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Interfaces da relação entre o médico e a dupla mãe-filho em um hospital público

Resumos

OBJETIVO: Investigar a percepção dos médicos sobre a experiência de atenderem ambulatorialmente crianças com doença ocular grave e como compreendem sua interferência na relação mãe-filho. MÉTODOS: Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os oftalmologistas (setores de retina, glaucoma, segmento anterior e oftalmopediatria) e observação das consultas ambulatoriais durante três meses. RESULTADOS: Idealização da figura do médico e da mãe; dificuldades na hora de transmitir o diagnóstico; e reconhecimento de que o profissional interfere na relação da dupla durante seus encontros. CONCLUSÃO: O desafio do médico está em dar as informações sobre diagnóstico e tratamento; ter disponibilidade para escutar, esclarecer e orientar e nos casos graves mostrar que a criança tem outras potencialidades além da visão.

Relações médico-paciente; Relação mãe-filho; Comunicação; Doenças oculares; Deficiência


PURPOSE: To investigate the perception of physicians about the experience of ambulatory with children who have a serious eye disease and how they understand their interference in the mother-child relationship. METHODS: Semi-structured interviews were performed with ophthalmologists (sectors of retina, glaucoma, anterior segment and pediatric ophthalmology), and observation of outpatient appointments of a public hospital during three months. RESULTS: Idealization of the physician's and mother's role; physician's difficulties on giving the diagnosis; and the acknowledgment that the professionals have an influence on mother-child relationship during the assistance. CONCLUSION: The challenge for physicians are giving information on diagnosis and treatment; being accessible to listening, clarifying and guiding showing that the child has others capabilities beyond vision.

Physician-patient relationships; Mother-child relationship; Communication; Eye diseases; Deficiency


ARTIGO ORIGINAL

Interfaces da relação entre o médico e a dupla mãe-filho em um hospital público

Ondina Lúcia Ceppas ResendeI; Rosa Maria de Araujo MitreII

IHospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE) - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIInstituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Ondina Lúcia Ceppas Resende Rua Miguel Lemos, nº 78/ 801 – Copacabana CEP 22071-000 – Rio de Janeiro – (RJ), Brasil Tel: (21) 25490854/(21)99534577 E-mail: olresende@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Investigar a percepção dos médicos sobre a experiência de atenderem ambulatorialmente crianças com doença ocular grave e como compreendem sua interferência na relação mãe-filho.

MÉTODOS: Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os oftalmologistas (setores de retina, glaucoma, segmento anterior e oftalmopediatria) e observação das consultas ambulatoriais durante três meses.

RESULTADOS: Idealização da figura do médico e da mãe; dificuldades na hora de transmitir o diagnóstico; e reconhecimento de que o profissional interfere na relação da dupla durante seus encontros.

CONCLUSÃO: O desafio do médico está em dar as informações sobre diagnóstico e tratamento; ter disponibilidade para escutar, esclarecer e orientar e nos casos graves mostrar que a criança tem outras potencialidades além da visão.

Descritores: Relações médico-paciente; Relação mãe-filho; Comunicação; Doenças oculares/diagnóstico; Deficiência

INTRODUÇÃO

A discussão da relação médico-paciente até hoje se mostra como um ponto central na prática médica. Não podemos esquecer que o encontro entre médico e paciente é, antes de tudo, um encontro entre sujeitos e, como tal, desde o primeiro momento vem carregado de significados e expectativas que cada um tem em relação ao outro(1).

Além disso, a convivência com o sofrimento do outro traz um sofrimento também para quem cuida, sendo o momento do diagnóstico e da comunicação de más notícias (nos casos graves) extremamente delicado, cabendo ao médico este papel. No entanto, há um despreparo dos profissionais em saber como, quando e onde transmitir essas notícias(2).

Nesse panorama vem sendo discutido um novo modelo de relação baseada no diálogo, numa conjugação do conhecimento científico com o campo das vivências e o saber do censo comum. Este modelo busca também enfatizar a necessidade de médico e paciente se verem como parceiros, para que haja colaboração e participação do paciente e da família no tratamento(3).

