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Estudo comparativo do uso de meloxicam por via intra-articular e sistêmica no controle da osteoartrite experimentalmente induzida em joelho de coelhos Trabalho realizado na União Pioneira de Integração Social, Brasília, DF, Brasil.

Resumos

Objetivo:

Com o enfoque no processo de reparação da cartilagem, objetivou-se analisar o uso do meloxicam, via intra-articular, para minimizar efeitos adversos causados pela aplicação sistêmica. Avaliaram-se alterações morfológicas e remodelamento do tecido cartilaginoso em modelo experimental, em joelhos.

Métodos:

Usaram-se 35 coelhos, divididos em quatro grupos: grupo controle (não operado), cinco animais, e grupos tratados, 10 animais cada. A técnica usada para indução de osteartrite foi trocleoplastia por abrasão. Grupos tratados foram subdivididos de acordo com a via de administração da medicação anti-inflamatória: sistêmica (0,2mg/kg), intraarticular (0,5 mg/kg) e controle positivo (sem anti-inflamatório). Após sete ou 30 dias de pós-operatório, a cartilagem articular foi avaliada de forma macroscópica e histológica.

Resultados:

Após 30 dias ocorreu reparação da cartilagem articular em 100% dos animais que receberam a medicação sistêmica e de 90% dos animais que receberam via intra-articular, com a presença de poucas ou nenhuma célula inflamatória, enquanto que no grupo com sete dias de pós-operatório observou-se ausência de tecido cicatricial no sulco troclear e de células inflamatórias. No grupo controle operado, sem medicação, observaram-se inflamação moderada e proliferação de tecido conjuntivo fibroso, após sete dias. Em todos os grupos submetidos a 30 dias de pós-operatório observou-se discreta irregularidade na cartilagem articular, ou ausência dela, macro e microscopicamente.

Conclusão:

O meloxicam via intrarticular mostrou-se favorável para uso em coelhos e obteve os mesmos resultados da administração sistêmica quanto a remodelamento cartilaginoso e controle de reação inflamatória. No entanto, sujeito a menos efeitos colaterais já descritos na via sistêmica e maior praticidade em cirurgias.

Osteoartrite ; Anti-inflamatórios ; Injeções intra-articulares ; Joelho ; Coelhos


Objective:

This study aimed to evaluate morphologic changes, as well as chondroprotective and intra-articular effects of meloxicam on joint repair in rabbits induced by experimental trochleoplasty, minimizing possible adverse side effects.

Methods:

Thirty-five rabbits were divided into four groups: the control group, which did not undergo surgery, and operated groups, which used different ways of administering the anti-inflammatory agent: systemic, 0.2 mg/kg; intra-articular, 0.5 mg/kg; positive group control, without meloxicam. Each operated group was divided according to the periods of 7 or 30 days evaluation after surgery.

Results:

Regarding macroscopic and histological evaluation of cartilage, after 30 days, most animals showed almost complete joint repair, the presence of few or no inflammatory cells; whereas part of the animals treated with meloxicam presented necrosis in the trochlear ridge and absence of inflammatory cells after 7 days. In positive control group, it was observed moderate inflammation and connective tissue proliferation. None of the animals in the operated groups showed irregularities 30 days after surgery.

Conclusion:

Either intra-articular or systemic, meloxicam revealed to be favorable to be used for joint repair and control of inflammatory reaction.

Osteoarthritis ; Anti-inflammatory agents ; Injections, intra-articular ; Knee ; Rabbits


Introdução

A osteoartroseéoprocesso de envelhecimento mais comum entre mamíferos.11. Pelletier JP, Yaron M, Haraoui B, Cohen P. Efficacy and safety of diacerein in orteoarthritis of the knee: a double-blind, placebo-controlled trial. The Diacerein Study Group. Arthritis Rheum. 2001;43(10):2339 -48. Também conhecida como doença articular degenerativa (DAD), é caracterizada por ter um caráter não infeccioso e degenerativo, que provoca a destruição da cartilagem articular e leva à deformidade da articulação, por causa de distúrbio na diferenciação celular normal.2 2. Camanho GL. Tratamento da osteoartrose do joelho. Rev Bras Ortop. 2001;36(5):135 -40.

