Resumos
Os paragangliomas são tumores neuroendócrinos raros com origem em células especializadas derivadas da crista neural, acometendo a região da carótida ou jugulotimpânica. São raros dentro do canal vertebral, e quando ocorrem são normalmente encontrados no compartimento intradural e extramedular da região lombossacra. Este relato apresenta o caso de um paciente de 26 anos, sexo masculino, com diagnóstico de fratura patológica da coluna torácica (T10), secundária a paraganglioma, causando lesão medular completa. Foi realizado tratamento cirúrgico no Hospital Geral do Estado da Bahia, que apresentou sangramento excessivo como complicação que indicou necessidade de embolização prévia. Com isso, os autores recomendam cautela ao avaliar e tratar esta rara lesão causadora de déficit neurológico, cujo planejamento cirúrgico deve ser criterioso a fim de evitar complicações catastróficas.
Paraganglioma; Neoplasias da Coluna Vertebral; Compressão da Medula Espinal
Paragangliomas are rare neuroendocrine tumors that originate in specialized cells derived from neural crest cells, affecting the region of the carotid or jugular-tympanic artery. They are rare within the spinal canal and, when they occur, they are normally found in the extramedullary intradural compartment of the lumbosacral region. This report presents the case of a 26-year-old male patient who was diagnosed with pathological fracture of the thoracic spine (T10), secondary to paraganglioma, thus causing complete spinal cord injury. Surgical treatment was performed at the General Hospital of the State of Bahia and the complication of excessive bleeding occurred, which indicated that there had been a need for prior embolization. Because of this, the authors recommend caution when evaluating and treating this rare lesion that causes neurological deficits, with careful surgical planning in order to catastrophic complications.
Paraganglioma; Spinal Neoplasms; Spinal Cord Compression
RELATO DE CASO
Paraganglioma na coluna vertebral: relato de caso
Maurício Santos GusmãoI; Eduardo Gil França GomesII; Rony Brito FernandesIII; Djalma Castro de Amorim JuniorII; Marcus Thadeu Venâncio SimõesIV; Joilda Fontes GomesV; Jayme Batista FreireVI; Marcos Almeida MatosVII; Joseph AzulayVIII
IOrtopedista Especialista em Cirurgia da Coluna Vertebral; Médico Assistente do Serviço do TRM do Hospital Geral do Estado; Coordenador e Preceptor do R4 da Coluna Vertebral da Santa Casa de Misericórdia da Bahia - Salvador, BA, Brasil
IIOrtopedista Especialista em Cirurgia da Coluna Vertebral; Médico Assistente do Serviço do TRM do Hospital Geral do Estado e Preceptor do R4 da Coluna Vertebral do Hospital da Santa Casa de Misericórdia da Bahia - Salvador, BA, Brasil
IIIMédico Residente (R4) em Cirurgia da Coluna Vertebral do Hospital Geral do Estado e Hospital da Santa Casa de Misericórdia da Bahia - Salvador, BA, Brasil
IVOrtopedista Especialista em Cirurgia da Coluna Vertebral; Médico Assistente do Serviço do TRM do Hospital Geral do Estado - Salvador, BA, Brasil
VOrtopedista Especializada em Cirurgia da Coluna Vertebral; Médica Assistente do Serviço do TRM do Hospital Geral do Estado - Salvador, BA, Brasil
VIOrtopedista Especialista em Cirurgia da Coluna Vertebral; Chefe do Serviço do TRM do Hospital Geral do Estado - Salvador, BA, Brasil
VIIOrtopedista Especializado em Ortopedia Pediátrica; Professor Adjunto Doutor da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública e Coordenador da Residência Médica de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa da Misericórdia da Bahia -Salvador, BA, Brasil
VIIIMédico Ortopedista e Traumatologista do Serviço do TRM do Hospital Geral do Estado - Salvador, BA, Brasil
Correspondência Correspondência: Rony Brito Fernandes Rua João Bião de Cerqueira, 251, ap. 901, bloco A, bairro Pituba 41830-53 - Salvador, BA E-mail: ronybritofernandes@hotmail.com
RESUMO
Os paragangliomas são tumores neuroendócrinos raros com origem em células especializadas derivadas da crista neural, acometendo a região da carótida ou jugulotimpânica. São raros dentro do canal vertebral, e quando ocorrem são normalmente encontrados no compartimento intradural e extramedular da região lombossacra. Este relato apresenta o caso de um paciente de 26 anos, sexo masculino, com diagnóstico de fratura patológica da coluna torácica (T10), secundária a paraganglioma, causando lesão medular completa. Foi realizado tratamento cirúrgico no Hospital Geral do Estado da Bahia, que apresentou sangramento excessivo como complicação que indicou necessidade de embolização prévia. Com isso, os autores recomendam cautela ao avaliar e tratar esta rara lesão causadora de déficit neurológico, cujo planejamento cirúrgico deve ser criterioso a fim de evitar complicações catastróficas.
