleta de futebol no país, como a renda mensal, com quantas pessoas moravam – representado como “número de moradores no quarto”. Ainda sobre as particularidades da cultura do futebol, em estudo realizado com atletas sub-17 sobre a vivência em alojamento, evidenciou que os atletas passam pela experiência de serem julgados, por uma imposição ambiental para um rápido amadurecimento, a quebra de relações sociais anteriores.²⁵

Em levantamento realizado pela OMS, o Brasil é um dos países com a maior prevalência em transtornos depressivos e o primeiro colocado em transtornos de ansiedade considerando todas as idades com prevalência de 5,8% e 9,3%, respectivamente.²⁶ Ao compararmos à totalidade da população brasileira, nosso estudo encontrou prevalência aumentada, de 14,3%, nessa população para ambos os sintomas. Por outro lado, quando confrontados nossos dados com os de outros estudos em futebolistas, encontramos resultados diversos.¹¹ , ¹³ , ¹⁹ Em estudo realizado com jogadores de futebol de elite na ativa e que avaliou ambos os sintomas em conjunto, o resultado foi em linha com o encontrado, apesar de uma amostra populacional diferente.¹³

Em pesquisa que incluiu 78 atletas suíços de futebol da categoria sub-21, foram encontrados sintomas de ansiedade em 2,7% dos entrevistados. Em nossa amostra a prevalência de ansiedade foi bem mais elevada. Essa diferença deve ser encarada criticamente, visto que o questionário utilizado no estudo avaliou sintomas específicos de ansiedade generalizada, o General Anxiety Disorder-7 (GAD-7)²⁰ enquanto a HAD é uma escala de rastreio de sintomas. Em relação aos sintomas depressivos, o resultado encontrado ficou em linha com nossos resultados, mesmo utilizando sendo utilizado a Center for Epidemiological Scale – Depression, CES-D.²⁰ Estudo realizado com 23 atletas sub-20 de clube da primeira divisão do estado de São Paulo e que utilizou o Inventário de ansiedade de Beck, encontrou-se níveis mínimos de ansiedade.²¹ Pesquisa com 607 atletas profissionais, que incluiu os continentes da Europa, América do Sul e Ásia, mostrou uma prevalência de sintomas de ansiedade e depressão mais elevada que nossa amostra.²³ Além disso, em estudo publicado em 2018 com atletas mulheres do futebol alemão, majoritariamente na primeira divisão do país, foi-se observado incidência de 28% de sintomas de depressão e 8,1% de sintomas de ansiedade generalizada.¹⁹

Encontramos uma associação estatisticamente significativa entre sintomas de ansiedade e renda. Quanto maior a renda recebida, maior o percentual de atletas com sintomas ansiosos. Interessante notar que essa relação foi invertida quando comparado a renda aos sintomas de depressão. Caso estejam recebendo rendimento, seja do clube, empresário ou algum patrocinador, já existe algum tipo de cobrança subjacente para uma melhor performance, além da ideia de que é factível se profissionalizar.²⁷ Em pesquisa realizada que avaliou a níveis de ansiedade traço-estado, não houve associação entre remuneração e rendimentos.¹¹

Devemos levar em consideração a singularidade da nossa amostra, principalmente no que diz respeito às características socioeconômicas já que a avaliação desse status pode revelar fatores de risco para o desenvolvimento de transtornos mentais, como a baixa renda e depressão. Estudamos atletas de categorias de base de clubes pernambucanos, os quais estão em uma região do país com marcada diferença socioeconômica em relação ao restante do país, que se reflete na menor verba para investimentos na formação do atleta e das instalações do clube, a literatura geralmente nos mostra atletas profissionais, sejam masculinos ou femininos, com participação em jogos internacionais, em países com menor desigualdade econômica.¹³ , ¹⁹ , ²⁰ , ²² , ²³

