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Comorbidades, intercorrências clínicas e fatores associados à mortalidade em pacientes idosos internados por fratura de quadril Trabalho desenvolvido na Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Sorocaba, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Sorocaba, SP, Brasil.

RESUMO

Objetivo:

Analisar as comorbidades e as intercorrências clínicas e determinar os fatores associados à mortalidade de pacientes idosos internados por fratura de quadril em um hospital público de atenção terciária.

Métodos:

Neste estudo coorte retrospectivo, foram revisados 67 prontuários médicos de pacientes com idade igual ou maior que 65 anos, admitidos em nossa instituição por fratura de quadril, no período entre janeiro a dezembro de 2014. Foram avaliados os intervalos de tempo entre a fratura e admissão hospitalar e entre essa e o procedimento cirúrgico, o tempo total de internação, a presença de comorbidades, as intercorrências clínicas, o tipo de procedimento ortopédico adotado, o risco cirúrgico, o risco cardíaco e o desfecho de alta.

Resultados:

A média de idade foi de 77,6 anos, com predominância do sexo feminino (64,1%). A maioria dos pacientes (50,7%) tinha duas ou mais comorbidades. As principais intercorrências clínicas durante a internação foram distúrbios cognitivo-comportamentais e infecções respiratórias e do trato urinário. Os intervalos de tempo entre fratura e internação e entre essa e a cirurgia foram superiores a sete dias na maioria dos casos. A taxa de mortalidade durante a internação foi de 11,9% e esteve diretamente vinculada à presença de infecções no período hospitalar (p = 0,006), ao intervalo de tempo entre a internação e a cirurgia superior a sete dias (p = 0,005), ao escore de Goldman igual a III (p = 0,008) e à idade igual ou superior a 85 anos (p = 0,031).

Conclusão:

Pacientes com fraturas do quadril geralmente apresentam comorbidades, estão predispostos a intercorrências clínicas e têm uma taxa de mortalidade de 11,9%.

Palavras-chave:
Idosos; Fraturas do quadril; Cirurgia ortopédica

ABSTRACT

Objective:

To analyze comorbidities and clinical complications, and to determine the factors associated with mortality rates of elderly patients admitted with a hip fracture in a tertiary public hospital.

Methods:

Sixty-seven medical records were reviewed in a retrospective cohort study, including patients equal to or older than 65 years admitted to this institution for hip fracture between January 2014 and December 2014. The evaluated items constituted were the following: interval of time between fracture and hospital admission, time between admission and surgical procedure, comorbidities, clinical complications, type of orthopedic procedure, surgical risk, cardiac risk, and patient outcome.

Results:

The average patients' age in the sample was 77.6 years, with a predominance of the female gender. Most patients (50.7%) had two or more comorbidities. The main clinical complications during hospitalization included cognitive behavioral disorders, respiratory infection and of the urinary tract. The times between fracture and admission and between admission and surgery were more than seven days in most of cases. The mortality rate during hospitalization was 11.9%, and was directly connected to the presence of infections during hospital stay (p = 0.006), to time between admission and surgery longer than seven days (p = 0.005), to the Goldman Cardiac Risk Index class III (p = 0.008), and to age equal to or greater than 85 years (p = 0.031).

Conclusion:

Patients with hip fractures generally present comorbidities, are susceptible to clinical complications, and have an 11.9% mortality rate.

Keywords:
Elderly; Hip fractures; Orthopedic surgery

Introdução

Tem-se verificado, no contexto brasileiro e mundial, um aumento significativo na expectativa de vida da população, o que desencadeia maior prevalência de doenças crônicas e degenerativas. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população idosa hoje chega a aproximadamente 15 milhões e as estimativas para os próximos vinte anos indicam que poderá exceder trinta milhões de pessoas no fim desse período, quando representará quase 13% da população.11 Ferreira AC, Almeida DR, Campos WLL, Campos FMC, Tomazelli R, Romão DF. Incidência e caracterização de idosos na clínica ortopédica por fratura de fêmur. Cáceres MT. Rev Eletrôn Gestão Saúde. 2013;4(2):1932-41.

O equilíbrio e a marcha dependem de uma complexa interação entre as funções nervosas, osteomusculares, cardiovasculares e sensoriais, além da capacidade de adaptar-se rapidamente às mudanças ambientais e posturais. Com a idade, o controle de equilíbrio se altera, causa instabilidade na marcha, o que, associado à interação de vários fatores ambientais e do próprio indivíduo, pode resultar em queda.22 Muniz CF, Arnaut AC, Yoshida M. Caracterização dos idosos com fratura de fêmur proximal em hospital escola público. Rev Espaço Saúde. 2007;8(2):33-8.

De acordo com o Projeto Diretrizes da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, de 2008, aproximadamente 5% dos episódios de queda desencadeiam fraturas, sendo as mais comuns são as vertebrais, no fêmur, úmero, rádio distal e costelas. A fratura do fêmur pode ocorrer na região proximal, distal ou ainda na diáfise femoral; há, na maioria dos casos, consequências graves sobre a capacidade física e longevidade dos pacientes acometidos. Uma vez que o osso apresenta a capacidade de transmitir a carga durante a locomoção, com a fratura há perda da integridade estrutural óssea, o que compromete a eficácia do movimento.22 Muniz CF, Arnaut AC, Yoshida M. Caracterização dos idosos com fratura de fêmur proximal em hospital escola público. Rev Espaço Saúde. 2007;8(2):33-8.

