Accessibility / Report Error

Influência dos Distúrbios Tropicais na Formação de Fenômenos Adversos de Atmosfera Estável no Nordeste Brasileiro

Influence of Tropical Disturbances on Severe weather phenomena of Stable Atmosphere Formation in Northeast Brazil

Resumo

Este estudo tem como principal objetivo avaliar a influência dos Distúrbios Tropicais (DT) do Hemisfério Norte (HN), associados com Ciclones Tropicais (CT), nos fenômenos de atmosfera estável no Nordeste do Brasil (NEB), de 2013 a 2015, a fim de melhorar o método de previsão do tempo nessa área. Informações sobre CT encontram-se no National Hurricane Center. Os fenômenos adversos no NEB foram investigados usando dados METAR e mapas SYNOP. A análise dos sistemas sinóticos baseou-se nas imagens dos satélites no canal infravemelho e nos mapas de diferentes variáveis. Os dados de reanálise foram do European Center for Medium-Range Weather Forecasts. Foram observados 9 DT durante a passagem dos CT. No mesmo período, nevoeiros e nevoas úmidas com precipitação foram registrados no NEB. Estes fenômenos foram associados aos cavados nos alísios resultado da passagem dos DT. Sobre NEB em altos níveis foi observada convergência entre as correntes do DT no HN e do cavado do ciclone extratropical no HS. Esse processo criou movimentos descendentes sobre NEB, os quais contribuíram no acúmulo de umidade em baixos níveis e formação dos fenômenos adversos. Os resultados confirmam o efeito dos DT no tempo do NEB e sua importância na previsão do tempo nesta região.

Palavras-chave:
distúrbio tropical; fenômeno adverso; Nordeste do Brasil

Abstract

The main aim of this study is to analyze an impact of Tropical Disturbs (TD) in the Northern Hemisphere (NH), associated with Tropical Cyclones (TC), on adverse phenomena in Northeast Brazil (NEB) in 2013 - 2015, in order to improve the weather forecasting method in this area. Information about TC was obtained from the National Hurricane Center. Adverse phenomena were studied using METAR and SYNOP data. The synoptic analysis was based on the satellite images and maps of different variables. Reanalysis data from the European Center for Medium-Range Weather Forecasts were used. Nine TD were observed during the passage of TC. In the same period, fogs and mist with drizzle were recorded in the NEB. These phenomena were associated with the trough in the NEB created under the influence of TD in HN. The current from TD in NH converges with current from extratropical cyclone trough of the Southern Hemisphere at the high levels over the NEB. This convergence created sinking, contributed to the accumulation of moisture at the low levels and the formation of adverse phenomena. The results confirm the effect of TD in NH on the weather at the NEB and important for weather forecast in this region.

Keywords:
tropical disturb; severe weather phenomena; Northeast Brazil

1. Introdução

Os fenômenos meteorológicos adversos ligados à atmosfera estável, como nevoeiro e névoa, são amplamente estudados ao redor do mundo devido aos danos causados à sociedade. Apesar dos transtornos às atividades socioeconômicas e perdas de vidas humanas, amplamente noticiados, ainda há uma escassez de estudos relacionados a tais fenômenos no Nordeste Brasileiro (NEB). Dentre eles, encontram-se os estudos desenvolvidos no Laboratório de Meteorologia Sinótica e Física da Universidade Federal de Alagoas, em sua maior parte focados no estado de Alagoas.

