Open-access Dacriocistocele congênita: relato de caso e conduta

Resumos

A dacriocistocele representa uma rara anomalia congênita da região medial da órbita, causada pela obstrução distal (ao nível da válvula de Hasner) e proximal (ao nível da válvula de Rosenmüller) da via lacrimal, com subsequente dilatação do saco lacrimal. Recebe o nome de mucocele, quando seu conteúdo representa muco, ou amniocele, quando o seu conteúdo é preenchido por fluido amniótico. Acomete somente 0.1% das crianças, com obstrução do ducto lácrimonasal, sendo comumente unilateral e mais frequente no sexo feminino e com predisposição familiar. O diagnóstico é realizado pelas características clínicas: lesão cística tensa, abaixo do tendão cantal medial, de coloração azulacinzentada, rósea ou vermelha acompanhada por epífora desde o nascimento. No entanto podemos utilizar exames de imagem para diagnosticar esta anomalia congênita tais como: tomografia computadorizada, ressonância magnética e ultrassonografia.

Obstrução dos ductos lacrimais/congênito; Obstrução dos ductos lacrimais/diagnóstico; Obstrução dos ductos lacrimais/terapia; Obstrução dos ductos lacrimais/ultrassonografia; Cisto epidérmico; Cisto dermóide; Relatos de casos


The dacryocystocele represents a rare congenital anomaly in the medial region of the orbit caused by distal obstruction (Hasner valve) and proximal (valve Rosenmüller) of the lacrimal system causing dilation of the lacrimal sac. Mucocele is called when the content is mucus and amniocele when the content is filled with amniótico fluid. The incidence is only 0.1% in children with nasolacrimal duct obstruction. It is commonly unilateral and more frequent in women with familial predisposition. The diagnosis is made by clinical features: tense cystic lesion below the medial canthal tendon, blue-gray, pink or red color with epiphora since birth. However we can use image tests to diagnose this congenital anomaly such as tomography computerized, magnetic resonance and ultrasonography.


INTRODUÇÃO

A dacriocistocele representa uma rara anomalia congênita da região medial da órbita(1), causada pela obstrução distal (ao nível da válvula de Hasner) e proximal (ao nível da válvula de Rosenmüller) da via lacrimal, com subsequente dilatação do saco lacrimal. Recebe o nome de mucocele, quando seu conteúdo representa muco, ou amniocele, quando o seu conteúdo é preenchido por fluido amniótico. Acomete somente 0.1% das crianças com obstrução do ducto lácrimonasal, sendo comumente unilateral e mais freqüente no sexo feminino e com predisposição familiar(1-3).

O diagnóstico é realizado pelas características clínicas(4,5): lesão cística tensa,abaixo do tendão cantal medial, de coloração azul-acinzentada, rósea ou vermelha acompanhada por epífora desde o nascimento. No entanto podemos utilizar dos exames de imagem para diagnosticar esta anomalia congênita tais como: tomografia computadorizada, ressonância magnética e ultrasom(6-9). O cisto é perfeitamente visível na ecografia pré-natal(10,11) sob forma de área líquida anecogênica localizada na borda medial da cavidade orbitária, não havendo comunicação com o crânio e bulbo ocular. É observada no último trimestre da gestação. A resolução espontânea ocorre em 50% dos casos antes do nascimento. As complicações pós-natal são(12-14): epífora, dacriocistite, conjuntivite, celulite e desconforto respiratório. Outras doenças que pertencem ao diagnóstico diferencial são: meningoencefaloceles anteriores ou posteriores, hemangioma, cisto epidermóide, cisto dermóide, glioma nasal e linfangioma.

O tratamento da dacriocistocele congênita é controverso(15,16). Inicialmente tratamos com a massagem de Crigler(17), antibióticos tópico e sistêmico e compressas mornas. Devido a dacriocistocele ter grande tendência à se infeccionar, realizamos a profilaxia através da antibióticoterapia. Caso não haja resposta favorável com o tratamento conservador após algumas semanas, realiza-se a sondagem da via lacrimal. No caso em que não há resolução com a primeira sondagem devemos proceder a sondagem com entubação com silicone, dacriocistoplastia por balão ou a marsupialização cirúrgica do cisto nasolacrimal.

