Accessibility / Report Error

Estudo comparativo entre três técnicas cirúrgicas para fraturas intra-articulares de calcâneo: redução aberta e fixação interna com placa, fixação externa e minimamente invasiva Trabalho desenvolvido no Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital e Maternidade Celso Pierro, Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Campinas, SP, Brasil.

RESUMO

OBJETIVO:

Avaliar, comparar e identificar a técnica cirúrgica com melhor resultado para o tratamento de fraturas intra-articulares do calcâneo, levando em consideração evolução pós-operatória, complicações e pontuação no questionário Aofas.

MÉTODOS:

Estudo retrospectivo de 54 pacientes com fraturas de calcâneo operados entre e 2002 e 2012 com as técnicas 1) redução aberta com incisão lateral alargada em "L" e fixação com placa duplo "H" de 3,5 mm, 2) redução aberta por incisão lateral econômica e fixação percutânea com fios e parafusos e 3) redução aberta por incisão lateral econômica e fixação com fixador externo monoplanar regulável.

RESULTADOS:

Pacientes tratados pela via de acesso lateral e fixação com placa tiveram média de 76 pontos na escala Aofas, em pacientes tratados pela via de acesso lateral econômica e fixação com fios e parafuso a média foi de 71 e nos pacientes tratados com via de acesso lateral e fixador externo foi de 75 pontos. As três técnicas cirúrgicas demostraram-se efetivas no tratamento da fratura intra-articular do calcâneo, sem evidência de superioridade de uma técnica sobre as demais.

CONCLUSÃO:

A fratura intra-articular do calcâneo é uma fratura complexa e seu tratamento deve ser individualizado, baseado nas características do paciente, no tipo de fratura e na experiência do cirurgião com a técnica operatória escolhida.

Palavras-chave:
Calcâneo/lesões; Calcâneo/cirurgia; Estudo comparativo

ABSTRACT

OBJECTIVE:

To evaluate, compare and identify the surgical technique with best results for treating intra-articular calcaneal fractures, taking into account postoperative outcomes, complications and scoring in the Aofas questionnaire.

METHODS:

This was a retrospective study on 54 patients with fractures of the calcaneus who underwent surgery between 2002 and 2012 by means of the following techniques: (1) open reduction with extended L-shaped lateral incision and fixation with double-H plate of 3.5 mm; (2) open reduction with minimal incision lateral approach and percutaneous fixation with wires and screws; and (3) open reduction with minimal incision lateral approach and fixation with adjustable monoplanar external fixator.

RESULTS:

Patients treated using a lateral approach, with fixation using a plate had a mean Aofas score of 76 points; those treated through a minimal incision lateral approach with screw and wire fixation had a mean score of 71 points; and those treated through a minimal incision lateral approach with an external fixator had a mean score of 75 points. The three surgical techniques were shown to be effective for treating intra-articular calcaneal fractures, without any evidence that any of the techniques being superior.

CONCLUSION:

Intra-articular calcaneal fractures are complex and their treatment should be individualized based on patient characteristics, type of fracture and the surgeon's experience with the surgical technique chosen.

Keywords:
Calcaneus/injuries; Calcaneus/surgery; Comparative study

Introdução

As fraturas do calcâneo correspondem a aproximadamente 1-2% de todas as fraturas do corpo humano e constituem cerca de 60% das fraturas dos ossos do tarso. Ocorrem geralmente por traumas axiais de grande energia, como queda de altura ou acidentes automobilísticos.

De acordo com a literatura atual, 60-75% dessas fraturas são consideradas desviadas e intra-articulares,11. Sanders R. Displaced intra-articular fractures of the calcaneus. J Bone Joint Surg Am. 2000;82(2):225-50.,22. Besch L, Schmidt I, Mueller M, Daniels- Wredenhagen M, Hilgert RE, Varoga D, et al. A biomechanical evaluation to optimize the configuration of a hinged external fixator for the primary treatment of severely displaced intraarticular calcaneus fractures with soft tissue damage. J Foot Ankle Surg. 2008;47(1):26-33.and33. Geel CW, Flemister AS Jr. Standardized treatment of intraarticular calcaneal fractures using an oblique lateral incision and no bone graft. J Trauma. 2001;50(6):1083-9. o que evidencia a dificuldade do tratamento. Elas podem causar grande incapacidade devido à dor e rigidez crônica, além de deformidades no retropé. São fraturas marcadas por maus resultados clínico-funcionais devido a sua complexidade.