As pesquisas anteriores¹³ , ¹⁹ , ²⁰ , ²² , ²³ utilizaram outras escalas para aferir os níveis de ansiedade e depressão, dessa forma é possível esperar algumas diferenças nos resultados. Quando comparamos nossos resultados a estudo que utilizou a mesma escala, porém aplicada a uma população mais nova, atletas de elite de outras modalidades e local de excelência de treinamento, os níveis de ansiedade foram semelhantes e o de depressão evidenciou um percentual abaixo do que o encontrado por este estudo.¹⁸

Uma limitação observada no nosso estudo é o baixo número (n= 62) de atletas avaliados. É importante notar que tivemos uma perda de 20% da amostra inicial, dado que 12 dos participantes negaram a participação ou não forneceram qualquer resposta ao entrevistador. Também é possível que o viés de resposta e de não resposta tenham influenciado algumas de nossas perguntas. Como observado por Salomão, durante o processo de projeto de profissionalização, o atleta da categoria de base alterna momentos de sofrimento e ideias nas quais precisariam sofrer e passar por cima das dificuldades e tristezas para “ correr atrás ” do objetivo, no caso a profissionalização.²⁵ Dessa forma, perguntas relacionadas a ansiedade e depressão podem ter se enquadrado nessa ideia de passar por cima das dificuldades.

O presente estudo encontrou dados para sustentar a ideia de que atletas da categoria de base sub-20 em clubes de Recife que recebem algum tipo de renda estão mais sujeitos a desenvolver sintomas de ansiedade quando comparados aos que não recebem salários quando classificados categoricamente. Na análise numérica, além de se manter a relação com a ansiedade, foi possível encontrar uma relação de maior escore para sintomas depressivos entre aqueles que não recebem renda comparados àqueles que recebem alguma renda. Alguns dados parecem permanecer sem explicação visto que não encontramos na literatura científica pesquisa sobre a relação entre a renda mensal e as razões do aparecimento de sintomas ansiosos e depressivos. A busca por essas explicações podem ser base para novos estudos, principalmente qualitativos, para entender melhor o fenômeno da profissionalização e suas repercussões para a saúde mental desses atletas ainda em formação. Sendo assim, acreditamos que eles merecem estudos mais detalhados para elucidar a questão.

Apesar das limitações existentes, pode-se enxergar pontos positivos a respeito do estudo. Ele vem para contribuir com o campo da saúde mental no esporte, particularmente no futebol brasileiro, o qual ainda é pouco estudado. Também foi uma pesquisa realizada em uma região pobre do Brasil e que teve a oportunidade de focar em particularidades que se apresentam com maior intensidade nesta região, como o fator socioeconômico. Por fim, a presença de sintomas ansiosos e depressivos e sua possível relação com a renda pode ser informação relevante para os gestores de clubes a pensar em como essa questão pode afetar a formação do atleta, assim como para a comissão técnica dos clubes para que se possa observar com mais atenção os jogadores.

Dito isso, o estudo da saúde mental no esporte ainda deve ser aprofundado. Estudamos apenas dois aspectos da saúde mental de um atleta de base do futebol, porém deixamos de fora diversos outros, como problemas com álcool, de sono, transtornos dismórficos corporais, entre outros aspectos que podem acometer atletas em sua totalidade.⁷ Aprofundar na relação entre posição e sintomas de ansiedade e depressão, expandir número da população estudada, além de investigar outros níveis da formação do atleta de futebol são aspectos importantes a serem estudados. Sabemos que no Brasil e no mundo, o futebol é visto como possível saída para uma ascensão social.²⁸ , ²⁹ Sendo assim, é dever da ciência aprofundar os estudos no campo da saúde mental e psiquiatria do esporte e do exercício para que possamos contribuir, ofertar possíveis soluções para que menos pessoas sofram solitariamente com dificuldades mentais e possam atingir seus potenciais.

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Editado por

Editor Associado responsável pelo processo de revisão: André Pedrinelli

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Ago 2022
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  17 Ago 2021
• Aceito
  03 Mar 2022