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Não há consenso que supere o bom senso

Imaginar que será possível em algum momento termos a solução para algum problema ortopédico ou traumatológico baseada em algum manual ou bula terapêutica é um antigo sonho.

Os clássicos protocolos que são usados com frequência em oncologia, por exemplo, ainda não são acessíveis para nossa especialidade e na minha opinião nunca o serão.

A diversidade de variáveis que envolvem a ortopedia e mais ainda a traumatologia torna praticamente impossível estabelecermos padrões para as nossas condutas terapêuticas.

A medicina baseada em evidência, sonho daqueles que veem a prática médica como custo ou problema administrativo, esteve muito em moda, mas agora está sendo considerada em seu patamar aceitável é muito difícil de ser aplicada na nossa especialidade. Quando muito, as sugestões de condutas poderão ser consideradas.

Diversos são os exemplos de mudanças de rumo radicais em condutas que visam à busca dos melhores resultados.

Na cirurgia do joelho há anos a instabilidade anterior inicialmente não era reconstruída, pois se acreditava que "um bom reforço muscular" seria suficiente para trazer estabilidade. A prática demonstrou que a solicitação na atividade esportiva levava a vários episódios de falseio do joelho, então surgiu a reconstrução intra-articular do ligamento cruzado anterior (LCA). Os resultados cirúrgicos não eram satisfatórios, com limitação articular importante, então a reconstrução intra-articular foi prescrita e a prática com tensionamento das estruturas ligamentares extra-articulares passou a ser a grande indicação.

Os resultados em longo prazo demonstraram que essas técnicas eram insuficientes para a estabilidade e a prevenção da artrose do joelho. Com a melhoria dos programas de reabilitação e da técnica cirúrgica (advento da artroscopia), as técnicas de reconstrução isolada do LCA ressurgiram e tornaram-se o assunto mais citado em publicações ortopédicas durante anos. Hoje, com a análise da evolução dos pacientes submetidos à reconstrução do LCA, observou-se que embora a técnica traga estabilidade satisfatória, não previne a evolução para artrose. A tendência atual é reconstruir o LCA e fazer o reforço extra-articular com o uso, provavelmente, do ligamento anterolateral, uma estrutura ligamentar recém-descrita na RBO 2013;48(4):368-79.

Tudo isso ocorreu em 40 anos.

Na traumatologia, para não ser muito cansativo, vamos nos lembrar da sequência: haste intramedular > placas com estabilidade absoluta > hastes travadas > placas ponte.

A diferença de exposição cirúrgica de uma síntese com estabilidade absoluta para uma placa ponte ou para uma haste travada é enorme.

Havia erro na ocasião dessas condutas? É obvio que não. Fazíamos o que acreditávamos que fosse o melhor, baseados em trabalhos e análises feitas na época. Essas eram evidencias confiáveis.

A evolução tecnológica, as maiores exigências dos pacientes e os novos meios de diagnósticos trouxeram novos conhecimentos (que ocorrem até na área anatômica), tornaram as condutas terapêuticas ágeis e dinâmicas e não permitem uma posição estanque e definitiva na ortopedia.

Podemos melhorar a nossa avaliação com a ampliação dos períodos de seguimento, do número de indivíduos da pesquisa e do número de trabalhos considerados. A informática é uma grande aliada nessas avaliações e permite associações que eram praticamente impossíveis.

A metanálise é uma ferramenta interessante e sempre que possível deve ser considerada para avaliação de condutas em um determinado momento.

Hoje está em voga o consenso. Reúne-se um grande número de especialistas que irão responder as mesmas perguntas sobre um determinado assunto e estabelecer uma opinião que satisfaz a maioria dos participantes: um consenso.

Colocamos no site da RBO (www.rbo.org.br) um consenso sobre infecção em próteses de quadril e joelho - Proceedings of the International Consensus Meeting on Periprostetic Joint Infection -, resultado de um encontro promovido nos Estados Unidos com a presença de especialistas, incluindo colegas brasileiros. Esse consenso foi coordenado por Javad Parvizi e Thorsten Gehhrke e traduzido pelos doutores Luiz Sérgio Marcelino Gomes, Marco Aurélio Telöken, Nelson Keiske Ono e Pedro Ivo de Carvalho, que gentilmente cederam a tradução para a ortopedia brasileira.

Esse consenso responde várias perguntas sobre esse grave problema da ortopedia e nos dá uma posição do momento atual da abordagem das infecções periprostéticas. Temos certeza de que será muito útil para os nossos sócios.

Acreditamos que mesmo com publicações dessa qualidade nada haverá que supere a grande arma do médico - o bom senso -, que o ajudará a analisar o que de novo merece ser usado e o que de antigo deve ser preservado.

Não há consenso que supere o bom senso.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-June 2014

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2014
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