Nevoeiro são fenômenos relativamente raros de ocorrer no NEB (Fedorova et al., 2008FEDOROVA, N.; LEVIT, V.; FEDOROV, D. Fog and stratus formation on the coast of Brazil. Atmospheric Research, v. 87, n. 3-4, p. 268-278, 2008.; Fedorova e Levit, 2016FEDOROVA, N.; LEVIT, V. Fog in the Tropical Region: Fog Formation in the Tropical Region of the Northeast of Brazil. Saarbrücken: LAP Lambert Academic Publishing, 82 p., 2016.; Fedorova et al., 2008FEDOROVA, N.; LEVIT, V.; FEDOROV, D. Fog and stratus formation on the coast of Brazil. Atmospheric Research, v. 87, n. 3-4, p. 268-278, 2008.; Gomes et al., 2011GOMES, H.B.; FEDOROVA, N.; LEVIT, V. Rare events of stratus clouds on the Northeast coast of Brazil. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 26, n. 1, p. 9-18, 2011. e Fedorova et al., 2013FEDOROVA, N.; LEVIT, V.; SILVA A.O.; SANTOS D.M.B. Low Visibility Formation and Forecasting on the Northern Coast of Brazil. Pure and Applied Geophysics, v. 170, n. 4, p. 689-709, 2013.) identificaram as perturbações ondulatórias no campo dos alísios (POA) como o principal sistema em baixos níveis formador de nevoeiro na costa norte do Brasil. O estudo de Fedorova et al. (2015)FEDOROVA, N.; LEVIT, V.; SOUZA, J.L.; SILVA, A.O.; AFONSO, J.M.S.; TEODORO, I. Fog Events at Maceio Airport on the Northern Coast of Brazil During 2002-2005 and 2007. Pure and Applied Geophysics, v. 172, n. 10, p. 2727-2749, 2015. sobre os eventos de nevoeiro no aeroporto de Maceió-AL durante os anos de 2002 a 2005 e 2007, identificou que os principais formadores de chuva e fenômenos adversos no NEB (VCAN, Ondas de Leste, Zonas frontais e ZCIT) encontravam-se longe do NEB durante tais eventos. No estudo foi concluído que os nevoeiros foram associados aos alísios com curvatura ciclônica (cavado), em 75% dos casos, e com curvatura anticiclônica (crista) em 25%. Estes cavados, por sua vez, foram associados a POA com os eixos posicionados sobre o NEB ou à leste dele, sobre o oceano. Esse sistema foi observado em todos os dias anteriores à ocorrência do evento.

Fedorova et al. (2008) identificaram fracos movimentos ascendentes, em baixos níveis, em todos os dias em que nevoeiros ou nuvens estratos formaram-se no NEB. Posteriormente, Fedorova et al. (2013) observaram que esses movimentos ascendentes, junto com advecção de umidade em baixos níveis, estão associados a uma fraca confluência em baixos níveis resultante da POA. Segundo Fedorova et al. (2015)FEDOROVA, N.; LEVIT, V.; SOUZA, J.L.; SILVA, A.O.; AFONSO, J.M.S.; TEODORO, I. Fog Events at Maceio Airport on the Northern Coast of Brazil During 2002-2005 and 2007. Pure and Applied Geophysics, v. 172, n. 10, p. 2727-2749, 2015. tais movimentos ascendentes são uma condição distinta da formação dos nevoeiros nos trópicos, diferente da condição de um típico nevoeiro de radiação. Neste estudo também foi identificado uma predominância de movimentos descendentes em altos níveis.

Ciclone tropical (CT) é um termo genérico que engloba depressões tropicais, tempestades tropicais e furacões, nomenclatura utilizada na bacia do Atlântico Norte (Zehr, 1992ZEHR, R. M. Tropical Cyclogenesis in the Western North Pacific. NOAA Technical Report NESDIS 61. Washington, DC: U.S. Department of Commerce, 181 p., 1992.). A National Hurricane Center (NHC) da da National Oceanic and atmospheric administration (NOAA) (Schott et al., 2012SCHOTT, T.; LANDSEA, C.; HAFELE, G.; LORENS, J.; TAYLOR, A.; THURM, H.; WARD, B.; WILLIS, M.; ZALESKI, W. The Saffir-Simpson Hurricane Wind Scale. Miami: NOAA/National Weather Service, 4 p., 2012.), esses sistemas são normalmente classificados por sua intensidade, sendo a forma mais comum de medição a velocidade máxima do vento sustentada à superfície (10 m). Por meio desse parâmetro, os CT são classificados como: depressões tropicais (até 16 m s-1), tempestades tropicais (entre 17 e 32 m s-1) e furacões (superior a 33 m s-1). Os CT são fenômenos sazonais, por conta disso a temporada de CT no Atlântico dura de junho a novembro, atingindo o pico no início de setembro (Mcbride, 1995MCBRIDE, J.L. Tropical cyclone formation. In: Global Perspectives on Tropical Cyclones. Report No. TCP38, Elsberry, R.L. (ed.). Geneva: World Meteorological Organization, Disponível em http://derecho.math.uwm.edu/classes/TropMet/GPTC/tcclimo.pdf, acessado em 3 fev. 2018, 1995.
http://derecho.math.uwm.edu/classes/Trop...
).

