Open-access Ptose palpebral causada por Paquidermoperiostose

Resumos

A paquidermoperiostose é uma síndrome caracterizada por acometimento cutâneo e ósseo, e em alguns casos ocorre comprometimento palpebral leve. É uma síndrome rara, idiopática ou hereditária, com provável herança autossômica dominante de penetrância variável. Descreve-se o caso de um paciente com ptose grave por paquidermoperiostose elucidando sua fisiopatologia e conduta cirúrgica aplicada.

Blefaroptose/fisiopatologia; Blefaroptose/cirurgia; Osteoartropatia hipertrófica primária/etiologia; Relatos de casos


Pachydermoperiostosis is a rare disorder characterized by the involvement of skin and bone, and in some cases it can have a mild adverse effect in the eyelid. Although the etiology is still unclear, idiopathic or hereditary cases, in an autossomal dominant inheritance, have been reported. This study is a case report of a patient with severe blepharoptosis due to pachydermoperiostosis, which describes the surgical procedure and the physiopathology of the condition.


INTRODUÇÃO

A osteoartropatia hipertrófica primária (OHP) ou paquidermoperiostose é uma síndrome rara caracterizada por baqueteamento digital, periostose (neoformação óssea no periósteo e edema de tecido periarticular) especialmente nas diáfises distais dos ossos longos e paquidermia (espessamento da pele facial e do couro cabeludo)(1,2).

Associa-se com dor, poliartrite, características faciais grosseiras, "cutis verticis gyrata"(pregueamento cutâneo da face e couro cabeludo), seborréia, ptose palpebral discreta, hiperidrose, acne facial, "pé de elefante"(3,4).

O objetivo do trabalho é relatar o caso de um paciente com OHP e ptose palpebral grave e descrever o tratamento cirúrgico realizado.

RELATO DE CASO

Paciente LB, 31 anos, sexo maculino, procedente de Belo Horizonte - MG, encaminhado ao Departamento de Plástica Ocular do Centro Oftalmológico de Minas Gerais com queixa de dificuldade de abertura de pálpebra esquerda e secreção em olho esquerdo.

Relatou apresentar diagnóstico de paquidermoperistose realizado aos 18 anos por reumatologista. História prévia de cirurgia de úlcera gástrica e evidência de persistência de canal arterial ao ecocardiograma em acompanhamento com cardiologista que indicou tratamento cirúrgico de tal condição.

Estudo radiológico indicou formação de novo tecido periostal em extremidades e ossos longos.

Ao exame apresentava cicatriz em pálpebra superior direita e glabela devido ao procedimento cirúrgico realizado em outro serviço há 8 meses. Acuidade visual era de 20/25 em ambos os olhos com correção.

Havia ptose unilateral esquerda severa (figura 1A). A distância margem palpebral ao reflexo corneano era de 2mm em olho direito e 0 mm em olho esquerdo. A medida da fenda palpebral indicava 9mm em olho direito e 2 mm em olho esquerdo. A excursão do levantador da pálpebra superior era de 17 mm em ambos os olhos.

Observava-se também aumento no comprimento vertical do tarso superior esquerdo e tarsos inferiores, evidenciando uma hipertrofia e aumento da espessura tarsal (figura 1B) confirmada à biomicroscopia, além de reaçao papilar em conjuntiva tarsal de olho esquerdo.

Figura 1A
ptose unilateral severa.
Figura 1B
hipertrofia e aumento da espessura tarsal

Os outros exames oftalmológicos encontravam-se dentro da normalidade.

Além das alterações oftalmológicas apresentadas, o paciente também apresentava: baqueteamento digital, espessamento importante de pele com sulcos profundos em couro cabeludo e características faciais grosseiras, hipertrofia das extremidades e "pés de elefante". Queixava-se de dores articulares e dispnéia ocasional.

O paciente foi submetido à correção cirúrgica da ptose do OE por meio da ressecção em pentágono de toda a porção lateral da pálpebra superior esquerda e complementada pela ressecção parcial do tarso-conjuntiva e músculo de Muller (Fasanela-Servat) à esquerda. Nas pálpebras inferiores foi realizada ressecção de um segmento de toda a espessura das pálpebras inferiores (técnica de Bick) associada à confecção de um retalho tarsal (tarsal strip) com sua fixação em reborda óssea orbitária lateral. Foi realizada biópsia palpebral que revelou hiperplasia das glândulas sebáceas.

