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Footprint do tendão do peitoral maior: estudo anatômico Trabalho realizado no Centro de Traumatologia do Esporte, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP, Brasil.

Resumos

Objetivo:

Estudar a inserção do tendão do peitoral maior no úmero, por meio do conhecimento de suas dimensões nos planos coronal e sagital.

Métodos:

Foram dissecados 20 ombros de dez cadáveres frescos (cinco homens e cinco mulheres). Todos os cadáveres encontravam-se em bom estado, sem cicatrizes ou sinais de trauma prévios. Fez-se o estudo por meio da via deltopeitoral estendida e foi identificada e isolada a inserção do tendão do peitoral maior no úmero. Mensuraram-se as dimensões do footprint por meio das aferições com um paquímetro milimetrado, de seus limites de proximal para distal e medial para lateral. Foi aferida a distância da borda superior do tendão do peitoral maior ao ápice da cabeça umeral.

Resultados:

Em todos os cadáveres o peitoral maior apresentou uma inserção única. O comprimento médio de proximal para distal foi de 80,8 mm (70-90) e de lateral para medial de 6,1mm (5-7). Já a distância média do ápice do tendão do peitoral maior ao ápice da cabeça umeral foi de 59,3 mm (55-64).

Conclusões:

O tendão do músculo peitoral maior apresenta inserção laminar. O footprint tem a altura e a largura média de 80,8 mm e 6,1 mm, respectivamente.

Músculos peitorais/cirurgia ; Músculos peitorais/anatomia e histologia ; Cadáver


Objective:

To study the insertion of the pectoralis major tendon to the humerus, through knowledge of its dimensions in the coronal and sagittal planes.

Methods:

Twenty shoulders from 10 cadavers were dissected and the pectoralis major tendon insertion on the humerus was identified and isolated. The dimensions of its "footprint" (proximal to distal and medial to lateral borders) and the distance from the top edge of the pectoralis major tendon to apex of the humeral head structures were measured.

Results:

The average proximal to distal border length was 80.8 mm (range: 70 -90) and the medial-to-lateral border length was 6.1 mm (5 -7). The average distance (and range) from the apex of the pectoralis major tendon to the humeral head was 59.3 mm.

Conclusions:

We demonstrate that the insertion of the pectoralis major tendon is laminar, and the pectoralis major tendon has an average footprint height and width of 80.8 mm and 6.1 mm, respectively.

Pectoralis muscles/surgery; Pectoralis/anatomy & histology; Cadaver


Introdução

A lesão do músculo peitoral maior é uma lesão pouco frequente,11. White DW, Wenke JC, Mosely DS, Mountcastle SB, Basamania CJ. Incidence of major tendon ruptures and anterior cruciate ligament tears in US Army soldiers. Am J Sports Med. 2007;35(8):1308 -14. com aproximadamente 200 casos reportados na literatura, desde sua descrição em 1822 por Patissier.22. Kakwani RG, Matthews JJ, Kumar KM, Pimpalnerkar A, Mohtadi N. Rupture of the pectoralis major muscle: surgical treatment in athletes. Int Orthop. 2007;31(2):159 -63.

Acomete com maior frequência pacientes jovens e ativos, especialmente levantadores de peso durante a prática do supino.33. Pochini AC, Ejnisman B, Andreoli CV, Monteiro GC, Fleury AM, Faloppa F, et al. Exact moment of tendon of pectoralis major muscle rupture captured on video. Br J Sports Med. 2007;41(9):618 -9. , 44. Provencher MT, Handfield K, Boniquit NT, Reiff SN, Sekiya JK, Romeo AA. Injuries to the pectoralis major muscle: diagnosis and management. Am J Sports Med. 2010;38(8):1693 -705. A ruptura do tendão do músculo peitoral maior é de indicação cirúrgica em atletas e o reparo primário dessas lesões tem sido tipicamente feito por meio de âncoras ou túneis ósseos.55. Hart ND, Lindsey DP, McAdams TR. Pectoralis major tendon rupture: a biomechanical analysis of repair techniques. J Orthop Res. 2011;29(11):1783 -7. Entretanto, a colocação do tendão rompido na sua posição anatômica pode ser difícil, por requerer uma acurada identificação de sua inserção no úmero. Na ausência de fibras residuais em sua inserção, o tratamento cirúrgico necessita do conhecimento de suas relações anatômicas na extremidade proximal do úmero.66. Carey P, Owens BD. Insertional footprint anatomy of the pectoralis major tendon. Orthopedics. 2010;33(1):23.

