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Leishmaniose mucosa: aspectos clínicos e epidemiológicos

Resumos

A leishmaniose tem sido documentada em diversos países, sendo estimada uma prevalência mundial de 12 milhões, com 400.000 casos novos de doença por ano. A leishmaniose tegumentar americana encontra-se situada entre as grandes endemias existentes no Brasil e na América Latina. OBJETIVO: O objetivo deste estudo é complementar o conhecimento sobre leishmaniose mucosa, apresentando a experiência dos Serviços de Imunologia e de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Professor Edgar Santos da Universidade Federal da Bahia. COMENTÁRIOS: A leishmaniose cutânea é a forma mais comum de leishmaniose tegumentar americana, contudo, concomitantemente ou após anos de doença cutânea podem ocorrer lesões mucosas. A leishmaniose mucosa é causada principalmente pela L. braziliensis braziliensis e, apesar de a mucosa nasal ser a área principalmente acometida, lesões podem também ser documentadas nos lábios, boca, na faringe e na laringe. Fatores do parasito, bem como da resposta imune do hospedeiro podem estar envolvidos na patogênese da lesão tissular na leishmaniose mucosa.

doença granulomatosa; leishmaniose; leishmaniose mucosa


Leishmaniasis has been documented in several countries, with an estimated prevalence of 12 million people and an incidence at around 400,000 new cases per year. Leishmaniasis in the New World is one the major endemic diseases in Brazil and Latin America. OBJECTIVE: The aim of this study was to add to the current knowdlegde on mucosal leishmaniasis, bringing the experience of the Imunology and Otolaryngology Departments in the Professor Edgar Santos University Hospital of the Federal University of Bahia. CONCLUSION: Cutaneous leishmaniasis is the most common form of New World Leishmaniasis; mucosal legions may occur simultaneously or after years of disease. Mucosal leishmaniasis is caused mainly by L. braziliensis braziliensis; although the nasal mucosa is the most affected area, lesions may be found on the lips, mouth, pharynx and larynx. In addition to parasite-related factors, the host immune response may be involved in the pathogenicity of lesions in mucosal leishmaniasis.

granulomatous disease; leishmaniasis; mucosal leishmaniasis


ARTIGO DE REVISÃO

Leishmaniose mucosa: aspectos clínicos e epidemiológicos

Marcus Miranda LessaI; Hélio Andrade LessaII; Thomas W. N. CastroIII; Adja OliveiraIII; Albert ScheriferIV; Paulo MachadoV; Edgar M. CarvalhoVI

IPesquisador Associado dos Serviços de Imunologia e Otorrinolaringologia do HUPES da Universidade Federal da Bahia. Doutor em Ciências pela Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP. Fellow em Cirurgia Endoscópica Nasossinusal pela Universidade de Graz/Áustria

IIProfessor Adjunto da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do HUPES

IIIMédico Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do HUPES da Universidade Federal da Bahia

IVProfessor Adjunto do Departamento de Biointeração do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia

VPesquisador Associado do Serviço de Imunologia do HUPES da Universidade Federal da Bahia

VIProfessor Titular do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Chefe do Serviço de Imunologia do HUPES

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua João das Botas s/n Canela 40110-160 Salvador BA. Serviço de Imunologia - 5º andar Hospital Universitário Prof. Edgard Santos - UFBA. Fax: (0xx71)245-7110 E-mail: imuno@ufba.br/ lessamm@terra.com.br

RESUMO

A leishmaniose tem sido documentada em diversos países, sendo estimada uma prevalência mundial de 12 milhões, com 400.000 casos novos de doença por ano. A leishmaniose tegumentar americana encontra-se situada entre as grandes endemias existentes no Brasil e na América Latina.

OBJETIVO: O objetivo deste estudo é complementar o conhecimento sobre leishmaniose mucosa, apresentando a experiência dos Serviços de Imunologia e de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Professor Edgar Santos da Universidade Federal da Bahia.