A partir dessa perspectiva, o médico precisa levar em conta a experiência da doença, as percepções e representações do paciente para poder, desta forma, desenvolver a sensibilidade e capacidade de escuta para além da dimensão biológica.

Dentro de uma prática humanizada na assistência à saúde da criança, é fundamental que o profissional compreenda o sofrimento a partir da valorização das experiências, expectativas, valores e necessidades da criança e da sua família, bem como das limitações que existem na relação entre médico e paciente/família(4).

Importante considerar que a doença ocular grave pode deixar sequelas, indo desde uma baixa acuidade visual até a cegueira total. Quando ocorre na infância, acarreta diversas interferências na vida da criança, da família e da relação maternoinfantil que se encontra atravessada pelo adoecimento(5-7).

Contudo, pela própria formação acadêmica - ainda restrita ao modelo biomédico - muitas vezes o médico não se sente preparado para lidar com angústias e sentimentos mobilizados (principalmente nos casos mais graves) de frustração, impotência, limitação e a conscientização da própria finitude(8-10).

Sendo a transmissão do diagnóstico um momento especial na prática médica, estudos mostram que a forma como ele se dá repercute diretamente sobre o tratamento(11).

A comunicação interfere tanto na relação do médico com o paciente e sua família, como na relação que estes terão com o processo de diagnóstico e tratamento. Quer dizer, o diálogo e a parceria são imprescindíveis neste processo(11) .

Na verdade, encontramos um grande desafio na assistência à criança com doença ocular grave. De um lado, uma situação que envolve dor e sofrimento para a criança e sua família, e de outro, a pressão sobre o profissional para dar conta de demandas, muitas vezes além das possibilidades, visto que há uma escassez de serviços especializados dentro da rede pública e uma grande demanda de pacientes.

Este trabalho procurou investigar a percepção dos médicos sobre a experiência de atenderem ambulatorialmente crianças com doença ocular grave e como percebem sua interferência na relação mãe-filho com doença ocular grave.

MÉTODOS

O estudo foi realizado em um hospital federal do município do Rio de Janeiro. Trata-se um hospital geral de grande porte e referência em oftalmologia pediátrica, que recebe um grande contingente de crianças com traumatismos oculares e doenças oculares graves.

Optamos pelo método qualitativo por se tratar de uma relação entre sujeitos, nos possibilitando analisar em profundidade as relações e vivências e captar a subjetividade da realidade(12).

Os sujeitos da pesquisa foram os médicos (staffs e residentes) do serviço de oftalmologia de um hospital geral da rede pública. Os critérios de inclusão foram: atender às crianças com até cinco anos de idade, dos setores de retina, glaucoma, segmento anterior e oftalmopediatria; não estar de férias no momento da ida ao campo; se mostrar disponível e aceitar a observação das consultas (com observadora dentro da sala).

Nos interessava avaliar a relação entre o médico e a dupla mãe-filho com doença ocular grave, a experiência de atender esse tipo de criança em um hospital público, as dificuldades encontradas pelo médico e o momento mais difícil durante a assistência.

A escolha dos setores se deu pelo fato de as crianças ali serem acompanhadas por um período mais prolongado, o que poderia interferir na relação do médico com a dupla.

A partir da observação inicial do campo foram feitos os ajustes necessários para a coleta de dados, que se deu por um período de três meses. Foram utilizadas basicamente duas técnicas: a observação das consultas ambulatoriais e entrevistas semiestruturadas com os médicos, numa combinação entre perguntas abertas e fechadas.

A coleta de informações foi encerrada a partir do critério de saturação, quando em um determinado momento não surgiu mais nenhuma informação significativamente nova(13).

Tanto os médicos quanto as mães das crianças assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital onde foi realizado o estudo.

