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Reconstrução do ligamento cruzado posterior em dupla banda com tendões flexores autólogos: resultados com seguimento mínimo de dois anos Trabalho desenvolvido no Grupo de Cirurgia do Joelho, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Faculdade de Ciências Médicasda Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (FCMSCSP), São Paulo, SP, Brasil.

RESUMO

OBJETIVO:

Apresentar os resultados de uma série de casos de reconstrução do ligamento cruzado posterior (LCP) em dupla banda com o uso dos tendões flexores autólogos, com seguimento mínimo de dois anos.

MÉTODO:

Avaliação de 16 casos de lesão do LCP submetidos a reconstrução em dupla banda com tendões flexores autólogos entre 2011 e 2013. A amostra final foi composta por 16 pacientes, 15 homens e uma mulher, com média de 31 anos (21-49). O mecanismo predominante foi acidente motociclístico em metade dos casos. Houve um intervalo médio de 15 meses entre a lesão e a cirurgia (três a 52 meses). Cinco lesões eram isoladas e 11, associadas. Foram feitas avaliação clínica, aplicação de escores validados e mensuração com uso do artrômetro KT-1000.

RESULTADOS:

A avaliação pela escala de Lysholm pré-operatória teve média de 55 pontos (28-87), evoluiu para uma média pós-operatória de 94 pontos (85-100). O IKDC também demonstrou melhoria. Na avaliação pré-operatória, quatro e 12 pacientes foram respectivamente classificados como C (anormal) e D (muito anormal); na avaliação pós-operatória, seis foram classificados como A (normal) e dez como B (próximo ao normal). Na avaliação pós-operatória pelo artrômetro KT1000, 13 pacientes apresentaram diferença entre 0-2 mm e três, entre 3-5 mm, na comparação com o lado contralateral.

CONCLUSÃO:

O uso dos tendões flexores autólogos é uma opção viável na reconstrução do LCP em dupla banda, apresenta bons resultados clínicos em seguimento mínimo de dois anos.

Palavras-chave:
Joelho/cirurgia; Ligamento cruzado posterior; Traumatismos do joelho; Avaliação dos resultados de intervenções terapêuticas

ABSTRACT

OBJECTIVE:

To present the outcomes of posterior cruciate ligament (PCL) double-bundle reconstruction using autologous hamstring tendons, with a minimum follow-up of two years.

METHODS:

Evaluation of 16 cases of PCL injury that underwent double-bundle reconstruction with autogenous hamstring tendons, between 2011 and 2013. The final sample consisted of 16 patients, 15 men and one woman, with a mean age of 31 years (21-49). The predominant mechanism was motorcycle accident in half of the cases. There was a mean interval of 15 months between the time of lesion and the surgery (three to 52 months). Five lesions were isolated and 11, associated. Clinical evaluation, application of validated scores, and measurements with use of the KT-1000 were performed.

RESULTS:

The analysis showed a mean preoperative Lysholm score of 50 points (28-87), progressing to 94 points (85-100) postoperatively. The IKDC score also demonstrated improvement. In the preoperative evaluation, four and 12 patients were respectively classified as C (abnormal) and D (very unusual), and in the postoperative evaluation six as A (normal) and ten as B (close to normal). In the post-operative evaluation by KT1000 arthrometer, 13 patients showed difference between 0-2 mm and 3 between 3 and 5 mm, when compared with the contralateral side.

CONCLUSION:

Autologous hamstring tendons are a viable option in double-bundle reconstruction of the PCL, with good clinical results in a minimum follow-up of two years.

Keywords:
Knee/surgery; Posterior cruciate ligament; Knee injuries; Evaluation of results of therapeutic interventions

Introdução

As reconstruções do ligamento cruzado posterior (LCP) representam um desafio ao cirurgião de joelho. As frequentes lesões associadas e as dificuldades relacionadas ao seu procedimento reconstrutivo tornam os resultados difíceis e frequentemente inferiores às reconstruções do ligamento cruzado anterior.11. Ahn JH, Yoo JC, Wang JH. Posterior cruciate ligament reconstruction: double-loop hamstring tendon autograft versus Achilles tendon allograft - clinical results of a minimum 2 -year follow- up. Arthroscopy. 2005;21(8):965-9. Dentre as principais discussões relacionadas ao seu tratamento estão as opções de enxerto e a reconstrução em banda única ou dupla.