3. Caldeira FMC, Muzzi LAL, Muzzi RAL. Artrose em cães. Caderno Técnico de Veterinária e Zootecnia. 2002;37(1): 53 -83.
- 44. Fossum TW. Cirurgia de pequenos animais. São Paulo: Roca; 2005. Embora classificada como não inflamatória, um processo inflamatório contínuo de baixo grau se associa com a DAD e leva à osteoatrite.44. Fossum TW. Cirurgia de pequenos animais. São Paulo: Roca; 2005.

A etiologia do processo degenerativo inicia-se com o envelhecimento, porém as doenças inflamatórias ou infecciosas que destroem a estrutura cartilaginosa ou os traumas que envolvem a cartilagem podem precipitar a osteoartrose.22. Camanho GL. Tratamento da osteoartrose do joelho. Rev Bras Ortop. 2001;36(5):135 -40. O processo é caracterizado por progressiva erosão da cartilagem articular e leva à diminuição do espaço articular, à esclerose subcondral, à formação de osteófitos marginais, a cistos subcondrais e à inflamação sinovial, o que resulta em dor e redução de função.55. Rezende MA, Gobbi RG. Tratamento medicamentoso da osteoartrose do joelho: drogas modificadoras da doença. Rev Bras Ortop. 2009;44(1):14 -9.

Os objetivos da terapia para osteoartrite são diminuir a dor e manter ou melhorar a função articular. Nestes últimos anos numerosos estudos têm investigado o potencial da função dos anti-inflamatórios e condroprotetores no reparo da cartilagem articular, no controle da reação inflamatória e na desaceleração do processo degenerativo.33. Caldeira FMC, Muzzi LAL, Muzzi RAL. Artrose em cães. Caderno Técnico de Veterinária e Zootecnia. 2002;37(1): 53 -83.

Os anti-inflamatórios não esteroidais são os fármacos mais usados para aliviar a dor em períodos curtos e longos de tempo. Contudo, cuidados devem ser tomados em virtude dos possíveis efeitos adversos, tais como problemas gastrointestinais, hepatotoxicidade e nefrotoxicidade.6 6. Lees P, LandonI MF, Giraudel J, Toutain PL. Pharmacodynamics and pharmacokinetics of nonsteroidal anti-inflammatory drugs in species of veterinary interest. J Vet Pharmacol Ther. 2004;27(6):479 -90.

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Com o enfoque no processo de reparação da cartilagem, objetivou-se estudar, por meio da técnica de trocleoplastia por abrasão, as alterações morfológicas e o remodelamento do tecido cartilaginoso observados na osteoatrite experimental induzida em coelhos e analisar o uso de um anti-inflamatório não esteroidal, o meloxicam, diretamente sobre o alvo, via intra-articular, o que proporciona uma via opcional que minimiza possíveis efeitos adversos causados pela via sistêmica.

Material e método

Foram usados 35 coelhos (Oryctolagus cuniculus) hígidos, ambos os sexos, linhagem Nova Zelândia, com peso entre 1 kg e 2 kg e 90 dias, submetidos a exame clínico geral, ortopédico e laboratorial. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética de Uso de Animais da Upis, sob o protocolo 02/10.

Os coelhos foram separados aleatoriamente em quatro grupos. E para a feitura do procedimento cirúrgico padronizou-se a articulação fêmuro-tíbio-patelar direita.

Grupo Controle (GC-): não operado, com cinco animais.

Grupos tratados, com 10 animais cada, subdivididos de acordo com a via de administração da medicação antiinflamatória e o período de pós-operatório, de sete ou 30 dias:

Grupo Sistêmico (GS): via de administração da medicação anti-inflamatória subcutânea, com cinco animais submetidos ao pós-operatório de sete dias (GS7) e cinco animais, de 30 dias (GS30).

Grupo Intra-Articular (GIA): via de administração da medicação anti-inflamatória intra-articular, com cinco animais submetidos ao pós-operatório de sete dias (GIA7) e cinco animais, de 30 dias (GIA30).

Grupo Controle Positivo (GC +): sem medicação anti-inflamatória, com cinco animais submetidos ao pósoperatório de sete dias (GC +7) e cinco animais, de 30 dias (GC+30).