Para analisar o material colhido, utilizamos a análise de conteúdo adaptada e sistematizada, privilegiando a técnica da Análise Temática, que classifica o material coletado segundo temas. A análise das entrevistas se baseou na articulação de aspectos temáticos com o referencial teórico utilizado(14) .

RESULTADOS

Foram entrevistados treze (13) médicos, sendo nove (9) homens e quatro (4) mulheres. Destes, quatro eram staffs e nove residentes sendo, um R1, três R2 e cinco R3 (denominação para residentes de primeiro, segundo e terceiro ano respectivamente). A faixa etária dos entrevistados ficou entre 27 e 55 anos. Em relação ao tempo em que trabalhavam no hospital, o mais antigo tinha 30 anos de serviço e o mais novo, quatro meses.

A partir da observação das consultas no ambulatório de oftalmologia notamos que, apesar da sobrecarga de trabalho, os médicos se mostravam bastante cuidadosos e atenciosos com os pacientes: cumprimentavam a dupla mãe-filho quando entravam na sala; conversavam olhando nos olhos, davam as orientações e respondiam às perguntas em linguagem accessível; marcavam retorno, lembrando que a garantia de continuidade na assistência é extremamente importante no suporte à mãe e a criança com doença ocular grave, a qual necessita de acompanhamento médico ao longo de toda sua vida.

A vinculação dos entrevistados ao serviço devia-se a uma escolha de ordem afetiva (foram residentes ou tiveram familiar que trabalhou no local) ou à qualidade do serviço (tanto para residência como para local de trabalho).

O fato de o hospital oferecer residência exige uma constante atualização e reciclagem da equipe, favorecendo o crescimento destes profissionais. Além disso, sendo um hospital público, permite atender uma grande variedade de casos e cirurgias de pequeno e grande porte, propiciando uma experiência ímpar para o aprendizado e aprimoramento.

Entretanto, a despeito da qualidade da formação clínica, a grande maioria dos entrevistados destacou o despreparo do médico para lidar com situações emocionalmente difíceis, como no caso das doenças oculares graves, de difícil tratamento e cura, que mobilizam sentimentos de impotência e fracasso.

Também apontaram a necessidade do médico obter maior conhecimento que favoreça o estabelecimento de uma relação empática médico e dupla mãe-filho, ajudando a mãe a lidar melhor com a doença do filho e acolhê-lo. Na percepção dos entrevistados, a responsabilidade pela adesão ao tratamento está na maneira como o médico estabelece a comunicação com o paciente e seus familiares.

- Depende da abordagem do médico para a pessoa saber lidar melhor com a doença (sujeito 8).

- O médico tem sempre que ser o mais claro possível e tem que se fazer entender. Faz parte da função do médico se fazer entender (sujeito 5).

As dificuldades do atendimento à criança

A análise dos resultados apontou uma grande categoria sobre a especificidade de atender às crianças, que requer um manejo especial, assim como um desejo do médico em exercer esse tipo de assistência. É importante destacar que não estamos falando de profissionais que a princípio escolheram trabalhar com criança (pediatra), mas especialistas em oftalmologia, formados em sua maioria para atenderem adultos. No caso dos sujeitos da pesquisa, os residentes de primeiro e segundo ano precisavam passar por todos os setores, atendendo à criança e adulto, diferentemente dos residentes de terceiro ano que escolhiam o se-tor onde desejavam se especializar.

Entretanto, independente de gostar ou não, todos reconheceram a importância de um atendimento especializado e a necessidade de melhoria na assistência a essa clientela. Atender à criança na prática do especialista, muitas vezes é considerado como um desafio, na medida em que depende da cooperação dela (que nem sempre ocorre), exige mais tempo e disponibilidade da equipe, além de requerer uma boa interação do médico com a família.

- [...] a criança não atende, chora, não coopera no exame, é mais difícil (sujeito 3).

- A criança é mais difícil. Você tem que ter mais paciência e maior dedicação (sujeito 4).