Descritores: Paraganglioma; Neoplasias da Coluna Vertebral; Compressão da Medula Espinal
INTRODUÇÃO
Os paragangliomas surgidos dentro do canal vertebral são raros, e, quando ocorrem, são normalmente encontrados no compartimento intradural extramedular da região lombossacra. Sua localização na região torácica é muito rara, sendo descritos até o momento apenas cinco casos(1-3).
Os paragangliomas foram descritos pela primeira vez por Alfred Kohn, em 1903. Essas lesões são neoplasias neuroendócrinas raras com origem em células especializadas derivadas da crista neural, extremamente vascularizadas, contíguas a tecidos integrados em funções autonômicas. São mais frequentes na região da carótida ou jugulotimpânicos, cerca de 80% a 90% dos casos, mas podem se desenvolver em qualquer lugar onde existam células cromafins, desde a base do crânio até a bexiga(1,2).
Os feocromocitomas são tumores originários das células cromafins, que são células especializadas não epiteliais da crista neural associadas aos gânglios simpáticos na vida fetal. Após o nascimento, a maioria destas células se degenera e os maiores números de células cromafins residuais permanecem na medula adrenal(3,4-8).
O objetivo deste estudo é descrever um caso raro de paraganglioma da coluna torácica, realizando também revisão da literatura sobre o tema.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo masculino, 26 anos, casado, auxiliar de serviços gerais, natural e procedente da cidade de Salvador, no estado da Bahia, sem outras comorbidades. Procurou unidade de atendimento ortopédico ambulatorial em setembro de 2009 com queixa de dor insidiosa e difusa na região torácica, com diminuição progressiva da força muscular, e parestesia em membro inferior esquerdo. Foram solicitadas radiografias simples de coluna toracolombar que, segundo informações colhidas, não apresentavam alterações significativas. A despeito disso, neste momento o paciente foi orientado a procurar serviço médico especializado em cirurgia de coluna. Em dezembro de 2009, refere que sofreu queda da própria altura, cursando com piora da dor torácica e perda instantânea da força muscular em membros inferiores, não conseguindo mais deambular.
Deu entrada no Hospital Geral do Estado (HGE), de Salvador, BA, com queixa de dorsalgia intensa, apresentando, no exame físico, dor à palpação em nível de T9-T11. Ao exame neurológico, apresentava déficit motor e sensitivo em MMII, força muscular grau 0 em nível de T10, classificado na escala de Frankel como A. A radiografia simples da coluna torácica nas incidências em anteroposterior e perfil evidenciou osteólise associada a perda importante da altura do corpo vertebral de T10. Na ressonância magnética, apresentou, na sequência T1, destruição e hipersinal do corpo vertebral de T10, e hipersinal na sequência T2, com compressão medular importante causando edema (Figuras 1, 2, 3 e 4). Os exames laboratoriais estavam dentro dos padrões da normalidade. Neste momento foi diagnosticada fratura patológica de T10 com etiologia a esclarecer.
Foi realizado tratamento cirúrgico da fratura patológica de T10 no dia 5 de fevereiro de 2010, com planejamento de biópsia, ressecção tumoral associada à descompressão medular e estabilização com artrodese e instrumentação por via posterior de T8-T12. Entretanto, no intraoperatório, desde o acesso até a colocação dos primeiros parafusos pediculares, a tumoração se apresentou bastante vascularizada, ocorrendo hemorragia de difícil controle. Neste momento, em virtude dos riscos hemodinâmicos, a cirurgia planejada foi modificada, sendo realizada apenas hemostasia criteriosa, com envio de material para anatomia patológica e culturas.
