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Estudo comparativo entre o aproveitamento escolar de alunos de escola de 1º grau e teste de inibição de emissões otoacústicas transientes

Resumos

O processamento auditivo é fundamental para a cognição e pode ocasionar deficiência no aprendizado. Os portadores de sua deficiência podem ser habilitados, melhorando o desempenho escolar. É fundamental identificá-los. Dentre os que apresentam baixo custo e facilidade operacional está o exame de emissões otoacústicas. TIPO DE ESTUDO: Clínico e experimental. OBJETIVO: Estudar a relação do aproveitamento escolar com a inibição da emissão otoacústica transiente por estímulo auditivo contralateral. Material e Métodos: Foram avaliados 39 alunos, de sete a doze anos, sendo 19 (48,7%) com bom aproveitamento escolar e 20 (51,3%) com aproveitamento inadequado. Os exames emissão otoacústica com inibição contralateral foram comparados aos resultados de aproveitamento escolar. RESULTADOS: A falha da supressão da otoemissão transiente por estímulo acústico contralateral foi mais encontrada no grupo de crianças com mau aproveitamento escolar. Foi estabelecido um valor de corte de 1.6 dB SPL de redução da otoemissão que caracteriza a criança como pertencente ao grupo com mau aproveitamento com sensibilidade de 65,0%, especificidade de 72,2%, acurácia de 68,4% e valor preditivo positivo de 72,2%. CONCLUSÃO: O teste da falha da inibição contralateral da emissão otoacústica por estímulo auditivo contralateral é preditivo de transtorno do aproveitamento escolar em indivíduos de seis a doze anos de idade.

aprendizado; emissões otoacústicas; lateralidade; olivococlear medial; supressão contralateral


School learning can be hampered if there are defects on the central auditory process. Since those with auditory deficiency can be rehabilitated, it is fundamental that we identify them. Otoacoustic emissions test has low cost and operational ease. Study design: clinical and experimental. AIM: to study the relationship between school learning and transient otoacoustic emission suppression by contralateral stimuli. MATERIAL AND METHODS: 39 individuals, from 7 to 12 years of age were evaluated, 19 (48.7%) with good school performance and 20 (51.3%) poor performers. RESULTS: A transient otoacoustic emission suppression failure for contralateral acoustic stimuli was more frequently found among children with poor school performance. We established a value of 1.6 dB SPL for emission reduction that characterized those children as belonging to the poor learning performance group: sensitivity 65%, specificity 72,2%, accuracy of 68.4%, positive predictive value of 72.2%. CONCLUSION: The contralateral emission suppression test of the right ear can be predictive of school difficulties in individuals from six to twelve years of age.

learning disabilities; otoacoustic emissions; laterality; medial olivocochlear system; contralateral supression


ARTIGO ORIGINAL

Estudo comparativo entre o aproveitamento escolar de alunos de escola de 1º grau e teste de inibição de emissões otoacústicas transientes

Miguel Luiz de Sant’Ana AngeliI; Clemente Isnard Ribeiro de AlmeidaII; Patrícia M. SensIII

IMestrando do programa de pós-graduação em otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, médico otorrinolaringologista

IIProf. Titular Emérito da Faculdade de Medicina de Jundiaí, Prof. orientador da pós-graduação da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, Médico otorrinolaringologista

IIIPós-graduanda do programa de pós-graduação em otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, médica otorrinolaringologista

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Av. Nove de Julho 5519 cj. 71 Itaim Bibi São Paulo SP 01407-200

RESUMO

O processamento auditivo é fundamental para a cognição e pode ocasionar deficiência no aprendizado. Os portadores de sua deficiência podem ser habilitados, melhorando o desempenho escolar. É fundamental identificá-los. Dentre os que apresentam baixo custo e facilidade operacional está o exame de emissões otoacústicas.

TIPO DE ESTUDO: Clínico e experimental.