Em relação à interação com a família um fator que pode interferir no encontro médico-dupla, na população pesquisada, é o rodízio dos residentes pelos diversos setores a cada três meses. Apesar de necessário para oferecer uma maior experiência, não favorece ao acompanhamento dos casos ao longo do tempo nem a um maior vínculo. Devido à rotatividade, e dependendo da periodicidade das consultas, muitas vezes o paciente é atendido cada vez por um profissional diferente. Desta maneira, o paciente é referendado ao setor e não ao médico, e o vínculo acaba sendo mais com a instituição do que com o profissional.

Existem também diversos fatores que ocorrem durante a consulta ambulatorial e podem comprometer a qualidade da escuta e a fluidez do diálogo. Durante as observações, encontramos vários médicos atendendo em uma mesma sala, sem privacidade, sofrendo frequentes interrupções. Muitas vezes precisavam formar fila para examinar o paciente (vários residentes dividiam o mesmo aparelho), e não raro, para agilizar o atendimento, acabavam atendendo mais de um paciente ao mesmo tempo.

Particularmente em relação aos residentes foi observada uma sobrecarga de trabalho e, em alguns, certa desmotivação por ter que atender em setores que não eram de sua escolha.

Apesar das dificuldades observadas, os entrevistados apontaram como sendo fundamental, ter uma boa relação com a família devido à estreita relação de dependência entre criançafamília. Os profissionais percebem o quanto os familiares são afetados pela doença da criança, principalmente a figura materna sobre a qual, geralmente, recai a responsabilidade pelos cuidados e por conseguir o atendimento adequado.

- Eu me sinto fazendo um benefício não só para o atendimento da criança com doença ocular grave, para a relação dos dois, mas para fazer entender melhor a relação da doença, da mãe e do filho (sujeito 3).

No entanto, se por um lado atender à criança traz dificuldades (na ótica de alguns), diagnosticá-la e tratá-la a tempo, evitando a cegueira infantil, traz uma imensa gratificação para aqueles que cuidam, assim como, logicamente, para a criança e família.

- [...] atender à criança traz um resultado e um benefício porque ela tem uma vida pela frente (sujeito 3).

Observamos que a doença ocular grave na infância é impactante tanto para a família (pela desidealização do filho sonhado), para a vida da criança (pelas limitações e repercussões), quanto para o médico (pelos sentimentos de frustração e fracasso pela impossibilidade de cura).

- O momento mais difícil é quando a gente não pode fazer mais nada que devolva a visão da criança, ou quando temos como única hipótese tirar o olho, e às vezes um olho que ainda tem visão (sujeito 9).

O sofrimento do médico na assistência à criança com doença ocular grave apareceu principalmente pela percepção de que será uma infância marcada por uma série de impedimentos e restrições que geralmente acompanham estes quadros.

- O mais difícil é quando você não consegue reverter o quadro [...]. Você tenta atuar de uma maneira e não consegue reverter a doença [...]. Um prematuro que está perdendo a visão, você vai lá e faz o laser, mas ele ainda assim continua e perde a visão [...], e aí, o médico tem que informar que, apesar do seu esforço, não conseguiu salvar a criança. É o momento mais difícil porque há sempre a possibilidade da família não acreditar e achar que você foi culpado. Para o médico, no caso das doenças muito graves, você tentar salvar um dos olhos e não conseguir, e ter que tirar... No prematuro, você tentar salvar, não conseguir e perder... Isso tudo leva o médico a uma situação difícil, pois ele tem que passar isso para a família que tem esperanças e não consegue se conformar com a cegueira, e acha que você poderia ter feito alguma coisa que não fez (sujeito 12).

Ligado a isto, surgiram alguns sentimentos experimentados pelos profissionais – como frustração, decepção, impotência e desidealização da figura do médico – diante dos casos graves, difíceis de tratar e que podem deixar sequelas. Um exemplo dis-to pode ser observado quando um terço dos entrevistados relatou o mesmo caso, destacando-o como o mais marcante em sua prática, ao serem perguntados à respeito das situações mobilizantes que haviam vivenciado.