Aproximadamente 80-90% das fraturas de calcâneo ocorrem em pessoas do sexo masculino entre 21-40 anos e a maioria em trabalhadores industriais; vários autores44. Kinner BJ, Best R, Falk K, Thon KP. Is there a reliable outcome measurement for displaced intra-articular calcaneal fractures? J Trauma. 2002;53(6):1094-101.,55. Phipp E. Intra-articular fractures of the calcaneum: why such controversy? Injury. 1997;28(4):247-59.,66. Roukis TS, Wünschel M, Lutz HP, Kirschner P, Zgonis T. Treatment of displaced intra-articular calcaneal fractures with triangular tube-to-bar external fixation: long-term clinical follow-up and radiographic analysis. Clin Podiatr Med Surg. 2008;25(2):285-99.and77. Ali AM, Elsaied MA, Elmoghazy N. Management of calcaneal fractures using the Ilizarov external fixator. Acta Orthop Belg. 2009;75(1):51-6. têm reportado que a reabilitação dessas fraturas pode levar de nove meses a vários anos, o que implica um fardo econômico para a sociedade.

Desde o início dos anos 1980 o tratamento de escolha para as fraturas desviadas e intra-articulares de calcâneo era a redução aberta com fixação interna, porém complicações de partes moles, como deiscência cirúrgica e infecção, podem ocorrer em até 30% dos pacientes.88. Oznur A, Komurcu M, Marangoz S, Tasatan E, Alparslan M, Atesalp AS. A new perspective on management of open calcaneus fractures. Int Orthop. 2008;32(6):785-90.,99. Huang P, Huang H, Chen TB, Chen JC, Lin YK, Cheng YM, et al. Open reduction and internal fixation of displaced intra-articular fractures of the calcaneus. J Trauma. 2002;52(5):946-50.and1010. Barla J, Buckley R, McComarck R, Pate G, Leighton R, Petrie D, et al. Displaced intra-articular calcaneal fractures: long-term outcome in women. Foot Ankle Int. 2004;25(12):853-6.

Na tentativa de diminuir as taxas de complicações surgiram novas técnicas cirúrgicas, como incisões minimamente invasivas e fixações percutâneas, que acarretam menor injúria aos tecidos e diminuem a incidência de complicações de partes moles.1010. Barla J, Buckley R, McComarck R, Pate G, Leighton R, Petrie D, et al. Displaced intra-articular calcaneal fractures: long-term outcome in women. Foot Ankle Int. 2004;25(12):853-6.and1111. Westphal T, Piatek S, Halm J- P, Schubert S, Winckler S. Outcome of surgically treated intraarticular calcaneus fractures-SF-36 compared with Aofas and MFS. Acta Orthop Scand. 2004;75(6):750-5.

Apesar das modernas técnicas cirúrgicas e da considerável quantidade de trabalhos na literatura,1111. Westphal T, Piatek S, Halm J- P, Schubert S, Winckler S. Outcome of surgically treated intraarticular calcaneus fractures-SF-36 compared with Aofas and MFS. Acta Orthop Scand. 2004;75(6):750-5.,1212. Besch L, Waldschmidt JS, Daniels- Wredenhagen M, Varoga D, Mueller M, Hilgert RE, et al. The treatment of intra-articular calcaneus fractures with severe soft tissue damage with a hinged external fixator or internal stabilization: long-term results. J Foot Ankle Surg. 2010;49(1):8-15.and1313. Barei D, Bellabarba C, Sangeorzean B, Benirschke S. Fractures of the calcaneus. Orthop Clin North Am. 2002;33(1):263-85. as fraturas do calcâneo e a melhor forma de tratamento permanecem um enigma para os cirurgiões ortopédicos.

Este estudo tem como objetivo avaliar, comparar e identificar a técnica cirúrgica com melhor resultado clínico-funcional para o tratamento das fraturas desviadas intra-articulares do calcâneo entre 1) redução aberta com incisão lateral alargada em "L" e fixação com placa duplo "H" de 3,5 mm, 2) redução aberta por incisão lateral econômica e fixação percutânea com fios e parafusos e 3) redução aberta por incisão lateral econômica e fixação com fixador externo monoplanar regulável.