OBJETIVO: Estudar a relação do aproveitamento escolar com a inibição da emissão otoacústica transiente por estímulo auditivo contralateral. Material e Métodos: Foram avaliados 39 alunos, de sete a doze anos, sendo 19 (48,7%) com bom aproveitamento escolar e 20 (51,3%) com aproveitamento inadequado. Os exames emissão otoacústica com inibição contralateral foram comparados aos resultados de aproveitamento escolar.

RESULTADOS: A falha da supressão da otoemissão transiente por estímulo acústico contralateral foi mais encontrada no grupo de crianças com mau aproveitamento escolar. Foi estabelecido um valor de corte de 1.6 dB SPL de redução da otoemissão que caracteriza a criança como pertencente ao grupo com mau aproveitamento com sensibilidade de 65,0%, especificidade de 72,2%, acurácia de 68,4% e valor preditivo positivo de 72,2%.

CONCLUSÃO: O teste da falha da inibição contralateral da emissão otoacústica por estímulo auditivo contralateral é preditivo de transtorno do aproveitamento escolar em indivíduos de seis a doze anos de idade.

Palavras-chave: aprendizado, emissões otoacústicas, lateralidade, olivococlear medial, supressão contralateral.

INTRODUÇÃO

O estudo da função auditiva e em especial da comunicação auditiva tem sido alvo de numerosos estudos. A hipótese de que prejuízos na percepção auditiva possam estar relacionados à dificuldade para aprender as relações som/símbolo que constituem a base das regras fonéticas e de que há relação entre aquisição de leitura e da escrita e as habilidades fonológicas subjacentes vem crescendo em número de adeptos. Algumas pesquisas têm estudado as relações entre problemas relacionados ao processamento temporal de estímulos auditivos e prejuízos de determinadas habilidades fonológicas ou metalingüísticas tais como memória imediata de estímulos lingüísticos e segmentação fonêmica. As escolas de ensino primário são verdadeiros laboratórios de avaliação da cognição. Aparentemente diversos fatores interferem no aproveitamento escolar das crianças, entre eles a integridade funcional do sistema auditivo. A identificação dessa deficiência pode ser importante no processo de habilitação dessas crianças.

Quando estudada em seu segmento periférico, a audição é extremamente complexa, sendo em grande parte de seus aspectos bem conhecida, entretanto a fisiologia central da comunicação auditiva ainda é um campo aberto, tanto para pesquisas básicas quanto aplicadas. Em relação às vias eferentes, Kimura1 notou que quando estímulos auditivos são apresentados dicotomicamente, as vias ipsilaterais são suprimidas pelas vias contralaterais. Segundo a autora, as informações auditivas verbais apresentadas à orelha direita chegariam ao hemisfério esquerdo, dominante para a linguagem verbal, através das vias auditivas contralaterais, passando pelas regiões comissurais do corpo caloso.

A partir de Kemp2, que em 1978 concluiu que o som gerado pela atividade fisiológica das células ciliadas externas é conduzido através da orelha média para o meato acústico externo, onde a emissão é registrada, diversos trabalhos têm observado a supressão das emissões otoacústicas em seres humanos através da estimulação acústica contralateral.3-7

Este fenômeno se deve a estimulação das sinapses eferentes nas células ciliadas externas7. Isto ocorreria através do feixe olivococlear e seria dependente de vias descendentes originárias de regiões corticais e sub-corticais. Sendo assim, a supressão das emissões poderia ser influenciada por situações patológicas centrais as mais variadas.

A possibilidade de avaliar as emissões otoacústicas colaborou muito com a semiologia dos órgãos periféricos da audição por ser um método objetivo, sensível e específico. Observando a diminuição da amplitude das emissões otoacústicas evocadas pelo estímulo sonoro contralateral, foi aventada a possibilidade de esse fenômeno ser aproveitado para avaliar não apenas o nervo acústico, mas também as vias centrais eferentes do sistema auditivo.

