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Características dos Complexos Convectivos de Mesoescala no Nordeste Brasileiro

Characteristics of Mesoscale Convective Complexes over Northeastern Brazil

Resumo

O objetivo geral desse estudo foi analisar as características físicas dos Complexos Convectivos de Mesoescala (CCM) na região Nordeste do Brasil entre os anos de 2008 e 2017. Para criar uma previsão do tempo a curto prazo, é necessário entender e detalhar esses sistemas, pois os CCM costumam causar fenômenos adversos, levando a perdas socioeconômicas para toda a sociedade. A identificação e escolha dos casos, assim como todos os cálculos de suas características físicas, foram realizadas com o auxílio de um algoritmo de análise e detecção automática de CCM, tomando como base as normas propostas por Maddox. Imagens do satélite METEOSAT no canal infravermelho realçado foram utilizadas como fonte de processamento do algoritmo. Foram identificados 65 sistemas, que ocorreram especialmente nas estações de outono e verão. Os CCM começaram a se desenvolver entre o final da noite e início da madrugada (entre 00 e 03 UTC). Houve um intervalo de aproximadamente quatro horas entre a gênese e o desenvolvimento máximo, quando atingem sua área de extensão máxima. A área de cobertura média destes CCM foi de aproximadamente 120.000 km2, havendo registro de um caso com área total em torno de 427.926 km2.

Palavras-chave:
CCM; sistemas de mesoescala; Nordeste

Abstract

The main purpose of this study was to analyze the Mesoscale Convective Complexes (MCC) physical characteristics over the Northeastern Brazil between 2008 to 2017. To create a short-term weather forecast, understanding and detailing of these systems is necessary. This is of great importance for the population, since MCC often cause adverse phenomena leading to socio-economic losses for the whole society. The MCC identification and all calculations of their physical characteristics were performed with the aid of an MCC automatic analysis and detection algorithm, based on the standards proposed by Maddox. METEOSAT satellites Infrared enhanced images were used for the processing algorithm. Sixty-five MCCs occurred mainly in the autumn and summer seasons were identified. MCC development started between late evening and early morning (between 00-03 UTC). An interval of approximately four hours was observed between genesis and maximum development, when MCC reach maximum extension area. The average coverage area of these MCCs was 120,000 km2, the largest of the reported cases had a total area of about 427,926 km2.

Keywords:
MCC; Mesoscale systems; Northeast

1. Introdução

Os Complexos Convectivos de Mesoescala (CCM) caracterizam-se como um conjunto de nuvens convectivas, apresentando forma circular e crescimento vertical em um intervalo de tempo entre 6 a 12 horas, associando-se frequentemente com eventos de precipitação intensa (Maddox, 1980). De acordo com Moraes e Aquino (2018)MORAES, F.D.S.; AQUINO, F.E. Desastres no Rio Grande do Sul Associados a Complexos Convectivos de Mesoescala: Estudo de Caso do Evento que ocorreu entre 22 e 23 de abril de 2011. Revista Gestão & Sustentabilidade Ambiental, v. 7, p. 111-134, 2018., estes fenômenos afetam diversos setores econômicos e sociais, afetando a agricultura e aviação, tal como enchentes e deslizamentos de terra. Desta forma, tornando o conhecimento sobre fenômenos de tempo severo cada vez mais necessário.