Material e métodos

O protocolo de estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos sob n°064/11.

Estudo retrospectivo que avaliou prontuários de 54 pacientes com 60 fraturas de calcâneo, operados entre 2002 e 2012, em hospital universitário de Campinas pelo mesmo cirurgião ortopédico especialista em pé e tornozelo. Os critérios de inclusão contemplaram pacientes esqueleticamente maduros com fraturas intra-articulares desviadas de calcâneo classificadas segundo Sanders como tipo II e III e operados com uma das técnicas cirúrgicas a seguir:

1. Acesso cirúrgico lateral convencional mais fixação do implante de 3,5 mm: incisão entre fíbula e tendão do calcâneo com início acima do maléolo lateral e estendida em torno e posterior a esse na direção da base do V metatarsal. Nervo sural identificado e protegido. O ligamento calcâneo-fibular é desinserido em sua inserção no calcâneo e juntamente com os tendões fibulares luxados é rebatido anteriormente para exposição do calcâneo lateral e articulações calcaneocubóidea e subtalar. A fratura é então reduzida e fixada com um implante para calcâneo de 3,5 mm (Figura 1 and Figura 2).

Figura 1
Acesso lateral amplo conforme descrito por Seligson (A); Redução da fratura por visualização direta com elevador de periósteo (B); Fixação temporária da redução com fios de Kirschener 1,6 (C); Fixação interna com placa 3,5 mm para calcâneo (D).

Figura 2
Exemplo de fratura de calcâneo intra-articular desviada, classificada como Sanders II e tratada com redução aberta e fixação interna. (A) Radiografia em anteroposterior do calcâneo; (B) radiografia em axial de calcâneo; (C) tomografia em corte coronal; (D) resultado pós-operatório.

2. Mini-incisão e fixação com fios e parafusos: incisão lateral de 3-5 cm diretamente sobre o seio do tarso. Divulsão dos tecidos moles com cuidado com os tendões dos fibulares. Reduzida fratura articular com auxílio de formões delicados de ponta fina. Feita fixação provisória com fios de Kirschner 1,6 mm nos fragmentos para manutenção da redução e fixação definitiva com parafusos canulados 3,5 ou 4,5 mm (fig. 3).

Figura 3
Exemplo de fratura de calcâneo tratada com incisão lateral econômica e fixação com fios e parafusos. (A) Incisão lateral econômica; (B e C): resultado pós-operatório.

3. Mini-incisão e fixador externo monoplanar: incisão lateral de 3-5 cm diretamente sobre o seio do tarso. Divulsão dos tecidos moles com cuidado com os tendões dos fibulares e o nervo sural. Reduzida fratura articular com auxílio de formões delicados e ponta fina. Fixação provisória com fios de Kirschner 1,6 mm nos fragmentos para manutenção da redução. Inseridos dois pinos de Schanz no calcâneo abaixo da superfície articular da região subtalar, dois pinos no fragmento posterior do calcâneo e por último dois pinos no fragmento anterior. Bloqueia-se o fixador externo. Então os trilhos principal e vertical são distraídos até a visualização da redução sob auxílio de fluoroscopia (fig. 4).

Figura 4
Exemplo de fratura tratada com incisão lateral econômica e fixação com fixador externo monoplanar.

No manejo pós-operatório é estimulada a mobilização precoce da articulação do tornozelo e subtalar na primeira semana de pós-operatório. As suturas são removidas duas semanas após a cirurgia. Nos paciente operados com a técnica do fixador externo a carga parcial é iniciada a partir de quatro semanas e carga total a partir de oito semanas associada à retirada do fixador. Nas outras técnicas inicia-se a carga parcial na oitava semana pós-operatória. Com seguimento ambulatorial pós-operatório de no mínimo dois anos para todos os pacientes.

Não foram incluídos pacientes esqueleticamente imaturos, com fraturas de calcâneo Sanders tipos I e IV e pacientes com cirurgia prévia no pé.