Estima-se que uma em cada três mulheres e um em cada 12 homens irão sofrer esse tipo de fratura, que pode ser intertrocantérica ou do colo femural, sendo que 86% dos casos ocorrem em pessoas com 65 anos ou mais. Sabe-se ainda que pode haver uma redução de 15 a 20% na expectativa de vida dos indivíduos fraturados, visto que há um aumento de 4% ao ano no risco relativo de mortalidade nesses pacientes.33 Leibson CL, Tosteson AN, Gabriel SE, Ransom JE, Melton LJ. Mortality, disability, and nursing home use for persons with and without hip fracture: a population-based study. J Am Geriatr Soc. 2002;50(10):1644-50.,44 Silveira VAL, Medeiros MMC, Coelho-Filho JM, Mota RS, Noleto JCS, Costa FS, et al. Incidência de fratura do quadril em área urbana do Nordeste brasileiro. Cad Saúde Pública. 2005;21(3):907-12.

Por sua vez, osteoporose, déficits sensoriais de acidente vascular cerebral (AVC), demências, hipotrofia muscular, acuidade visual diminuída, alteração de equilíbrio e dos reflexos, fraqueza muscular, doenças neurológicas, cardiovasculares e deformidades osteomioarticulares são estados patológicos que predispõem a quedas e, consequentemente, fraturas. Em termos de mortalidade por fratura de quadril, outros fatores pré-operatórios, identificados na admissão do paciente, estão relacionados ao aumento desse índice. Podem-se citar: cor não branca, idade, presença de demência, sexo masculino, comorbidades clínicas e delírio.55 Ricci G, Longaray MP, Gonçalvez RZ, Ungaretti Neto AS, Manente M, Barbosa LBH. Avaliação da taxa de mortalidade em um ano após fratura do quadril e fatores relacionados à diminuição de sobrevida no idoso. Rev Bras Ortop. 2012;47(3):304-9.

As comorbidades clínicas, além de constituir importante fator de risco para maior mortalidade, também se associam ao surgimento de complicações pós-cirúrgicas, que podem ser imediatas ou tardias. Dentre as complicações imediatas, encontram-se choque, embolia gordurosa, síndrome compartimental, tromboembolismo venoso, embolia pulmonar, coagulação intravascular disseminada e infecções. Já as tardias incluem consolidação retardada, consolidação viciosa, pseudoartroses, necrose avascular do osso, reação aos dispositivos de fixação interna e distrofia simpática reflexa.66 Donegan DJ, Gay AN, Baldwin K, Morales EE, Esterhai JL, Mehta S. Use of medical comorbidities to predict complications after hip fracture surgery in the elderly. J Bone Joint Surg Am. 2010;92(4):807-13.

Além das complicações no período pós-operatório, a incapacidade locomotora desencadeada pelas quedas e fraturas no indivíduo idoso pode gerar um quadro de imobilidade, com diversas consequências à saúde do paciente. Dentre os efeitos prejudiciais ao sistema musculoesquelético, pode-se citar a atrofia muscular, a intensificação da osteoporose e a degeneração articular. Estima-se que o repouso de quatro a seis semanas pode levar a uma diminuição de 6 a 40% da densidade óssea, principalmente em osso trabecular. Outros sistemas orgânicos são afetados pelo repouso, especialmente o aparelho cardiovascular, podendo ocorrer aumento da frequência cardíaca e diminuição do volume de ejeção.77 Topp R, Ditmyer M, King K, Doherty K, Hornyak J. The effect of bed rest and potential of prehabilitation on patients in the intensive care unit. AACN Clin Issues. 2002;13(2):263-76.

O comprometimento funcional, aliado às comorbidades e à complexidade das cirurgias ortopédicas, reflete a importância de um acompanhamento clínico desses pacientes, bem como a avaliação adequada de seu risco cirúrgico. As escalas existentes para essa análise incluem, principalmente, a Escala de Risco Cirúrgico da American Society of Anesthesiology (ASA) e o Índice de Risco Cardíaco de Goldman.88 Vendites S, Almada-Filho C, Minossi JG. Aspectos gerais da avaliação pré-operatória do paciente idoso cirúrgico. ABCD Arq Bras Cir Dig. 2010;23(3):173-82.

A ASA, descrita na década de 60, é usada universalmente por sua capacidade de predizer o risco global de mortalidade do paciente de acordo com a sua idade e status funcional, independentemente do tipo de procedimento que será feito.99 Leme LEG, Sitta MC, Toledo M, Henriques SS. Cirurgia ortopédica em idosos: aspectos clínicos. Rev Bras Ortop. 2011;46(3):238-46. Já a de Goldman foi o primeiro modelo multifatorial específico para complicações cardíacas perioperatórias amplamente usado. Os autores identificaram nove fatores de risco cardíaco estatisticamente significativos e clinicamente importantes, atribuindo valores a cada um deles. Na avaliação pré-operatória, cada fator é somado e, somado e quanto maior a soma, maior é o risco de morte por motivo cardíaco e de eventos cardíacos ameaçadores à vida, como infarto do miocárdio, edema pulmonar e taquicardia ventricular.1010 Heinisch RH, Barbieri CF, Nunes Filho JR, Oliveira GL, Heinisch LMM. Avaliação prospectiva de diferentes índices de risco cardíaco para pacientes submetidos a cirurgias não-cardíacas. Arq Bras Cardiol. 2002;79(4):327-32.

Devido à relevância das quedas e fraturas na população idosa, nos propusemos a fazer um estudo para analisar das comorbidades e intercorrências clínicas de pacientes com 65 anos ou mais internados por fratura de quadril em nossa instituição, bem como identificar os fatores de risco associados à mortalidade desses pacientes.

