Acessibilidade / Reportar erro

Esporotricose ocular: manifestações atípicas

Resumo

A esporotricose humana e animal é uma infecção subaguda a crônica causada pelo fungo dimórfico Sporothrix schenckii. A esporotricose ocular tem ganhado destaque em função da epidemia de esporotricose urbana enfrentada pelo estado do Rio de Janeiro na última década e se apresenta classicamente como conjuntivite granulomatosa, mas formas atípicas podem ocorrer. Este artigo tem por objetivo relatar 2 casos atípicos de esporotricose ocular em pacientes imunocompetentes, ambos apresentando quadro clínico compatível com a síndrome oculoglandular de Parinaud associada à dacriocistite em um caso e presumivelmente à coroidite no outro caso.

Descritores:
Esporotricose; Transtornos da motilidade ocular; Coroidite; Dacriocistite

Abstract

Human and animal sporotrichosis is an infection caused by the dimorphic fungus Sporothrix schenckii, which is classified from subacute to chronic. Ocular sporotrichosis has been highlighted due to the epidemic of urban sporotrichosis faced by the state of Rio de Janeiro in the last decade and presents classically as granulomatous conjunctivitis, but atypical forms may occur. This article aims to report two atypical cases of ocular sporotrichosis in immunocompetent patients, both presenting a clinical picture compatible with Parinaud oculoglandular syndrome associated with dacryocystitis in one case and presumably to choroiditis in the other case.

Keywords:
Sporotrichosis; Ocular motility disorders; Choriditis; Dacryocystitis

Introdução

A infecção ocular pelo Sporothrix schenckii, tem ganhado destaque em função da epidemia de esporotricose urbana enfrentada pelo estado do Rio de Janeiro na última década. (11 Barros MB, Schubach AO, do Valle AC, Gutierrez Galhardo MC, Conceição-Silva F, Schubach TM et al. Cat-transmitted sporotrichosis epidemic in Rio de Janeiro, Brazil: description of a series of cases. Clin Infect Dis. 2004;38(4):529-35.

2 Barros MB, Schubach TP, Coll JO, Gremião ID, Wanke B, Schubach A. Esporotricose: a evolução e os desafios de uma epidemia. Rev Panam Salud Publica. 2010;27(6):455-60.

3 Freitas DF, do Valle AC, de Almeida Paes R, Bastos FI, Galhardo MC. Zoonotic Sporotrichosis in Rio de Janeiro, Brazil: a protracted epidemic yet to be curbed. Clin Infect Dis. 2010;50(3):453.

4 Reis RS, Almeida-Paes R, Muniz MM, Tavares PM, Monteiro PC, Schubach TM, et al. Molecular characterisation of Sporothrix schenckii isolates from humans and cats involved in the sporotrichosis epidemic in Rio de Janeiro, Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2009 ;104(5):769-74.
-55 Silva MB, Costa MM, Torres CC, Galhardo MC, Valle AC, Magalhães MA, et al. Esporotricose urbana: epidemia negligenciada no Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica. 2012;28(10):1867-80.) A esporotricose é classificada como subcutânea ou extracutânea, sendo a primeira a principal apresentação da doença.(33 Freitas DF, do Valle AC, de Almeida Paes R, Bastos FI, Galhardo MC. Zoonotic Sporotrichosis in Rio de Janeiro, Brazil: a protracted epidemic yet to be curbed. Clin Infect Dis. 2010;50(3):453.,66 Mahajan VK. Sporotrichosis: an overview and therapeutic options. Dermatol Res Pract. 2014;2014:272376.