Os tendões flexores têm se mostrado uma ferramenta de grande utilidade na reprodução das propriedades biomecânicas do LCP. Tais enxertos apresentam como vantagens a pronta disponibilidade sem a necessidade de banco de tecidos, não agressão ao mecanismo extensor, baixa morbidade na área doadora e facilidade de passagem do enxerto pelos túneis ósseos, além de preenchimento total deles, o que favorece a integração e a estabilidade.22. Bullis DW, Paulos LE. Reconstruction of the posterior cruciate ligament with allograft. Clin Sports Med. 1994;13(3):581-97.;33. Indelicato PA, Bittar ES, Prevot TJ, Woods GA, Branch TP, Huegel M. Clinical comparison of freeze-dried and fresh frozen patellar tendon allografts for anterior cruciate ligament reconstruction of the knee. Am J Sports Med. 1990;18(4):335-42.;44. Nemzek JA, Arnoczky SP, Swenson CL. Retroviral transmission in bone allotransplantation. The effects of tissue processing. Clin Orthop Relat Res. 1996;(324):275-82.;55. Jackson DW, Grood ES, Arnoczky SP, Butler DL, Simon TM. Freeze dried anterior cruciate ligament allografts. Preliminary studies in a goat model. Am J Sports Med . 1987;15(4):295-303.;66. Defrere J, Franckart A. Freeze-dried fascia lata allografts in the reconstruction of anterior cruciate ligament defects. A two- to seven- year follow-up study. Clin Orthop Relat Res . 1994;(303):56-66. Soma-se a isso a possibilidade de retirada dos tendões de ambos os joelhos e aumento da espessura final, com maior semelhança com o LCP original.

Outro questionamento se refere à reconstrução do LCP com apenas um túnel femoral ou em dupla banda, essa última é uma tentativa de reproduzir de maneira mais efetiva a anatomia original do ligamento. Ao fazer dois túneis femorais o cirurgião de joelho tem por objetivo a manutenção das propriedades biomecânicas do LCP. Estudos recentes têm demonstrado superioridade dessa técnica na estabilidade do joelho, apesar da maior complexidade do procedimento.77. Harner CD, Janaushek MA, Kanamori A, Yagi M, Vogrin TM, Woo SL. Biomechanical analysis of a double-bandle posterior cruciate ligament reconstruction. Am J Sports Med . 2000;28(2):144-51.;88. Race A, Amis AA. PCL reconstruction. In vitro biomechanical comparison of isometric versus single and double-bundled 'anatomic' grafts. J Bone Joint Surg Br. 1998;80(1):173-9.;99. Yasuda K, Kitamura N, Kondo E, Hayashi R, Inoue M. One- stage anatomic double-bundle anterior and posterior cruciate ligament reconstruction using the autogenous hamstring tendons. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2009;17(7):800-5.;1010. Nyland J, Hester P, Caborn DN. Double-bundle posterior cruciate ligament reconstruction with allograft tissue: 2 -year postoperative outcomes. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc . 2002;10(5):274-9.;1111. Borden PS, Nyland JA, Caborn DN. Posterior cruciate ligament reconstruction (double bundle) using anterior tibialis tendon allograft. Arthroscopy . 2001;17(4):E14.;1212. Chen CH, Chen WJ, Shih CH. Arthroscopic double-bundled posterior cruciate ligament reconstruction with quadriceps tendon-patellar bone autograft. Arthroscopy . 2000;16(7):780-2.;1313. Markolf KL, Feeley BT, Jackson SR, McAllister DR. Biomechanical studies of double-bundle posterior cruciate ligament reconstructions. J Bone Joint Surg Am. 2006;88(8):1788-94.;1414. Shon OJ, Lee DC, Park CH, Kim WH, Jung KA. A comparison of arthroscopically assisted single and double bundle tibial inlay reconstruction for isolated posterior cruciate ligament injury. Clin Orthop Surg. 2010;2(2):76-84.

O objetivo do presente trabalho é apresentar os resultados de uma série de casos de reconstrução do LCP em dupla banda com o uso de tendões flexores autólogos de ambos os joelhos, avaliados com seguimento mínimo de dois anos.

