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A importância da tomografia de coerência óptica no papiledema

Papiledema é o edema de disco óptico secundário ao aumento da pressão intracraniana e representa uma das causas mais frequentes de edema do disco óptico. Classicamente, o edema é bilateral, com preservação da acuidade visual nas fases iniciais, associado a outros sinais e sintomas, tais como cefaleia, zumbido, obscurecimento transitório da visão e diplopia. Diante de um paciente com papiledema é fundamental afastarmos a presença de lesões expansivas intracranianas ou ventriculomegalia por meio de um exame de neuroimagem. Caso o exame de neuroimagem nada revele ou apresente sinais de obstrução do sistema de fluxo venoso cerebral, devemos considerar o diagnóstico de hipertensão intracraniana idiopática (HII), também denominada de forma mais ampla como síndrome do pseudotumor cerebral (11 Monteiro ML., Moura FC. Aspectos oftalmológicos da síndrome da hipertensão intracraniana idiopática (pseudotumor cerebral). Rev Bras Oftalmol. 2008;67(4):196-203.).

Para o diagnóstico e monitoramento destes pacientes, é fundamental a avaliação da função visual, geralmente pela medida da acuidade visual e pela perimetria automatizada, e das alterações fundoscópicas. Muitos acreditam que o exame de fundo de olho, especialmente associado ao exame de retinografia, seja uma forma mais do que adequada para avaliação destes pacientes. Entretanto, a graduação do edema baseado apenas na fundoscopia, além de subjetiva, examinador dependente e não quantitativa, pode estar sujeita a erros (22 Kardon R. Optical coherence tomography in papilledema: what am I missing? J Neuroophthalmol. 2014;34 Suppl: S10-7.). Estudos demonstraram que o grau de concordância, mesmo entre examinadores experientes, na classificação do papiledema, é baixo(33 Scott CJ, Kardon RH, Lee AG, Frisén L, Wall M. Diagnosis and grading of papilledema in patients with raised intracranial pressure using optical coherence tomography vs clinical expert assessment using a clinical staging scale. Arch Ophthalmol. 2010;128(6):705-11.,44 Sinclair AJ, Burdon MA, Nightingale PG, Matthews TD, Jacks A, Lawden M, et al. Rating papilloedema: an evaluation of the Frisén classification in idiopathic intracranial hypertension. J Neurol. 2012;259(7):1406-12.). Além disto, examinadores menos experientes podem apresentar dificuldades na avaliação de edemas mais discretos, assim como monitorar de forma mais precisa se o edema está regredindo ou não.

Diante deste cenário, o uso de modernas técnicas de imagem não invasivas, como a tomografia de coerência óptica ou OCT (do inglês Optical Coherence Tomography), pode ser uma boa opção para aprimorarmos o diagnóstico e o acompanhamento destes pacientes. De fato, estudos prévios demonstraram que o OCT pode ser útil na avaliação do edema do disco óptico pela quantificação da espessura da camada de fibras nervosas da retina (CFNR) peripapilar (55 Savini G, Bellusci C, Carbonelli M, Zanini M, Carelli V, Sadun AA, et al. Detection and quantification of retinal nerve fiber layer thickness in optic disc edema using stratus OCT. Arch Ophthalmol. 2006;124(8):1111-7.,66 Rebolleda G, Muñoz-Negrete FJ. Follow-up of mild papilledema in idiopathic intracranial hypertension with optical coherence tomography. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2009;50(11):5197-200.). Com o advento do OCT de tecnologia espectral (spectral fourier-domain, SD-OCT), a aquisição de imagens seccionais bi e tridimensionais de alta resolução do disco óptico, da CFNR peripapilar e da região macular possibilitaram significativos aprimoramentos diagnósticos (77 Vartin C V, Nguyen AM, Balmitgere T, Bernard M, Tilikete C, Vighetto A. Detection of mild papilloedema using spectral domain optical coherence tomography. Br J Ophthalmol. 2012;96(3):375-9.,88 Wang JK, Kardon RH, Kupersmith MJ, Garvin MK. Automated quantification of volumetric optic disc swelling in papilledema using spectral-domain optical coherence tomography. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2012;53(7):4069-75.). Contudo, vale ressaltar que em casos de edemas mais graves (grau 3 ou mais na escala de Frisén), a quantificação do papiledema pelas medidas da espessura da CFNR peripapilar obtidas pelo OCT pode estar sujeita a erros, ocasionado por falhas na demarcação dos limites superior e inferior da CFNR peripapilar, o que impossibilitaria uma estimativa mais precisa da intensidade do edema(22 Kardon R. Optical coherence tomography in papilledema: what am I missing? J Neuroophthalmol. 2014;34 Suppl: S10-7.).