Quando questionados sobre o momento mais difícil na assistência à criança com doença ocular grave, destacaram a hora de transmitir o diagnóstico aos pais. Também foram unânimes em reconhecer suas dificuldades diante dos casos mais graves e com prognóstico ruim, quando se deparam com a sua impotência e suas limitações.

- O momento mais difícil é quando você tem que dar a primeira notícia para a mãe e para o pai, que o filho tem um tumor, que vai ter que tirar o globo ocular, que o filho não enxerga [...]. Os pais chegam com a esperança de que você vai dar uma boa notícia, dizer que tem tratamento e tem cura, e você quebra uma ilusão. Esse é o momento mais difícil de lidar (sujeito 2).

- O momento mais difícil é a hora de dar o diagnóstico de que a doença ocular é grave, e que não é uma doença que a gente possa tratar e curar (sujeito 4).

Ao se deparar com os casos mais graves, o médico experimenta sentimentos de ansiedade com os quais por vezes não sabe lidar e por isso, muitos apresentam uma atitude de aparente frieza, assumindo uma postura apenas técnica, evitando conversas longas, não dando muito espaço para perguntas que talvez não possa ou não saiba responder.

DISCUSSÃO

A visão sobre a responsabilidade do médico na adesão ao tratamento nos remete para a questão da relação dialógica e de troca existente nas relações humanas(3,15,16), mas também à associação existente entre o exercício da medicina e a gratificação em ajudar o outro e sentir-se indispensável.

A natureza da interação médico-paciente depende da forma como o encontro acontece a partir de alguns fatores, tais como: setting, aspectos psicossociais do paciente e do médico (medos, expectativas, ansiedades, etc.), experiências anteriores, personalidade de cada um, fatores psicológicos (estresse, frustração, etc) e treinamento técnico do profissional. De modo geral em sua formação, o médico não é estimulado a pensar o paciente como um ser biopsicossocial e a perceber o significado do adoecer para o paciente(17).

Faz-se necessário haver uma sensibilidade por parte do profissional para conhecer a realidade do paciente, ouvir suas queixas e encontrar, junto com ele, estratégias que o auxiliem na adaptação ao estilo de vida exigido pela doença(8).

É importante estabelecer uma relação de parceria para favorecer a adesão ao tratamento. Para isso, os membros da dupla médico-paciente precisam se comunicar, se reconhecer como parceiros e se compreender. E o médico precisa demonstrar que valoriza a colaboração e participação do paciente(3).

Dois indivíduos somente estão dialogicamente ligados e voltados um para o outro, se eles se reconhecerem como sendo mutuamente influenciados e se compreenderem(16).

Na perspectiva da humanização da saúde, o processo comunicacional surge como um dos desafios, pois implica na possibilidade de produzir entendimento através do diálogo. Entretanto, isto não significa um consenso de opiniões e ideias, mas sim a possibilidade de profissionais e usuários (pacientes e familiares) estarem dispostos a esta construção(18).

É preciso articular procedimentos técnicos com compromisso emocional para compreender o valor do sujeito, suas experiências, expectativas e limitações(4). Entretanto, a sobrecarga de trabalho, aliada ao fato de não ter sido uma escolha trabalhar com determinada clientela (como no caso de crianças), são outros fatores que também podem afetar o estabelecimento de uma relação empática do médico com a díade mãefilho. Cabe lembrar que a empatia é fundamental para uma boa relação entre profissional de saúde e paciente dentro do ambiente hospitalar(4).

Ao mesmo tempo, a proximidade com o sofrimento do outro produz um impacto sobre a figura do médico, principalmente dentro do ambiente hospitalar e diante de certas situações, como a doença grave em um paciente de pouca idade(4). Além de possíveis dificuldades pessoais, em geral há um despreparo do médico na sua formação acadêmica para lidar com o sofrimento(19).

No caso da atenção à criança esta situação pode ser potencializada, uma vez que culturalmente aprendemos que a infância é um período de desenvolvimento e realizações.