Os coelhos receberam como medicação anestésica a cetamina (30 mg/kg, IM) e a xilazina (5 mg/kg, IM), juntas, além da anestesia na região epidural lombo-sacra com aplicação de lidocaína 2% (0,3 mL/kg).

Para a indução experimental de osteoartrose, empregou-se a técnica de trocleoplastia por abrasão. O acesso cirúrgico foi feito por abordagem lateral da articulação do joelho descrita por Fossum.44. Fossum TW. Cirurgia de pequenos animais. São Paulo: Roca; 2005. A patela foi deslocada e promoveu a exposição da tróclea femoral. O joelho foi flexionado e, com auxílio de uma fresa esférica de 2 mm de diâmetro, acoplada a uma microrretífica de alta rotação, fez-se o procedimento de trocleoplastia, por meio do aprofundamento do sulco troclear até o osso subcondral, o que evitou danificar as bordas trocleares e a cartilagem articular adjacente.

Durante o procedimento cirúrgico, após fechamento de cápsula e retináculo, os animais do grupo intra-articular (GIA) receberam meloxicam, na dose única de 0,5 mg/kg, por via intra-articular.

Nos animais do grupo sistêmico (GS) foi administrado meloxicam, na dose de 0,2 mg/kg, via SC, a cada 24 horas, durante três dias consecutivos.

Em todos os animais operados foi administrada, como antibioticoterapia profilática, associação de penicilinas e diidroestreptomicinas na dose de 50.000 UI/kg, via IM, a cada 48 horas (três aplicações), e como analgésico, foi administrado cloridrato de tramadol, na dose de 4,0 mg/kg, via SC, a cada 12 horas, durante três dias consecutivos, conforme Lichtenberger.1111. Lichtenberger M. Analgesia in the ferret and rabbit. In: 56º Congresso Internazionale Multisala, SCIVAC [periódico na Internet]. 2007. Available at: http://www.ivis.org [cited 03.10.2011]; [about p. 327 -0].
Available at: http://www.ivis.org...

Nos períodos preestabelecidos de sete e 30 dias de pósoperatório, os animais foram avaliados para descrição das alterações macroscópicas de articulação e coleta de amostras para análise histológica. Os animais foram anestesiados com cetamina (30 mg/kg, IM) e xilazina (5 mg/kg, IM) e submetidos a eutanásia com aplicação de sobredose de tiopental sódico a 2,5% e cloreto de potássio a 19,1%, de acordo com as normas recomendadas para o uso de animais em pesquisas científicas.1212. CFMV. Eutanásia: resolução do CFMV institui normas e procedimentos para eutanásia em animais. Veterinária e Zootecnia em Minas Gerais CRMV/MG. 2002;17(75):25.

As epífises distais do fêmur foram coletadas e armazenadas em frascos individuais com solução tamponada de formaldeído a 10% à temperatura ambiente para avaliação histológica.

Na análise histopatológica, coradas pelos métodos de hematoxilina-eosina (HE) e tricrômico de gomori (TG), a resposta biológica foi determinada em função do processo de reparação da cartilagem e das mudanças inflamatórias na articulação. Por meio de um estudo cego, os resultados foram avaliados por meio de graduação histológica em tabelas de escores modificadas de estudos anteriores conduzidos por Oliveira1313. Oliveira BJNA. Enxerto osteocondral alógeno, associado à inoculação de células mononucleares da medula óssea e proteína morfogenética óssea no reparo do sulco troclear de coelhos. [dissertação]. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia Faculdade de Medicina Veterinária; 2008. e Saricaoglu et al.1414. Saricaoglu F, Dal D, Atilla P, Ìskit AB, Tarhan O, Asan E, Aypar U. Effect of intraarticular injection of lornoxicam on the articular cartilage & synovium in rat. Indian J Med Res. 2008;127:362 -5.

Para avaliação dos dados não paramétricos da análise histológica da morfologia celular e da reação inflamatória articular usou-se o teste Mann Whitney Rank Sum, para comparação entre os grupos. Todas as comparações foram feitas no nível de 5% de significância (p ≤ 0,05). Para tanto usou-se o software estatístico SigmaStat para Windows versão 3.0.1.