A circulação vertical do ciclone tropical foi esquematizada em Wallace e Hobbs (2006)WALLACE, J.M.; HOBBS, P.V. Atmospheric Science: An Introductory Survey. 2nd ed. Cambridge: Academic Press, 483 p., 2006.. Sua estrutura apresenta uma corrente convergente em baixos níveis na direção do centro, localizada abaixo da base das nuvens. Como a corrente flui para dentro, a turbulência produz uma camada limite com muita mistura. Esse processo resulta na ascensão do ar para troposfera superior até 200-150 hPa aproximadamente ao longo das isolinhas de temperatura potencial equivalente. As mesmas isolinhas concentradas também mostram a descida de ar no olho do ciclone. Os dados do radar Doppler para a fase de ciclogênese da depressão tropical Ophelia mostram que os movimentos verticais ascendentes podem atingir a altura de 18 km (Houze et al., 2009HOUZE, R.A.; BELL, M.M.; LEE, W.C. Convective contribution to the genesis of Hurricane Ophelia (2005). Monthly Weather Review, v. 137, n. 9, p. 2778-2800, 2009..)

Distúrbios tropicais pré-existentes, convectivamente ativos, como ondas de leste, cavados de monção ou a ZCIT são necessários para a formação dos CT (Riehl, 1954RIEHL, H. Tropical Meteorology. New York: McGray-Hill Books, 392 p., 1954.; Gray, 1968GRAY, W.M. Global veiw of the origin of tropical disturbances and storms. Monthly Weather Review, v. 96, n. 10, p. 669-700, 1968.). Segundo Gray (1968)GRAY, W.M. Global veiw of the origin of tropical disturbances and storms. Monthly Weather Review, v. 96, n. 10, p. 669-700, 1968., a grande maioria dos CT se formam a partir de distúrbios que se originaram entre 20° N e 20° S. Estes são definidos como padrões de nuvens organizadas com diâmetro de 100 a 600 km, que possuem uma duração de pelo menos um dia (Charney e Eliassen, 1964CHARNEY, J.G.; ELIASSEN, A. On the growth of hurricane depression. Journal of Atmospheric Sciences, v. 21, n. 1, p. 68-75, 1964.). No Atlântico Norte o desenvolvimento de CT é mais frequentemente resultado das ondas de leste africanas, apesar de um pequeno número delas ser capaz de evoluir para tal sistema (Gray, 1968GRAY, W.M. Global veiw of the origin of tropical disturbances and storms. Monthly Weather Review, v. 96, n. 10, p. 669-700, 1968.; Landsea, 1993LANDSEA, C.W. A climatology of intense (or major) Atlantic hurricanes. Monthly Weather Review, v. 121, n. 6, p. 1703-1713, 1993.).

Apesar dos grandes avanços obtidos durantes os últimos anos, devido à complexidade dos CT ainda há muitas coisas a serem descobertas, principalmente sobre sua influência indireta em regiões fora de seu raio de alcance.

Alguns estudos recentes envolvendo a interação de sistemas de ambos os hemisférios e sua influência no NEB foram feitos.

Gomes et al. (2011) analisaram dois eventos raros de três e quatro dias consecutivos de nuvens estratos com precipitação fraca no aeroporto de Maceió-AL. Tais fenômenos ocorreram devido uma inversão de subsidência resultante de correntes de ar anticiclônicas sobre a região. Os autores identificaram, entre as correntes de jato subtropicais dos HN e HS, uma região de divergencia na ZCIT e um anticiclone próximo a costa oeste da África que resultaram em tal corrente e consequentemente em movimentos descendentes. Além disso, eles observaram POA e fracos movimentos verticais em baixos níveis.

Fedorova e Levit (2016) identificaram dois eventos de nevoeiro no Estado de Alagoas associados a circulação entre sistemas sinóticos provenientes do HS e do HN. No primeiro evento, a circulação ocorreu entre a POA do HS e uma depressão tropical do HN. Nele, a circulação ciclônica associada à depressão tropical foi detectada apenas em 1000 hPa, e a corrente divergente associada a ela em 500 hPa. Essa corrente de norte atravessou o equador em direção à região e convergiu com o cavado do HS onde ocorreu o nevoeiro. Devido esta confluência ocorreu a subsidência de ar sobre a região central da costa do NEB. No segundo evento, foi observada uma convergência entre uma extremidade frontal associada a um ciclone extratropical do HS e a mesma depressão tropical, que se deslocou para oeste, cuja corrente divergente já se encontra em 200 hPa, formando uma circulação entre eles. No mesmo estudo os autores observaram uma circulação semelhante durante a passagem do ciclone tropical Danny-15 com casos de nevoeiro, névoa úmida, chuvisco e nuvens estratos, observados em diferentes pontos do NEB.