Estes sistemas foram documentados em vários continentes ao redor do globo, incluindo América do Norte (Maddox, 1980), Ásia (Laing e Fritsch, 1993LAING, A.G.; FRITSCH, J.M. Mesoscale convective complexes in Africa. Monthly Weather Review, v. 121, p. 2254-2263, 1993.), Europa (Laing e Fritsch, 1997LAING, A.G.; FRITSCH, J.M. The global population of mesoscale convective complexes. Quarterly Journal of Royal Meteorological Society, v. 123, p. 389-405, 1997.), África (Blamey e Reason, 2012BLAMEY, R.C.; REASON, C.J.C. Mesoscale Convective Complex Over Southern Africa. Journal of Climate, v. 25, p. 753-766, 2012.). Na América do Sul, segundo Silva Dias (1987)SILVA DIAS, M.A.F. Sistemas de mesoescala e previsão de tempo a curto prazo. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 2, p. 133-150, 1987.; Velasco e Fritsch (1987)VELASCO, I.; FRITSCH, J.M. Mesoscale Convective Complexes in the Americas. Journal of Geophysical Research: Atmospheres, v. 92, p. 9591-9613, 1987., os CCM são característicos no norte da Argentina, Paraguai e sul do Brasil. Em contrapartida, estudos mais recentes documentam registros no Nordeste do Brasil (NEB) (Fedorova et al., 2008FEDOROVA, N.; LEVIT, V.; RODRIGUES, L.R.L.; COSTA, S.B. 2008. Mesoscale Convective Complex Genesis and forecast in Alagoas State of Brazil. Journal of the Georgian Geophysical Society, v. 12, p. 36-44, 2008.; Lyra et al., 2017LYRA, M.J.A., FEDOROVA, N., LEVIT, V., BONFIM, O.E.T.; JANUÁRIO, I.R. 2017. Influência do El Niño Oscilação Sul na formação dos Complexos Convectivos de Mesoescala sobre o Nordeste brasileiro. In: VII Simpósio Internacional de Climatologia (SIC), Petrópolis: SBMET, 2017.). Onde, a exemplo, são um dos sistemas meteorológicos que mais causam precipitações intensas e trovoadas na costa leste do NEB (Pontes da Silva et al., 2011PONTES DA SILVA, B.F.P.; FEDOROVA, N.; LEVIT, V.; BRITO, B.M.; PERESETSKY, A. Sistemas sinóticos associados às precipitações intensas no Estado de Alagoas. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 26, n. 3, p. 295-310, 2011.; Cordeiro et al., 2018CORDEIRO, E.S.; FEDOROVA, N.; LEVIT, V. Análise sinótica e Termodinâmica dos Eventos com Trovoadas para o Estado de Alagoas no Período de 15 Anos 1998-2012. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 33, n. 4, p. 685-694, 2018.; Lyra et al., 2018LYRA, M.J.A., CAVALCANTE, L.C.V.; LEVIT, V.; FEDOROVA, N. Complexos Convectivos de Mesoescala sobre o Nordeste do Brasil e fenômenos adversos associados. Revista Ibero-Americana de Ciências Ambientais. v. 9, n. 3, p. 95-103, 2018.).

Estudos realizados por Maddox (1980)MADDOX, R.A. Mesoscale Convective Complexes. Bulletin of the American Meteorological Society. v. 61, n. 11, p. 1374-1387, 1980.; Laing e Fritsch (1997) e Blamey e Reason (2012) buscaram analisar as características físicas dos CCM, bem como seus horários predominantes de desenvolvimento. No NEB, um estudo recente realizado por Fedorova et al. (2019)FEDOROVA, N.; PONTES DA SILVA, B.F.P.; LEVIT, V. Complexos Convectivos de Mesoescala sobre o Nordeste do Brasil. ISBN: 978-65-900634-0-3. Maceió: Ef. Clube dos Autores, p. 248, 2019. documentou diversas informações sobre esses sistemas em um período de 19 anos.

Dentro deste contexto, o presente estudo tem como principal objetivo analisar as características dos CCM no NEB. Serão apresentados dados em detalhes calculados pelo algoritmo de análise automática de CCM: horários de formação e extensão máxima, assim como duração dos ciclos de vida e as áreas de cobertura total de todos os casos analisados durante os anos de 2008 a 2017.

2. Materiais e Métodos

2.1. Área de estudo

A área de estudo consiste na região Nordeste do Brasil (NEB), compreendida entre os paralelos 01°-18° S e meridianos 34°-48° W, posicionada adjacente ao Oceano Atlântico Sul. A escolha foi feita devido a importância da previsão de fenômenos adversos, tão quanto pela falta de informações meteorológicas sobre a formação e desenvolvimento de sistemas de mesoescala na região. O regime pluviométrico do NEB é bastante diferenciado devido ao elevado número de sistemas diversas escalas atuantes, acentuando uma grande variedade climática na região (Hastenrath e Heller, 1977HASTENRATH, S.; HELLER, L. Dymamics of cliamtic hazard in the Northeast Brazil. Quarterly Journal of Royal Meteorological Society, v. 103, p. 77-92, 1977.; Kousky e Chu, 1978KOUSKY, V.E; CHU, P.S. Flutuations in annual rainfall for Northeast Brazil. Journal of the Meteorological Society of Japan, v. 56, p. 457- 465, 1978.; Reboita et al., 2010REBOITA, M.S.; GAN, M.A.; ROCHA, R.P.; AMBRIZZI, T. Regimes de precipitação da América do Sul: Uma revisão bibliográfica. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 25, n. 2, p. 185-204, 2010.). O estudo estendeu-se por um período de 10 anos, entre janeiro de 2008 a dezembro de 2017.