Para as demais avaliações dos dados, obtidos nas análises macroscópicas e histológicas, usou-se a forma descritiva.

Resultados

Avaliou-se o sulco troclear de grupo controle negativo (GC-), no qual não foram verificadas alterações em superfície (fig. 1A) como forma de comparação macroscópica.

Figura 1
Fotografia de joelho direito de animal do GC-, sem alterações, com superfície articular lisa, brilhante, sem alterações de relevo.

Após sete dias de pós-operatório foi possível fazer as seguintes observações macroscópicas nos grupos avaliados:

  • Em quatro animais do grupo GC + 7 (4/5, 80%) foram observadas áreas de irregularidade no tecido de reparação e bordas avermelhadas na transição com a cartilagem adjacente (fig. 2A)

  • Aspecto que foi observado também em três animais do grupo GS7 (3/5, 60%) e em um animal do grupo GIA7 (1/5, 20%).

  • Em três animais do grupo GIA7 (3/5, 60%) e em dois animais do grupo GS7 (2/5, 40%), essas áreas de irregularidade no tecido de reparação apresentavam menor área de hiperemia e tecido esbranquiçado nas extremidades da lesão (fig. 2B). Após 30 dias foi possível fazer a seguinte observação macroscópica nos grupos avaliados:

  • Menos irregularidades no tecido dereparação, quemanteve uma continuidade com a cartilagem normal adjacente em quatro animais do grupo C + 30 (4/5, 80%), em todos os animais do grupo GS30 (5/5, 100%) e em quatro do grupo GIA30 (4/5, 80%) (fig. 3). Durante a avaliação microscópica da cartilagem articular foi possível fazer as seguintes observações:

  • Nos animais do grupo GC-(5/5, 100%), o sulco troclear apresentou-se recoberto por tecido cartilaginoso do tipo hialino, com ausência de células inflamatórias.

  • Qmauatro aniis do grupo GC + 7 (4/5, 80%) e um animal do grupo GS7 (1/5, 20%) apresentaram reação inflamatória suave a moderada na área do sulco troclear, com deposição intensa de tecido conjuntivo fibroso e irregularidade da superfície, congestão e edema, além de pequeno número de neutrófilos (fig. 4A).

  • Em dois animais do grupo GS7 (2/5, 40%) e três animais do grupo GIA7 (3/5, 60%) observou-se reação inflamatória mínima, com leve congestão e edema, áreas de intensa hemorragia e ausência de tecido cicatricial na região do sulco troclear onde foi feita a trocleoplastia (fig. 4B). Os demais animais apresentavam reação inflamatória suave a moderada, com presença de neutrófilos e macrófagos, além de deposição de tecido fibrocartilaginoso corado com hematoxilina e eosina (HE) (fig. 4C), e melhor observada nas lâminas coradas com o tricrômico de Gomori (TG) (fig. 5D). Ainda durante a avaliação microscópica da cartilagem articular, agora dos animais que passaram por 30 dias de pós-operatório, foi possível fazer as seguintes observações:

  • Em quatro animais do grupo C + 30 (4/5, 80%) constatou-se reação inflamatória mínima, com leve congestão e edema, presença de cartilagem hialina e pouca fibrocartilagem (fig. 5A).

  • Quatro animais dos grupos GS30 e GIA30 (4/5, 80%) não apresentaram mais células inflamatórias e apenas presença de cartilagem hialina, corada por meio de HE (fig. 5B) e TG, o que evidencia a desorganização do colágeno (fig. 5C).

Figura 2
(A) Fotografia da região da trocleoplastia do joelho direito de um animal do GC+ 7, com áreas de irregularidade no tecido de reparação e borda avermelhada na transição com cartilagem normal adjacente (seta). (B) Fotografia da região de trocleoplastia do joelho direito de um coelho do GIA7, com áreas de irregularidade no tecido de reparação sem áreas de hiperemia (seta branca) e apresentando tecido esbranquiçado nas extremidades da lesão (seta tracejada).

Figura 3
Fotografia da região de trocleoplastia de um animal de GS30, com superfície regular do tecido de reparação, mantendo uma continuidade com a cartilagem normal adjacente (seta pontilhada).