Prescrito cetorolaco e lubrificantes para melhora da secreção e reação papilar.

O pós-operatório evoluiu com uma fenda palpebral de 6,5 mm e resultado estético satisfatório para o paciente (figura 2).

Figura 2
um mês de pós-operatório.

DISCUSSÃO

A OHP foi descrita primeiramente por Friedreich em 1868 em 2 irmãos e considerada como exemplo de acromegalia(2). Tourine et al. (1935) definiram as características desta síndrome como uma entidade única, distinta e enfatizaram as semelhanças entre a síndrome e a osteoartropatia pulmonar(3).

O início da doença tem distribuição bimodal com um pico no primeiro ano de vida e outro aos 15 anos, coincidindo com o período de crescimento rápido na puberdade e progride gradualmente nos próximos 5 a 20 anos, quando então se estabiliza(5).

A OHP é mais comum nos afro-americanos e os homens são consideravelmente mais acometidos do que as mulheres.

Foram descritas 3 formas clínicas da OHP: (1) completa com paquiperistose e paquidermia das exteremidades e couro cabeludo e baqueteamento digital; (2) incompleta com alterações ósseas sem cutis verticys gyrata (paquidermia apenas das extremidades ou face sem comprometimento do couro cabeludo); e (3) frusta com um ou mais achados cutâneos, porém mínimas ou sem anormalidades ósseas.

A OHP também pode ser dividida em 2 formas:

-Primária que é a paquidemoperistose também chamada de Síndrome de Touraine-Solente-Gole e forma secundária, síndrome de Pierre- Maire- Bamberger(6). A forma secundária está associada a doenças pulmonares crônicas, cardiopatias congênitas hereditárias cianóticas, doenças hepatobiliares e síndormes paraneoplásicas e a apresentação clínica é mais discreta. Tem início mais tardio, não apresentando ocorrência familiar ou hereditária e as alterações ósseas são mais agudas e dolorosas. Os achados radiográficos têm algumas diferenças. Na OHP primária a reação periostal irregular e mal definida em contradiçao ao depósito linear evidenciado na OHP secundária.

O paciente em questão pode ser classificado como forma completa da OHP, já que existe evidências na literatura de associação entre OHP primária e persistência de canal arterial. Martinez-Lavin et al. (7), após análise de seus pacientes, concluíram que a OHP pode ser associada com patência de ducto arterial.

De acordo com trabalhos existentes na literatura, a OHP tem sido associada com uma variedade de outras desordens como: patologia gastrointestinal (incluindo carcinoma gástrico, doença de Chron, doença ulcerosa péptica, gastrite crônica e Doença de Minetrier); mielofibrose, ginecomastia, neuropatia compressiva, genitália interna hipoplásica, onicopatia psoriática, anomalias periodontais e espondilolistese.

As alterações oftalmológicas associadas são blefaroptose leve, leucoma corneano, distrofia corneana da membrana de Bowman, formação de catarata e distrofia macular pré-senil(8,9).

A blefaroptose associada à OHP ocorre devido ao espessamento e hipertrofia das placas tarsais que por sua vez se dá devido à hiperplasia das glândulas de Meibomius, aumento das glândulas sudoríparas e espessamento da derme. Essas alterações resultam em um aumento da espessura e do comprimento das pálpebras e a uma ptose de etiologia mecânica que pode ou não estar associada à desinserção da aponeurose do elevador(6,8).

O comprometimento oftalmológico da OHP não é comum e o nosso paciente apresentava um grau severo de ptose mecânica. Após revisão da literatura oftalmológica nacional, foi constatado que existe a descrição apenas de um caso clínico dessa patologia no Ceará publicado no Arquivos Brasileiros de Oftalmologia em maio/junho 2005. Os trabalhos sobre Paquidermoperiostose são mais presentes nas especialidades Reumatologia e Radiologia.

A correção da blefaroptose deve ser feita com ressecção tarsal em pentágono para encurtamento horizontal da pálpebra superior e caso necessário, reinserção da aponeurose do levantador. Em nosso caso associamos ao conjuntivo-tarso-Müllerectomia, que reduziu o tamanho vertical do tarso, associado à técnica de Bick, que forneceu encurtamento horizontal. Propusemos também, de forma complementar, a ressecção da aponeurose do elevador da pálpebra, sugerido por Alves et al.(6), porém o paciente já se encontrava satisfeito com o resultado alcançado.