2.2. Dados e produtos de satélite

Foram utilizadas imagens dos satélites METEOSAT 9 e 10 no canal espectral Infravermelho (IR) realçado em um intervalo de 15 minutos. Estas imagens foram obtidas através do banco de dados imagens no portal da Divisão de Satélites e Sistemas Ambientais (DSA) do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/INPE).

2.3. Algoritmo de análise automática

Para a identificação e monitoramento das trajetórias dos CCM, foi utilizado um algoritmo de análise automática desenvolvido por Milhahn Júnior (2016)MILHAHN JÚNIOR, A.W. Uma ferramenta para análise automática dos Complexos Convectivos de Mesoescala no Nordeste do Brasil. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Meteorologia, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2016.. Essa ferramenta foi desenvolvida a partir da linguagem GNU Octave, o qual é disponibilizado de forma gratuita e foi processada através do sistema operacional Ubuntu 16.04. Esta ferramenta permitiu não só identificar os CCM, como também calcular informações como área, excentricidade, duração, trajetória e velocidade média dos mesmos. O algoritmo utiliza a decodificação de pixel das imagens do satélite METEOSAT como dado de entrada, e segue passos específicos que são apresentados no esquema abaixo (Fig. 1).

Figura 1
Esquematização descrita por Milhahn Júnior (2016)MILHAHN JÚNIOR, A.W. Uma ferramenta para análise automática dos Complexos Convectivos de Mesoescala no Nordeste do Brasil. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Meteorologia, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2016. das etapas de processamento do algoritmo de identificação dos CCM.

A primeira etapa do algoritmo consiste em processar e filtrar as imagens de satélite realçadas. A partir deste ponto, é realizado o recorte da área de estudo (0° a 15° S e 30° a 50° W). Posteriormente, é aplicado um filtro à imagem recortada para identificação dos possíveis sistemas que estejam na imagem, esse filtro separa os pixels correspondentes aos intervalos de cores (variação de azul, rosa e branco) das áreas com temperatura menor que -50° C. Após a aplicação do filtro, a imagem se torna uma matriz binária, onde os elementos com valor nulo são os pixels que não passaram pelo filtro com o intervalo de cor definido anteriormente.

Os pixels que tinham as cores dentro do intervalo ficaram com valor 1, os quais correspondem aos dados processados nas etapas seguintes do algoritmo. O algoritmo considera o valor equivalente a área de um pixel como aproximadamente 19,71 km2. Assim, para o cálculo da área total foram utilizadas as imagens de satélite como forma de entrada, onde são plotadas linhas de contorno dos sistemas encontrados com área maior que 2536 pixels (~50.000 km2), um círculo no centro desses sistemas com os valores da área e excentricidade e desenhadas as elipses sobre os mesmos, mostrando os eixos maiores e menores (Fig. 2). Todas essas informações são adicionadas dentro de todos os intervalos de tempos nas quais as imagens de entrada foram inseridas.

Informações relativas aos eventos em estudo, tais como excentricidade, área e tempo de duração foram calculadas através do algoritmo processado no GNU Octave. A excentricidade calculada é a mesma proposta por Maddox (1980)MADDOX, R.A. Mesoscale Convective Complexes. Bulletin of the American Meteorological Society. v. 61, n. 11, p. 1374-1387, 1980., sendo a razão entre o eixo menor e o eixo maior, devendo assumir um valor igual ou superior a 0,7 no momento de máxima extensão. Para o cálculo de tempo de duração, levou-se em consideração o horário inicial em que os CCM apresentaram área e excentricidade definidas conforme as normas citadas acima. Sendo também calculados horários de extensão máxima e duração dos ciclos de vida para todos os casos analisados, com o auxílio da metodologia empregada por Blamey e Reason (2012).