Figura 4
Fotomicrografia da área de transição entre sulco troclear lesionado (SL) e tecido cartilaginoso (TC) adjacente. (A) Em coelho do grupo GC+ 7. Observar a intensa formação de tecido conjuntivo fibroso (TF) com lacunas subcondrais. (B) Em coelho do grupo GIA7. Observar a ausência de formação de tecido reparador na área do sulco lesionada (SL) e intensa hemorragia (h). (C) Em coelho do grupo GS7 com formação de fibrocartilagem (FC) e reação inflamatória suave (discreta). Observar presença de células mononucleares (seta) e neovascularização (neo). (HE. 40X). (D) Em coelho do grupo GS7, mostrando irregularidade, com áreas preenchidas por fibrocartilagem (FC). Observar área de neovascularização (neo) (TG. 40x).

Figura 5
Fotomicrografia da área de transição entre sulco troclear lesionado (SL) e tecido cartilaginoso (TC) adjacente. (A) De um coelho do grupo GC+ 30. Observar a continuidade dos tecidos, com intensa formação de tecido cartilaginoso (c). (B) De um coelho do grupo GIA30. Observar continuidade dos tecidos (HE. 40x). (C) Em coelho do grupo GS30, com formação de tecido cartilaginoso (TC). Observar desorganização do colágeno (c) (TG. 40x).

Ao fazer a comparação estatística entre grupos com sete dias de pós-operatório não houve diferença significativa (p≤ 0,05). Porém, ao compararem-se os animais com 30 dias, constatou-se uma maior reação inflamatória do grupo controle operado (GC+30) em relação ao grupo que recebeu medicação sistêmica (GS30) (tabela 1).

Tabela 1
Graduação da morfologia celular encontrada na cartilagem articular dos grupos

Em adição, constatou-se que também ocorreu mudança na reação inflamatória significativa (p ≤ 0,05) na comparação dos coelhos que receberam meloxicam sistêmica e que passaram por um pós-operatório de sete dias (GS7) em relação aos animais submetidos a um pós-operatório de 30 dias (GS30).

Na comparação da morfologia celular, ocorreu significativa alteração quando comparados os coelhos que receberam meloxicam sistêmica e que passaram por um pós-operatório de sete dias (GS7) em relação aos animais submetidos a um pós-operatório de 30 dias (GS30) (tabela 2).

Tabela 2
Graduação da reação inflamatória encontrada na articulação dos grupos

Discussão

Este estudo tem por característica ter sido conduzido com o uso da via intra-articular em um modelo de osteoartrite experimental em coelhos, por meio da trocleoplastia por abrasão cartilaginosa, por tratar-se de uma via com poucos relatos na medicina veterinária.

Na avaliação histopatológica do sulco troclear, notou-se que no grupo GC + 7 a cartilagem hialina da superfície articular foi substituída por um tecido conjuntivo de estrutura delicada, rico em fibroblastos, com deposição de colágeno imaturo, do tipo III, e numerosos vasos sanguíneos, com presença de reação inflamatória de leve a moderada. O que confirma o fato de que a cartilagem articular perde sua natureza homogêneaeérompida e fragmentada, com fibrilação. Nesse sentido, Silva15 também descreve a presença de tecido intensamente vascularizado, com alto conteúdo celular e tecido conjuntivo denso cobrindo a área do sulco troclear lesionada. Corroborando Souza et al.,16 foi observada na avaliação macroscópica a presença de irregularidades e áreas avermelhadas nas bordas da lesão, que confirmam que o tecido articular é avascular e a reação inflamatória mediada por vasos sanguíneos inicia-se no tecido subjacente. A coloração histoquímica da matriz para proteoglicanosé desigual e a linha de separação entre a cartilagem calcificada e a zona radial é invadida por capilares.5 Por isso deve-se ressaltar que o osso subcondral foi acessado no procedimento de trocleoplastia, fonte primária para o desenvolvimento de tal resposta. Dessa forma, as células promotoras tiveram acessoà lesão e proporcionaram a formação de tecido composto por fibrocartilagem. O achado reflete uma reparação tecidual inadequada, uma vez que a expressão de colágenos I e III normalmente não se encontra presente no tecido cartilaginoso, como também observado por Velosa et al.1717. Velosa APP, Oliveira AM, Carrasco S, Capelozzi VL, Teodoro WR, Yoshinari NH. Meniscectomia parcial como modelo experimental de osteoartrite em coelhos e efeito protetor do difosfato de cloroquina. Rev Bras Reumatol. 2007;47(6): 401 -10. e Rossi.1818. Rossi E. Envelhecimento do sistema osteoarticular. Einstein. 2008;6(1):S7 -12.