Evidências anatômicas e fisiológicas sustentam que a função das duas orelhas seja interdependente e coordenada através das vias neurais eferentes, que ligam um lado do sistema auditivo ao outro lado, através dos componentes medial e lateral do sistema olivococlear. O feixe olivococlear medial, que é composto de aproximadamente, 80% de fibras nervosas cruzadas e 20% de fibras ipsilaterais, projeta suas terminações com predominância para a cóclea contralateral, terminando abaixo das células ciliadas externas.

O feixe olivococlear lateral, que é constituído por cerca de 90% de fibras nervosas ipsilaterais e 10% de fibras cruzadas, projeta suas terminações com predominância para as células ciliadas internas ipsilaterais, terminando junto às terminações auditivas radiais eferentes que saem dessas células.

Diversos pesquisadores demonstraram que a inibição contralateral das emissões é um fenômeno neural, determinado pelo sistema eferente.8-10 Em seus estudos medidas emissões otoacústicas produtos de distorção e transientes, com e sem estímulo por ruído de banda estreita como estimulação contralateral para ativar o sistema nervoso olivococlear eferente, e os resultados levaram seus autores a considerar o teste um instrumento útil no conjunto de procedimentos para diagnóstico de doenças retrococleares.8-10

O presente trabalho se propõe a verificar se a falha da inibição da emissão otoacústica da orelha direita por estímulo auditivo contralateral pode ser utilizada como prova de triagem ou suspeição de disfunção do processamento auditivo, manifestada por transtorno do aproveitamento escolar em indivíduos de seis a doze anos de idade.

CASUÍSTICA E MÉTODO

O estudo foi submetido e aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição e aprovado sob o protocolo CEP projeto nº390/04. Uma escola municipal de primeiro grau de município vizinho da Grande São Paulo foi escolhida para o estudo e um termo de consentimento livre e esclarecido foi apresentado aos pais para que as crianças fossem incluídas na pesquisa. Todos os interessados freqüentando a escola e que se encaixassem nas condições metodológicas foram incluídos. As crianças incluídas no estudo foram divididas entre as de melhor e de pior aproveitamento de suas classes.

Foram avaliadas 39 crianças com idade entre seis e 12 anos sendo 16 (41,1%) crianças do sexo feminino e 23 (58,9%) do sexo masculino. Dentre elas, 19 (48,7%) apresentavam bom aproveitamento escolar e 20 (51,3%) com aproveitamento inapropriado.

Foram observados os seguintes critérios de inclusão: ausência de antecedentes familiares de deficiência auditiva de característica hereditária, ausência de antecedentes de otites de repetição, não utilização de medicação ototóxica, não exposição a ruídos ocupacionais limiares de audibilidade até 25 dBNA nas freqüências de 250, 500, 1000, 2000, 3000, 4000, 6000,e 8000 Hz, bilateralmente, curvas imitanciométricas do tipo A e presença de reflexo acústico estapediano contralateral, bilateralmente e exame otoscópico normal.

Os critérios de exclusão foram: problemas psicológicos, deficiência visual não-corrigida, deficiência auditiva, disfunção neurológica ou rebaixamento do coeficiente de inteligência.

Procedimentos de avaliação

Na anamnese foi indagada a existência pregressa ou não de doenças otológica, uso de medicações ototóxicas, presença de zumbidos, inquérito sobre os diferentes aparelhos, queixas otológicas atuais. O exame físico constou de inspeção da face, pavilhões auriculares, abertura externa dos meatos auditivos externos e da membrana timpânica. No exame audiológico foram realizados audiometria tonal limiar, discriminação vocal, incluindo o limiar de reconhecimento da fala e o limiar de discriminação da fala, e imitanciometria, compreendendo a timpanometria, pesquisa do limiar do reflexo do músculo do estribo em 500, 1000, 2000, e 4000 Hz e pesquisa da fadiga do reflexo em 500 e 1000 Hz. Para a de captação das emissões otoacústicas foi utilizado o sistema ILO 288 Echoport da Otodynamics de fabricação inglesa, distribuído no Brasil pela empresa Siemens do Brasil. Foram usados cliques lineares e não-lineares.