Figura 2
Imagem do satélite METEOSAT no canal IR para o dia 15/01/2013 após a plotagem dos contornos calculados com auxílio do algoritmo de análise automática.

3. Resultados e Discussão

3.1. Frequência anual e mensal

De acordo com a análise das imagens do satélite METEOSAT foram constatados 65 CCM na região de estudo entre 2008 e 2017. Neste período, o maior número de ocorrências foi registrado em 2008, destacando-se 12 casos, o que corresponde à cerca de 18,4% do total somente neste ano (Fig. 3a). Nos anos seguintes este número apresentou uma pequena queda, principalmente em 2011 onde apenas 4 casos foram identificados. De 2012 em diante a frequência de formação permaneceu mais estável, com uma pequena variação. Conforme descrito por Lyra et al. (2017), esta variação no número de ocorrências possui ligação com El Niño Oscilação Sul (ENOS), e suas configurações positivas e negativas. Esta ligação entre o ENOS e os CCM está relacionada às anomalias mensais de temperatura de superfície do mar (TSM), visto que os anos de 2008 e 2011 foram anos de La Niña, porém a diferença nas ocorrências de CCM nesses dois anos foi bastante acentuada. O fator diferencial consistiu nas anomalias de TSM no mês de maior ocorrência desses sistemas (março), que não estavam tão elevadas no ano de 2011. Mensalmente, os casos analisados desenvolveram-se com maior frequência principalmente no mês de março, com 19 casos (39,2%), seguido dos meses de fevereiro e janeiro, com 10 (15,4%) e 09 (13,8%) casos, respectivamente (Fig. 3b).

Figura 3
Distribuição anual (a) e mensal (b) dos CCM entre 2008 e 2017 na região de estudo.

3.2. Horários de formação e extensão máxima dos CCM

A Fig. 4 exibe detalhadamente os horários onde os CCM apresentaram suas primeiras características de formação e desenvolvimento máximo calculadas através do algoritmo de análise automática com base na metodologia de Blamey e Reason (2012). Os horários são apresentados no formato do Universal Time Coordinated (UTC = fuso horário do Brasil + 3 h). É possível observar que na região tropical estas primeiras explosões não ocorrem exclusivamente durante a noite, conforme os sistemas extratropicais. Apesar disso, foi notório o número de casos formados durante este período, principalmente entre 00 - 03 UTC, correspondendo no horário local do NEB, por 21 - 00 horas. Os CCM formados neste intervalo de tempo equivalem a cerca de 49% do total observado, sendo o maior pico de formação às 00 UTC. Outra grande parte dos casos começaram a se desenvolver após as 19 UTC, mantendo uma média entre 3 a 4 casos durante cada hora até as 23 UTC. Outros 14 sistemas (21,5%) iniciaram-se entre as 04 e 18 UTC, havendo um pequeno pico entre o fim da madrugada e início da manhã. Os resultados obtidos por Maddox (1980)MADDOX, R.A. Mesoscale Convective Complexes. Bulletin of the American Meteorological Society. v. 61, n. 11, p. 1374-1387, 1980. mostram que esses sistemas se desenvolvem principalmente entre 19 e 22 UTC na região dos Estados Unidos, também havendo registros em outros turnos do dia. Segundo Velasco e Fritsch (1987)VELASCO, I.; FRITSCH, J.M. Mesoscale Convective Complexes in the Americas. Journal of Geophysical Research: Atmospheres, v. 92, p. 9591-9613, 1987., o hábito noturno é uma das características mais marcantes do CCM tanto subtropical, nos dois hemisférios como aqueles observados na região tropical.

Com relação aos horários de desenvolvimento máximo dos CCM, estes valores possuíram maior distribuição comparando-se com o momento de início da formação. Os sistemas formaram-se com maior frequência entre 00 e 03 UTC, como visto acima, e atingem sua extensão máxima ainda durante o final da noite e início da manhã, entre as 23 e 07 UTC, principalmente às 04 UTC. E poucos casos atingiram o valor máximo de área entre o início e fim do período da tarde. Em média, os CCM em estudo demoraram cerca de 4 horas para elevarem-se da gênese até o tamanho máximo, registrando-se casos com crescimento explosivo de apenas 1 hora, e outros com intervalo de 9 horas.

Figura 4
Horários de início da formação e desenvolvimento máximo dos CCM analisados no período de estudo.