Material e métodos

Nossa pesquisa teve início após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa de nossa Instituição. Foi feito um estudo de coorte retrospectivo de dados contidos em prontuários médicos de pacientes com 65 anos ou mais, admitidos por fratura de fêmur proximal, entre janeiro e dezembro de 2014, e que tivessem tido acompanhamento longitudinal clínico durante a internação.

A média de idade dos pacientes foi de 77,6 anos (variando entre 65 a 91 anos), sendo 64,1% desses do sexo feminino. Todos tiveram uma consulta inicial de avaliação pré-operatória, informações de anamnese, exame físico e de exames subsidiários que foram transcritos num impresso hospitalar próprio, chamado de "Ficha de avaliação pré-operatória", em cujo verso encontra-se a tabela de risco cardíaco de Goldman e a estratificação de risco cirúrgico pela escala da ASA (Apêndice A Apêndice A Material adicional Pode-se consultar o material adicional para este artigo na sua versão eletrônica disponível em doi:10.1016/j.rbo.2017.07.009. ).

Na avaliação clínica global foram analisados: sexo; idade; comorbidades, definidas como doenças pré-existentes à fratura; estratificação do risco cardíaco, com a escala de Goldman modificada, pois gasometria arterial só foi colhida quando a oximetria de pulso, no momento da avaliação clínica, foi menor do que 90% em ar ambiente; intercorrências clínicas, definidas como agravos à saúde que se manifestassem durante a internação hospitalar; estratificação de risco anestésico, com a escala da American Society of Anesthesiologists (ASA); o tempo entre a fratura e a internação; o tempo entre a internação e o procedimento ortopédico, quer tenha sido cirúrgico ou conservador; o tempo entre a cirurgia e a alta hospitalar; o tempo total de internação; o tipo de cirurgia, quando efetuada; a eventual permanência em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e o desfecho de alta.

Quanto ao tempo entre a cirurgia e a alta hospitalar, foram excluídos os pacientes que não foram submetidos à cirurgia e aqueles que faleceram durante a internação.

Análise estatística

A análise estatística estudou as aplicações do tipo univariada. Obtiveram-se as frequências das variáveis estudadas e foram montadas as tabelas, relacionou-se a variável dependente com as variáveis independentes. O teste do qui-quadrado foi usado com o objetivo de comparar os fatores considerados; em todos os testes foi fixado o nível de significância em 0,05 ou 5%.

Resultados

Em relação às comorbidades, 11,9% dos pacientes não apresentaram doença associada, 37,3% tinham uma comorbidade, 17,9% tinham duas comorbidades e 22,3% apresentaram três condições comórbidas. Em 10,4% da população estudada foram verificadas mais de quatro comorbidades.

As principais comorbidades encontradas nessa população foram hipertensão arterial sistêmica, com prevalência de 61,1%, diabetes mellitus, presente em 28,3% dos casos, e cardiopatias; 19,4% dos pacientes tinham alguma doença cardíaca. Dentre as cardiopatias, a mais frequente foi a insuficiência coronariana, que representou metade dos casos. Outras doenças cardíacas encontradas foram arritmias (4,6%), estenose aórtica, insuficiência cardíaca e fibrilação atrial, essas três últimas com a mesma prevalência (1,5%). Doença pulmonar obstrutiva crônica foi detectada em 10,4% da população estudada e o hipotireoidismo foi encontrado em 5,9% dos pacientes.

Além dessas doenças, os distúrbios psiquiátricos foram verificados em 11,9% dos casos, sendo que o transtorno presente em metade desses pacientes foi depressão. A doença de Alzheimer e o acidente vascular encefálico tiveram prevalência individual de 7,4% (fig. 1).

Figura 1
Principais comorbidades encontradas na população analisada.HT, hipotireoidismo; AVE, acidente vascular encefálico; DA, doença de Alzheimer; DPOC, doença pulmonar obstrutiva crônica; DP, distúrbios psiquiátricos; DM, diabetes mellitus; HAS, hipertensão arterial sistêmica.

A intercorrência clínica mais comumente presente foram os distúrbios cognitivo-comportamentais, que ocorreram em 28,3% dos pacientes. O principal deles foi confusão mental, com prevalência de 23,8%. Outros distúrbios de comportamento e cognição verificados foram a agitação psicomotora (8,9%) e o rebaixamento de consciência (2,9%). A constipação intestinal acometeu 13,4% dos pacientes internados. Já insuficiência ou infecção respiratória ocorreu em 14,9% dos casos. Além disso, uma parcela considerável dos pacientes, representada por 8,9% deles, apresentou quadro de infecção de trato urinário (ITU) durante o período de internação hospitalar (fig. 2).

Figura 2
Intercorrências clínicas mais comuns no pós-operatório de pacientes com fratura de fêmur.ITU, infecção do trato urinário; I. Resp., insuficiência ou infecção respiratória; CI, constipação intestinal; DCC, distúrbios cognitivo-comportamentais.

A avaliação do risco cardíaco, pela escala de Goldman, revelou classe I em 50,7% (n = 34) dos pacientes, classe II em 25,3% (n = 17) da amostra e classe III, em 13,4% (n = 9) dos pacientes. Já a avaliação do risco cirúrgico, pela classificação da ASA, demonstrou que 56,% (n = 38) dos pacientes pertenciam ao ASA II, 26,8% (n = 18) ao ASA III e 4,4% (n = 3) ao ASA IV. O restante dos indivíduos não incluídos nessas categorias de risco cardíaco e cirúrgico não havia sido estratificado, o que equivale a sete pacientes não classificados no escore de Goldman e oito pacientes sem estratificação pela ASA.