Recentemente, Fedorova et al. (2019)FEDOROVA, N.; LEVIT, V.; CAVALCANTE, L.C.V. Impacts of tropical cyclones in the Northern Atlantic on adverse phenomena formation in Northeastern Brazil. In: Current Topics in Tropical Cyclone Research. London: IntechOpen, 2019. analisaram a influência dos CT da bacia do Atlântico Sul no NEB entre os anos de 2013 e 2015. Ao analisar a estrutura vertical desses sistemas observou-se convergência entre correntes de ambos os hemisférios, provenientes dos CT do HN e das extremidades frontais do HS, mais frequentes em altos níveis e ocasionalmente em médios níveis. De modo que os autores identificaram uma circulação com uma região de movimentos ascendentes nos centros dos CT e uma região de movimentos descendentes sobre os estados do NEB, na região de convergência entre as correntes. Os fenômenos ligados à estabilidade, como névoa úmida (normalmente acompanhada por chuva), nevoeiro e névoa seca, ocorreram nesta região como resultado dessa circulação. Uma modificação na direção dos alísios de sudeste devido à passagem dos CT também foi identificada pelos autores. Tal processo resultou em alísios com curvatura anticiclônica (crista), sobre o NEB, seguido de uma curvatura ciclônica (cavado) a leste, próximos à costa ou sobre o oceano.

No mesmo estudo, na análise de caso do furacão Bertha os autores observaram a influência de um distúrbio tropical (DT), que não se desenvolve em um ciclone tropical, mas influenciou na formação dos fenômenos no NEB. No entanto, entre os sistemas conhecidos que podem originar direta ou indiretamente fenômenos adversos no NEB, os CT e DT ainda não se encontram na literatura como causadores destes. Por isso, este trabalho tem como objetivo avaliar a influência dos DT do hemisfério norte na formação dos fenômenos adversos no NEB, com o intuito de aperfeiçoar o método de previsão nesta região.

2. Materiais e Métodos

2.1. Análise dos distúrbios tropicais

Este estudo foi baseado na análise dos eventos ligados com CT que se formaram nos anos de 2013 a 2015, ao sul de 20° N e que, durante sua trajetória, passaram sobre o intervalo de longitude que compreende o NEB (entre 50° W e 35° W). Nas proximidades destes CT no mesmo período foram identificados os DT. Os CT foram identificados pela National Hurricane Center (NHC) da NOAA. No trabalho anterior (Fedorova et al., 2019) foi feito a análise dos eventos ligados com os CT e neste estudo escolhidos eventos de DT que também influenciaram tais eventos.

A área de estudo está localizada entre as latitudes 30° N e 30° S e as longitudes 10° W e 60° W. Esta área compreende toda a região do NEB, parte do oceano Atlântico Sul e da Bacia de furacões do Atlântico Norte.

3.2. Análise dos fenômenos adversos no NEB

A investigação dos fenômenos adversos no NEB, durante a passagem dos sistemas foi realizada por meio do banco de dados METAR do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) nas várias estações meteorológicas dos aeroportos dos estados nordestinos (Fig. 1), disponível no portal da REDEMET.

Figura 1
Mapa com as estações meteorológicas dos aeroportos que se encontram no território nordestino. A linha tracejada divide o estado da Bahia em Norte e Sul. Fonte: Natalia et al., 2019.

Outra ferramenta utilizada foram os mapas SYNOP do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que abrangem todo território brasileiro, disponível apenas nos horários sinóticos no banco de dados do CPTEC.

2.3. Análise sinótica

A identificação dos DT e a análise sinótica dos eventos de visibilidade baixa no NEB ligados aos DT foi feita por meio da análise conjunta: 1) das imagens de satélite e 2) dos mapas sinóticos (em baixos, médios e altos níveis) e 3) seções verticais. Todos os dados foram analisados a cada 6 h, do instante da sua formação até o término de sua passagem pelo intervalo de longitude do NEB.

Para visualização da nebulosidade associada aos DT foram utilizadas as imagens compostas dos satélites GOES 13 e METEOSAT 10, obtidas no CPTEC, disponíveis em no banco de dados do CPTEC. Na análise tridimensional de tais sistemas foram usados os mapas de linhas de corrente e magnitude do vento, divergência e velocidade verticais do vento. Na elaboração desses mapas foram utilizadas as seguintes variáveis: componente U e V do vento (m s-1), velocidade vertical do vento (Pa s-1) e divergência (s-1). Esses dados foram obtidos no European Center for Medium-Range Weather Forecasts (ECMWF), na resolução de 0,25° x 0,25°. Os mapas foram plotados por meio do pacote gráfico GRID ANALYSIS and DISPLAY System (GrADS), a cada 6 h. Os mapas de linhas de corrente e magnitude do vento foram construídos nos níveis de 1000 hPa (baixos níveis), 500 hPa (médios níveis), e 300 hPa e 200 hPa (altos níveis). Na análise dos movimentos verticais foram utilizados tanto mapas horizontais de velocidade vertical do vento quanto secções verticais. As secções verticais foram elaboradas a partir de um corte longitudinal que abrangem o centro do DT e a região do NEB. Também, em alguns casos, foram usados radiossondagens para algumas cidades do NEB, disponíveis para as 00 Z e 12 Z no banco de dados do CPTEC.