3.3. Tempo de duração

Foi possível observar que grande parte dos CCM (mais de 50%) apresentaram duração entre 6 e 8 horas (Fig. 5), havendo registro de casos com até 15 horas de duração. Estes que atingiram tempo de duração mais elevados (os quais ultrapassam das 10 horas) não possuem um período específico de formação, e variaram entre os meses de dezembro e abril. Em média, estes casos possuem cerca de 8,1 horas de duração, valor um pouco mais reduzido em comparação a outros locais do globo. Sobre o estado de Alagoas (costa leste do NEB), a duração média desses sistemas é de aproximadamente 11h, Fedorova et al. (2009)FEDOROVA, N.; LEVIT, V.; SILVEIRA, M.H.S.; SILVA, B.F.P.; AMIRANASHVILI, A.G. Mesoscale Convective Complexes on the Northeastern Coast of Brazil. Journal of the Georgian Geophysical Society, v. 13B, p. 36-49, 2009.. Os CCM da América do Norte possuem 12 horas de duração aproximadamente, conforme Maddox (1980)MADDOX, R.A. Mesoscale Convective Complexes. Bulletin of the American Meteorological Society. v. 61, n. 11, p. 1374-1387, 1980.. Estudos realizados por Blamey e Reason (2012) mostram que no Sul do continente africano a média de duração é de aproximadamente 9,5 horas, e no sul da América do Sul, segundo Durkee e Mote (2009)DURKEE, J.D.; MOTE, T.L. A climatology of Warm-season Mesoscale Convective Complexes in Subtropical South America. International Journal of Climatology, v. 30, p. 418-431, 2009., é de 10 horas. Enquanto a média global concentra-se em cerca de 14 horas (Laing e Fritsch, 1997LAING, A.G.; FRITSCH, J.M. The global population of mesoscale convective complexes. Quarterly Journal of Royal Meteorological Society, v. 123, p. 389-405, 1997.).

Figura 5
Tempo de duração do ciclo de vida total dos CCM.

3.4. Áreas de extensão máxima dos CCM

A área média de cobertura dos CCM do Nordeste brasileiro é de aproximadamente 120.000 km2, valor muito similar aos sistemas da África do Sul, onde o tamanho médio obtido por Blamey e Reason (2012) foi de 121.000 km2. Grande parte dos sistemas apresentou área de cobertura principalmente entre 50.000 e 150.000 km2 (79% dos casos), sem um período do ano em destaque. Ou seja, esses casos com áreas de extensão mais elevadas não possuem meses específicos para ocorrer, podendo variar entre todos os meses em que há ocorrência de CCM na região. Essa distribuição é apresentada na Fig. 6.

Figura 6
Áreas de extensão máxima dos CCM analisados.

Entre os 65 CCM identificados, 54 formaram-se sobre o continente, enquanto o restante dos casos desenvolveu-se sobre o oceano. Esta distribuição é similar a descrita por Velasco e Fritsch (1987)VELASCO, I.; FRITSCH, J.M. Mesoscale Convective Complexes in the Americas. Journal of Geophysical Research: Atmospheres, v. 92, p. 9591-9613, 1987. em seu estudo na América do Sul e Laing e Fritsch (1997) na região do continente africano. Sobre o oceano 70% dos casos apresentaram área maior que 100.000 km2, entre eles destacou-se o fenômeno que atingiu um valor aproximado de 262.300 km2, o qual foi o segundo maior registrado entre esses anos. As localizações dos núcleos de cada CCM ao atingir a área de extensão máxima divididas a cada 25.000 km2 são apresentadas na Fig. 7.