COMENTÁRIOS: A leishmaniose cutânea é a forma mais comum de leishmaniose tegumentar americana, contudo, concomitantemente ou após anos de doença cutânea podem ocorrer lesões mucosas. A leishmaniose mucosa é causada principalmente pela L. braziliensis braziliensis e, apesar de a mucosa nasal ser a área principalmente acometida, lesões podem também ser documentadas nos lábios, boca, na faringe e na laringe. Fatores do parasito, bem como da resposta imune do hospedeiro podem estar envolvidos na patogênese da lesão tissular na leishmaniose mucosa.

Palavras-chave: doença granulomatosa, leishmaniose, leishmaniose mucosa.

INTRODUÇÃO

Estudos sobre a leishmaniose no sudeste da Bahia tiveram início na década de 70, quando uma unidade de leishmaniose foi montada na região de Três Braços, município de Wenceslau Guimarães-BA1. Com a construção do Posto de Saúde de Corte de Pedra, vila localizada a cerca de 30Km da região de Três Braços, a grande maioria dos casos de leishmaniose de cerca de 20 municípios é encaminhados para este posto. Anualmente, cerca de 500 casos de leishmaniose cutânea e 10 a 20 casos de leishmaniose mucosa são vistos neste posto de saúde.

No presente estudo serão revisados os aspectos epidemiológicos e clínicos da leishmaniose mucosa, apresentando a experiência dos Serviços de Imunologia e de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Professor Edgar Santos da Universidade Federal da Bahia.

Aspectos epidemiológicos e taxonomia

O termo leishmaniose refere-se à infecção de hospedeiros vertebrados com os protozoários do gênero Leishmania, os quais, como os outros tripanossomatídeos da ordem Kinetoplástida, apresentam, caracteristicamente, um DNA extranuclear no seu citoplasma em uma organela mitocondrial, o cinetoplasto. Este gênero caracteriza-se por apresentar duas formas evolutivas durante o seu ciclo biológico nos organismos hospedeiros: amastigota, que é parasito obrigatório intracelular em vertebrados, e promastigota, desenvolvendo-se no tubo digestivo dos vetores invertebrados ou em meios axênicos de cultura.

As leishmanioses são primariamente infecções zoonóticas, afetando outras espécies que não o homem, o qual pode ser envolvido secundariamente, podendo mesmo a transmissão inter-humana ser eventualmente predominante ou exclusiva. A transmissão habitualmente se faz através da picada de espécies de flebotomídeos, pertencentes a diferentes gêneros (Phlebotomus, Lutzomya), dependendo da localização geográfica.

A leishmaniose tegumentar americana (LTA) encontra-se situada entre as grandes endemias existentes no Brasil e na América Latina2. Mesmo levando-se em conta as falhas de notificação compulsória, é evidente o crescente número de casos novos da doença. Calcula-se que a prevalência mundial de leishmaniose é de 12 milhões, acometendo 80 países e com uma estimativa de 400.000 casos novos da doença por ano3.

As leishmanioses têm ampla distribuição, sendo documentadas na África, Europa, Ásia e América3. No Velho Mundo, são identificadas como agentes causais da leishmaniose a L. tropica, L. major e L. aethiopica, responsáveis por causarem leishmaniose tegumentar, e a L. donovani e L. infantum, agentes causais da leishmaniose visceral. Nas Américas, a L. chagasi é associada com a leishmaniose visceral e várias espécies de leishmania têm a capacidade de causar leishmaniose tegumentar, tais como: L. braziliensis (Lvb), L. amazonensis, L. guianensis, L. pananmensis e L. mexicana. A caracterização das espécies de leishmania que era feita inicialmente, considerando-se o comportamento do parasito no vetor, conta hoje com técnicas bioquímicas e imunológicas e de biologia molecular, através da análise de isoenzimas, reatividade com anticorpos monoclonais e análise do DNA do cinetoplasto4.

A leishmaniose mucosa é uma forma de leishmaniose tegumentar associada com a L. braziliensis, L. panamensis e menos freqüentemente com a L. amazonensis.