Procedimentos

Entre 2002 e 2012 foram operados 54 pacientes (60 fraturas) e optou-se aleatoriamente por uma de três técnicas cirúrgicas: 1) abordagem lateral tradicional em "L" e fixação com placa do tipo duplo "H" de 3,5 mm, sem enxerto ósseo, totalizando 20 pacientes e 23 fraturas de calcâneo; 2) via de acesso lateral econômica e fixação mínima, focada na articulação talo-calcânea, feita apenas com fios e parafusos (27 pacientes e 27 fraturas de calcâneo); e 3) via de acesso lateral econômica e fixação com fixador monoplanar regulável, em sete pacientes e 10 fraturas de calcâneo (tabela 1).

Tabela 1
Pacientes operados segundo as técnicas cirúrgicas analisadas

As radiografias bilaterais em perfil e axiais foram tomadas no período pré-operatório e pós- operatório imediato e tardio. Foram aferidos os ângulos de Böhler e Gissane. Os pacientes responderam aos questionários da Aofas1414. Sanders R, Gregory P. Operative treatment of intra-articular fractures of the calcaneus. Orthop Clin North Am. 1995;26(2):203-14. (American Orthopaedic Foot and Ankle Society) e de Johnson1515. Bucholz RW, Heckman JD. Rockwood e Green. Fraturas em adultos. 5 ed. São Paulo: Manole; 2006. e avaliaram-se também as complicações cirúrgicas precoces e tardias. O questionário Aofas mensura a escala subjetiva de dor, a função do pé e o alinhamento do pé e tornozelo, com as seguintes variáveis: grau de atividade (básica ou recreacional), distância caminhada, capacidade para caminhar em diferentes superfícies, anormalidade na marcha, capacidade de movimentação do pé e do retropé (flexo-extensão e inversão-eversão), estabilidade entre tornozelo e retropé.

O questionário de Johnson avalia complicações e satisfação subjetiva do paciente: completamente satisfeito, satisfeito com mínimas restrições, satisfeito com maiores restrições e insatisfeito.

Com o intuito de avaliar quais das seguintes técnicas cirúrgicas têm melhor resultado de tratamento de fraturas intra-articulares do calcâneo: incisão em "L" e fixação com placa, mini- incisão lateral e fixação com fios e parafusos e fixador monoplanar regulável. Foi feito o teste de comparação de médias (t de Student), com variâncias desconhecidas e diferentes, para cada par de métodos.

Sendo assim comparou-se: 1) se o método incisão em "L" e fixação com placa é igual ao de mini- incisão lateral e fixação com fios e parafusos; 2) se o método incisão em "L" e fixação com placa é igual ao fixador monoplanar regulável e 3) se o método mini-incisão lateral e fixação com fios e parafusos é igual ao fixador monoplanar regulável. Os dados coletados são as respostas do Aofas para cada paciente.

Resultados

Dos 20 pacientes tratados pela via de acesso lateral e fixados com placa, 16 deambulavam sem restrições (80%), dois claudicavam (10%) e dois necessitavam de auxílio de muletas (10%). Na escala Aofas obteve-se uma média de 76 (variação de 62 a 94), em que resultados considerados excelentes variam de 90 a 100 pontos. Resultados bons vão de 80 a 89, regulares de 70 a 79 e ruins quando menores do que 69. A média do ângulo de Böhler pós-operatório nos pacientes foi de 22' (variação de 12 a 32') e a do ângulo de Gissane foi de 129' (variação de 100 a 132'), tendo como valores normais o intervalo entre 20° e 40° para o primeiro e aproximadamente 100° para o segundo.1616. Monsey R, Levine B, Trevino S, Kristiansen T. Operative treatment of acute displaced intra-articular calcaneus fractures. Foot Ankle Int. 1995;16(2):57-63.

Dos 27 pacientes tratados com via de acesso lateral econômica e fixação mínima, 24 deambulavam sem limitações, dois claudicavam e um necessitava do auxílio de muleta. Todos apresentavam dificuldade para caminhar em terrenos irregulares. A escala Aofas apresentou média de 71 pontos (variação de 60 a 90). A média do ângulo de Böhler pós-operatório nesses pacientes foi de 18° (variação de 6 a 40') e a do ângulo de Gissane foi de 88° (variação de 76 a 102°).