O presente estudo teve como objetivo descrever a inserção do tendão do músculo peitoral e aferir seus limites, para se obter um correto parâmetro em seu tratamento.

Metodologia

O estudo anatômico foi feito no Serviço de Verificação de Óbitos do Hospital das Clínicas de São Paulo após aprovação de seu comitê diretor. Foram dissecados 20 ombros de dez cadáveres frescos (cinco homens e cinco mulheres) com idade média de 65,4 anos (51 a 75 anos). Todos os cadáveres encontravam-se em bom estado, sem cicatrizes ou sinais de trauma prévios.

Mensuraram-se as suas dimensões por meio das aferições com um paquímetro milimetrado, de seus limites de proximal para distal e medial para lateral (figs. 1-6).

Figura 1
Instrumento utilizado para posicionamento do cadáver.

Figura 2
Cadáver em posição de cadeira de praia para dissecação.

Figura 3
Via deltopeitoral sendo feita e a inserção do tendão do peitoral maior identificada e isolada.

Figura 4
Via deltopeitoral sendo feita e a inserção do tendão do peitoral maior identificada e isolada.

Figura 5
Via deltopeitoral sendo feita e a inserção do tendão do peitoral maior identificada e isolada.

Figura 6
Footprint do tendão do peitoral sendo mensurado por meio de um paquímetro milimetrado.

Logo após, com o membro superior em rotação neutra e em extensão de 45 graus, foi identificada e aferida a distância da borda superior do tendão do peitoral no úmero - ao ápice da cabeça umeral sobre o tendão do músculo supraespinhoso (fig. 7).

Figura 7
Desenho que ilustra como os dados foram aferidos.

A análise estatística foi feita pelos testes de correlação de Pearson e estabeleceu-se o nível de significância de p < 0,01, por meio do software SPSS 17.0.

Resultados

O comprimento médio de proximal para distal foi de 80,8 mm (70-90) e de lateral para medial de 6,1 mm (5-7). Já a distância média da borda superior do tendão do peitoral maior ao ápice dacabeça umeral foi de59,3mm (55-64) (tabela1).

Tabela 1
Medidas resumo (média, desvio padrão, mediana, mínimo e máximo)

Em todos os cadáveres dissecados o footprint do tendão do músculo peitoral maior ocorreu justalateralmente à cabeça longa do bíceps e sua inserção laminar foi composta de uma única camada. Como relação anatômica, importante como parâmetro em procedimentos cirúrgicos, pôde-se constatar que a altura do footprint do tendão do músculo peitoral maior é cerca de 1,36 vez maior do que a distância da borda superior do footprint ao ápice da cabeça do úmero (tabela 2 e fig. 8).

Tabela 2
Regressão linear simples para estimar a relação existente entre a altura do footprint e a distância da borda superior da inserção do peitoral maior e o ápice da cabeça umeral

Figura 8
Regressão linear da altura do footprint do peitoral maior e sua distância entre o ápice da cabeça do úmero.