7 Kauffman CA, Bustamante B, Chapman SW, Pappas PG; Infectious Diseases Society of America. Clinical practice guidelines for the management of sporotrichosis: 2007 update by the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis. 2007;45(10):1255-65.
-88 Marimon R, Cano J, Gené J, Sutton DA, Kawasaki M, Guarro J. Sporothrix brasiliensis, S. globosa, and S. mexicana, three new Sporothrix species of clinical interest. J Clin Microbiol. 2007;45(10):3198-206.) A apresentação extracutânea é incomum, ocorrendo mais frequentemente em pacientes imunocomprometidos. (66 Mahajan VK. Sporotrichosis: an overview and therapeutic options. Dermatol Res Pract. 2014;2014:272376.,77 Kauffman CA, Bustamante B, Chapman SW, Pappas PG; Infectious Diseases Society of America. Clinical practice guidelines for the management of sporotrichosis: 2007 update by the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis. 2007;45(10):1255-65.,99 Janes PC, Mann RJ. Extracutaneous sporotrichosis. J Hand Surg Am. 1987;12(3):441-5.)

A manifestação mais frequente da esporotricose ocular é a conjuntivite granulomatosa, causada pela inoculação direta do fungo, no entanto raras manifestações atípicas como coroidite multifocal e dacriocistite já foram descritas. (1010 Biancardi AL, Freitas DF, Valviesse VR, Andrade HB, de Oliveira MM, do Valle AC, et al. Multifocal choroiditis in disseminated sporotrichosis in patients with hiv/aids. Retin Cases Brief Rep. 2017;11(1):67-70.,1111 Freitas DF, Lima IA, Curi CL, Jordão L, Zancopé-Oliveira RM, Valle AC et al. Acute dacryocystitis: another clinical manifestation of sporotrichosis. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2014;109(2):262-4.)

Relatamos 2 casos atípicos de esporotricose ocular em pacientes imunocompetentes, ambos apresentando quadro clínico compatível com a síndrome oculoglandular de Parinaud associada à coroidite contralateral em um caso e à dacriocistite no outro caso.

Relato de Caso

Caso 1

A.L.G.O., 50 anos, masculino, pedreiro, residente de Santa Cruz – Rio de Janeiro – RJ, procurou atendimento com queixa de hiperemia ocular, prurido, fotofobia e secreção em olho direito (OD) associada à piora da visão de início há 5 dias. Negou sinais e sintomas sistêmicos ou comorbidades.

Ao exame oftalmológico, apresentou acuidade visual (AV) igual a conta dedos a 5 metros em olho direito (OD) e 20/25 em olho esquerdo (OE). À biomicroscopia, observou-se em conjuntiva tarsal inferior direita vários nódulos pequenos e hiperemiados associados à reação folicular com discreta secreção mucoide (Figura 1). O exame biomicroscópico do OE e a tonometria não apresentaram alterações. A fundoscopia revelou exame normal no OD e no OE demonstrou lesão coroideana amarelada, arredondada, de contornos regulares, medindo aproximadamente um disco óptico de diâmetro adjacente à arcada temporal inferior (Figura 2). Além disto, o paciente apresentou à ectoscopia linfonodomegalia ipsilateral submandibular e pré-auricular dolorosas endurecidas (Figura 3). Deste modo, foram realizados os seguintes exames complementares: swab da secreção conjuntival para cultura nos meios Sabourraud e Mycosel, sorologia para sífilis (VDRL e FTA-Abs), HIV, PPD e radiografia de tórax. O swab foi positivo para Sporothrix.sp, as sorologias foram negativas, a radiografia de tórax foi normal e o PPD foi igual a 7mm. O paciente foi tratado com itraconazol 200mg/dia por 3meses e evoluiu com melhora clínica considerável, apresentando AV igual a 20/30 em OD e 20/25 em OE, resolução da linfadenomegalia (Figura 4A), da conjuntivite (Figuras 4B) e cicatrização do foco de coroidite (Figura 4C).

Figura 1
Nódulos hiperemiados associados a reação folicular com discreta secreção mucoide em conjuntiva tarsal inferior de olho direito.

Figura 2
Retinografia A. Fundoscopia normal em olho direito B. Fundoscopia evidenciando lesão coroidiana e arredondado de contornos regulares adjacente a arcada temporal inferior em olho esquerdo.

Figura 3
Linfonodomegalia submandibular e pré-auricular à direita.