Sete pacientes foram tratados com via de acesso lateral econômica e fixador externo, seis deambulavam sem limitações e um claudicava. Como resultado da escala Aofas obteve-se média de 75 pontos (variação de 63 a 87). A média do ângulo de Böhler pós-operatório foi de 17,8° (variação de 0 a 32°) e a do ângulo de Gissane foi de 103° (variação de 100 a 126°).

No nível de significância de 5% podemos concluir que não existe diferença entre os três tipos de tratamento, pois o p-valor para as três comparações abaixo sempre foi maior do que 0,05. Isso indica que não existe diferença estatística entre os tratamentos (tabela 2).

Tabela 2
Resultado da análise estatística

Discussão

A complexa anatomia do calcâneo, sua estrutura óssea esponjosa com cortical delgada, fraturas articulares e desviadas, traumas de alta energia e pouca cobertura de partes moles contribuem para a dificuldade no manejo dessas fraturas.1717. Rammelt S, Amlang M, Barthel S, Zwipp H. Minimally-invasive treatment of calcaneal fractures. Injury. 2004;35 Suppl. 2:SB55-63.,1818. Asik M, Sen C. Surgical management of intraarticular fractures of the calcaneus. Arch Orthop Trauma Surg. 2002;122(6):354-9.and1919. Murachovsky J, Martinelli M, Ferreira RC, Fonseca Filho F. Fratura articular do calcâneo: resultado clínico e funcional do tratamento cirúrgico. Rev Bras Ortop. 2000;35(8):314-24.

Nos países desenvolvidos a maioria das fraturas de calcâneo desviadas intra-articulares é tratada por meio de redução aberta via acesso lateral e fixação com placa e parafuso 3,5 mm. Essa abordagem oferece boa visualização da fratura ao custo de maior ou grande lesão às partes moles, o que aumenta o risco de necrose, deiscência cirúrgica e infecção. Por essa razão diversos cirurgiões vêm buscando técnicas cirúrgicas minimamente invasivas com menor dano às partes moles.2020. Burdeaux BD. Fractures of the calcaneus: open reduction and internal fixations from the medial side: a 21 -year prospective study. Foot Ankle Int. 1997;18(11):685-92.and2121. Zwipp H, Rammelt S, Barthel S. Calcaneal fractures-open reduction and internal fixation (ORIF). Injury. 2004;35 Suppl. 2:SB46-54.

Na presente amostra a maioria dos pacientes era do sexo masculino em idade laborativa (média de 40 anos) e todos os casos com trauma axial por queda de altura como mecanismo de trauma.

Na análise dos resultados radiográficos das medidas dos ângulos de Bohler e de Gissane observa-se que nas técnicas de redução aberta e fixação com placa e parafusos e na redução aberta (acesso econômico) e fixação percutânea foi possível a restauração dos ângulos em 100% dos casos, enquanto que com a técnica de redução aberta (acesso econômico) e uso de fixador externo monoplanar regulável a restauração do ângulo de Bohler só foi possível em 40% dos casos, enquanto que no ângulo de Gissane todos os valores ficaram entre o valor de referência. Pode existir pequena variância na aferição desses ângulos devido à pequena rotação durante o exame radiográfico poder influenciar os valores obtidos, além da precisão do goniômetro usado; no entanto as mesmas foram padronizadas e feitas por profissional experiente.

Pela escala de Johnson, nenhum paciente demonstrou estar completamente satisfeito nem completamente insatisfeito com alguma das técnicas usadas; o que pode ser considerado um dado positivo, tendo em vista a evolução clínica das fraturas de calcâneo.

Quanto ao questionário Aofas, verificou-se que em relação à técnica minimamente invasiva com fixação percutânea 7,4% dos pacientes apresentaram resultados excelentes, 51,8% resultados bons, 29,6% foram regulares e apenas 11,1% foram considerados resultados ruins. Com relação à técnica minimamente invasiva e fixação externa (fixador monoplanar regulável), o questionário apresentou 20% de resultados bons, 60% de regulares e 20% de ruins. Na literatura, resultados bons e excelentes podem variar entre 42% 62% com a técnica convencional de redução aberta e fixação com placa e parafuso; o que demonstra uma vantagem da redução aberta econômica com fixação percutânea em relação às demais técnicas, que apresentou 65,2% de resultados considerados bons e excelentes, acima da média observada (tabela 3).