Estudos prévios têm chamado atenção de que se constituem fatores de risco para o desenvolvimento da leishmaniose mucosa a presença de lesões acima da cintura pélvica, úlceras cutâneas de grande tamanho e tratamento inadequado da leishmaniose cutânea5. Séries isoladas têm também mostrado a elevada freqüência de doença mucosa em pacientes com leishmaniose cutânea disseminada6. Neste caso específico, existem múltiplas lesões, habitualmente abaixo e acima da cintura pélvica, e a face é muito comprometida6.

Aspectos clínicos

A leishmaniose tegumentar é mais freqüente do que a doença visceral e é caracterizada na sua forma clássica pela presença de úlcera bem delimitada de bordas elevadas (Figura 1). Na leishmaniose tegumentar americana, causada por L. braziliensis, estudos recentes têm mostrado que dias ou semanas antes do aparecimento da lesão cutânea ocorre um aumento de gânglios linfáticos, próximo ao local da inoculação do parasito. A linfadenopatia é não-dolorosa ou com dor leve e linfonodos com diâmetro maior do que 5cm são facilmente documentados. Como a maioria das úlceras causadas pela L. braziliensis é em membros inferiores, a maioria destes linfonodos é detectada em região inguinal, crural e menos freqüentemente em região poplítea. Em membros superiores são freqüentes os gânglios epitrocleanos e axilares. Estas linfadenopatias regridem em semanas; mas, em pacientes com úlceras cutâneas com mais de 2 meses de duração, a linfadenopatia pode ainda ser observada7.


Em áreas de transmissão de L. braziliensis concomitantemente ou após a resolução da doença cutânea, cerca de 3% dos pacientes com leishmaniose cutânea irão desenvolver a forma mucosa da doença denominada de espúndia. Além da forma cutânea clássica e da forma mucosa, duas outras formas clínicas de leishmaniose tegumentar são bem conhecidas: a leishmaniose cutânea disseminada e a leishmaniose cutânea difusa. Em ambas as formas existem múltiplas lesões; mas, as diferenças clínicas, histopatológicas e imunológicas nestas condições são nítidas8. A leishmaniose cutânea difusa é causada em nosso meio pela L. amazonensis e apresenta-se sob a forma de nódulos. Não existe resposta imune celular contra antígenos do parasito, sendo, portanto, negativa a intradermorreação com antígeno de leishmania. O achado histopatológico é caracterizado por um infiltrado de macrófagos repletos de leishmania6. A leishmaniose cutânea disseminada caracteriza-se por lesões acneiformes que, posteriormente, podem ulcerar. Histopatologicamente há infiltrado eosinofílico e/ou linfoplasmocitário e parasitos podem ou não ser documentados na lesão. A resposta imune é variável, mas na maioria dos casos preservada6. Enquanto na leishmaniose cutânea difusa o comprometimento da mucosa nasal não é observado, na forma disseminada o envolvimento do nariz é muito freqüente6.

A razão pela qual indivíduos infectados por leishmania podem apresentar envolvimento da mucosa não é de todo conhecida. A associação da infecção por L. braziliensis com esta forma da doença sugere que, além do hospedeiro, fatores relacionados ao parasito sejam relevantes para o desenvolvimento da doença mucosa. Atualmente, aceita-se que a ocorrência de leishmaniose clinicamente manifesta esteja na dependência de fatores inerentes ao parasito, da resistência natural do hospedeiro e da magnitude da resposta imunológica9. Admite-se que no homem a propagação da doença, desde a lesão cutânea até o nariz, pode ocorrer por via linfática, hematogênica (através de metástases) e raramente pelo contato direto da mucosa com a lesão cutânea como no caso de um recém-nascido de mãe com lesão cutânea em mamilo e que veio a desenvolver lesão mucosa na boca. Sabe-se, por outro lado, que a área do novelo vascular ao nível do septo nasal anterior (zona de Kiesselbach) oferece condições favoráveis ao desenvolvimento das formas amastigotas e, segundo alguns autores, a temperatura mais baixa ao nível do nariz e das zonas de passagem do bolo alimentar favorecem a instalação da leishmania nestas regiões10. A associação de baixa temperatura com leishmaniose pode, em parte, ser explicada pela documentação in vitro de que macrófagos cultivados na temperatura de 29°C têm menor capacidade de destruir leishmania do que macrófagos cultivados a 33°C10.