Após estabilização clínica, o paciente foi transferido para o Hospital das Clínicas da Universidade Federal da Bahia para realização de embolização arterial do tumor pela equipe de cirurgia vascular, tendo obtido sucesso nesse procedimento.
A cultura foi negativa, e a anatomia patológica evidenciou células pequenas com núcleos irregulares redondos, com neurônios intercalados organizados em grandes grupos redondos compatíveis com paraganglioma (Figuras 5 e 6).
Após a elucidação diagnóstica, foi planejada, no dia 9 de abril de 2010, ressecção tumoral associada à descompressão e estabilização. Durante o procedimento e a despeito da embolização prévia, houve sangramento excessivo de difícil controle, obrigando a equipe cirúrgica a abortar a ressecção. Foi realizada apenas descompressão do canal medular através de laminectomia e estabilização com artrodese por via posterior T8-L1. Posteriormente foi encaminhado para tratamento oncológico em outra unidade hospitalar. (Figuras 7 e 8).
DISCUSSÃO
Paraganglioma é um tumor neuroendócrino raro, produtor de catecolaminas, com incidência de 80 a 90% no corpo carotídeo e tecido jugular. Trata-se de tumor altamente vascularizado, que pode acometer qualquer parte do corpo, inclusive a coluna. Na coluna vertebral, o segmento mais acometido é a região lombar, podendo, mais raramente, localizar-se na região torácica. O paciente acometido pode evoluir com fratura patológica e consequente compressão da medula espinhal. A maioria dos autores recomenda embolização pré-operatória sempre que houver diagnóstico deste tipo de lesão.
Há documentação científica de que cerca de 80% a 90% dos casos de paraganglioma surgem no corpo da carótida ou jugular, podendo ocorrer em outras localizações como a coluna torácica, apesar de ser raro nesta região. Quando ocorrem na coluna, os tumores são, na sua grande maioria, intradurais e localizados na cauda equina, com 80 casos documentados na literatura(9,10).
No estudo de Gelabert-González(1) sobre paraganglioma na região lombar, evidencia-se incidência maior no sexo masculino, idade de nove a 74 anos e manifestações insidiosas de lombociatalgia com compressão medular compatível com o caso relatado.
No relato de Jonh et al apud Gelabert-González(1), Constantini et al(2) e Cruz Ortiz et al(9), foram descritos seis casos de paraganglioma na coluna torácica, com quadro clínico de compressão medular e localização extradural, consistente com o nosso caso, em que o tumor se apresentou de forma insidiosa ao longo de vários meses. O importante grau de compressão medular em nosso caso indica que o tumor já estava presente anteriormente, com provável crescimento lento, por um período de vários meses até o momento do trauma, o que é semelhante aos casos apresentados anteriormente.
Achados de imagem na Ressonância Nuclear Magnética evidenciaram destruição do corpo vertebral de T10, com áreas de hipersinal em T2, sugestivos de edema ósseo e compressão da medula espinhal semelhante a outros casos publicados(1,3,9).
O paraganglioma é um tumor altamente vascularizado, inclusive dificultando a sua total ressecção cirúrgica, sendo descritos na literatura casos de recidiva quando não totalmente ressecado. No caso apresentado, foi suspensa a continuação da cirurgia devido ao risco de vida para o paciente por hipovolemia, após intensa hemorragia, com dificuldade técnica para ressecção da tumoração, que estava bastante vascularizada(1,3,9).
O caso apresentado fornece importantes indicações de conduta para os paragangliomas. Em primeiro lugar, reflete a necessidade de embolização prévia dessas lesões devido ao abundante sangramento intraoperatório que pode ocorrer. Em segundo lugar, adverte para a impossibilidade de ressecção total em muitos casos. Finalmente, deve-se acrescentar que o caso chama atenção para a busca de lesões incomuns ou mesmo raras toda vez que o cirurgião estiver diante de um quadro de déficit neurológico associado à fratura patológica.
Trabalho recebido para publicação: 23/05/2011, aceito para publicação: 06/06/2011
Os autores declaram inexistência de conflito de interesses na realização deste trabalho
Trabalho realizado no Grupo de TRM do Hospital Geral do Estado - Salvador, Bahia.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
20 Jul 2012 -
Data do Fascículo
Abr 2012
Histórico
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Recebido
23 Maio 2011 -
Aceito
06 Jun 2011