Tabela 3
Resultado da escala Aofas

Com relação às complicações, tema de bastante relevância para escolha do tratamento definitivo, nosso estudo demostrou que no grupo tratado com redução aberta econômica e fixação percutânea não houve complicações de partes moles como necrose, deiscência, tendinite ou lesões nervosas, que na literatura podem alcançar 27% a 33% dos casos. No grupo em que foi usada a fixação externa com fixador monoplanar regulável um único paciente (14,2%) apresentou infecção de partes moles. No grupo tratado pela técnica convencional de redução aberta e fixação com placa e parafusos quatro pacientes (20%) apresentaram complicações, dentre elas infecção (25%), necrose de pele (50%) e neuroma do nervo sural (25%).

Sobre o retorno ao trabalho a literatura aponta aproximadamente 80% dos pacientes submetidos à técnica convencional.2222. Dooley P, Buckley R, Tough S, McComarck B, Pate G, Leighton R, et al. Bilateral calcaneal fractures: operative versus nonoperative treatment. Foot Ankle Int. 2004;25(2):47-52.and2323. Lim EVA, Leung JP. Complications of intraarticular calcaneal fractures. Clin Orthop. 2001;(391):7-16. Este estudo demonstrou que com a técnica minimamente invasiva e fixação percutânea todos os pacientes retornaram às suas atividades laborais. Dos pacientes tratados com a técnica convencional observou-se um retorno de 100% às atividades laborais, porém 50% deles passaram a desempenhar outras atividades.

Podemos explicar a discrepância encontrada na literatura entre os resultados obtidos com a técnica convencional de acesso em "L" e o uso de técnicas minimamente invasivas por essas causarem menor morbidade ao paciente, uma vez que são menos agressivas e a lesão às partes moles é menor.

Não existe um tratamento ou abordagem cirúrgica universal para todas as fraturas intra-articulares desviadas do calcâneo. A escolha do tratamento deve basear-se nas características do paciente e no tipo da fratura. O tipo de fratura, o grau de deslocamento e a incongruência subtalar são indicadores importantes, assim como as condições em que se apresentam as partes moles, o estado físico e mental do paciente e a presença ou não de comorbidades como tabagismo e diabetes mellitus, que influenciam diretamente no processo de cicatrização e podem elevar o risco de complicações cirúrgicas. A literatura mostra que a curva de aprendizado para o tratamento com redução aberta e fixação das fraturas intra-articulares desviadas do calcâneo é estimada em 35 a 50 cirurgias. 2424. Paul M, Peter R, Hofmeyer P. Fractures of the calcaneum. J Bone Joint Surg Br. 2004;86(8):1142-5. Por isso, deve ser considerada também a experiência do cirurgião ortopédico com a técnica a ser usada.

Conclusão

Em vigência de uma discussão internacional da eficácia dos métodos minimamente invasivos, este estudo comprova a eficácia dessas técnicas e mostra que além de eficazes são correlacionadas com menor morbidade e melhor qualidade de vida dos pacientes, o que vem sendo observado na literatura. Porém, nosso estudo não demonstrou superioridade estatística da técnica minimamente invasiva com fixação percutânea sobre as demais técnicas. São necessários trabalhos com maior número de pacientes, uma vez que há escassez de trabalhos randomizados que comparem essas técnicas.

  • Trabalho desenvolvido no Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital e Maternidade Celso Pierro, Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Campinas, SP, Brasil.