Para a captação das emissões otoacústicas transientes, foram utilizados como estímulos sonoros cliques não-lineares, sendo três cliques de uma polaridade e um de polaridade inversa, com amplitude três vezes maior do que a do primeiro, de 100ms de duração, com intensidade de 70 a 80 dBNPS, em um número total de 3000 estímulos aceitos e, e também cliques lineares.

A presença ou não da supressão foi verificada tanto com cliques lineares como com não-lineares, na dependência do tipo de estímulo original. As freqüências abrangidas pelo estímulo foram entre 500 Hz e 4000 Hz. Os cliques apresentados como estímulos foram condensados, sendo que a primeira parte do estímulo força a membrana timpânica medialmente e conseqüentemente a membrana basilar é movimentada em direção externa.

Para a estimulação contralateral foi feita a apresentação concomitante de ruído de banda estreita à orelha contralateral. A intensidade do ruído deverá ser de aproximadamente cinco a 10 dB acima dos estímulos sonoros destinados a provocar a emissão otoacústica, mas abaixo do nível do reflexo do estapédio da orelha estimulada.

Para a estimulação contralateral foi utilizado um audiômetro modelo AC 33 interacústicos, de fabricação dinamarquesa, distribuído no Brasil pela companhia Siemens do Brasil.

Ao se buscar a supressão existente nas emissões otoacústicas transientes a faixa do ruído foi fixada entre 750 Hz e 3000Hz. O ruído supressor foi apresentado, aproximadamente, 9ms após a início do estímulo utilizado para a obtenção das emissões otoacústicas.

Análise Estatística

Todas as variáveis foram analisadas descritivamente (Tabela 1). Para as variáveis quantitativas esta análise foi feita através da observação dos valores mínimos e máximos, do cálculo de médias, desvios-padrão e medianas. Para as variáveis qualitativas calculou-se as freqüências absolutas e relativas.

Para a análise da hipótese de igualdade entre os dois grupos utilizou-se o teste t de Student, e quando a suposição de normalidade dos dados foi rejeitada utilizou-se o teste não-paramétrico para amostras independentes de Mann-Whitney.

Para se testar a homogeneidade dos grupos em relação às proporções foi utilizado o teste qui-quadrado. Para avaliar se alguma medida realizada era preditiva de mau aproveitamento escolar foi utilizado o modelo de regressão logística. Foi obtido um ponto de corte para a medida e calculados os índices de eficiência. O nível de significância utilizado para os testes foi de 5%.

RESULTADOS

Os resultados coletados estão apresentados nas Tabelas 1, 2 e 3.

Observamos que os grupos de aproveitamento não apresentaram diferença significante em relação a idade e sexo. Os grupos de aproveitamento não apresentaram diferença significativa nas medidas da orelha esquerda com e sem supressão (Tabela 2).

Na orelha direita houve diferença estatisticamente significante entres as medidas de diferenças com e sem supressão, o grupo com aproveitamento inadequado apresentou valores significativamente menores que os do grupo com bom aproveitamento (Tabela 2).

Analisando a variável de diferença com e sem supressão na orelha direita através de regressão logística11, foi constatado que esta variável se associa ao aproveitamento (p=0,034). O Gráfico 1 apresenta a probabilidade de mau aproveitamento relacionada aos valores da medida de diferenças com e sem supressão da orelha direita.


Na Tabela 3 estão apresentados alguns valores de probabilidades de mau aproveitamento estimadas através do modelo de regressão logística para alguns valores da medida de diferença com e sem supressão da orelha direita.

