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Estrutura, estilo e escrita de artigo científico: a maneira com que pesquisadores reconhecem seus pares

O estilo como um artigo é escrito sugere a revisores e a leitores se os autores estão familiarizados ou não com a ciência. Neste quesito, a leitura sistemática de publicações científicas é um ótimo treinamento para pesquisadores iniciantes.

Publicações científicas são documentos que necessitam conter informações suficientes para permitir que leitores acessem o que foi observado pelos autores; determinem se as conclusões são justificadas pelos dados; sejam capazes de repetir o experimento.

Toda pesquisa clínica se inicia com uma "dúvida" (pergunta que não pode ser respondida com base no conhecimento disponível na literatura). A partir dessa "dúvida", o artigo científico será estruturado da seguinte forma:

  1. Introdução - que pergunta foi feita?

  2. Métodos - como ela foi estudada?

  3. Resultados - o que foi achado?

  4. Discussão - o que estes achados significam?

É importante que a Introdução seja curta (três ou quatro parágrafos) e transmita claramente a pergunta que os autores tentarão responder com o estudo. Para que o leitor entenda a relevância da "dúvida" dos autores, é necessário iniciar com uma breve revisão da literatura, suficiente para contextualizar leitores e justificar a realização do estudo, demonstrando que esta nova pesquisa se faz necessária para preencher "lacunas" no conhecimento. Caso o assunto já tenha sido estudado em trabalhos anteriores, uma opção é justificar a nova pesquisa, mostrando que ela pode ser melhor do que as anteriores (evidenciar falhas metodológicas, limitações no tamanho da amostra, etc). Deve-se considerar que editores não querem publicar, autores não querem citar e leitores não querem ler estudos que simplesmente repitam o que já foi feito inúmeras vezes antes.

Assim, na Introdução, a breve revisão da literatura deve partir do que já se sabe sobre o assunto, para justificar aonde se quer chegar com a pesquisa. O ideal é que a descrição do conhecimento existente na literatura se "afunile", até que atinja a "lacuna", que se pretende preencher com o estudo. Por exemplo, ao se "perguntar" sobre a existência de fatores emocionais que possam influenciar pacientes com catarata em relação à decisão de quando operar, sugere-se iniciar a Introdução, citando a importância da visão e o medo de se ficar cego, seguido pela explicação sobre a problemática social da cegueira por catarata, os benefícios visuais e os riscos da cirurgia corretiva. Para finalizar, pode-se apontar a possibilidade de pessoas com baixa visão por catarata evitarem a cirurgia devido a razões emocionais (medo de ficar cego por complicações cirúrgicas), de modo a enfatizar a importância deste estudo em identificar essa situação, a fim de nortear ações de esclarecimento da população(1Marback R, Temporini E, Kara Júnior N. Emotional factors prior to cataract surgery. Clinics (Sao Paulo). 2007; 62(4):433-8).

Toda informação descrita na Introdução deve ser lastreada em estudos anteriores, sempre citando as referências. Evite escrever sobre o que se considera que o leitor já saiba, priorizando a explicação do que o leitor ainda não sabe. Para isso, é necessário conhecer o público-alvo do estudo e já ter em mente o perfil do periódico em que se tentará a publicação. Assim, no exemplo anterior, (1Marback R, Temporini E, Kara Júnior N. Emotional factors prior to cataract surgery. Clinics (Sao Paulo). 2007; 62(4):433-8) se os leitores forem médicos, não será necessário explicar o que é catarata. Sugere-se finalizar a Introdução, descrevendo o desenho do estudo e definindo, de forma clara, o objetivo da pesquisa (por exemplo, estudo prospectivo, randomizado, duplo mascarado, para determinar a eficácia e a segurança da....). Ao se planejar o estudo, é interessante escrever a Introdução antes de se iniciar a coleta de dados, a fim de não afastar os pesquisadores do objetivo inicial.