Observando as coordenadas do núcleo de cada CCM analisado, o potencial convectivo da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) na região foi bastante característico quando posicionada mais a Sul. Segundo Molion e Bernardo (2002)MOLION, L.C.B.; BERNARDO, S.O. Uma revisão da dinâmica das chuvas no Nordeste Brasileiro. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 17, n. 1, p. 1-10, 2002., este sistema chega a atingir até 4° S de latitude, onde essa migração está diretamente ligada a formação desses sistemas principalmente durante os primeiros meses do ano. Lyra et al. (2019)LYRA, M.J.A., CAVALCANTE, L.C.V.; LEVIT, V.; FEDOROVA, N. Ligação entre Extremidade Frontal e Zona de Convergência Intertropical sobre a Região Nordeste do Brasil. Anuário do Instituto de Geociências. v. 42, n. 1, p. 413-424, 2019. relatam a formação de um CCM a partir de uma ligação da nebulosidade da ZCIT com uma periferia frontal, em 2014. A formação de alguns CCM sobre o estado da Bahia possuiu influência de periferias frontais. A presença dos ventos alísios e do Vórtices Ciclônicos de Altos Níveis (VCAN) também é bastante característica na costa leste do NEB (Kousky e Gan, 1981KOUSKY, V.E.; GAN, M.A. Upper tropospheric cyclonic vortices in the tropical South Atlantic. Tellus, v. 33, 538- 551, 1981.), o que intensifica ainda mais o número dos CCM (Lyra et al., 2016LYRA, M.J.A; FEDOROVA, N.; LEVIT, V.; SILVA, Y.U.; BRAGA, H.A. Sistemas sinóticos associados à formação dos Complexos Convectivos de Mesoescala no Nordeste Brasileiro entre 2013 e 2015. In: XIX Congresso Brasileiro de Meteorologia (CBMET), João Pessoa: SBMET, 2016.). Já outros sistemas presentes durante o Inverno como as Ondas de Leste, apesar de influenciarem diretamente o regime pluviométrico da costa leste da região, não possuíram influência na formação destes eventos extremos, o que corrobora os resultados de Pontes da Silva et al. (2011).

Figura 7
Localizações dos centros dos CCM conforme suas áreas de extensão máxima: 50-75·103 km2 (a); 75-100·103 km2 (b); 100-125·103 km2 (c); 125-150·103 km2 (d); 150-175·103 km2 (e); 175-200·103 km2 (f); 200-225·103 km2 (g) e > 225·103 km2 (h).

A metodologia utilizada por Blamey e Reason (2012) no sul do continente africano foi empregada para o NEB. Os autores supracitados apresentaram a distribuição espacial dos CCM durante o estágio de extensão máxima através de suas respectivas áreas de cobertura de nuvem. A Fig. 8 mostra esta metodologia aplicada à área de estudo desse trabalho, a qual apresenta informações similares à Fig. 7, porém postas em uma única imagem com o intuito de mostrar áreas específicas de desenvolvimento dos CCM no NEB. As duas regiões de maior atuação concentram-se principalmente entre as fronteiras dos estados do Maranhão e Piauí, onde também podem-se destacar a presença de CCM com maiores áreas de extensão. A costa leste do NEB e sua região do semiárido também foram locais propícios para a formação dos sistemas, porém estes com áreas de extensão total menos elevadas.

Figura 8
Distribuição dos CCM através de suas áreas de extensão máxima. Os círculos representam a cobertura de nuvens aproximada de cada sistema.

4. Conclusões

Através da análise das imagens de satélite com o auxílio do algoritmo de análise automática, foram identificados 65 casos de CCM sobre o NEB entre 2008 e 2017. Nestes dez anos, a frequência média anual foi de 7 casos, onde a maior ocorrência foi registrada em 2008. Sazonalmente, a maior frequência de ocorrências ocorreu durante as estações de outono e verão com 42% e 40%, respectivamente. A área de cobertura total média dos CCM foi cerca de 120.000 km2, onde o maior caso identificado cobriu uma área de aproximadamente 427.926 km2. Cerca de 83% dos CCM analisados atuaram sobre o continente, enquanto o restante se desenvolveu exclusivamente sobre o oceano. Essa relação ocorreu devido à maior atuação dos sistemas sinóticos responsáveis pela formação dos CCM sobre a região continental.

Os horários de formação dos CCM tropicais não foram exclusivamente noturnos, havendo registros durante todos os períodos do dia. De forma geral, constatou-se que o pico de formação no NEB foi entre 19 UTC até 03 UTC, com maior frequência às 00 UTC. Os CCM atingiram sua área de extensão máxima, entre 23 UTC e 07 UTC, principalmente às 04 UTC, com um intervalo de aproximadamente 4 horas entre o início da gênese ao desenvolvimento máximo. O tempo de duração total concentrou-se principalmente entre 6 e 8 horas, havendo eventos que chegaram a persistir por até 15 horas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2020
  • Aceito
    12 Jun 2020
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