O oftalmologista deve estar atento para a sintomatologia de obstrução nasal, ocasionando desconforto respiratório, uma vez que a criança pode correr risco de vida. Nestes casos é recomendada a sondagem com marsupialização do cisto nasolacrimal. No caso de dacriocistocele que evolui para dacriocistite aguda é importante a recomendação da antibióticoterapia sistêmica a fim de evitar complicações graves como meningites, abscesso cerebral e sepsis.

RELATO DE CASO

Criança acompanhada no setor de vias lacrimais da UNIFESP desde 7 dias de idade, sexo feminino, branca, natural e procedente de São Paulo, com dacriocistocele congênita do lado direito (figura 1). Ao exame oftalmológico, apresentava na inspeção e palpação: lesão cística tensa, abaixo do tendão cantal medial, de coloração azul-acinzentada, acompanhada por epífora desde o nascimento. Na biomicroscopia: ausência de secreção mucopurulenta e de hiperemia em conjuntiva bulbar do olho direito, teste de Milder +++. O teste de observação da fluoresceína na orofaringe teve resultado negativo.

Figura 1
Fotografia parcial da face da criança com dacriocistocele congênita do lado direito

O laudo da ultrassonografia ocular (figura 2) foi lesão orbitária pré-septal, em canto medial, apresentando formato arredondado, bem delimitado, com conteúdo hipoecogênico.As dimensões foram diâmetro ântero-posterior=3.1 mm; base vertical=3.6 mm e horizontal=2.9 mm. Não havendo evidência de extensão posterior da lesão ou de comunicação com o globo ocular. Hipótese diagnóstica; compatível com dacriocistocele.

Figura 2
Ultrassonografia ocular direita

A criança foi submetida ao tratamento conservador, através da massagem de Crigler, compressas mornas e antibioticoterapia sistêmica (cefalexina em suspensão 250 mg/5ml, 2ml 6/6 h por 7 dias). Houve resolução da doença após 4 semanas.

DISCUSSÃO

A dacriocistocele ocorre devido ao represamento de líquido amniótico no interior do saco lacrimal (amniotocele), promovendo a sua distenção e que é nitidamente visível na ecografia pré-natal, no último trimestre da gestação, sob forma de área cística líquida anecogênica, situada na borda interna da cavidade orbitária(18). Entretanto, o líquido amniótico somente não é capaz de distender o saco lacrimal, especialmente quando se nota este abaulamento dias após o nascimento. A literatura usa o termo mucocele, quando o saco lacrimal é preenchido por muco. É mais provável que a combinação de muco, líquido amniótico, lágrima e a proliferação bacteriana sejam responsáveis pela distensão do saco lacrimal, porém o conteúdo é frequentemente estéril(19).

No recém-nascido, o diagnóstico da dacriocistocele faz-se pela observação clínica. Pode ser necessário recorrer a exames complementares para elucidar o diagnóstico como: transiluminação, ecografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética, dacriocistografia e rinoscopia. A ressonância magnética permite caracterizar o conteúdo da lesão enquanto que a tomografia detecta alterações ósseas do ducto lácrimonasal(20).

A visualização pré-natal da dacriocistocele por ecografia e ecodoppler, possibilita a identificação de malformações associadas(21).

A extensão cística da dacriocistocele para a cavidade nasal não é incomum, podendo ocasionar dificuldade respiratória durante o sono e amamentação nos casos bilaterais, logo a rinoscopia deve ser realizada pelo otorrinolaringologista, em todas as crianças com dacriocistocele congênita, a fim de excluir a coexistência de cisto intranasal(22).

O tratamento da dacriocistocele é controverso. A literatura aconselha inicialmente o tratamento conservador(massagem compressiva do saco lacrimal,antibióticoterapia tópica e/ou sistêmica) durante os primeiros meses de vida(23-25). A sondagem da via lacrimal é recomendada quando não houver resolução com o tratamento conservador, na presença de severa infecção ou desenvolvimento de dificuldade respiratória(26,27). Segundo a literatura, a sondagem precoce evitaria infecções e seqüelas(distorção dos tecidos do canto interno, indução de astigmatismo corneano e ambliopia anisometrópica)(28).

Nos casos de presença de cisto intranasal pode ser necessário a colaboração do otorrinolaringologista para a marsupialização do cisto(29,30).

  • Trabalho realizado no Setor de Vias Lacrimais da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2014

Histórico

  • Recebido
    17 Out 2011
  • Aceito
    02 Mar 2012
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