A Metodologia descreve a maneira com que os dados serão coletados e como a pesquisa será realizada. Quanto mais detalhada e objetiva for a metodologia, maior será a percepção de revisores e leitores de que os resultados do estudo são confiáveis. Se a metodologia empregada para responder a pergunta da pesquisa for falha, os resultados e conclusões do estudo serão limitados.

Caso tenha sido idealizado, para a pesquisa, um novo procedimento ou exame, é importante que este seja descrito detalhadamente, a fim de permitir reproduções futuras. Métodos de mensuração já padronizados e descritos em publicações anteriores, a menos que considerados falhos, devem ser copiados (e a fonte deve ser citada), a fim de facilitar comparação de dados de diferentes artigos. Por exemplo, se no estudo que inspirou o autor a pesquisar o desempenho visual de um modelo diferente de lente intraocular tiver sido utilizado determinado sensor de frentes de ondas, tabela de mensuração da visão e questionário de satisfação visual, o ideal seria que a nova pesquisa fosse desenhada com o emprego dos mesmos métodos de avaliação. Desta forma, minimiza-se a influência de outras variáveis na comparação dos resultados entre os estudos (2Hida WT, Motta AF, Kara-José Júnior N, Costa H, Tokunaga C, Cordeiro LN, Gemperli D, Nakano CT. [Comparison between OPD-Scan results and visual outcomes of Tecnis ZM900 and Restor SN60D3 diffractive multifocal intraocular lenses]. Arq Bras Oftalmol. 2008; 71(6):788-92.,3de Santhiago MR, Netto MV, Barreto J Jr, Gomes B de A, Schaefer A, Kara-Junior N. A contralateral eye study comparing apodized diffractive and full diffractive lenses: wavefront analysis and distance and near uncorrected visual acuity. Clinics (Sao Paulo). 2009; 64(10):953-60.).

A Metodologia deve se iniciar com a descrição do desenho da pesquisa, em que é exposto o tipo de estudo, a randomização e o mascaramento. Local e data em que o trabalho foi realizado também devem ser citados. A seguir, é explicada a maneira como a pesquisa foi conduzida: seleção da amostra, critérios de inclusão, comissão de ética, descrição precisa dos materiais utilizados, dosagem exata das drogas, descrição do tratamento e discriminação das variáveis que serão estudadas. Por fim, são demonstrados detalhes da análise estatística dos dados.Assim, enquanto a Introdução contém respostas para:"o que?" e"porque?" foi estudado, a Metodologia responde "como"?, "quando"? e "onde"? foi estudado.

Nunca acredite que sua metodologia esteja imune a críticas, pois não existe execução perfeita de pesquisa, apenas espera-se evitar erros grosseiros e evidenciar pontos fracos, para que leitores possam julgar a validade dos dados obtidos de acordo com sua realidade e necessidade. Do ponto de vista do leitor, a sequência ideal para se ler um artigo científico é, após ter a atenção atraída pelo tema exposto no Título (interesse pela resposta à "dúvida" dos autores), ler a Introdução, a fim de entender o contexto do assunto e a pertinência da pesquisa. A seguir, ler cuidadosamente a Metodologia, para se certificar de que a maneira com que a amostra foi formada e o estudo foi conduzido estão de acordo com sua realidade e exigência. Por exemplo, um estudo que avalia o conhecimento da população sobre cirurgia de catarata, realizado em um país em desenvolvimento, provavelmente não influenciará a prática clínica em países desenvolvidos (4Temporini ER, Kara N Jr, Jose NK, Holzchuh N. Popular beliefs regarding the treatment of senile cataract. Rev Saude Publica. 2002; 36(3):343-9.).