O OCT também pode ser útil na diferenciação do papiledema de outras causas de edema do disco óptico. Foi o que estes autores demonstraram ao analisarem as imagens do disco óptico obtidas pelo SD-OCT em pacientes com papiledema secundário a HII (99 Kupersmith MJ, Sibony P, Mandel G, Durbin M, Kardon RH. Optical coherence tomography of the swollen optic nerve head: deformation of the peripapillary retinal pigment epithelium layer in papilledema. InvestOphthalmol Vis Sci. 2011;52(9):6558-64.). Kupersmith et al. (99 Kupersmith MJ, Sibony P, Mandel G, Durbin M, Kardon RH. Optical coherence tomography of the swollen optic nerve head: deformation of the peripapillary retinal pigment epithelium layer in papilledema. InvestOphthalmol Vis Sci. 2011;52(9):6558-64.)demonstraram que o epitélio pigmentado da retina e a membrana de Bruch na região peripapilar ao nível do canal escleral sofre um desvio para dentro (em direção ao vítreo), e que esta deformação mecânica seria resultado de um aumento no gradiente pressórico entre espaço subaracnoideo perióptico e o globo ocular. Segundo estes autores, esta deformação demonstrada pelo OCT nos pacientes com papiledema não ocorreria em outras neuropatias ópticas edematosas.

A diminuição da acuidade visual deve ser vista como um sinal de alerta nos pacientes com papiledema. A perda visual pode ser decorrente, principalmente, pela perda axonal progressiva ou pelo acometimento macular. A presença de fluido na região subfoveal é uma condição relativamente frequente nos pacientes com papiledema. Vale ressaltar que esta alteração não requer nenhum tratamento específico, apresentando melhora à medida que o papiledema se resolve. Outra situação potencialmente grave, apesar de rara, que ocorre principalmente em casos de papiledema crônico, é a formação de uma membrana neovascular sub-retiniana peripapilar(1010 Monteiro ML, Jales MQ, Pimentel SL. Membrana neovascular sub-retiniana justapapilar em paciente com papiledema e hipertensão intracraniana idiopática. Rev Bras Oftalmol. 2009; 68(1):42-7.). Nestes casos, além do tratamento específico do papiledema, a terapia intravítrea antiangiogênica se faz necessária, sendo o prognóstico destas membranas melhor quando comparado às secundárias a degeneração macular relacionada à idade. Os pacientes com papiledema podem se queixar de metamorfopsia pelo surgimento de dobras na membrana limitante interna (MLI). Estas são decorrentes de distorção exercida na parte posterior do globo ocular pelo maior acúmulo de fluido sobre pressão no espaço subaracnoideo perióptico próximo a sua saída do globo ocular. Apesar de pouco frequente, em alguns casos, as dobras da MLI e a metamorfopsia persistem mesmo após a resolução do papiledema.

Como mencionado anteriormente, a perda visual também pode ser um indicativo da perda progressiva da CFNR peripapilar. Entretanto, a quantificação desta redução pode ser prejudicada pela presença concomitante do edema do disco. Além disto, é difícil estabelecer se a redução do edema do disco óptico representa um sinal de melhora ou se é decorrente da perda progressiva da CFNR, como resultado da morte das células ganglionares da retina (CGR). E se pudéssemos detectar esta perda de forma mais precoce, quando o edema ainda estivesse presente, antes de ser sucedido pela atrofia? Recentes avanços incorporados aos SD-OCT permitiram a segmentação e avaliação das camadas mais internas da retina. Estudos apontam que a redução da espessura macular total e de suas camadas mais internas detectadas pelo SD-OCT, em especial pela análise da camada de CGR mais camada plexiforme interna (CPI), são um importante achado em pacientes com papiledema crônicos, e que esta redução se correlacionaria com a perda da função visual e das respostas provenientes das CGR acessadas pelo eletrorretinograma por padrão reverso (PERG), conforme recém-demonstrado por Afonso et al.(11 Monteiro ML., Moura FC. Aspectos oftalmológicos da síndrome da hipertensão intracraniana idiopática (pseudotumor cerebral). Rev Bras Oftalmol. 2008;67(4):196-203.). Outros autores sugerem que a redução das camadas mais internas da retina (CGR+CPI) obtidas pelo SD-OCT nos pacientes com papiledema, poderia revelar sinais precoces da perda axonal e neuronal, mesmo na presença do edema do disco óptico (22 Kardon R. Optical coherence tomography in papilledema: what am I missing? J Neuroophthalmol. 2014;34 Suppl: S10-7.,1212 Monteiro ML, Afonso CL. Macular thickness measurements with frequency domain-OCT for quantification of axonal loss in chronic papilledema from pseudotumor cerebri syndrome. Eye (Lond). 2014;28(4):390-8.,1313 OCT Sub-Study Committee for NORDIC Idiopathic Intracranial Hypertension Study Group, Auinger P, Durbin M, Feldon S, Garvin M, Kardon R, Keltner J, Kupersmith MJ, Sibony P, Plumb K, Wang JK, Werner JS. Baseline OCT measurements in the idiopathic intracranial hypertension treatment trial, part II: correlations and relationship to clinical features. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2014;55(12):8173-9.). Isto possibilitaria a adoção de condutas terapêuticas mais agressivas com a finalidade de prevenir ou minimizar perda visual adicional.