3. Resultados e Discussões

3.1. Análise geral dos distúrbios tropicais

Ao todo foram utilizados 10 CT como referência de análise dos DT entre 2013 e 2015. Com base nos mapas de linhas de corrente e das imagens de satélite observou-se que, durante a passagem de cada um desses CT pelas longitudes do NEB, foi identificado um DT nas latitudes próximas (Tabela 1). A única exceção foi a tempestade tropical Grace, ou seja, foram identificados 9 DT ao todo. A maioria deles formaram-se na costa oeste da África, próximo a Libéria e Serra Leoa e deslocaram-se para oeste junto com o ciclone. Em dois casos, Fred e Dorian, o DT se formou a oeste do ciclone (Tabela 1).

Tabela 1
Informações sobre os CT (nome, estagio máximo, duração da sua passagem pelo intervalo de longitude do NEB) e DT (número de DT, coordenadas latitude/longitude onde o DT foram primeiro observados e data) nos anos de 2013 a 2015. Siglas: DT (Distúrbio Tropical), TT (Tempestade Tropical), F (Furacão).

3.2. Exemplo de análise do distúrbio tropical junto com a Tempestade Tropical Chantal

Para exemplificar como foi feita a análise de todos os eventos, será inicialmente apresentada a análise detalhada da Tempestade Tropical Chantal junto com o DT.

3.2.1. Análise do deslocamento do ciclone tropical junto com o distúrbio tropical

De acordo com o relatório da NHC (KIMBERLAIN, 2013KIMBERLAIN, T.B. Tropical Cyclone Report: Tropical Storm Chantal. Miami: National Hurricane Center. Disponível em https://www.nhc.noaa.gov/data/tcr/AL032013_Chantal.pdf, acessado em 02 mai. 2020, 2013.
https://www.nhc.noaa.gov/data/tcr/AL0320...
), a tempestade tropical Chantal originou-se de um DT da costa oeste da África no dia 4 de julho. Uma tempestade tropical se formou as 12 Z do dia 7 de julho de 2013, quando a circulação se tornou fechada e bem definida, e se dissipou as 18 Z do dia 10. A trajetoria desse sistema pode ser observada em uma figura no material complementar. Tempestade Tropical Chantal passou pelo intervalo de longitude do NEB entre as 12 Z do dia 7 (41,4° W) e as 12 Z do dia 8 (50,6° W). Logo após sua passagem foi observado um DT a leste que não desenvolveu em um ciclone tropical, como mostra a imagem de satélite para as 12 Z do dia 8 na Fig. 2a, com duração das 12 Z do dia 8 até as 18 Z do dia 9.

Figura 2
Imagens do Satélite GOES 13 e METEOSATE 10, no canal infravermelho, para o dia 8 de julho de 2013 às 12 Z (b); e caso de nevoeiro observado pelo mapa SYNOP as 12 Z do dia 9 de julho de 2013. Em destaque, o estado Alagoas com um caso de nevoa úmida. Quadrado preto mostra a área de análise de fenômenos adversos e as setas mostram as posições da tempestade tropical Chantal e do Distúrbio tropical.

3.2.2. Análise de fenômenos meteorológicos no NEB

Nos mapas SYNOP na região do NEB, observou-se um caso de chuva forte no estado de Alagoas as 12 Z do dia 9 de julho de 2013. Por meio dos dados METAR foram identificados casos de névoa úmida (Tabela 2), acompanhada de chuva fraca, nas estações dos aeroportos dos estados de Sergipe (SBAR), Alagoas (SBMO), Pernambuco (SBRF), norte da Bahia (SBSV).

Tabela 2
Fenômenos adversos identificados pelos dados METAR das diferentes estações dos aeroportos do NEB no dia 9 de julho de 2013. -RA - Chuva fraca, BR - Nevoa úmida.

Por meio das imagens de satélite e dos mapas de linhas de correntes (Figs. 3a e 3b), foi possível observar o deslocamento do DT, que sempre estava localizado a leste do Chantal. Durante a passagem deste DT no hemisfério norte, no hemisfério sul sobre NEB nas imagens de satélite observaram-se nuvens estratiformes.