Já em 1936, Barbosa chamava a atenção da importância da leishmaniose da mucosa através de estudos de casos observados no Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo11. A mucosa nasal consiste em local de predileção para localização das lesões provocadas pela L. braziliensis. Embora a mucosa bucal, a faringe e laringe possam ser atingidas, a localização preferencial da doença é na mucosa do septo nasal cartilaginoso e porções mais anteriores das fossas nasais, como o vestíbulo, as conchas inferiores e por contigüidade o próprio assoalho nasal (Figura 2). A despeito da doença mucosa ser habitualmente secundária à lesão cutânea, a doença pode ser primária da mucosa e em mais de 90% das lesões mucosas, independentes de primárias ou secundárias, estão localizadas somente no nariz8.


Tanto a leishmaniose cutânea quanto a leishmaniose mucosa predominam principalmente em adultos do sexo masculino5,12, embora recentemente um maior comprometimento de crianças de ambos os sexos venha sendo documentado13. Estes últimos achados sugerem modificações no padrão de transmissão da doença, por provável mudança nos hábitos do mosquito vetor, reforçando a importância atual da transmissão peridomiciliar ou intradomiciliar13.

Alguns pacientes podem apresentar envolvimento da mucosa nasal, na ausência de doença cutânea12. Embora não se tenham dados sobre o sítio de penetração da leishmania, e não possa ser esclarecido que nestes indivíduos tenha havido uma forma subclínica da doença cutânea, é possível que, nos pacientes com doença mucosa sem comprometimento cutâneo, a penetração da leishmania tenha ocorrido ao nível do límen, ou seja, na transição cutâneo-mucosa da estrutura do nariz.

Estudos realizados na área endêmica de Três Braços-BA mostraram que a doença mucosa pode ocorrer até 264 meses após a lesão cutânea. Entretanto, somente 7% dos pacientes desenvolveram o acometimento da mucosa após mais de 10 anos do aparecimento da lesão cutânea8.

Os sintomas e sinais mais precoces da leishmaniose mucosa são obstrução nasal, epistaxe e o estabelecimento de granuloma no septo nasal anterior8. A princípio, há hiperemia e edema da mucosa do septo anterior, com o estabelecimento de nodulações. Nesta fase, o paciente apresenta corrimento nasal (coriza) e, em poucos dias ou meses, pode ocorrer perfuração do septo. A pele do nariz torna-se espessada, edemaciada e hiperemiada, acarretando o aumento de volume da pirâmide nasal. Com a evolução da doença o paciente passa a apresentar uma fácies leishmaniótica, conhecida como "nariz de tapir" ou "nariz de anta" em decorrência da infiltração edematosa do revestimento e das estruturas de sustentação do nariz. Posteriormente, em razão da agressão tecidual observada nesta doença, pode haver comprometimento de todo o nariz, lábio superior, palato e faringe, provocando graves deformidades (Figura 3) e mutilações, impedindo a alimentação, dificultando a respiração e a fonação.


O diagnóstico diferencial da leishmaniose mucosa pode ser feito com outras doenças granulomatosas, tais como, a blastomicose (Paracoccidiose braziliensis), hanseníase e tuberculose, todas estas também localizadas ao nível do septo nasal anterior. O grau de reação do tecido conectivo na infecção pela L. braziliensis é digno de nota. A fibrose cicatricial marcada por cordões esbranquiçados no processo de cicatrização das lesões mucosas distingue esta dos demais granulomas nasais anteriores.