Portanto, o OCT pode ser, sem dúvida alguma, uma ferramenta diagnóstica extremamente útil nos casos de papiledema por vários aspectos, tais como permitir a quantificação do edema de disco óptico, possibilitar a avaliação da resposta aos tratamentos instituídos, auxiliar no diagnóstico diferencial com outras neuropatias ópticas edematosas, além de possibilitar a detecção da perda axonal e a compreensão dos mecanismos relacionados à perda visual, especialmente pela avaliação ultraestrutural da mácula.

Leonardo Provetti Cunha

Departamento de Oftalmologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora (MG), Brasil;

Setores de Retina e Vítreo e Setor de Neuro-oftalmologia, Hospital de Olhos, Juiz de Fora (MG), Brasil.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Monteiro ML., Moura FC. Aspectos oftalmológicos da síndrome da hipertensão intracraniana idiopática (pseudotumor cerebral). Rev Bras Oftalmol. 2008;67(4):196-203.
  • 2
    Kardon R. Optical coherence tomography in papilledema: what am I missing? J Neuroophthalmol. 2014;34 Suppl: S10-7.
  • 3
    Scott CJ, Kardon RH, Lee AG, Frisén L, Wall M. Diagnosis and grading of papilledema in patients with raised intracranial pressure using optical coherence tomography vs clinical expert assessment using a clinical staging scale. Arch Ophthalmol. 2010;128(6):705-11.
  • 4
    Sinclair AJ, Burdon MA, Nightingale PG, Matthews TD, Jacks A, Lawden M, et al. Rating papilloedema: an evaluation of the Frisén classification in idiopathic intracranial hypertension. J Neurol. 2012;259(7):1406-12.
  • 5
    Savini G, Bellusci C, Carbonelli M, Zanini M, Carelli V, Sadun AA, et al. Detection and quantification of retinal nerve fiber layer thickness in optic disc edema using stratus OCT. Arch Ophthalmol. 2006;124(8):1111-7.
  • 6
    Rebolleda G, Muñoz-Negrete FJ. Follow-up of mild papilledema in idiopathic intracranial hypertension with optical coherence tomography. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2009;50(11):5197-200.
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    Vartin C V, Nguyen AM, Balmitgere T, Bernard M, Tilikete C, Vighetto A. Detection of mild papilloedema using spectral domain optical coherence tomography. Br J Ophthalmol. 2012;96(3):375-9.
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    Wang JK, Kardon RH, Kupersmith MJ, Garvin MK. Automated quantification of volumetric optic disc swelling in papilledema using spectral-domain optical coherence tomography. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2012;53(7):4069-75.
  • 9
    Kupersmith MJ, Sibony P, Mandel G, Durbin M, Kardon RH. Optical coherence tomography of the swollen optic nerve head: deformation of the peripapillary retinal pigment epithelium layer in papilledema. InvestOphthalmol Vis Sci. 2011;52(9):6558-64.
  • 10
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  • 11
    Afonso CL, Raza AS, Kreuz AC, Hokazono K, Cunha LP, Oyamada MK, Monteiro ML. Relationship Between Pattern Electroretinogram, Frequency-Domain OCT, and Automated Perimetry in Chronic Papilledema From Pseudotumor Cerebri Syndrome. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2015;56(6):3656-65.
  • 12
    Monteiro ML, Afonso CL. Macular thickness measurements with frequency domain-OCT for quantification of axonal loss in chronic papilledema from pseudotumor cerebri syndrome. Eye (Lond). 2014;28(4):390-8.
  • 13
    OCT Sub-Study Committee for NORDIC Idiopathic Intracranial Hypertension Study Group, Auinger P, Durbin M, Feldon S, Garvin M, Kardon R, Keltner J, Kupersmith MJ, Sibony P, Plumb K, Wang JK, Werner JS. Baseline OCT measurements in the idiopathic intracranial hypertension treatment trial, part II: correlations and relationship to clinical features. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2014;55(12):8173-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2015
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