Discussão

O músculo peitoral maior (PM) tem uma ampla localização na parede anterior do tórax e apresenta como funções basicamente a de adutor e rotator medial do ombro.44. Provencher MT, Handfield K, Boniquit NT, Reiff SN, Sekiya JK, Romeo AA. Injuries to the pectoralis major muscle: diagnosis and management. Am J Sports Med. 2010;38(8):1693 -705. , 66. Carey P, Owens BD. Insertional footprint anatomy of the pectoralis major tendon. Orthopedics. 2010;33(1):23. , 77. Fung L, Wong B, Ravichandiran K, Agur A, Rindlisbacher T, Elmaraghy A. Three-dimensional study of pectoralis major muscle and tendon architecture. Clin Anat. 2009;22(4):500 -8.

É tradicionalmente dividido em duas porções, clavicular e esternal (Warwick e Williams, 1973). Entretanto, existem poucas descrições na literatura a respeito de sua anatomia cirúrgica.66. Carey P, Owens BD. Insertional footprint anatomy of the pectoralis major tendon. Orthopedics. 2010;33(1):23.

Utlimamente, a lesão e seu tratamento cirúrgico são cada vez mais frequentes. Em estudo prospectivo, publicado em 2009, foi descrita a lesão em 20 pacientes.88. Pochini AC, Ejnisman B, Andreoli CV, Monteiro GC, Silva AC, Cohen M, et al. Pectoralis major muscle rupture in athletes: a prospective study. Am J Sports Med. 2010;38(1):92 -8. Entretanto, estudo posterior descreveu não haver diferenças significativas em relação à força, avaliada por meio de estudo isocinético entre os tratamentos cirúrgico e não cirúrgico.99. Fleury AM, Silva AC, Pochini A, Ejnisman B, Lira CA, Andrade MS. Isokinetic muscle assessment after treatment of pectoralis major muscle rupture using surgical or non-surgical procedures. Clinics (Sao Paulo). 2011;66(2):313 -20.

As dificuldades encontradas no tratamento cirúrgico desses pacientes, especialmente quando há retração do coto medial e na ausência de fibras insercionais, motivaram a feitura deste estudo anatômico.

Fung et al., em 2009, descreveram separadamente duas camadas (anterior e posterior) que se inseriam no úmero, com 66 mm e 77 mm de comprimento de proximal para distal.77. Fung L, Wong B, Ravichandiran K, Agur A, Rindlisbacher T, Elmaraghy A. Three-dimensional study of pectoralis major muscle and tendon architecture. Clin Anat. 2009;22(4):500 -8. Entretanto, concordamos com Carey e Owens,66. Carey P, Owens BD. Insertional footprint anatomy of the pectoralis major tendon. Orthopedics. 2010;33(1):23. que, em 2010, descreveram não ser possível diferenciar essas camadas em sua região insercional no úmero. Esses autores encontraram, na dissecação de 12 ombros de cadáveres frescos, a média de comprimento de proximal para distal de 72 mm. Além dessa medida, obtiveram 42 mm como média do ápice da borda superior à borda súpero medial do tubérculo maior.

Conforme os resultados descritos acima, podemos concluir que a inserção do tendão do peitoral maior no úmero é feita por meio de uma estreita camada (aproximadamente 6 mm de média), na qual não se pode distinguir em anterior e posterior, que se localiza justalateralmente à cabeça longa do bíceps. Dessa maneira, discordamos de Fung et al.77. Fung L, Wong B, Ravichandiran K, Agur A, Rindlisbacher T, Elmaraghy A. Three-dimensional study of pectoralis major muscle and tendon architecture. Clin Anat. 2009;22(4):500 -8. e Wolfe et al.,1010. Wolfe SW, Wickiewicz TL, Cavanaugh JT. Ruptures of the pectoralis major muscle. An anatomic and clinical analysis. Am J Sports Med. 1992;20(5):587 -93. que descrevem duas e três camadas, respectivamente.

Tomando-se como base a largura insercional do footprint do tendão do peitoral maior, a medida média de 6 mm pode sugerir que seu reparo anatômico pode ser feito com o uso de uma única fileira de âncoras de 5 a 5,5 mm (fig. 9). Desenho esquemático da inserção do peitoral maior mostra o restabelecimento de sua inserção pelo uso de uma fileira de âncoras.