Em relação ao tempo entre a fratura e internação, esse foi de até sete dias em 25,3% dos casos, de sete a 15 em 13,4%, de 15 a 30 em 19,4% e superior a 30 dias em 7,4%. Em 34,3% dos pacientes, tal período foi desconhecido, pois faltavam dados no prontuário médico referentes à data exata da fratura. O tempo entre a internação e a cirurgia foi de até sete dias para 23,3% dos pacientes, de sete a 15 para 43,3%, de 15 a 30 para 30% e superior a 30 para 3,3%. Quanto ao tempo total de internação, em 11,9% dos casos os pacientes permaneceram internados por até sete dias; em 31,3% o tempo foi de sete a 15; em 41,7% de 15 a 30 e em 14,9% durou mais do que 30 dias (tabela 1).

Tabela 1
Descrição dos intervalos de tempo analisados no presente trabalho

O tempo entre a cirurgia e a alta hospitalar foi de até dois dias em 57,1% dos casos, de três a sete em 33,9% e de mais de sete dias em 7,1%.

O tratamento foi cirúrgico, na grande maioria dos casos, feito através da osteossíntese de fêmur proximal em 58,2% dos pacientes (n = 39) e prótese total de quadril em 31,3% da população analisada (n = 21). Nos outros 10,4% dos casos (n = 7) a opção foi o tratamento conservador, visto que tais pacientes apresentavam risco cirúrgico elevado de acordo com as escalas aplicadas. No que se refere à internação em UTI no período pós-operatório, 26,8% dos pacientes apresentaram tal necessidade. O tempo de permanência na UTI para esses pacientes variou de um a 30 dias, com média de cinco dias.

Por fim, em relação à mortalidade desses pacientes, foi verificada taxa de 11,9% (n = 8) de óbitos durante o período de internação hospitalar. A tabela 2 mostra as principais características dos pacientes que foram a óbito, inclusive as variáveis com significância estatística.

Tabela 2
Caracterização dos oito pacientes com desfecho de óbito

A análise estatística univariada revelou que a presença de infecções no período hospitalar (p = 0,006), o tempo entre internação e cirurgia superior a sete dias (p = 0,005), o escore de Goldman igual a III (p = 0,008) e idade igual ou superior a 85 anos (p = 0,031) foram associadas ao óbito durante a internação. Os outros fatores, que não se mostraram significantes estão descritos na tabela 3.

Tabela 3
Análise univariada com aplicação do teste qui-quadrado para determinação do valor de p entre as variáveis independentes e o desfecho de óbito

Discussão

O principal achado de nosso estudo foi que a mortalidade de pacientes internados com fratura do quadril esteve relacionada com o tempo entre a internação e a cirurgia superior a sete dias, à ocorrência de infecções, ao escore de Goldman igual a III e à idade igual ou superior a 85 anos. A mortalidade pós-fratura de quadril permanece elevada não só nos meses subsequentes ao evento, mas por anos depois do trauma. A análise de dados de múltiplos coortes feita por Haentjens et al.1111 Haentjens P, Maganizer J, Cólon-Emeric CS, Vanderschueren D, Milisen K, Velkeniers B, et al. Meta analysis: excess mortality after hip fracture among older women and men. Ann Intern Med. 2010;152(6):380-90. mostrou persistência de mortalidade excessiva por 10 anos após a ocorrência fratura, o que ressalta o impacto dessa patologia sobre a saúde pública. Embora Belmont Jr. et al. citem diversas situações de risco para óbito e complicações nos pacientes idosos fraturados, como obesidade, diálise, choque e comorbidades,1212 Belmont PJ, Garcia EJ, Romano D, Bader JO, Nelson KJ, Schoenfeld AJ. Risk factors for complications and in-hospital mortality following hip fractures: a study using the National Trauma Data Bank. Arch Orthop Trauma Surg. 2014;134(5):597-604. procuramos abordar os fatores que se mostraram mais relevantes em nossa pesquisa.

A taxa de mortalidade durante o período de internação hospitalar verificada em nosso estudo, de 11,9%, foi maior do que a encontrada na literatura científica. Uma revisão sobre a mortalidade na fratura do fêmur em idosos reuniu dados de 25 estudos e concluiu que a média de mortalidade durante a internação hospitalar foi de 5,5%.1313 Sakaki MH, Oliveira AR, Coelho FF, Leme LEG, Suzuki I, Amatuzzi MM. Estudo da mortalidade na fratura do fêmur proximal em idosos. Acta Ortop Bras. 2004;12(4):242-9.

Já a mortalidade nos 30 dias de pós-operatório de fratura de quadril encontrada no estudo de Roche et al., com 2.448 pacientes, em quatro anos foi, de 9,6%, percentual abaixo daquele verificado em nossa população.1414 Roche JJ, Wenn RT, Sahota O, Moran CG. Effect of comorbidities and postoperative complications on mortality after hip fracture in elderly people: prospective observational cohort study. BMJ. 2005;331(7529):1374. Os pacientes desse estudo eram maiores do que 60 anos e apresentavam distúrbios cardiovasculares e respiratórios como principais comorbidades, enquanto as infecções e a insuficiência cardíaca foram as complicações mais prevalentes.1414 Roche JJ, Wenn RT, Sahota O, Moran CG. Effect of comorbidities and postoperative complications on mortality after hip fracture in elderly people: prospective observational cohort study. BMJ. 2005;331(7529):1374.