Figura 4
A. Resolução da linfonodomegalia submandibular e pré-auricular à direita B. Resolução conjuntivite granulomatosa pós tratamento C. Resolução do foco de coroidite em olho esquerdo pós tratamento

Caso 2

J.G.S., 46 anos, sexo feminino, funcionária doméstica, residente em Belford Roxo – RJ, procurou atendimento com queixa de edema e hiperemia em pálpebra inferior do OD associado à secreção mucóide, dor, edema e hiperemia em topografia do canal lacrimal há um mês. Além disto, referiu contato com gatos de rua e história de surto de esporotricose no bairro. Negou sinais e sintomas sistêmicos ou comorbidades. Ao exame oftalmológico, apresentou AV igual a 20/25 em AO. A biomicroscopia revelou pequenos nódulos hiperemiados em conjuntiva tarsal inferior do OD e dacrocistite (Figura 5A e 5B). Na ectoscopia observou-se linfonodomegalia dolorosa endurecida em região submandibular ipsilateralà. Logo, levando-se em consideração o quadro clínico do paciente, foi diagnosticada síndrome oculoglandular de Parinaud associada à dacriocistite e foi realizado swab de secreção conjuntival para cultura nos meios Sabourraud e Mycosel, cujo resultado foi positivo para Sporothrix.sp Deste modo, foi iniciado itraconazol 200mg/dia por 3meses com resolução do quadro (Figura 5C).

Figura 5
A. Nódulos hiperemiados em conjuntival tarsal inferior olho direito B. Dacriocistite em olho direito C. Resolução da conjuntivite granulomatosa e da dacriocistite.

Discussão

A esporotricose humana e animal é uma infecção subaguda a crônica causada pelo fungo dimórfico Sporothrix schenckii. (22 Barros MB, Schubach TP, Coll JO, Gremião ID, Wanke B, Schubach A. Esporotricose: a evolução e os desafios de uma epidemia. Rev Panam Salud Publica. 2010;27(6):455-60.,44 Reis RS, Almeida-Paes R, Muniz MM, Tavares PM, Monteiro PC, Schubach TM, et al. Molecular characterisation of Sporothrix schenckii isolates from humans and cats involved in the sporotrichosis epidemic in Rio de Janeiro, Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2009 ;104(5):769-74.,66 Mahajan VK. Sporotrichosis: an overview and therapeutic options. Dermatol Res Pract. 2014;2014:272376.,77 Kauffman CA, Bustamante B, Chapman SW, Pappas PG; Infectious Diseases Society of America. Clinical practice guidelines for the management of sporotrichosis: 2007 update by the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis. 2007;45(10):1255-65.,1212 Lopes-Bezerra LM, Schubach A, Cost RO. Sporothrix schenckiiand Sporotrichosis. An Acad Bras Cienc 2006; 78 (2): 293-308.

13 Kauffman CA. Sporotrichosis. Clin Infect Dis. 1999 ;29(2):231-6.
-1414 Ramos-e-Silva M, Vasconcelos C, Carneiro S, Cestari T. Sporotrichosis. Clin Dermatol. 2007;25(2):181-7.) A espécie é constituída por pelo menos seis espécies filogeneticamente diferentes que se agrupam em diferentes regiões geográficas, principalmente zonas temperadas e tropicais. (66 Mahajan VK. Sporotrichosis: an overview and therapeutic options. Dermatol Res Pract. 2014;2014:272376.,88 Marimon R, Cano J, Gené J, Sutton DA, Kawasaki M, Guarro J. Sporothrix brasiliensis, S. globosa, and S. mexicana, three new Sporothrix species of clinical interest. J Clin Microbiol. 2007;45(10):3198-206.,1212 Lopes-Bezerra LM, Schubach A, Cost RO. Sporothrix schenckiiand Sporotrichosis. An Acad Bras Cienc 2006; 78 (2): 293-308.,1414 Ramos-e-Silva M, Vasconcelos C, Carneiro S, Cestari T. Sporotrichosis. Clin Dermatol. 2007;25(2):181-7.)