Figura 3
Imagens do Satélite GOES 13 e METEOSATE 10, no canal infravermelho, (a) e Mapas de linhas de corrente e magnitude do vento (m s-1) no nível 1000 hPa (b), ambos para o dia 9 de julho de 2013 às 12 Z do mesmo dia. Linhas: tracejada (Cavado), pontilhada (Crista) e tracejada pontilhada (Convergência). DT- Distúrbio Tropical. A seta mostra a posição o Distúrbio tropical.

3.2.3. Análise das correntes de ar

No nível de 1000 hPa (Fig. 3b), às 12 Z do dia 9 de julho de 2013, foi observado uma modificação na direção típica dos alísios de sudeste devido à passagem do DT e de um cavado ao sul de 20° S associado a uma extremidade frontal, também observada nas imagens de satélite. Isso resultou em alísios com curvatura anticiclonica (crista), sobre o NEB, e com curvatura ciclônica (cavado) a leste, sobre o Atlântico Sul e finalmente as linhas de corrente quase retas sobre o litoral do NEB. Os alísios com curvatura anticiclônica, por sua vez, convergiram com os próprios alísios de sudeste sobre o estado do maranhão e o Norte do Brasil. No entanto, não foi observado nebulosidade associada a nuvens convectivas na região onde ocorreu esta convergência, como mostra a Fig. 4a.

No mesmo horário, em 200 hPa, foi possível observar uma região com um núcleo de divergência dos ventos associadas ao DT (Fig. 4c). Esta divergência resultou em correntes do HN que atravessaram o equador e convergiram com o cavado do HS, associado ao ciclone extratropical, sobre o NEB. A confluência das correntes dos dois hemisférios aconteceu sobre o Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e o litoral de Alagoas (Fig. 4c). Essa convergência em altos níveis resulta em movimentos descendentes sobre as mesmas regiões do NEB (Fig. 5a). Por meio da radiossondagem para a cidade de Petrolina-PE as 12 Z do mesmo dia, é possível identificar atmosfera estável (CAPE+ = 0 e LI = 2) com inversões de subsidência próximas aos níveis de 700 hPa e 450 hPa (Fig. 4b). Em 200 hPa, a sul desta região de convergência, é possível identificar fracos movimentos ascendentes associados a corrente de jato subtropical (Fig. 4a).

Tais movimentos verticais são mostrados na secção vertical (Fig. 4d) fixada no centro do DT (longitude 36° W). Nela é possível observar os movimentos ascendentes no DT (5-7° N) e movimentos descendentes da região próxima a 10° S, em médios e altos níveis, e, em baixos níveis, uma pequena região de movimentos ascendentes que se encontra próximo ao estado de Alagoas e Sergipe. Esses movimentos verticais são os típicos identificados por Fedorova et al. (2008), (2013) e (2016) em casos de nevoeiro e nuvens estratos no NEB.

Figura 4
Mapa sinóticos, para as 12 Z do dia 9 de julho de 2013, de: velocidade vertical do vento (Pa s-1) no plano horizontal em 200 hPa (a), linhas de corrente em 200 hPa (c) e secção vertical da velocidade vertical do vento (Pa s-1) fixada na longitude 36° W (d). Radiossondagem para a cidade de Petrolina-PE para a mesma data com as setas marcando as inversões de subsidência (b). Linhas: tracejada (Cavado) e tracejada pontilhada (Convergência). Setas: normal (Direção dos Ventos de Norte e de Sul) e tracejada (Corrente de Jato Subtropical). Siglas: DT (Distúrbio Tropical), CJ (Corrente de Jato) e A (Anticiclone).

3.3. Análise de distúrbio tropical junto com fenômenos no NEB

Analisando todos os DT próximos aos CT foi possível identificar uma circulação semelhante ao observado por Fedorova et al. (2019)FEDOROVA, N.; LEVIT, V.; CAVALCANTE, L.C.V. Impacts of tropical cyclones in the Northern Atlantic on adverse phenomena formation in Northeastern Brazil. In: Current Topics in Tropical Cyclone Research. London: IntechOpen, 2019.. Ou seja, foram observadas correntes de ar em altos níveis do HN provenientes dos CT e/ou DT em direção ao NEB e confluência destes com uma corrente do HS.