Um fator estatisticamente associado ao índice de morte foi o tempo de espera para a cirurgia. Em nosso estudo, 43,3% dos pacientes apresentaram tempo de espera entre internação e o procedimento entre sete a 15 dias, enquanto em 30% dos casos tal período foi de 15 a 30 dias e em 3,3% da amostragem o tempo de espera foi maior do que 30 dias. Uma revisão sistemática e metanálise de 35 estudos das bases Medline, Embase e Cochrane demonstrou aumento significativo no risco de morte em pacientes operados após 48 h de internação (p < 0,0001). Essa associação permaneceu verdadeira após ajustes para idade, gênero, local e ano. Como conclusão, os autores sugerem que os serviços de ortopedia devem preconizar a operação dos pacientes com fratura de fêmur nas primeiras 48 horas após a admissão.1515 Moja L, Piatti A, Pecoraro V, Ricci C, Virgili G, Salanti G, et al. Timing matters in hip fracture surgery: patients operated within 48 hours have better outcomes. A meta-analysis and meta-regression of over 190,000 Patients. PLoS One. 2012;(10):e46175.

Mesquita et al.,1616 Mesquita GV, Lima MA, Santos AMR, Santos AMR, Alves ELM, Brito JNP, et al. Morbimortalidade em idosos por fratura proximal do fêmur. Texto Contexto Enferm. 2009;18(1):67-73. em levantamento de dados extraídos do Medline, Lilacs e Scielo de janeiro de 2003 a dezembro de 2007, reportaram que o tempo médio de espera entre a fratura e a cirurgia foi de 6,8 dias, que o acréscimo de um dia a essa espera aumenta a possibilidade de óbito em cerca de 4%.1616 Mesquita GV, Lima MA, Santos AMR, Santos AMR, Alves ELM, Brito JNP, et al. Morbimortalidade em idosos por fratura proximal do fêmur. Texto Contexto Enferm. 2009;18(1):67-73. Considerando que, em nosso trabalho, a grande maioria dos pacientes apresentou tempo de espera entre internação e cirurgia maior do que sete dias e, ainda, que o tempo entre a fratura e a internação também foi superior a sete dias, pode-se compreender o forte impacto negativo sobre a taxa de mortalidade da população avaliada.

A presença de infecções durante a internação hospitalar foi outra variável que se mostrou relacionada ao desfecho de óbito. As mais comumente encontradas em nossa amostra foram as respiratórias e as do trato urinário, que, somadas, estiveram presentes em 23,8% dos pacientes. Pesquisa de publicações contidas no Lilacs, Scielo e BDENF entre janeiro de 2003 e junho de 2008 encontrou 38 artigos sobre idosos hospitalizados. Nesses, a presença de doenças infecciosas foi fator associado às taxas de mortalidade, sendo que os locais de maior prevalência foram o sistema respiratório e as vias urinárias.1717 Lima AP, Mantovani MF, Ulbrich EM, Zavadil ETC. Produção científica sobre a hospitalização de idosos: uma pesquisa bibliográfica. Cogitare Enferm. 2009;14(4):740-7. Tal dado se assemelha ao estudo de Cunha et al., no qual se verificou uma frequência de 28,5% de infecções; as mais prevalentes foram a pneumonia, a urinária e as do sítio cirúrgico.1818 Cunha PTS, Artifon AN, Lima DP, Vieira MW, Antonio RM, Ricardo R. Fratura de quadril em idosos: tempo de abordagem cirúrgica e sua associação quanto a delirium e infecção. Acta Ortop Bras. 2008;16(3):173-6. Sabe-se que idosos em longos períodos de internação são mais suscetíveis às infecções em razão de alterações fisiológicas do envelhecimento, declínio da resposta imunológica e a presença de doenças concomitantes, com consequente aumento de morbidade e mortalidade.1919 Villas Boas PJF, Ferreira ALS. Infecção em idosos internados em instituição de longa permanência. Rev Assoc Med Bras. 2007;53(2):126-9.

Barba et al.,2020 Barba R, Martínez JM, Zapatero A, Plaza S, Losa JE, Canora J, et al. Mortality and complications in very old patients (90+) admitted to departments of internal medicine in Spain. Eur J Intern Med. 2011;22(1):49-52. em estudo que incluiu pacientes idosos admitidos na área de medicina interna na Espanha, entre 2005 e 2007, revelaram que a pneumonia foi a infecção fatal mais frequente nessa população, o que reforça a importância e a gravidade desse processo infeccioso nos idosos hospitalizados, não se restringindo apenas à área ortopédica. Em termos de ITU, Nyman et al. verificaram prevalência de 52,3% dessa infecção nos pacientes idosos internados por fratura de quadril em hospital universitário na Suíça.2121 Nyman MH, Johansson JE, Persson K, Gustafsson M. A prospective study of nosocomial urinary tract infection in hip fracture patients. J Clin Nurs. 2011;20(17-18):2531-9. Esses autores ressaltaram a necessidade de prevenir tal complicação tão prevalente na população hospitalizada, de forma a evitar quadros desnecessários de sintomas urinários e febre.2121 Nyman MH, Johansson JE, Persson K, Gustafsson M. A prospective study of nosocomial urinary tract infection in hip fracture patients. J Clin Nurs. 2011;20(17-18):2531-9.