O fungo é amplamente distribuído na natureza e pode ser encontrado associado a matérias orgânicas plantadas ou em decomposição e à água. (44 Reis RS, Almeida-Paes R, Muniz MM, Tavares PM, Monteiro PC, Schubach TM, et al. Molecular characterisation of Sporothrix schenckii isolates from humans and cats involved in the sporotrichosis epidemic in Rio de Janeiro, Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2009 ;104(5):769-74.,66 Mahajan VK. Sporotrichosis: an overview and therapeutic options. Dermatol Res Pract. 2014;2014:272376.,88 Marimon R, Cano J, Gené J, Sutton DA, Kawasaki M, Guarro J. Sporothrix brasiliensis, S. globosa, and S. mexicana, three new Sporothrix species of clinical interest. J Clin Microbiol. 2007;45(10):3198-206.,1212 Lopes-Bezerra LM, Schubach A, Cost RO. Sporothrix schenckiiand Sporotrichosis. An Acad Bras Cienc 2006; 78 (2): 293-308.) O Sporothrixschenckii pode acometer humanos de ambos os sexos, de qualquer faixa etária e raça. (66 Mahajan VK. Sporotrichosis: an overview and therapeutic options. Dermatol Res Pract. 2014;2014:272376.) A infecção normalmente ocorre através da implantação traumática do fungo na pele. As manifestações oculares da esporotricose geralmente resultam de trauma e afetam a conjuntiva. (1010 Biancardi AL, Freitas DF, Valviesse VR, Andrade HB, de Oliveira MM, do Valle AC, et al. Multifocal choroiditis in disseminated sporotrichosis in patients with hiv/aids. Retin Cases Brief Rep. 2017;11(1):67-70.)

A ocorrência da doença é predominantemente associada à ocupação profissional, de cultivo da terra, pecuária e mineração, particularmente em áreas rurais.(66 Mahajan VK. Sporotrichosis: an overview and therapeutic options. Dermatol Res Pract. 2014;2014:272376.,1212 Lopes-Bezerra LM, Schubach A, Cost RO. Sporothrix schenckiiand Sporotrichosis. An Acad Bras Cienc 2006; 78 (2): 293-308.) Entretanto, no estado do Rio de Janeiro, Brasil, que tem enfrentado uma epidemia de esporotricose urbana, um perfil epidemiológico é diferente do classicamente apresentado.(11 Barros MB, Schubach AO, do Valle AC, Gutierrez Galhardo MC, Conceição-Silva F, Schubach TM et al. Cat-transmitted sporotrichosis epidemic in Rio de Janeiro, Brazil: description of a series of cases. Clin Infect Dis. 2004;38(4):529-35.

2 Barros MB, Schubach TP, Coll JO, Gremião ID, Wanke B, Schubach A. Esporotricose: a evolução e os desafios de uma epidemia. Rev Panam Salud Publica. 2010;27(6):455-60.

3 Freitas DF, do Valle AC, de Almeida Paes R, Bastos FI, Galhardo MC. Zoonotic Sporotrichosis in Rio de Janeiro, Brazil: a protracted epidemic yet to be curbed. Clin Infect Dis. 2010;50(3):453.

4 Reis RS, Almeida-Paes R, Muniz MM, Tavares PM, Monteiro PC, Schubach TM, et al. Molecular characterisation of Sporothrix schenckii isolates from humans and cats involved in the sporotrichosis epidemic in Rio de Janeiro, Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2009 ;104(5):769-74.
-55 Silva MB, Costa MM, Torres CC, Galhardo MC, Valle AC, Magalhães MA, et al. Esporotricose urbana: epidemia negligenciada no Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica. 2012;28(10):1867-80.)

A transmissão zoonótica em ambiente domiciliar ocorre através da mordida, arranhadura ou contato com secreção de animais infectados, principalmente os gatos. (33 Freitas DF, do Valle AC, de Almeida Paes R, Bastos FI, Galhardo MC. Zoonotic Sporotrichosis in Rio de Janeiro, Brazil: a protracted epidemic yet to be curbed. Clin Infect Dis. 2010;50(3):453.,1212 Lopes-Bezerra LM, Schubach A, Cost RO. Sporothrix schenckiiand Sporotrichosis. An Acad Bras Cienc 2006; 78 (2): 293-308.,1313 Kauffman CA. Sporotrichosis. Clin Infect Dis. 1999 ;29(2):231-6.,1515 Reed KD, Moore FM, Geiger GE, Stemper ME. Zoonotic transmission of sporotrichosis: case report and review. Clin Infect Dis. 1993 Mar;16(3):384-7.) No presente trabalho, ambos os pacientes apresentam perfil ocupacional distinto do caracteristicamente descrito como associado à doença, no entanto residem em locais urbanos onde há epidemia de esporotricose.