Na verdade, independente da idade do paciente, o médico ao se deparar com as suas limitações diante dos casos graves, pode experimentar sentimentos de frustração, decepção e que-bra da onipotência, levando-o a uma desidealização da sua própria figura(20,21) e podendo afetar seu narcisismo(22). Por outro lado, o remete a valores e afetos pessoais, e à sua dimensão humana(23).

Não podemos esquecer que, antes de tudo, o médico é uma pessoa atendendo a outra pessoa(24). Apesar de lhe ser atribuído as funções de autenticar a doença e viabilizar a cura, os casos graves que podem levar à morte, trazem o confronto com sua limitação e insignificância diante de situações irreversíveis, assim como da sua própria finitude(4,9,23,).

Os casos mais marcantes, que mobilizam a equipe durante a assistência, nos faz refletir sobre a vulnerabilidade do médico, o quanto o afeto está presente nas relações, além da identificação empática permeando a prática médica(12).

Ocorre que o médico é formado para curar e salvar vidas e uma das expectativas quando busca a carreira da medicina é curar todos os males onipotentemente(21,23).

Apesar das dificuldades mobilizadas diante dos casos mais graves, é fundamental o manejo adequado da informação, pois a forma como ela é dada interfere diretamente na relação do paciente com o diagnóstico e o tratamento(2,3). No entanto, o que se percebe de forma geral é um despreparo do médico em relação à comunicação de más notícias(2,19,20).

CONCLUSÃO

A grande maioria dos médicos considerou que através da escuta, fala e postura, o profissional interfere na relação da dupla mãe-filho com doença ocular grave. Entretanto, observamos que existe por parte dos profissionais uma idealização tanto da figura do médico quanto da mãe. Nesta percepção, o médico surge como o único responsável pela compreensão da mãe acerca da doença do filho. E a mãe, como sendo capaz de superar todas as dificuldades e, se corretamente orientada, funcionando como um espelho para o comportamento da criança.

O tempo de consulta surge como um fator que pode interferir não-somente na relação do médico com a dupla, mas na própria escuta e qualidade do atendimento. Ainda existe na rede pública uma defasagem entre número de pacientes e número de profissionais, além da pressão de produtividade diária a ser cumprida por cada um desses profissionais, que pode afetar esse encontro.

No entanto, as diferenças de ponto de vista e postura entre os médicos, não parece estar associada apenas ao fator tempo. Está relacionada a outros fatores, como a sensibilidade e a capacidade de escuta, remetendo à questão da formação médica, ao sofrimento pessoal que a doença grave gera no profissional, à ferida narcísica diante das impossibilidades vividas como fracasso e às características pessoais de cada um.

Não basta o médico fornecer as informações para a mãe sobre diagnóstico e tratamento, mas é preciso ter disponibilidade para escutar suas dúvidas e medos, esclarecer e orientar, de forma que ela possa compreender a gravidade da doença do filho e se conscientizar da necessidade de acompanhamento médico, geralmente por toda a vida da criança (no caso das doenças graves).

É importante que os profissionais possam estar conscientes de quanto suas ações e palavras promovem um impacto. No caso do adoecimento de crianças, particular atenção deve ser dada às relações estabelecidas com as famílias, geralmente representadas pelas mães. A partir do momento que recebem o diagnóstico sobre a gravidade (ou cronicidade) da doença do filho, as mães saem carregando nos ombros novas tarefas, que irão desencadear mudanças de hábitos pessoais e familiares.

Recebido para publicação em: 18/10/2012

Aceito para publicação em: 27/3/2012

Os autores declaram não haver conflitos de interesse

O presente trabalho é parte da dissertação de mestrado de Ondina Lucia Ceppas Resende. A pesquisa foi realizada no ambulatório de oftalmologia do Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE).

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  • Autor correspondente:
    Ondina Lúcia Ceppas Resende
    Rua Miguel Lemos, nº 78/ 801 – Copacabana
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      18 Out 2012
    • Aceito
      27 Mar 2012
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