Embora as cardiopatias, como variável isolada, não tenham sido relacionadas significativamente ao risco de óbito, o índice de risco cardíaco de Goldman apresentou correlação positiva naqueles pacientes com classe III. Tal índice contempla variáveis referentes à avaliação clínica, eletrocardiograma e o tipo de cirurgia, conferindo pontuações com intuito de estratificar o paciente nas classes I a IV quanto ao risco de apresentar complicações cardiovasculares ou evoluir para óbito.2222 Loureiro BMC, Feitosa-Filho GS. Escores de risco perioperatório para cirurgias não cardíacas: descrições e comparações. Rev Soc Bras Clin Med. 2014;12(4):314-20. De fato, afecções cardíacas têm sido descritas como fator de influência no prognóstico de pacientes com fraturas de fêmur, sendo dado essencial na avaliação do risco anestésico desses indivíduos. A gravidade da doença cardíaca está associada a maior risco anestésico e, consequentemente, a evolução desfavorável.1313 Sakaki MH, Oliveira AR, Coelho FF, Leme LEG, Suzuki I, Amatuzzi MM. Estudo da mortalidade na fratura do fêmur proximal em idosos. Acta Ortop Bras. 2004;12(4):242-9.

A idade igual ou superior a 85 anos também foi item estatisticamente associado à taxa de mortalidade, em nosso estudo. Em 50% dos óbitos ocorridos, os pacientes pertenciam a essa faixa etária. No estudo feito por Garcia et al.,2323 Garcia R, Leme MD, Garcez-Leme LE. Evolution of Brazilian elderly with hip fracture secondary to a fall. Clinics. 2006;61(6):539-44. 71% das mortes ocorreram em indivíduos com mais de 80 anos e, em sua amostra, o fator "idade superior a 80 anos" associou-se à mortalidade. Turrentine et al.2424 Turrentine FE, Wang H, Simpson VB, Jones RS. Surgical risks factors. Morbidity and mortality in elderly patients. J Am Coll Surg. 2006;203(6):865-77. afirmaram que os idosos apresentam desafios únicos no que se refere à saúde; eles têm um estado fisiológico, farmacológico e psicológico especial e atributos sociais não presentes em pacientes mais jovens. Essas peculiaridades requerem particular atenção e compreensão pelos cirurgiões e pelas equipes cirúrgicas. Em seu estudo, a idade foi estatisticamente significante e associada com morbidade.2424 Turrentine FE, Wang H, Simpson VB, Jones RS. Surgical risks factors. Morbidity and mortality in elderly patients. J Am Coll Surg. 2006;203(6):865-77.

Durante o estresse, como uma operação, o paciente idoso pode não atender ao aumento da demanda funcional. Essa perda de reserva torna-se um fator importante na diminuição da tolerância do paciente idoso a procedimentos invasivos.2525 Amarante CFS, Cardoso DB, Andrade FJS, Perdigao KM, Lemos Leandro VM, Rodrigues M, et al. Fratura no colo do fêmur em idosos: relato de caso. Rev Med Minas Gerais. 2011;21(2 Suppl. 4):S1-113. Para Souza et al.,2626 Souza RC, Pinheiro RS, Coeli CM, Camargo Junior KR, Torres TZG. Aplicação de medidas de ajuste de risco para a mortalidade após fratura proximal de fêmur. Rev Saúde Pública. 2007;41(4):625-31. cada ano de vida a mais do paciente representou um aumento na chance de morrer em torno de 6%. Um estudo longitudinal em um hospital de grande porte na Austrália acompanhou 410 homens e 1.094 mulheres com fratura de fêmur e verificou um aumento de 8,7 vezes no risco de óbito em pacientes com 90 anos ou mais.2727 Frost AS, Nguyen ND, Black DA, Eisman JA, Nguyen TV. Risk factors for in-hospital post-hip fracture mortality. Bone. 2011;49(3):553-8. Já Guerra et al.2828 Guerra MTE, Viana RD, Feil L, Feron ET, Maboni J, Vargas ASG. Mortalidade em um ano de pacientes idosos com fratura do quadril tratados cirurgicamente num hospital do Sul do Brasil. Rev Bras Ortop. 2017;52(1):17-23. encontraram uma associação significativa entre idade maior do que 86 anos e taxa de mortalidade (38,3%). Associaram ao fato de que as fraturas do fêmur ocorrem, predominantemente, em pacientes já muito idosos com doenças prévias significativas e alto risco cirúrgico, o que aumenta a mortalidade quando comparadas com outros tipos de fraturas.

Na população estudada, 64,1% eram do sexo feminino, dado que está de acordo com os achados de Ariyoshi2929 Ariyoshi AF. Características epidemiológicas das fraturas de fêmur proximal tratadas na Santa Casa de Misericórdia de Batatais. São Paulo: Universidade de São Paulo. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; 2013 (Tese). e Arndt et al.,3030 Arndt ABM, Telles JL, Kowalski SC. O custo direto da fratura de fêmur por quedas em pessoas idosas: análise no setor privado de saúde na cidade de Brasília, 2009. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2011;14(2):221-31. que verificaram, respectivamente, 62,6% e 76,2% de pacientes do sexo feminino internados por fratura de fêmur e/ou quedas. Uma das hipóteses para justificar esse predomínio seria a ocorrência, primeiro entre elas, do declínio da densidade mineral óssea, pelo fato de que os dois componentes responsáveis pela resistência óssea, a densidade e a qualidade óssea, começam a reduzir-se no sexo feminino após a menopausa, devido à diminuição dos estrógenos. Algumas mulheres passam a perder massa óssea acima de 1% ao ano, algumas chegam a perder 5% e, no fim de cinco anos, estão com perda superior a 25%, caracterizando a osteoporose pós-menopausa.3030 Arndt ABM, Telles JL, Kowalski SC. O custo direto da fratura de fêmur por quedas em pessoas idosas: análise no setor privado de saúde na cidade de Brasília, 2009. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2011;14(2):221-31. Ademais, as mulheres atingem o pico de potência muscular antes do que os homens e sofrem o declínio mais precocemente.3131 Fréz AR. Fraturas do fêmur em pacientes idosos: estudo epidemiológico. Cascavel: Universidade Estadual do Oeste do Paraná; 2003 (Tese).