A infecção é classificada como cutânea e extracutânea. O envolvimento cutâneo representa principal manifestação da doença. Esta apresentação inicia com uma lesão nodular ou ulcerada no local de inoculação fúngica e segue uma trajetória linfática regional caracterizada por lesões nodulares que ulceram, esfriam e curam.(22 Barros MB, Schubach TP, Coll JO, Gremião ID, Wanke B, Schubach A. Esporotricose: a evolução e os desafios de uma epidemia. Rev Panam Salud Publica. 2010;27(6):455-60.,66 Mahajan VK. Sporotrichosis: an overview and therapeutic options. Dermatol Res Pract. 2014;2014:272376.,1212 Lopes-Bezerra LM, Schubach A, Cost RO. Sporothrix schenckiiand Sporotrichosis. An Acad Bras Cienc 2006; 78 (2): 293-308.) O acometimento mucoso é incomum, e acomete principalmente a mucosa ocular.(1616 Ribeiro AS, Bisol T, Menezes MS. Parinaud's oculoglandular syndrome caused by Sporotrichosis. Rev Bras Oftalmol. 2010;69(5):317-22.) A síndrome oculoglandular de Parinaud, caracterizada por conjuntivite granulomatosa unilateral associada à linfadenopatia regional ipsilateral dolorosa ou não, pode ter sinais e sintomas como febre baixa, reação folicular, sensação de corpo estranho, hiperemia e edema palpebral e pode ser causada pelo Sporothrix sp, embora classicamente seja associada à infecção pela Bartonella henselae.(1616 Ribeiro AS, Bisol T, Menezes MS. Parinaud's oculoglandular syndrome caused by Sporotrichosis. Rev Bras Oftalmol. 2010;69(5):317-22.

17 Huang MC, Dreyer E. Parinaud's oculoglandular conjunctivitis and cat-scratch disease. Int Ophthalmol Clin. 1996;36(3):29-36.
-1818 Oliveira AH, Pereira CA, Sousa LB, Freitas D. Conjuntivite granulomatosa atípica causada pela doença da arranhadura do gato- Relato de caso. Arq Bras Oftalmol. 2004;67(3):541-3.) Apresentações atípicas como dacriocistite, coroidite multifocal em pacientes gravemente imunocomprometidos e endoftalmite já foram descritas. (1010 Biancardi AL, Freitas DF, Valviesse VR, Andrade HB, de Oliveira MM, do Valle AC, et al. Multifocal choroiditis in disseminated sporotrichosis in patients with hiv/aids. Retin Cases Brief Rep. 2017;11(1):67-70.,1111 Freitas DF, Lima IA, Curi CL, Jordão L, Zancopé-Oliveira RM, Valle AC et al. Acute dacryocystitis: another clinical manifestation of sporotrichosis. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2014;109(2):262-4.,1919 Cartwright MJ, Promersberger M, Stevens GA. Sporothrix schenckii endophthalmitis presenting as granulomatous uveitis. Br J Ophthalmol. 1993;77(1):61-2.)

No presente trabalho foram descritos 2 casos atípicos de esporotricose ocular. Não foi encontrado na literatura relato parecido de associação de coroidite e síndrome oculoglandular de Parinaud por esporotricose em paciente imunocompetente; embora o paciente tenha PPD reator, o que poderia ser um fator de confundimento no diagnóstico diferencial da coroidite, houve cicatrização da lesão após o uso de itraconazol, o que é favorável ao diagnóstico presumido de coroidite por esporotricose. Da mesma forma, embora a dacriocistite já tenha sido descrita previamente, (1111 Freitas DF, Lima IA, Curi CL, Jordão L, Zancopé-Oliveira RM, Valle AC et al. Acute dacryocystitis: another clinical manifestation of sporotrichosis. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2014;109(2):262-4.) a associação à síndrome oculoglandular de Parinaud no presente trabalho é incomum.