Casuística e métodos

Foram selecionados casos de ruptura do ligamento cruzado posterior isolada, classificadas como grau 2 ou 3, sintomáticas após tratamento conservador, ou associadas a outras lesões, entre 2011 e 2013. Foram incluídos pacientes esqueleticamente maduros, sem limite de idade, que apresentavam o joelho virgem de lesões e/ou tratamento cirúrgico prévio. A análise final contou com 16 pacientes, 15 homens e uma mulher. A idade média dos pacientes foi de 31 anos (21-49) e o mecanismo predominante foi o acidente motociclístico em oito, automobilístico em quatro e esportivo em também quatro pacientes. O intervalo médio entre a lesão e a cirurgia foi de 15 meses (3-52).

Cinco pacientes apresentaram acometimento isolado do LCP e 11 lesão ligamentar associada. A tabela 1 resume as lesões associadas.

Tabela 1-
Frequência das lesões ligamentares

Aqueles que não respeitavam os critérios citados, com sinais clínicos e ou radiográficos de osteoartrose ou com lesões ósseas (fraturas) na região do joelho, foram excluídos.

Os pacientes foram submetidos a avaliação pré-operatória, que incluiu exame físico e aplicação dos escores de Lysholm1515. Peccin MS, Ciconelli R, Cohen M. Questionário específico para sintomas do joelho Lysholm Knee Scoring Scale: tradução e validação para a língua portuguesa. Acta Ortop Bras. 2006;14(5):268-72. e International Knee Documentation Committee (IKDC). Os exames de imagem feitos foram: radiografias de ambos os joelhos frente e perfil ortostáticas, axial de patelas, radiografia panorâmica dos membros inferiores e ressonância magnética do joelho acometido.

O procedimento cirúrgico, feito sempre pelo mesmo cirurgião, foi iniciado por um exame físico sob sedação, que documentou clinicamente as lesões encontradas. Na sequência foram retirados os tendões flexores (semitendíneo e grácil) de ambos os membros e foram submetidos a preparo e medição por médico assistente.

Para reconstrução das lesões isoladas do LCP foi usada a técnica transtibial, com os tendões flexores divididos da seguinte forma: dois enxertos do músculo semitendíneo reservados à reconstrução da banda anterolateral (AL) e dois enxertos do grácil para a posteromedial (PM). Tal estratégia teve por objetivo garantir uma espessura satisfatória ao ligamento reconstruído, foi conseguida uma dimensão média de 9-10 mm com a associação dos semitendíneos e 8-9 mm com os enxertos do grácil, essa é a espessura média de cada banda e de seu respectivo túnel femoral.

Nos casos de lesão periférica associada foi usado tendão único do semitendíneo para reconstrução. Nessa situação modificamos a estratégia de tratamento do LCP, foi reservado o tendão remanescente do semitendíneo associado a um grácil para reconstrução da banda AL e um enxerto único do músculo grácil para a PM. A técnica de escolha para as lesões da região posterolateral foi a proposta por Fanelli.1616. Fanelli GC. Fibular head-based posterolateral reconstruction of the knee: surgical technique and oucomes. J Knee Surg. 2015;28(6):455-63. As lesões associadas ao LCA foram reconstruídas em segundo tempo, usou-se o terço central do tendão patelar do joelho lesado. As lesões do ligamento colateral tibial foram tratadas conservadoramente.

A etapa artroscópica da cirurgia foi iniciada por inspeção articular minuciosa, com documentação e tratamento de lesões meniscais e condrais, seguida de desbridamento do ligamento lesado e preparo do leito distal do LCP através de portal posteromedial acessório. Iniciamos a confecção dos túneis pela tíbia através de guia apropriado e controle fluoroscópico da passagem do fio para minimizar os riscos de lesão vascular. O local escolhido corresponde ao centro do LCP na incidência anteroposterior e foi colocado no ponto médio da metade inferior da faceta do LCP na incidência de perfil. Os túneis femorais foram feitos com o auxílio de guia "de fora para dentro", respeitou-se o posicionamento anatômico do LCP, o centro das bandas AL e PM até a cartilagem articular foi em torno de 7 e 9 mm, respectivamente.