A grande porcentagem (61,1%) de pacientes com hipertensão arterial sistêmica (HAS) encontrada em nosso estudo pode ser compreendida como consequência do aumento da prevalência da doença conforme o aumento da idade da população. Um estudo feito na Universidade Estadual de Campinas estimou que 50,4% dos pacientes entre 60 e 69 anos eram hipertensos, esse percentual atingiu 54,1% na faixa entre 70 e 79 anos.3232 Zaitune MPA, Barros MBA, Galvão César CL, Carandina L, Goldbaum M. Hipertensão arterial em idosos: prevalência, fatores associados e práticas de controle no Município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2006;22(2):285-94. A presença de HAS também tem sido considerada fator de risco para a ocorrência de quedas e fraturas em idosos. A possível explicação seria o tipo de anti-hipertensivo utilizado por estes pacientes. Estudo de série de casos em Ontario, no Canadá, identificou que idosos em uso de terapia anti-hipertensiva tinham aumento de 43% no risco de fraturas de quadril nos primeiros 45 dias de início do tratamento, o que foi significativo para betabloqueadores e inibidores da enzima conversora de angiotensina.3333 Butt DA, Mamdani M, Austin PC, Tu K, Gomes T, Glazier RH. The risk of hip fracture after initiating antihypertensive drugs in the elderly. Arch Intern Med. 2012;172(22):1739-44. Em contrapartida, o uso de bloqueadores dos canais de cálcio acarretaria perda urinária desse mineral, também contribuindo para fragilidade óssea e as consequentes fraturas.3434 Soares DS, Mello LM, Silva AS, Nunes AA. Análise dos fatores associados a quedas com fratura de fêmur em idosos: um estudo caso-controle. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(22):239-48.

A diabetes mellitus (DM) foi a segunda doença mais prevalente na população estudada, presente em 28,3% dos casos, dado que é compatível com os resultados de Ariyoshi,2929 Ariyoshi AF. Características epidemiológicas das fraturas de fêmur proximal tratadas na Santa Casa de Misericórdia de Batatais. São Paulo: Universidade de São Paulo. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; 2013 (Tese). nos quais as doenças crônicas mais prevalentes na população com fratura de fêmur atendida em um hospital de Ribeirão Preto foram, respectivamente, HAS e DM. Essa patologia também pode ser compreendida como fator amplificador do risco de fraturas. Foi observado que pacientes com diabetes tipo II maiores de 65 anos têm, em média, hemoglobina glicada superior a 9%, o que elevaria em até 31% a chance de sofrer a fratura.3535 Li C, Liu CS, Lin WY, Meng NH, Chen CC, Yang SY, et al. Glycated hemoglobin level and risk of hip fracture in older people with type 2 diabetes: a competing risk analysis of Taiwan diabetes cohort study. J Bone Miner Res. 2015;30(7):1338-46. Já uma metanálise que incluiu 21 estudos das bases de dados PubMed e Embase demonstrou, também, forte associação desse evento com a diabetes tipo I. Possíveis explicações para esse aumento excessivo do risco seriam as complicações diabéticas, como polineuropatia e retinopatia, disfunção vestibular, déficit cognitivo e episódios de hipoglicemia pelo uso da insulina.3636 Fan Y, Wei F, Lang Y, Liu Y. Diabetes mellitus and risk of hip fractures: a meta-analysis. Osteoporos Int. 2016;27(1):219-28.

Os distúrbios psiquiátricos, especialmente a depressão, também foram condição relatada pelos pacientes, com prevalência de 11,9%. Jahana e Diogo3737 Jahana KO, Diogo MJDE. Quedas em idosos: principais causas e consequências. Saúde Coletiva. 2007;4(17):148-53. acreditam que os transtornos psiquiátricos podem atuar tanto como causa quanto como consequência das fraturas nos idosos. O maior risco de queda em idosos depressivos pode ser explicado pelo uso de medicações antidepressivas e sedativas, saúde pobre, declínio físico, diminuição da autoconfiança, indiferença ao meio ambiente, reclusão e inatividade, fatores esses que podem contribuir para a ocorrência do trauma.3838 Monteiro CR, Mancussi e Faro AC. Avaliação funcional de idoso vítima de fraturas na hospitalização e no domicílio. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(3):719-24. Por outro lado, as fraturas, o medo de cair novamente e a perda da independência pós-queda podem favorecer o surgimento de depressão na população acometida.2626 Souza RC, Pinheiro RS, Coeli CM, Camargo Junior KR, Torres TZG. Aplicação de medidas de ajuste de risco para a mortalidade após fratura proximal de fêmur. Rev Saúde Pública. 2007;41(4):625-31. Além disso, o diagnóstico prévio de depressão tem sido associado com dificuldades no processo de reabilitação, maior suscetibilidade a doenças infecciosas e uma redução na sobrevida dos pacientes com fratura de fêmur.3939 Philips AC, Upton J, Duggal NA, Carroll D, Lord JM. Depression following hip fracture is associated with increased physical frailty in older adults: the role of the cortisol: dehydroepiandrosterone sulphate ratio. BMC Geriatrics. 2013;13(1):60.