Em alguns casos os DT exerceram mais influência na formação das correntes do HN do que os próprios CT, apesar da menor intensidade da corrente do DT. Por exemplo, na análise do furacão Fred observou-se pouca influência no tempo do NEB, pois, às 06 Z do dia 2 de setembro, quando Fred passou sobre o intervalo de longitude do NEB, já se encontrava em latitudes próximas a 20° N, mais especificamente 19,3° N. No entanto, às 12 Z do dia anterior, na sua passagem pelo Atlântico Norte, foi possível identificar a formação de um DT a oeste, na latitude 10° N. Neste caso, durante toda a passagem do ciclone Fred, o DT influenciou a formação do cavado em baixos níveis (Fig. 5a) e da corrente do HN em altos níveis (Fig. 5b). Este caso exemplifica a influência que tais sistemas apresentam na formação das correntes do HN.

Figura 5
Mapas de linhas de corrente e magnitude do vento (m s-1) às 12 Z dos dias 01 de setembro nos níveis 1000 hPa (a) e 300 hPa (b). Linhas: tracejada (Cavado), pontilhada (Crista) e tracejada pontilhada (Convergência). Siglas: CT (Ciclone Tropical), DT (Distúrbio Tropical) e A (Anticiclone).

Distúrbios tropicais influenciaram na formação dos fenômenos adversos no NEB. Durante a passagem destes sistemas, constatou-se, por meio dos dados METAR, que ao menos um caso de névoa úmida foi identificado; normalmente acompanhado de chuvisco, chuva fraca ou moderada. Os casos de nevoeiro foram identificados tanto pelos dados SYNOP quanto pelo METAR. Nos mapas SYNOP, durante a passagem dos CT Erin (18/08/2013), Bertha (29/07/2014) e Danny (17/08/2015) foram observados casos de nevoeiro no estado de Pernambuco; e durante a passagem do Dorian (26/07/2013), um caso foi observado no estado da Paraíba. A tabela 3 mostra os casos de nevoeiro nos estados do NEB pelos dados METAR. A tabela dos casos de nevoa úmida identificados através dos dados SYNOP e METAR pode ser visualizada no material complementar.

Tabela 3
Casos de nevoeiro identificados pelos dados METAR das diferentes estações dos aeroportos do NEB durante a passagem dos ciclones e distúrbios tropicais. CT - Ciclone Tropical, FG - Nevoeiro; RA FG - nevoa úmida acompanhado de chuva, BCFG - Banco de nevoeiro.

4. Conclusões

Entre os anos de 2013 e 2015, ao todo foram estudados 9 distúrbios tropicais que se formaram durante a passagem dos ciclones tropicais catalogados pela NHC. Com exceção da tempestade tropical Grace, durante a passagem de cada ciclone tropical observou-se um distúrbio em latitudes próximas, sete formados a leste e dois a oeste do CT.

Durante a passagem dos ciclones e distúrbios tropicais foram encontrados fenômenos ligados à estabilidade atmosférica nos estados do NEB, como névoa úmida, nevoeiro e névoa seca. No geral, o fenômeno mais observado no NEB nestes eventos foi a névoa úmida, normalmente acompanhada por precipitação; este ocorreu durante a passagem de todos os distúrbios estudados.

Por meio da análise sinótica foi identificado uma circulação em baixos e altos níveis semelhante ao encontrado por Fedorova et al. (2019)FEDOROVA, N.; LEVIT, V.; CAVALCANTE, L.C.V. Impacts of tropical cyclones in the Northern Atlantic on adverse phenomena formation in Northeastern Brazil. In: Current Topics in Tropical Cyclone Research. London: IntechOpen, 2019.. Em baixos níveis foi confirmada uma modificação na direção dos alísios de sudeste devido à passagem dos distúrbios tropicais, que resultaram em alísios de curvatura ciclônica sobre o oceano e costa, seguido de com curvatura anticíclica na região continental. Esse processo envolve a passagem dos ciclones e distúrbios tropicais, e também de uma extremidade frontal que se desloca sobre o Atlântico Sul.

Em altos níveis foi observado convergência entre as correntes do HN e do HS. As correntes do HN resultaram da divergência oriunda do ciclone e distúrbio tropical que convergiram com o cavado do HS associado a extremidade frontal. Nos mapas de velocidade vertical do vento, foram identificados movimentos ascendentes no centro do DT, região com divergência em altos níveis, e movimentos descendentes sobre os estados do NEB, região de convergência entre as correntes do HN e HS. Este processo auxiliou no acúmulo de umidade em baixos níveis e na formação de fenômenos como nevoeiro, nevoa úmida e chuva fraca.