Após a passagem dos enxertos iniciamos pela fixação única da tíbia. No fêmur, fixamos primeiro a banda AL, com tensionamento em flexão de 90 graus. Na sequência estendemos o joelho e fixamos a banda PM em extensão. Em todos os túneis (femorais e tibial), a fixação foi feita com parafuso de interferência absorvível (Arthrex(r), Naples, Florida, EUA). As Figura 1 ; Figura 2 demonstram os locais onde foram feitos os túneis na tíbia e no fêmur, na reconstrução do LCP, enquanto a figura 3 demonstra como foi feita a reconstrução do canto posterolateral. Na figura 4 observa-se o aspecto da reconstrução do LCP nas imagens de ressonância nuclear magnética (RNM).

Figura 1-
Sequência de inserção e posição adequada do fio-guia, para perfuração do túnel tibial na reconstrução do LCP.

Figura 2-
Locais de perfuração dos túneis femorais no côndilo femoral medial, na reconstrução do LCP. Demostra a distância de cada um em relação à borda da cartilagem distal (em negro, banda AL e em amarelo, banda PM).

Figura 3-
Ilustração da técnica usada para reconstrução do canto posterolateral. Retirado de: Fanelli GC1616. Fanelli GC. Fibular head-based posterolateral reconstruction of the knee: surgical technique and oucomes. J Knee Surg. 2015;28(6):455-63..

Figura 4-
Aspecto da reconstrução do LCP nas imagens de ressonância magnética, demonstra o duplo túnel no fêmur e o túnel único na tíbia.

Após o procedimento os pacientes foram submetidos a um protocolo padronizado de reabilitação.1717. Cury RPL, Kiyomoto HD, Rosal GF, Bryk FF, Oliveira VM, Camargo OPA. Protocolo de reabilitação para as reconstruções isoladas do ligamento cruzado posterior. Rev Bras Ortop. 2012;47(4):421-7.

No pós-operatório, a avaliação final foi feita com seguimento mínimo de dois anos, foi feito um exame físico comparativo com o membro oposto. A posteriorização tibial foi mensurada através do KT-1000 e foram novamente aplicados os escores IKDC e Lysholm. Tanto a avaliação pré quanto a pós-operatória foram feitas por três dos autores.

O estudo foi submetido a aprovação por comitê de ética e pesquisa e devidamente registrado com o número CAAE 15810213.3.0000.5479.

Resultados

Ao fazer a avaliação por escores, encontramos um Lysholm pré-operatório médio de 55 pontos (ruim), que variou de 28 até 87. Na avaliação pós-operatória houve uma significativa melhoria dessa graduação, com uma média de 94 pontos (excelente), que variou de 85 a 100. Ao isolar as lesões únicas do LCP e as associadas, a análise pós- operatória demonstrou uma proximidade numérica considerável. Nos pacientes com acometimento apenas do LCP houve um progressão de 63,6 para 94,6 em média. Nos com acometimento combinado do canto posterolateral (seis casos), de 52,75 para 94. Naqueles casos de lesão do LCP e do LCA (três casos), evolução de 63,6 para 94,6. Por fim, nos pacientes com a lesão do LCP associada à lesão do ligamento colateral medial (dois casos), progressão de 40,5 para 95. Destaca-se nesses números a avaliação subjetiva pré-operatória inferior dos pacientes com lesão periférica associada, tanto do canto posterolateral como do compartimento medial.

O IKCD identificado previamente à cirurgia contou com 12 casos graduados como D e quatro casos C. No pós-operatório foi evidenciada melhoria, com seis casos classificados como A e 10 como B. Em uma análise individualizada desses resultados, novamente com a comparação das lesões isoladas com aquelas associadas, notamos que nas lesões do eixo central e periférica houve uma graduação pré-operatória inferior pelo IKDC. Todos os seis casos com acometimento do canto posterolateral foram classificados como D no pré-operatório, evoluíram para quatro casos graduados como B e dois A. Os dois casos com lesão do ligamento colateral medial evoluíram de D para A. Nas lesões combinadas do LCP e LCA, dois casos evoluíram de C para A e um caso de D para B. Já nas lesões isoladas, 60% (três de cinco) apresentavam graduação C pré-operatória, os outros dois foram graduados como D. Já no pós-operatório, todas as lesões isoladas foram classificadas como B pelo IKDC, por motivo de crepitação femoropatelar e déficit de arco de movimento. A tabela 2 resume os achados do IKDC.

Tabela 2-
IKDC pré e pós-operatório

Na análise pós-operatória através do artrômetro KT-1000, a diferença foi de 0 a 2 mm em 13 casos e de 3 a 5 mm em três.