A análise crítica de artigos, por meio de avaliação cuidadosa da Metodologia, permite que leitores identifiquem vieses (erros metodológicos) que podem eventualmente invalidar ou limitar os resultados. Leitores não devem confiar simplesmente que todo artigo publicado em revistas científicas, mesmo as de alto fator de impacto, sejam metodologicamente corretos (5Chamon W. Plagiarism and misconduct in research: where we are and what we can do. Arq Bras Oftalmol. 2013; 76(6):V-VIII.).

O item Resultados deve relatar os dados obtidos na pesquisa. Não deve conter interpretações ou opiniões do autor. Devem ser utilizadas tabelas para agrupar dados importantes e deve ser feita análise estatística para validar comparações.

Sugerimos que o início dos Resultados caracterize qual a população que a amostra representa e, em caso de haver mais de um grupo avaliado, defina se os grupos estudados são homogêneos. A homogeneidade dos grupos é uma comprovação de que a randomização da amostra foi adequada, pois se todos os sujeitos do estudo tiverem a mesma chance de compor cada um dos grupos, então é natural que características como sexo e idade sejam, em média, equivalentes. Estas informações podem ser agrupadas em uma tabela e servirão para assegurar leitores de que características pessoais não irão influenciar o resultado da pesquisa. No caso de um estudo que avalia a eficiência de duas técnicas de capsulorrexe em cataratas intumescentes (6Kara-Junior N, de Santhiago MR, Kawakami A, Carricondo P, Hida WT. Mini-rhexis for white intumescent cataracts. Clinics (Sao Paulo). 2009;64(4):309-12.), a amostra estudada representará a população de portadores deste tipo de catarata e, portanto, o resultado só será válido para esse tipo de paciente. No caso dos grupos avaliados (considerando que cada grupo foi operado com uma técnica de capsulorrexe), se a randomização tiver sido realizada corretamente, ou seja, todos os pacientes selecionados para compor a amostra tiverem tido a mesma chance de serem sorteados para compor cada um dos grupos, então as características pessoais serão similares (sexo, idade, diâmetro axial do olho, etc), indicando que variações individuais provavelmente não influenciaram os resultados.

Em uma pesquisa, os dados são representados por números e os resultados representam o significado dos números; assim, resultados devem ser escritos e dados devem ser colocados em tabelas. Parágrafos devem ser iniciados com a descrição dos resultados, para a seguir referir-se à tabela, de forma que seja indicado no texto o que se deve procurar na tabela. Tabelas devem sempre ser autossuficientes, contendo todas as informações necessárias para que o leitor as compreenda sem precisar ler o restante do artigo. Resultados devem ser, sempre que possível, acompanhados de análise estatística, para que as comparações tenham credibilidade (7Lopes B, Ramos IC, Ribeiro G, Correa R, Valbon B, Luz A, et al. Biostatistics: fundamental concepts and practical applications. Rev Bras Oftalmol. 2014;73(1):16-22.).

Sugere-se evitar termos qualitativos (subjetivos) como "muito", "grande", "somente", etc, limitando-se apenas a informações quantitativas, como números absolutos e porcentagens. É importante citar todos os dados provenientes das variáveis estudadas e descritas no item Metodologia ou seja, todos os itens relacionados na Metodologia a serem pesquisados devem aparecer nos Resultados e ser mencionados na Discussão.

Na seção Discussão, os achados da pesquisa devem ser correlacionados com os dados já descritos na literatura e seu significado deve ser interpretado.A Discussão deve citar apenas estudos relevantes (confirmatórios e contraditórios), não sendo necessário analisar toda a literatura. Deve-se evitar repetição de dados já expostos nos Resultados. Todos os achados descritos nos Resultados devem ser comentados na Discussão e somente números ou porcentagens principais devem ser citados.

A Discussão deve ser iniciada com o resumo dos principais achados do estudo, discutindo-se possíveis falhas metodológicas. A seguir, compara-se os achados a estudos prévios e se discute as implicações clínicas de suas descobertas. É aqui que os pontos fortes do estudo devem ser enfatizados e estudos prévios, eventualmente, criticados. Na Discussão, o autor deve manifestar suas opiniões.