A fisiopatologia da OHP ainda é pouco conhecida mas apenas o fator genético é confirmado. Uma hipótese seria o defeito primário intrínseco das plaquetas que poderia facilitar a degranulação e liberação dos fatores de crescimento (1,2). Outros fatores etiológicos propostos incluem influências genéticas, anormalidades na atividade de fibroblastos ou alterações no fluxo sanguíneo periférico(10).

Diagnóstico diferencial pode ser feito com acromegalia, doenças que evoluem com alterações faciais grosseiras (facies leoniana da hanseníase, mixedema, sífilis congênita); doenças que produzem periostites siméticas (linfoma, leishmaniose difusa, artrite reumatóide, osteomielite crônica, doença de Paget)(2).

O tratamento normalmente é feito com analgésicos e antiinflamatórios não hormonais ou corticóides para alívio da poliartrite associada. Em alguns casos pode-se realizar vagotomia para melhora da dor articular. Bifosfonato pode ser uma solução quando as demais terapêuticas falharam. O uso dos bloqueadores do sistema nervoso simpático e a simpatectomia são descritos para melhora apenas da hiperidrose. A cirurgia plástica é realizada com o objetivo de melhorar a estética da face e couro cabeludo. Pode-se fazer excisão da pele redundante e rugas profundas através da ritidectomia.

  • Departamento de Plástica do Centro Oftalmológico de Minas Gerais – Belo Horizonte (MG), Brasil

REFERÊNCIAS

  • 1Lainetti A, Novaes FS, Miranda LR, Lira SH. Dor articular na osteoartropatia hipertrófica primária: descrição de caso e revisão de tratamento. Rev Bras Reumatol. 2007;47(5):382-6.
  • 2Batista AAP, Bianco JAP, Batista AP,Alves LR,Afonso A, Silva HSL, et al. Osteoartropatia Hipertrófica Primária: relato de caso e revisão da literatura. Radiol Bras. 2003;36(3):183-6.
  • 3Carvalho TN, Araújo Júnior. CR, Fraguas Filho SR, Costa MAB, Teixeira KS, Ximenes CA. Osteoartropatia Hipertrófica Primária (Paquidermoperiostose): relato de casos em dois irmãos. Radiol Bras. 2004;37(2):147-9.
  • 4Goyal S, Schwartz RA, Richards GM, Goyal R. Pachydermoperiostosis. E-medicine [cited 2006 Apr 14]. Available from: http://www.emedicine.com/DERM/topic815.htm
    » http://www.emedicine.com/DERM/topic815.htm
  • 5Levin SE, Harrisberg JR, Govendrageloo K. Familial primary hypertrophic osteoarthropathy in association with congenital cardiac disease. Cardiol Young. 2002;12(3):304-7.
  • 6Alves APX, Holanda Filha JG, Jerônimo FT. Ptose palpebral associada a paquidermoperiostose: relato de caso.Arq Bras Oftalmol. 2005;68(3):401-4.
  • 7Martinez - Lavin M, Pineda C, Navarro C, Baendia A, Zabal C. Primary hipertrophic osteoartropathy another heritable disorder associated with patent ductus arteriosus. Pediatr Cardiol, 1993;14:181-2.
  • 8Arinci A, Tümerdem B, Karan MA, Erten N, Büyükbabani N. Ptosis Caused by Pachydermoperiostosis.Ann Plast Surg. 2002;49(3):322-5.
  • 9Kirkpatrick JN, McKee PH, Spalton DJ.Ptosis caused by pachydermoperiostosis. Br J Ophthalmol. 1991;75(7):442-6.
  • 10Bianchi L, Lubrano C, Carrozzo AM, Iraci S,Tomassoli M, Spera G, et al. Pachydermoperiostosis: study of epidermal growth factor and steroid receptors. Br J Dermatol. 1995;132(1):128-33.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2014

Histórico

  • Recebido
    20 Out 2011
  • Aceito
    10 Ago 2012
location_on
Sociedade Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 , 22231-170 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3235-9220, Fax: (55 21) 2205-2240 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbo@sboportal.org.br
rss_feed Stay informed of issues for this journal through your RSS reader
Acessibilidade / Reportar erro