References

  • 1
    Sanders R. Displaced intra-articular fractures of the calcaneus. J Bone Joint Surg Am. 2000;82(2):225-50.
  • 2
    Besch L, Schmidt I, Mueller M, Daniels- Wredenhagen M, Hilgert RE, Varoga D, et al. A biomechanical evaluation to optimize the configuration of a hinged external fixator for the primary treatment of severely displaced intraarticular calcaneus fractures with soft tissue damage. J Foot Ankle Surg. 2008;47(1):26-33.
  • 3
    Geel CW, Flemister AS Jr. Standardized treatment of intraarticular calcaneal fractures using an oblique lateral incision and no bone graft. J Trauma. 2001;50(6):1083-9.
  • 4
    Kinner BJ, Best R, Falk K, Thon KP. Is there a reliable outcome measurement for displaced intra-articular calcaneal fractures? J Trauma. 2002;53(6):1094-101.
  • 5
    Phipp E. Intra-articular fractures of the calcaneum: why such controversy? Injury. 1997;28(4):247-59.
  • 6
    Roukis TS, Wünschel M, Lutz HP, Kirschner P, Zgonis T. Treatment of displaced intra-articular calcaneal fractures with triangular tube-to-bar external fixation: long-term clinical follow-up and radiographic analysis. Clin Podiatr Med Surg. 2008;25(2):285-99.
  • 7
    Ali AM, Elsaied MA, Elmoghazy N. Management of calcaneal fractures using the Ilizarov external fixator. Acta Orthop Belg. 2009;75(1):51-6.
  • 8
    Oznur A, Komurcu M, Marangoz S, Tasatan E, Alparslan M, Atesalp AS. A new perspective on management of open calcaneus fractures. Int Orthop. 2008;32(6):785-90.
  • 9
    Huang P, Huang H, Chen TB, Chen JC, Lin YK, Cheng YM, et al. Open reduction and internal fixation of displaced intra-articular fractures of the calcaneus. J Trauma. 2002;52(5):946-50.
  • 10
    Barla J, Buckley R, McComarck R, Pate G, Leighton R, Petrie D, et al. Displaced intra-articular calcaneal fractures: long-term outcome in women. Foot Ankle Int. 2004;25(12):853-6.
  • 11
    Westphal T, Piatek S, Halm J- P, Schubert S, Winckler S. Outcome of surgically treated intraarticular calcaneus fractures-SF-36 compared with Aofas and MFS. Acta Orthop Scand. 2004;75(6):750-5.
  • 12
    Besch L, Waldschmidt JS, Daniels- Wredenhagen M, Varoga D, Mueller M, Hilgert RE, et al. The treatment of intra-articular calcaneus fractures with severe soft tissue damage with a hinged external fixator or internal stabilization: long-term results. J Foot Ankle Surg. 2010;49(1):8-15.
  • 13
    Barei D, Bellabarba C, Sangeorzean B, Benirschke S. Fractures of the calcaneus. Orthop Clin North Am. 2002;33(1):263-85.
  • 14
    Sanders R, Gregory P. Operative treatment of intra-articular fractures of the calcaneus. Orthop Clin North Am. 1995;26(2):203-14.
  • 15
    Bucholz RW, Heckman JD. Rockwood e Green. Fraturas em adultos. 5 ed. São Paulo: Manole; 2006.
  • 16
    Monsey R, Levine B, Trevino S, Kristiansen T. Operative treatment of acute displaced intra-articular calcaneus fractures. Foot Ankle Int. 1995;16(2):57-63.
  • 17
    Rammelt S, Amlang M, Barthel S, Zwipp H. Minimally-invasive treatment of calcaneal fractures. Injury. 2004;35 Suppl. 2:SB55-63.
  • 18
    Asik M, Sen C. Surgical management of intraarticular fractures of the calcaneus. Arch Orthop Trauma Surg. 2002;122(6):354-9.
  • 19
    Murachovsky J, Martinelli M, Ferreira RC, Fonseca Filho F. Fratura articular do calcâneo: resultado clínico e funcional do tratamento cirúrgico. Rev Bras Ortop. 2000;35(8):314-24.
  • 20
    Burdeaux BD. Fractures of the calcaneus: open reduction and internal fixations from the medial side: a 21 -year prospective study. Foot Ankle Int. 1997;18(11):685-92.
  • 21
    Zwipp H, Rammelt S, Barthel S. Calcaneal fractures-open reduction and internal fixation (ORIF). Injury. 2004;35 Suppl. 2:SB46-54.
  • 22
    Dooley P, Buckley R, Tough S, McComarck B, Pate G, Leighton R, et al. Bilateral calcaneal fractures: operative versus nonoperative treatment. Foot Ankle Int. 2004;25(2):47-52.
  • 23
    Lim EVA, Leung JP. Complications of intraarticular calcaneal fractures. Clin Orthop. 2001;(391):7-16.
  • 24
    Paul M, Peter R, Hofmeyer P. Fractures of the calcaneum. J Bone Joint Surg Br. 2004;86(8):1142-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    27 Abr 2015
  • Aceito
    10 Jul 2015
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br