A fibrocartilagem ou cartilagem fibrosa é um tecido de transição e apresenta propriedades, funcionais e estruturais, entre o tecido conjuntivo denso e a cartilagem hialina. Como citado por Ghivizzani et al.1919. Ghivizzani SC, Oligino TJ, Robbins PD, Evans CH. Cartilage injury and repair. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2000;11(2):289 -307. e Oliveira,1313. Oliveira BJNA. Enxerto osteocondral alógeno, associado à inoculação de células mononucleares da medula óssea e proteína morfogenética óssea no reparo do sulco troclear de coelhos. [dissertação]. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia Faculdade de Medicina Veterinária; 2008. a fibrocartilagem, embora resistente a tensões, caracteriza-se pela presença de colágeno I. Portanto, a formação de fibrocartilagem observada é indesejada, por alterar as propriedades estruturais e biomecânicas da articulação.

Embora o crescimento desse tipo de tecido também tenha sido encontrado em alguns animais dos grupos que passaram por intervenção cirúrgica (GS7 e GIA7), o que mais chamou a atenção foi que em dois animais do grupo GS7 (2/5, 40%) e em três animais do GIA7 (3/5, 60%) além de não terem sido encontradas células inflamatórias, o local apresentava microscopicamente apenas áreas com ausência de tecido cicatricial na área da trocleoplastia, sem sinais de reparo do tecido, macroscopicamente observadas como áreas irregulares e tecidos esbranquiçados. Isso leva à conclusão de que, independentemente da via de administração, a presença do anti-inflamatório bloqueou a metabolização do ácido araquidônico pela via da COX-2 e impediu a produção de prostaglandinas e seus metabólitos inflamatórios, consequentemente, na reparação tecidual, como também foi verificado em experimento de Marchionni et al.2020. Marchionni AMT, Pagnoncelli RM, Reis SR. A Influência do meloxicam e da dexametasona no processo inflamatório e no reparo tecidual. Rev Odonto Ciênc. 2006;21(51):22 -9.

As integrinas, que constituem uma das principais famílias de receptores de superfície celular, participam da migração dos neutrófilos pela ligação dessas células à parede dos vasos,

o que possibilita sua diapedese. Porém, como as integrinas são inibidas pela ação dos medicamentos derivados dos oxicans, há redução de células polimorfonucleares, evidentes na presente investigação, o que confirma o que a literatura diz sobre o meloxicam ser um anti-inflamatório não esteroide preferencialmente seletivo para a COX-2 e demonstra sua capacidade de inibir a inflamação na fase aguda.2020. Marchionni AMT, Pagnoncelli RM, Reis SR. A Influência do meloxicam e da dexametasona no processo inflamatório e no reparo tecidual. Rev Odonto Ciênc. 2006;21(51):22 -9.

Essas células são responsáveis pela absorção da fibrina do coágulo, sintetizam fatores de crescimento que são quimiotáticos e mitogênicos para as células endoteliais presentes na periferia da lesão e promovem migração e formaçãodenovos vasos. Por isso a diminuição desses fatores de crescimento diminui também o reparo celular, uma vez que o processo de cicatrização necessita passar inicialmente pela fase de inflamação, para que o tecido necrosado seja fagocitado e fibroblastos sejam recrutados para iniciar a cascata de cicatrização, para então passar pelas fases de proliferação, diferenciação e maturação tecidual.2121. Lin TW, Cardenas L, Soslowsky LJ. Biomechanics of tendon injury and repair. J Biomech. 2007;37(6):865-77. , 2222. Iamaguti LS, Brandão CVS. Uso de membrana biossintética a base de celulose na regeneração tecidual guiada. Semina: Ciências Agrárias, Londrina. 2007;28(4):701-8.