Assim uma criança que apresente valor da medida igual a zero tem 83% de possibilidade de apresentar mau aproveitamento, para o valor da medida igual a 3, esta possibilidade decresce para 18%.

Através do modelo de regressão logística podemos encontrar um ponto de corte a partir do qual temos maior chance de mau aproveitamento.

Este valor é igual a 1,6 e nos fornece sensibilidade de 65,0%, especificidade de 72,2%, acurácia de 68,4%, valor preditivo positivo de 72,2% e valor preditivo negativo de 65%.

As crianças que apresentam diferenças menores do que 1,6 têm 4,83 (intervalo de confiança a 95%: 1,21; 19,22) vezes maior chance de ter mau aproveitamento do que as que apresentam diferenças acima de 1,6.

Estudos futuros com maior casuística serão necessários para validar esse método como útil na triagem para identificação de portadores de disfunção no processamento auditivo entre as crianças com deficiência do aprendizado.

DISCUSSÃO

O mau aproveitamento escolar é fonte de séria preocupação para pais e profissionais do ensino. As causas dessa deficiência são numerosas, indo desde motivos sociais, nutritivos, familiares, do sistema de ensino, até problemas intrínsecos da criança, como problemas neurológicos, psiquiátricos, psicológicos, visuais e auditivos, além de falta de maturação ou disfunção do sistema nervoso cognitivo.

Crianças com retardo no aprendizado caminham para um desempenho social e de desenvolvimento intelectual inferior ao que suas condições permitem. Localizar a causa de sua deficiência e superá-la pode mudar o rumo de suas vidas. Observando a diminuição dos valores das amplitudes das emissões otoacústicas evocadas pelo estímulo sonoro contralateral, foi aventada a possibilidade de esse fenômeno ser aproveitado para avaliar, de forma prática, não só o nervo acústico, mas também as vias centrais eferentes do sistema auditivo, certamente ligadas à comunicação auditiva.

As escolas de ensino primário são verdadeiros laboratórios onde a cognição é avaliada. O presente trabalho se propôs comparar os valores das amplitudes das emissões otoacústicas evocadas pelo estímulo sonoro contralateral dos alunos classificados nos primeiros e últimos lugares em aproveitamento da classe de uma escola primária do Estado de São Paulo.

As vias eferentes foram identificadas e estudadas por diversos autores3-6,12,13 e a supressão da inibição contralateral foi inicialmente estudada por Collet8, sendo depois confirmada por diversos autores10,14,15. Em 1999, Pialarassi10 estudou a supressão das emissões otoacústicas produtos de distorção e transientes com estimulação contralateral estímulo por ruído de banda estreita em 48 indivíduos com audição normal e 9 indivíduos com doenças retrococleares. No grupo normal, houve supressão significante das emissões otoacústicas. No grupo com lesão, ora houve supressão discreta, ora não, ora ocorreu intensificação. Os resultados mostraram que o estudo da supressão das emissões otoacústicas com estimulação contralateral é um instrumento útil no conjunto de procedimentos para diagnóstico de deficiências auditivas retrococleares.

A lateralidade é um fator importante para o desempenho satisfatório de múltiplas funções do organismo, inclusive da audição e do processamento auditivo. Pesquisas16 mostraram que o hemisfério esquerdo predomina sobre o direito no processamento auditivo da fala, enquanto o direito é predominante no processamento de estímulos tonais e música. Kimura1 afirma, em trabalho básico publicado em 1963, que as informações auditivas verbais apresentadas à orelha direita chegam ao hemisfério esquerdo, dominante para a linguagem verbal, através das vias auditivas contralaterais, passando pelas regiões comissurais do corpo caloso. Na amostra analisada, pudemos depreender que a manifestação do distúrbio da inibição da audição por estímulo contralateral simultâneo se manifestou de forma evidente e significativa quando a emissão foi obtida na orelha direita.