Diferente dos trabalhos anteriores, o presente estudo mostrou que os distúrbios tropicais do hemisfério norte, formados na vizinhança dos ciclones tropicais, criam uma circulação entre os hemisférios e contribuem na formação de fenômenos adversos (nevoeiro, nevoa úmida e chuva fraca) no NEB. Essas informações são de grande importância para o aperfeiçoamento do método de previsão de fenômenos de estabilidade, principalmente para eventos de névoa úmida com precipitação.

Referências

  • CHARNEY, J.G.; ELIASSEN, A. On the growth of hurricane depression. Journal of Atmospheric Sciences, v. 21, n. 1, p. 68-75, 1964.
  • FEDOROVA, N.; LEVIT, V.; FEDOROV, D. Fog and stratus formation on the coast of Brazil. Atmospheric Research, v. 87, n. 3-4, p. 268-278, 2008.
  • FEDOROVA, N.; LEVIT, V.; SILVA A.O.; SANTOS D.M.B. Low Visibility Formation and Forecasting on the Northern Coast of Brazil Pure and Applied Geophysics, v. 170, n. 4, p. 689-709, 2013.
  • FEDOROVA, N.; LEVIT, V.; SOUZA, J.L.; SILVA, A.O.; AFONSO, J.M.S.; TEODORO, I. Fog Events at Maceio Airport on the Northern Coast of Brazil During 2002-2005 and 2007. Pure and Applied Geophysics, v. 172, n. 10, p. 2727-2749, 2015.
  • FEDOROVA, N.; LEVIT, V. Fog in the Tropical Region: Fog Formation in the Tropical Region of the Northeast of Brazil Saarbrücken: LAP Lambert Academic Publishing, 82 p., 2016.
  • FEDOROVA, N.; LEVIT, V.; CAVALCANTE, L.C.V. Impacts of tropical cyclones in the Northern Atlantic on adverse phenomena formation in Northeastern Brazil. In: Current Topics in Tropical Cyclone Research London: IntechOpen, 2019.
  • GOMES, H.B.; FEDOROVA, N.; LEVIT, V. Rare events of stratus clouds on the Northeast coast of Brazil. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 26, n. 1, p. 9-18, 2011.
  • GRAY, W.M. Global veiw of the origin of tropical disturbances and storms. Monthly Weather Review, v. 96, n. 10, p. 669-700, 1968.
  • HOUZE, R.A.; BELL, M.M.; LEE, W.C. Convective contribution to the genesis of Hurricane Ophelia (2005). Monthly Weather Review, v. 137, n. 9, p. 2778-2800, 2009.
  • KIMBERLAIN, T.B. Tropical Cyclone Report: Tropical Storm Chantal Miami: National Hurricane Center. Disponível em https://www.nhc.noaa.gov/data/tcr/AL032013_Chantal.pdf, acessado em 02 mai. 2020, 2013.
    » https://www.nhc.noaa.gov/data/tcr/AL032013_Chantal.pdf
  • LANDSEA, C.W. A climatology of intense (or major) Atlantic hurricanes. Monthly Weather Review, v. 121, n. 6, p. 1703-1713, 1993.
  • MCBRIDE, J.L. Tropical cyclone formation. In: Global Perspectives on Tropical Cyclones. Report No. TCP38, Elsberry, R.L. (ed.). Geneva: World Meteorological Organization, Disponível em http://derecho.math.uwm.edu/classes/TropMet/GPTC/tcclimo.pdf, acessado em 3 fev. 2018, 1995.
    » http://derecho.math.uwm.edu/classes/TropMet/GPTC/tcclimo.pdf
  • RIEHL, H. Tropical Meteorology New York: McGray-Hill Books, 392 p., 1954.
  • SCHOTT, T.; LANDSEA, C.; HAFELE, G.; LORENS, J.; TAYLOR, A.; THURM, H.; WARD, B.; WILLIS, M.; ZALESKI, W. The Saffir-Simpson Hurricane Wind Scale Miami: NOAA/National Weather Service, 4 p., 2012.
  • WALLACE, J.M.; HOBBS, P.V. Atmospheric Science: An Introductory Survey 2nd ed. Cambridge: Academic Press, 483 p., 2006.
  • ZEHR, R. M. Tropical Cyclogenesis in the Western North Pacific. NOAA Technical Report NESDIS 61 Washington, DC: U.S. Department of Commerce, 181 p., 1992.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    05 Jun 2020
  • Revisado
    15 Jul 2020
  • Aceito
    26 Ago 2020
Sociedade Brasileira de Meteorologia Rua. Do México - Centro - Rio de Janeiro - RJ - Brasil, +55(83)981340757 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: sbmet@sbmet.org.br