Outras intercorrências clínicas prevalentes em nosso estudo foram os distúrbios de cognição ou comportamento, presentes em 28,3% dos pacientes analisados. Desses, a alteração mais verificada foi a confusão mental, com ocorrência de 23,8%. Muitas vezes o quadro de confusão mental pode ser parte de um estado de delirium, intercorrência comum na hospitalização de idosos após cirurgia de quadril, principalmente em pacientes com prejuízo cognitivo, idade avançada, múltiplas comorbidades e baixo índice de massa corpórea.4040 Oh ES, Li M, Fafowora TM, Inouye SK, Chen CH, Rosman LM, et al. Preoperative risk factors for postoperative delirium following hip fracture repair: a systematic review. Int J Geriatr Psychiatry. 2015;30(9):900-10. No estudo de Cunha et al.,1818 Cunha PTS, Artifon AN, Lima DP, Vieira MW, Antonio RM, Ricardo R. Fratura de quadril em idosos: tempo de abordagem cirúrgica e sua associação quanto a delirium e infecção. Acta Ortop Bras. 2008;16(3):173-6. o tempo de espera da cirurgia maior do que 48 h foi associado a maior número de delirium. Tal achado poderia explicar a elevada prevalência de distúrbios como confusão mental no período pós-operatório em nosso estudo, visto que o tempo entre cirurgia e internação foi superior a sete dias, na maiorias dos casos.

A constipação intestinal como intercorrência clínica foi verificada em 14% dos pacientes internados. Com base em dados que mostram prevalência de constipação entre 62,3% e 71,7% dos pacientes geriátricos pós-fratura,4141 Davies EC, Green CF, Mottram DR, Pirmohamed M. The use of opioids and laxatives, and incidence of constipation, in patients requiring neck-of femur (NOF) surgery: a pilot study. J Clin Pharm Ther. 2008;33(5):561-6.,4242 Trads M, Pedersen PU. Constipation and defecation pattern the first 30 days after hip fracture. Int J Nurs Pract. 2015;21(5):598-604. acreditamos que esse item possa ter sido sub-reportado nos prontuários médicos. Sabe-se que a imobilização pode provocar alterações como a falta de apetite e constipação. Essa última pode ser resultado da inibição adrenérgica, prejuízo da mobilidade, baixa ingesta de líquidos e fibras, além de efeitos adversos de medicações anticolinérgicas e opioides.4242 Trads M, Pedersen PU. Constipation and defecation pattern the first 30 days after hip fracture. Int J Nurs Pract. 2015;21(5):598-604.,4343 Raposo AC, López RFA. Efeitos da Imobilização Prolongada e Atividade Física. Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 50 - Julio de 2002. Available from: http://www.efdeportes.com/efd50/efeitos.htm.
http://www.efdeportes.com/efd50/efeitos....

Como limitações de nossa pesquisa podemos citar a falta de inclusão de pacientes com fraturas do fêmur proximal com menos de 65 anos, porque a organização de assistência hospitalar de nossa instituição orienta acompanhamento clínico apenas para pessoas com mais de 65 anos. A inclusão de pacientes com menos de 65 anos poderia diminuir a taxa de mortalidade, já que esses pacientes, teoricamente, apresentam menor risco de vida. Também, em alguns casos, os dados dos prontuários médicos não permitiram a estratificação do score de Goldman e do ASA, nem a inclusão do tabagismo como fator de risco de complicações e morte.

Os dados obtidos em nossa pesquisa revelam importante taxa de mortalidade pós-fratura na população avaliada em comparação com outros estudos, o que implica a necessidade de se intervir nos fatores associados a esse desfecho desfavorável. A realização do tratamento cirúrgico nos pacientes com fratura de fêmur nas primeiras 48 horas após a admissão pode decorrer da insuficiência do número de salas cirúrgicas, bem como da alta demanda de pacientes no Sistema Único de Saúde, mas esforços precisam ser feitos para mudar essa realidade.

A prevenção e o tratamento adequado das comorbidades e das intercorrências clínicas são medidas importantes na melhoria do prognóstico a curto prazo desses indivíduos, especialmente porque se trata de pacientes com idade avançada e alto risco cardiovascular. Por outro lado, naqueles que permanecem hospitalizados, torna-se imprescindível a atenção clínica para o surgimento de pneumonia, infecção urinária e outros processos infecciosos que podem desestabilizar o paciente idoso.

Conclusões

Pacientes com fraturas do quadril geralmente apresentam comorbidades, são predispostos a intercorrências clínicas e têm uma taxa de mortalidade de 11,9%, principalmente relacionada com a presença de infecções no período hospitalar, ao tempo entre a internação e a cirurgia superior a sete dias, ao escore de Goldman igual a III e à idade igual ou superior a 85 anos.

  • Trabalho desenvolvido na Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Sorocaba, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Sorocaba, SP, Brasil.

Apêndice A Material adicional

Pode-se consultar o material adicional para este artigo na sua versão eletrônica disponível em doi:10.1016/j.rbo.2017.07.009.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2018

Histórico

  • Recebido
    7 Jun 2017
  • Aceito
    26 Jul 2017
  • Publicado
    2 Ago 2018
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