Fizemos ainda os testes de pivot-shift reverso e mensuramos a rotação tibial externa através do dial test, em 30 e 90 graus. Em nenhum caso foi identificada positividade e a rotação tibial externa remanescente foi inferior a 5 graus na totalidade dos casos operados. O arco de movimento pós-operatório foi semelhante ao membro não operado em todos os casos. Crepitação femoropatelar leve foi encontrada em seis casos. Não identificamos atrofia muscular significativa nos pacientes operados. Não houve queixas de dor relacionada à retirada dos enxertos.

Discussão

Reproduzir de maneira efetiva as propriedades biomecânicas do LCP é um desafio, dadas as características biomecânicas e forças que agem sobre esse enxerto, além da incidência menor de lesões, o que torna a curva de aprendizado mais longa.

O uso dos tendões flexores é uma opção de grande utilidade e que apresenta bons resultados documentados na literatura. Pinczewski et al., 1818. Pinczewski LA, Thuresson P, Otto DD, Nyquist F. Arthroscopic posterior cruciate ligament reconstruction using four strand hamstring tendon graft and interference screws. Arthroscopy . 1997;13(5):661-5. na década de 1990, apresentaram uma série de 40 casos de reconstrução do LCP com uso dos tendões flexores. Shino et al., 1919. Shino K, Nakagawa S, Nakamura N, Matsumoto N, Toritsuka Y, Natsu-ume T. Arthroscopic posterior cruciate ligament reconstruction using hamstring tendons: one-incision technique with Endobutton. Arthroscopy . 1996;12(5):638-42. na mesma época, publicaram técnica que usou o semitendíneo/grácil para reconstrução em banda única, porém com fixação suspensória, ambas com resultados satisfatórios.

A nossa série traz uma característica nova em relação aos trabalhos prévios da literatura, a reconstrução em dupla banda com enxerto autólogo dos tendões flexores, retirados de ambos os membros. Essa opção representa a evolução de uma linha de pesquisa nas reconstruções do LCP, feita pelo grupo que apresenta esta publicação. Acreditamos que essa técnica, apesar de mais dispendiosa do ponto de vista técnico, reproduz de maneira mais efetiva a estabilização posterior do joelho. A questão da dupla banda, que no passado carecia de estudos de melhor qualidade em relação à metodologia empregada, em publicações mais recentes tem a sua superioridade demonstrada. Em recente metanálise, que incluiu 435 pacientes, Zhao et al. 2020. Zhao JX, Zhang LH, Mao Z, Zhang LC, Zhao Z, Su XY, et al. Outcome of posterior cruciate ligament reconstruction using the single- versus double bundle technique: a meta- analysis. J Int Med Res. 2015;43(2):149-60. encontraram superioridade da reconstrução em dupla banda sobre a banda simples, nas lesões isoladas do LCP, quando avaliada a estabilidade do joelho em 90 graus de flexão.

A comparação dos diferentes enxertos também está presente na literatura. Chen et al. 2121. Chen CH, Chen WJ, Shih CH. Arthroscopic reconstruction of the posterior cruciate ligament: a comparison of quadriceps tendon autograft and quadruple hamstring tendon graft. Arthroscopy . 2002;18(6):603-12. fizeram uma análise comparativa entre o uso dos tendões flexores e do tendão quadricipital, ambos autólogos. Nela, 54 pacientes foram avaliados e concluiu-se do que ambos os enxertos são satisfatórios. Encontramos, ainda, análise comparativa entre o uso do tendão de Aquiles e do semintendíneo/grácil. Ahn et al. 11. Ahn JH, Yoo JC, Wang JH. Posterior cruciate ligament reconstruction: double-loop hamstring tendon autograft versus Achilles tendon allograft - clinical results of a minimum 2 -year follow- up. Arthroscopy. 2005;21(8):965-9. randomizaram 36 pacientes igualmente entre os enxertos supracitados. Os autores encontraram resultados semelhantes com ambas as técnicas e destacaram que o menor comprimento e diâmetro dos tendões flexões não interferiu nos resultados.