O significado dessa observação é, em primeiro lugar, a indicação de que se essa prova for utilizada na pesquisa de distúrbios do processamento auditivo, deverá ser feita com estímulo na orelha direita e som competitivo contralateral na esquerda. O mesmo raciocínio deve ser feito na reabilitação de indivíduos portadores de distúrbio do processamento auditivo, especialmente naqueles em que há deficiência auditiva simultânea, dando preferência à amplificação e estímulos de reabilitação na orelha direita.

Testes como o SSW foram aplicados para identificar problemas de processamento auditivo em escolares. Em 1984, Berrick et al.17, estudando o desempenho de 93 crianças sem queixas escolares e 97 crianças com dificuldades de aprendizagem na faixa etária de 8 a 11 anos pelo teste SSW, observaram que as crianças sem queixas escolares apresentaram um desempenho significativamente melhor, estatisticamente, do que crianças com queixas escolares, enfatizando a utilidade do teste SSW na distinção das crianças com dificuldades na aprendizagem. O mesmo foi observado por Almeida18 utilizando o teste PSI adaptado para o português por Almeida19. Esses testes se mostraram eficientes e de certa forma objetivos, mas sua aplicação requer equipamento complexo. Tanto o SSW quanto o PSI são testes de triagem não específicos para o tipo de deficiência de processamento auditivo, mas muito seguros em relação aos resultados. Estudo ulterior deverá ser feito aplicando, em grupo semelhante, os testes de SSI e SSW, além da pesquisa da falha da supressão para validar a importância dessa pesquisa no diagnóstico de disfunção do processamento, uma vez que, como foi ressaltado na introdução, o processamento auditivo não é a única causa de deficiência do aprendizado.

Musiek e outros autores20-22 observaram que distúrbios do processamento auditivo central geralmente são disfunções corticais ou subcorticais que podem ser secundárias a atrasos maturacionais ou anormalidades morfológicas.

A possibilidade de se utilizar um teste de triagem simples para crianças com aproveitamento escolar deficiente, na tentativa de se identificar os portadores de problema do processamento, é importante para indicar a necessidade de encaminhar esses estudantes para testes mais complexos e finalmente orientar a sua reabilitação.

O nosso estudo mostrou resultados bastante estimulantes quanto às chances de obtermos um teste barato e eficiente com valor preditivo razoável para identificação de distúrbios potenciais de processamento auditivo. São necessários testes longitudinais com coortes maiores e amostras mais abrangentes para avaliarmos a sensibilidade e especificidade do teste. A confirmação de problemas de aprendizado em crianças que tenham previamente sido consideradas de risco pode transformar este teste em instrumento acurado e obrigatório na avaliação de pré-escolares.

Sabendo-se que escolares portadores de disfunção do processamento auditivo quando corretamente diagnosticados podem ser reabilitados por treinamento fonoaudiológico, mudando não só o rendimento escolar imediato, mas também toda a qualidade e tipo de vida dessas crianças a longo prazo é um estímulo poderoso para que novos estudos nesta área sejam realizados.

Estudos futuros com maior casuística e comparação com resultados de SSI e SSW serão necessários para validar esse método como útil na triagem para identificação de portadores de disfunção no processamento auditivo entre as crianças com deficiência do aprendizado.

CONCLUSÃO

O presente trabalho sugere que o teste da falha da inibição contralateral da emissão otoacústica por estímulo auditivo contralateral seja preditivo de transtorno do aproveitamento escolar em indivíduos de seis a doze anos de idade.

AGRADECIMENTO

A análise estatística foi feita com o auxílio da mestre em estatística Creusa Maria Roveri Dalbo.

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 19 de novembro de 2006. Cod. 3524.

Artigo aceito em 12 de março de 2007.

Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

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  • Endereço para correspondência:
    Av. Nove de Julho 5519 cj. 71 Itaim Bibi
    São Paulo SP 01407-200
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2008

    Histórico

    • Aceito
      12 Mar 2007
    • Recebido
      19 Nov 2006
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