Ocasionalmente, a esporotricose pode ocorrer em outros locais, principalmente nos sistemas pulmonar e osteoarticular.(77 Kauffman CA, Bustamante B, Chapman SW, Pappas PG; Infectious Diseases Society of America. Clinical practice guidelines for the management of sporotrichosis: 2007 update by the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis. 2007;45(10):1255-65.,99 Janes PC, Mann RJ. Extracutaneous sporotrichosis. J Hand Surg Am. 1987;12(3):441-5.,1212 Lopes-Bezerra LM, Schubach A, Cost RO. Sporothrix schenckiiand Sporotrichosis. An Acad Bras Cienc 2006; 78 (2): 293-308.) As formas disseminadas são principalmente observadas em pacientes imunocomprometidos.(66 Mahajan VK. Sporotrichosis: an overview and therapeutic options. Dermatol Res Pract. 2014;2014:272376.,77 Kauffman CA, Bustamante B, Chapman SW, Pappas PG; Infectious Diseases Society of America. Clinical practice guidelines for the management of sporotrichosis: 2007 update by the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis. 2007;45(10):1255-65.,99 Janes PC, Mann RJ. Extracutaneous sporotrichosis. J Hand Surg Am. 1987;12(3):441-5.)

A cultura (meios Saborraud e Mycosel) é o padrão-ouro para estabelecer o diagnóstico de esporotricose.(66 Mahajan VK. Sporotrichosis: an overview and therapeutic options. Dermatol Res Pract. 2014;2014:272376.,77 Kauffman CA, Bustamante B, Chapman SW, Pappas PG; Infectious Diseases Society of America. Clinical practice guidelines for the management of sporotrichosis: 2007 update by the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis. 2007;45(10):1255-65.) O tratamento da esporotricose varia com o tipo de doença; como a maioria das manifestações são subagudas a crônicas e localizadas, os agentes antifúngicos orais são geralmente preferidos, sendo o itraconazol a droga de escolha.(66 Mahajan VK. Sporotrichosis: an overview and therapeutic options. Dermatol Res Pract. 2014;2014:272376.,77 Kauffman CA, Bustamante B, Chapman SW, Pappas PG; Infectious Diseases Society of America. Clinical practice guidelines for the management of sporotrichosis: 2007 update by the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis. 2007;45(10):1255-65.,2020 Kauffman CA. Old and new therapies for sporotrichosis. Clin Infect Dis. 1995;21(4):981-5.) O tratamento deve ser continuado durante duas a quatro semanas depois de todas as lesões terem sido resolvidas, geralmente com duração de três a seis meses. A anfotericina B deve ser preferida em casos graves de infecção fatal, visceral ou disseminada.(66 Mahajan VK. Sporotrichosis: an overview and therapeutic options. Dermatol Res Pract. 2014;2014:272376.,2020 Kauffman CA. Old and new therapies for sporotrichosis. Clin Infect Dis. 1995;21(4):981-5.)

Concluindo, frente à epidemia de esporotricose no estado do Rio de Janeiro, apresentações incomuns da doença ocular foram identificadas; a infecção pelo Sporothrix sp. deve ser lembrada no diagnóstico diferencial da síndrome oculoglandular de Parinaud.