Em nossa experiência, apesar de não incluirmos neste trabalho análise comparativa dos enxertos, temos casuística já publicada sobre o uso do tendão quadricipital associado ao semitendíneo.2222. Cury RP, Severino NR, Camargo OPA, Aihara T, Oliveira VM, Avakian R. Reconstrução do ligamento cruzado posterior com enxerto autólogo do tendão do músculo semitendinoso duplo e do terço médio do tendão do quadríceps em duplo túnel no fêmur e único na tíbia: resultados clínicos em dois anos de seguimento. Rev Bras Ortop . 2012;47(1):57-65.;2323. Cury RPLC, Mestriner MB, Kaleka CC, Severino NR, Oliveira VM, Camargo OP. Double-bundle PCL reconstruction using autogenous quadriceps tendon and semitendinous graft: surgical technique with 2 -year follow-up clinical results. Knee. 2014;21(3):763-8. Vemos como vantagens ao usar os tendões flexores a não agressão ao mecanismo extensor, que aprimora a reabilitação e reduz a morbidade pós-operatória, a maior facilidade na passagem do enxerto pelos túneis ósseos, o preenchimento total deles e a possibilidade de fixação com parafusos de interferência diretamente sobre o enxerto, sem interfaces. Acreditamos que esse aspecto biomecânico da fixação possa agregar estabilidade na reconstrução, uma vez que anulamos a fixação em poste usada para o tendão quadricipital, tida como biomecanicamente inferior. Os nossos resultados encontrados corroboram essas hipóteses, já que em 81% dos casos não houve diferença da estabilidade posterior com joelho a 90 graus na análise pelo KT1000.

Em nossa série, não conseguimos determinar com clareza algum fator que possa determinar um pior ou melhor prognóstico após a reconstrução ligamentar (sexo, idade, mecanismo de trauma etc.). Observamos, porém, que os casos com lesões associadas, nos quais a instabilidade prévia à cirurgia era mais pronunciada do que nos casos isolados, foram aqueles que mais se beneficiaram do procedimento cirúrgico, ao notarmos a maior variação dos escores entre o período pré e pós-operatório. Um fator presente em casos nos quais a pontuação pós-operatória foi mais baixa (tanto no Lysholm quanto no IKDC) foi a crepitação femoropatelar, que acreditamos estar ligada ao trauma direto na região anterior do joelho e que pode levar à dor e/ou incômodo mesmo na presença de um joelho estável. Esse fator, porém, esteve presente tanto em casos de lesões isoladas quanto em combinadas.

Um importante questionamento relacionado à retirada dos tendões flexores bilateralmente envolve a intervenção no membro sadio. Do ponto de vista técnico, essa retirada de todos os tendões se faz necessária, objetiva uma reprodução mais fiel das dimensões naturais do LCP, já que acreditamos que a espessura desempenha papel importante na estabilidade final. Em nossa casuística não encontramos queixas clínicas consideráveis relacionadas ao sítio doador. Também não identificamos crepitação femoropatelar ou atrofia muscular significativa. Essa informação está em conformidade com a literatura. Yasuda et al. 2424. Yasuda K, Tsujino J, Ohkoshi Y, Tanabe Y, Kaneda K. Graft site morbidity with autogenous semitendinosus and gracilis tendons. Am J Sports Med . 1995;23(6):706-14. analisaram os aspectos relativos à morbidade em 65 casos de lesões do LCA submetidos a retirada dos tendões flexores. Os autores encontraram queixas mínimas relacionadas ao sítio doador. Foi mensurada ainda a força muscular, que, apesar de apresentar alteração, se resolveu em aproximadamente um ano. Os autores concluem que os tendões flexores são uma opção satisfatória e com mínima morbidade associada.

As informações supracitadas têm extrema importância se considerarmos a realidade da maioria dos serviços ortopédicos nos países em desenvolvimento, nos quais o acesso a banco de tecidos ainda é carente e dispendioso.

As limitações do presente estudo são o número pequeno de pacientes, a ausência de grupo controle, bem como a inclusão de lesões isoladas e combinadas na mesma amostra.

Conclusão

O uso do autoenxerto dos tendões flexores é uma opção viável na reconstrução do LCP em dupla banda, apresenta bons resultados clínicos com um seguimento de dois anos. Essa técnica apresenta baixos índices de complicações e de morbidade na área doadora do enxerto.

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  • Trabalho desenvolvido no Grupo de Cirurgia do Joelho, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Faculdade de Ciências Médicasda Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (FCMSCSP), São Paulo, SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    16 Mar 2016
  • Aceito
    13 Jun 2016
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