Na mesma análise, porém agora dos animais submetidos a 30 dias de pós-operatório, não houve diferença significativa estatística entre os grupos operados em relação ao controle positivo (GC+30), quando comparado à reparação tecidual, uma vez que em grande parte dos animais dos grupos GC + 30, GS320, GIA30 observou-se a presença de grande quantidade de cartilagem hialina e pouca fibrocartilagem, embora ainda apresentassem desorganização do colágeno corada pelo tricrômico. Mas com significativa diferença entre grupo medicado e controle positivo quanto à reação inflamatória, pois a celularidade observada na histologia dos animais medicados encontrava-se visivelmente menor.

Sabe-se que a cartilagem articular é um tecido esparsamente celular, cujas características bioquímicas refletem principalmente a composição da matriz extracelular. Essa é formada por colágeno tipo II e proteoglicanos, esse responsável pela rigidez e pela elasticidade do tecido. Macroscopicamente é um tecido liso e brilhante.55. Rezende MA, Gobbi RG. Tratamento medicamentoso da osteoartrose do joelho: drogas modificadoras da doença. Rev Bras Ortop. 2009;44(1):14 -9. Observações que puderam ser feitas na avaliação da macroscopia e da microscopia da lesão. Tais achados demonstram que o uso do anti-inflamatório, em longo prazo, permitiu um bom reparo da cartilagem sem que houvesse diferença significativa entre o grupo controle ou entre os de via sistêmica e intra-articular, porém sem que uma reação inflamatória continuasse existente.

Na medida em que as prostaglandinas inflamatórias estão presentes em menores concentrações, o aumento da permeabilidade vasculareaagressão tecidual que esses mediadores provocam são minimizados pela ação do medicamento. Essa atuação, portanto, favorece a fibrogênese e torna a matriz extracelular dos animais submetida à ação do meloxicam mais rica de células e organizada em fibras colágenas no local da lesão.2020. Marchionni AMT, Pagnoncelli RM, Reis SR. A Influência do meloxicam e da dexametasona no processo inflamatório e no reparo tecidual. Rev Odonto Ciênc. 2006;21(51):22 -9.

Com a união dos dados dos grupos e dos períodos estudados, a análise das variáveis relativas à inflamação aguda e crônica e ao reparo, nos quatro grupos estudados, evidenciouse que houve controle da reação inflamatória aguda (sete dias de pós-operatório) pelo meloxicam, independentemente da via de administração. Após 30 dias de pós-operatório, esse controle da reação inflamatória foi mantido, o que permitiu de forma satisfatória a reparação do tecido cartilaginoso da articulação fêmoro-tíbio-patelar.

Sabe-se que muitos pacientes submetidos a cirurgias articulares podem necessitar de uso prolongado de antiinflamatórios, porém seu uso por via sistêmica, mesmo na dose terapêutica, pode levar a reações adversas como hepatotoxicidade e principalmente distúrbios gastrointestinais, como descrito por Alencar et al.2323. Alencar MMA, Pinto MT, Oliveira DM, Pessoa AWP, Cândido IA, Virgínio CG, et al. Margem de segurança do meloxicam em cães: efeitos deletérios nas células sanguíneas e trato gastrintestinal. Ciênc Rural. 2003;33(3):525-32.

Uma única aplicação de meloxicam via intra-articular obteve resultado semelhante ao encontrado via sistêmica, por isso sugere-se seu uso racional como forma de pós-operatório imediato para cirurgias articulares.

Conclusão

Pela avaliação dos resultados obtidos no modelo experimental desta pesquisa, por meio de exames macroscópicos e histopatológicos, é possível concluir que o meloxicam é eficaz no controle do processo inflamatório articular, tanto por via sistêmica quanto por via articular, e permite remodelamento cartilaginoso, em modelo experimental, em coelho. Com isso, o trabalho contribui para o avanço do conhecimento e per-mite vários novos questionamentos e novas propostas de um tratamento anti-inflamatório local.

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  • Trabalho realizado na União Pioneira de Integração Social, Brasília, DF, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2013

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2013
  • Aceito
    02 Maio 2013
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