Mesmo se julgar que seu estudo irá mudar a prática clínica, deve-se evitar exagerar na caracterização de sua importância, pois, em geral, toda pesquisa acrescenta uma limitada contribuição à área do conhecimento e, dificilmente, um tema será completamente estudado em um único trabalho. A Discussão deve terminar com um pequeno resumo dos principais achados e suas implicações (conclusão). É interessante terminar com a sugestão de estudos futuros.

A escrita científica é diferente da linguagem científica falada. Aqui se deve evitar jargões e superlativos, escolhendose cuidadosamente as palavras. O maior desejo dos autores é que sua publicação seja lida e citada pelo maior número de pessoas possível. Assim, sempre se deve facilitar e tornar agradável a leitura e a interpretação do texto, pois leitores facilmente perdem o interesse pelo artigo. Na escrita científica, as sentenças devem ser simples e diretas, dizendo o que o leitor precisa saber, da maneira mais curta possível. Todas as abreviações devem ser explicadas no início de cada seção (Introdução, Metodologia, Tabelas, etc), pois os leitores não são obrigados a ler o artigo na sequência do texto.

Na Metodologia, drogas devem sempre estar indicadas pelo princípio ativo e, quando nomes comerciais forem citados, deve-se sempre referir o nome e o local de origem do laboratório.

No item Resultados, os números, sempre que possível, devem ser seguidos pela porcentagem, a fim de economizar tempo dos leitores em tentar compreender a dimensão do dado. Nas tabelas, a aritmética deve ser conferida, com atenção especial às porcentagens que, dependendo da aproximação das casas após a vírgula, estas podem dar um total diferente de 100%. Com relação às tabelas, checar se todas estão indicadas no texto, se os termos são os mesmos (tabela e texto) e se o cabeçalho é autossuficiente.

Depois de concluído, é interessante que o artigo seja lido por médicos não envolvidos na pesquisa, antes que seja enviado para publicação, ou que o autor guarde o artigo por alguns dias, para a seguir, lê-lo novamente. Autores eventualmente, estão tão familiarizados com o assunto que há risco de escreverem de forma pouco clara para os demais leitores.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Marback R, Temporini E, Kara Júnior N. Emotional factors prior to cataract surgery. Clinics (Sao Paulo). 2007; 62(4):433-8
  • 2
    Hida WT, Motta AF, Kara-José Júnior N, Costa H, Tokunaga C, Cordeiro LN, Gemperli D, Nakano CT. [Comparison between OPD-Scan results and visual outcomes of Tecnis ZM900 and Restor SN60D3 diffractive multifocal intraocular lenses]. Arq Bras Oftalmol. 2008; 71(6):788-92.
  • 3
    de Santhiago MR, Netto MV, Barreto J Jr, Gomes B de A, Schaefer A, Kara-Junior N. A contralateral eye study comparing apodized diffractive and full diffractive lenses: wavefront analysis and distance and near uncorrected visual acuity. Clinics (Sao Paulo). 2009; 64(10):953-60.
  • 4
    Temporini ER, Kara N Jr, Jose NK, Holzchuh N. Popular beliefs regarding the treatment of senile cataract. Rev Saude Publica. 2002; 36(3):343-9.
  • 5
    Chamon W. Plagiarism and misconduct in research: where we are and what we can do. Arq Bras Oftalmol. 2013; 76(6):V-VIII.
  • 6
    Kara-Junior N, de Santhiago MR, Kawakami A, Carricondo P, Hida WT. Mini-rhexis for white intumescent cataracts. Clinics (Sao Paulo). 2009;64(4):309-12.
  • 7
    Lopes B, Ramos IC, Ribeiro G, Correa R, Valbon B, Luz A, et al. Biostatistics: fundamental concepts and practical applications. Rev Bras Oftalmol. 2014;73(1):16-22.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2014
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