Figura 9
Desenho que demonstra a restauração do footprint sendo possível por meio de uma fileira única de âncoras.

Como ponto fraco deste estudo acreditamos que foi feito com uma população com faixa etária mais elevada do que a encontrada em pacientes que normalmente são portadores dessa lesão.

Porém, como ponto forte podemos destacar os parâmetros no tratamento cirúrgico e a correlação anatômica com alto nível de significância (p < 0,01) entre a altura do footprint com a distância da borda superior da inserção do tendão do peitoral maior com o ápice da cabeça umeral. A relação descrita acima é um importante parâmetro a ser seguido durante o reparo da lesão, principalmente em casos crônicos, nos quais não há a presença de fibras insercionais. Acreditamos também que este estudo fornece dados importantes não só para o reparo da lesão do peitoral maior, mas para diversas cirurgias do ombro, como artroplastias, fixação de fraturas e transferências musculares.

Conclusões

O tendão do músculo peitoral maior apresenta uma única inserção laminar no úmero no sentido crânio-caudal, com média de 80,8mm (variação de 70 a 90mm) e estreita largura, com médiade 6,1mm(variaçãode5a7mm).

Pode ser usada durante o tratamento cirúrgico a referência de que a altura do footprint do peitoral maior é 1,36 vez maior (36%) do que a distância da borda superior ao ápice da cabeça umeral.

REFERENCES

  • 1
    White DW, Wenke JC, Mosely DS, Mountcastle SB, Basamania CJ. Incidence of major tendon ruptures and anterior cruciate ligament tears in US Army soldiers. Am J Sports Med. 2007;35(8):1308 -14.
  • 2
    Kakwani RG, Matthews JJ, Kumar KM, Pimpalnerkar A, Mohtadi N. Rupture of the pectoralis major muscle: surgical treatment in athletes. Int Orthop. 2007;31(2):159 -63.
  • 3
    Pochini AC, Ejnisman B, Andreoli CV, Monteiro GC, Fleury AM, Faloppa F, et al. Exact moment of tendon of pectoralis major muscle rupture captured on video. Br J Sports Med. 2007;41(9):618 -9.
  • 4
    Provencher MT, Handfield K, Boniquit NT, Reiff SN, Sekiya JK, Romeo AA. Injuries to the pectoralis major muscle: diagnosis and management. Am J Sports Med. 2010;38(8):1693 -705.
  • 5
    Hart ND, Lindsey DP, McAdams TR. Pectoralis major tendon rupture: a biomechanical analysis of repair techniques. J Orthop Res. 2011;29(11):1783 -7.
  • 6
    Carey P, Owens BD. Insertional footprint anatomy of the pectoralis major tendon. Orthopedics. 2010;33(1):23.
  • 7
    Fung L, Wong B, Ravichandiran K, Agur A, Rindlisbacher T, Elmaraghy A. Three-dimensional study of pectoralis major muscle and tendon architecture. Clin Anat. 2009;22(4):500 -8.
  • 8
    Pochini AC, Ejnisman B, Andreoli CV, Monteiro GC, Silva AC, Cohen M, et al. Pectoralis major muscle rupture in athletes: a prospective study. Am J Sports Med. 2010;38(1):92 -8.
  • 9
    Fleury AM, Silva AC, Pochini A, Ejnisman B, Lira CA, Andrade MS. Isokinetic muscle assessment after treatment of pectoralis major muscle rupture using surgical or non-surgical procedures. Clinics (Sao Paulo). 2011;66(2):313 -20.
  • 10
    Wolfe SW, Wickiewicz TL, Cavanaugh JT. Ruptures of the pectoralis major muscle. An anatomic and clinical analysis. Am J Sports Med. 1992;20(5):587 -93.
  • Trabalho realizado no Centro de Traumatologia do Esporte, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2013

Histórico

  • Recebido
    27 Jun 2012
  • Aceito
    08 Fev 2013
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