Envolvimento de boca, faringe e laringe na leishmaniose mucosa

A faringe representa o segundo sítio de eleição na instalação de lesões mucosas provocadas pela Leishmania braziliensis. Como no nariz, a lesão inicialmente observada ao nível da mucosa da faringe adquire um aspecto mamelonado; porém aqui, com uma infiltração edematosa muito mais intensa, principalmente da úvula e secundariamente dos pilares amigdalianos, estendendo-se também à mucosa da parede posterior da faringe. Pode-se identificar ainda nesta fase o aparecimento de tecido de granulação pouco redundante, de permeio com o aspecto mamelonado da mucosa. A fase seguinte caracteriza-se pelo aparecimento de tecido de granulação abundante, provocando destruição tecidual importante, envolvendo inclusive o tecido linfóide do anel linfático de Waldeyer ao nível das lojas amigdalianas. Áreas recobertas por tênue enduto fibrinoso misturam-se ao tecido de granulação de aspecto vegetante (Figura 4). Em razão da intensa agressão tecidual, no processo de cicatrização pós-tratamento específico, pode ser documentada a presença de tecido fibroso abundante, com a formação de verdadeiros cordões esbranquiçados, deformando completamente a configuração das estruturas anatômicas do véu do paladar e parede posterior da faringe, levando a estenoses amplas na comunicação da orofaringe com a rinofaringe14.


A mucosa laríngea é o 3° sítio de eleição de instalação mucosa da leishmaniose. Como na faringe, as lesões mucosas apresentam as mesmas características de tecido finamente granuloso. Pode haver nas situações de maior inflamação a presença de tecido de granulação de aspecto vegetante, recoberto às vezes por tênue enduto fibrinoso, envolvendo a mucosa de recobrimento da cartilagem epiglote, estendendo-se até a mucosa das estruturas do vestíbulo laríngeo e pregas vocais. Nesta fase, a disfonia caracterizada pelo aspecto de voz abafada está sempre presente, o que chama a atenção para o comprometimento do órgão14.

O comprometimento da cartilagem epiglote e das aritenóides pode ocorrer como no septo cartilaginoso, em maior ou menor intensidade, tornando a deglutição extremamente dolorosa, pela pericondrite estabelecida nestas circunstâncias. A disfagia dolorosa em graus de maior ou menor intensidade impede a alimentação normal do indivíduo, com o conseqüente comprometimento do estado geral e, em casos muito avançados, chegando à caquexia. Na cicatrização pós-tratamento são bastante evidentes as deformidades que estas cartilagens apresentam, com tecido fibroso também esbranquiçado, modificando completamente a anatomia do órgão, restando uma disfonia residual permanente14.

O ouvido habitualmente não é afetado na leishmaniose mucosa. Entretanto, o envolvimento da mucosa da rinofaringe leva ao comprometimento do orificio faringeano da trompa de Eustáquio, situada na sua parede lateral. Pode-se estabelecer nestes casos um processo de otite média com efusão (otite média secretora crônica), fato observado em três casos constantes de nossa estatística15. A sensação de ouvido tapado, zumbidos e disacusia são queixas nestes casos14.

A leishmaniose mucosa pode comprometer a mucosa labial e rebordo gengival. Esta é uma manifestação mais rara da doença. Nestas condições o diagnóstico diferencial com a blastomicose deve ser feito, principalmente, em razão do envolvimento da mucosa gengival freqüente nos casos de infecção pelo Paracoccidioidis braziliensis.

COMENTÁRIOS FINAIS

A leishmaniose mucosa é uma forma de leishmaniose tegumentar associada com a L. braziliensis, L. panamensis e menos freqüentemente com a L. amazonensis. A freqüência da doença é bastante variável em estudos epidemiológicos e clínicos. Apesar de a mucosa nasal ser a área de eleição da forma mucosa da doença, ela pode também localizar-se nos lábios, boca, toda a faringe e na laringe e associa-se com elevada morbidade. Nas formas mais avançadas da leishmaniose mucosa pode haver comprometimento do ouvido médio (otite média crônica com efusão) devido ao envolvimento da rinofaringe pelo tecido granulomatoso, com alteração no funcionamento da trompa de Eustáquio. O diagnóstico diferencial da leishmaniose mucosa pode ser feito com outras doenças granulomatosas, tais como a blastomicose (Paracoccidiose braziliensis), hanseníase e tuberculose, todas estas também localizadas ao nível do septo nasal anterior.

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 20 de maio de 2006. cod. 1950.

Artigo aceito em 20 de novembro de 2006.

Serviços de Imunologia e de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Prof. Edgard Santos - Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Recebido
      20 Maio 2006
    • Aceito
      20 Nov 2006
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