Referências

  • 1
    Barros MB, Schubach AO, do Valle AC, Gutierrez Galhardo MC, Conceição-Silva F, Schubach TM et al. Cat-transmitted sporotrichosis epidemic in Rio de Janeiro, Brazil: description of a series of cases. Clin Infect Dis. 2004;38(4):529-35.
  • 2
    Barros MB, Schubach TP, Coll JO, Gremião ID, Wanke B, Schubach A. Esporotricose: a evolução e os desafios de uma epidemia. Rev Panam Salud Publica. 2010;27(6):455-60.
  • 3
    Freitas DF, do Valle AC, de Almeida Paes R, Bastos FI, Galhardo MC. Zoonotic Sporotrichosis in Rio de Janeiro, Brazil: a protracted epidemic yet to be curbed. Clin Infect Dis. 2010;50(3):453.
  • 4
    Reis RS, Almeida-Paes R, Muniz MM, Tavares PM, Monteiro PC, Schubach TM, et al. Molecular characterisation of Sporothrix schenckii isolates from humans and cats involved in the sporotrichosis epidemic in Rio de Janeiro, Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2009 ;104(5):769-74.
  • 5
    Silva MB, Costa MM, Torres CC, Galhardo MC, Valle AC, Magalhães MA, et al. Esporotricose urbana: epidemia negligenciada no Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica. 2012;28(10):1867-80.
  • 6
    Mahajan VK. Sporotrichosis: an overview and therapeutic options. Dermatol Res Pract. 2014;2014:272376.
  • 7
    Kauffman CA, Bustamante B, Chapman SW, Pappas PG; Infectious Diseases Society of America. Clinical practice guidelines for the management of sporotrichosis: 2007 update by the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis. 2007;45(10):1255-65.
  • 8
    Marimon R, Cano J, Gené J, Sutton DA, Kawasaki M, Guarro J. Sporothrix brasiliensis, S. globosa, and S. mexicana, three new Sporothrix species of clinical interest. J Clin Microbiol. 2007;45(10):3198-206.
  • 9
    Janes PC, Mann RJ. Extracutaneous sporotrichosis. J Hand Surg Am. 1987;12(3):441-5.
  • 10
    Biancardi AL, Freitas DF, Valviesse VR, Andrade HB, de Oliveira MM, do Valle AC, et al. Multifocal choroiditis in disseminated sporotrichosis in patients with hiv/aids. Retin Cases Brief Rep. 2017;11(1):67-70.
  • 11
    Freitas DF, Lima IA, Curi CL, Jordão L, Zancopé-Oliveira RM, Valle AC et al. Acute dacryocystitis: another clinical manifestation of sporotrichosis. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2014;109(2):262-4.
  • 12
    Lopes-Bezerra LM, Schubach A, Cost RO. Sporothrix schenckiiand Sporotrichosis. An Acad Bras Cienc 2006; 78 (2): 293-308.
  • 13
    Kauffman CA. Sporotrichosis. Clin Infect Dis. 1999 ;29(2):231-6.
  • 14
    Ramos-e-Silva M, Vasconcelos C, Carneiro S, Cestari T. Sporotrichosis. Clin Dermatol. 2007;25(2):181-7.
  • 15
    Reed KD, Moore FM, Geiger GE, Stemper ME. Zoonotic transmission of sporotrichosis: case report and review. Clin Infect Dis. 1993 Mar;16(3):384-7.
  • 16
    Ribeiro AS, Bisol T, Menezes MS. Parinaud's oculoglandular syndrome caused by Sporotrichosis. Rev Bras Oftalmol. 2010;69(5):317-22.
  • 17
    Huang MC, Dreyer E. Parinaud's oculoglandular conjunctivitis and cat-scratch disease. Int Ophthalmol Clin. 1996;36(3):29-36.
  • 18
    Oliveira AH, Pereira CA, Sousa LB, Freitas D. Conjuntivite granulomatosa atípica causada pela doença da arranhadura do gato- Relato de caso. Arq Bras Oftalmol. 2004;67(3):541-3.
  • 19
    Cartwright MJ, Promersberger M, Stevens GA. Sporothrix schenckii endophthalmitis presenting as granulomatous uveitis. Br J Ophthalmol. 1993;77(1):61-2.
  • 20
    Kauffman CA. Old and new therapies for sporotrichosis. Clin Infect Dis. 1995;21(4):981-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2019

Histórico

  • Recebido
    16 Mar 2018
  • Aceito
    21 Maio 2018
Sociedade Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 , 22231-170 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3235-9220, Fax: (55 21) 2205-2240 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbo@sboportal.org.br