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Doença de Huntington: relato de caso com história familial negativa e atenuação das manifestações psiquiátricas com o uso de olanzapina

Huntington's disease: a negative family history case report demonstrating reduction of psychiatric symptoms with olanzapine

CARTAS AOS EDITORES

Doença de Huntington: relato de caso com história familial negativa e atenuação das manifestações psiquiátricas com o uso de olanzapina

Huntington's disease: a negative family history case report demonstrating reduction of psychiatric symptoms with olanzapine

Sr. Editor,

A doença de Huntington (DH) é uma doença genética neurodegenerativa transmitida por herança autossômica dominante com penetrância completa. Sua gênese está na repetição exagerada do trinucleotídeo CAG no braço curto do cromossomo 4(4p16.3)1,2. Essa afecção é caracterizada por sintomas psiquiátricos, motores e cognitivos progressivos. Os sintomas psiquiátricos, como agitação, sintomas depressivos, maniformes, delírios e alucinações, podem ocorrer em até 50% dos casos antes das manifestações neurológicas3. O achado de atrofia do núcleo caudado em exames de neuroimagem sugere o diagnóstico de DH, mas a confirmação diagnóstica é realizada pela pesquisa genética da expansão do CAG com 40 ou mais repetições1,2. O exame genético positivo apresenta 100% de especificidade e 98,8% de sensibilidade3. Em 8% dos pacientes a história familial é negativa em função da morte de ancestrais antes da manifestação da DH, paternidade trocada ou expansões CAG de novo de alelos intermediários instáveis1,2. O diagnóstico diferencial da DH inclui distúrbios metabólicos, intoxicações exógenas, lesões dos núcleos da base, neurossífilis, encefalopatia pelo HIV, lupus eritematoso sistêmico e neuroacantocitose. Se o teste genético for negativo, as síndromes Huntington-like (HDL1, HDL2, HDL3 e HDL4/SCA17) devem ser consideradas2. O tratamento é sintomático e realizado em bases empíricas3-5. Quanto maior a ação bloqueadora do receptor dopaminérgico D2, maior o efeito anti-coréico; porém, o uso de antipsicóticos típicos pode induzir ou exacerbar sinais extrapiramidais. Assim, o uso de antipsicóticos atípicos têm sido recomendado2. No relato de caso, descrevemos efeitos da associação haloperidol-olanzapina em um caso de DH com história familial negativa.

Relato de caso: EA, 37 anos, masculino. Em primeira avaliação psiquiátrica apresentava agitação, heteroagressividade, ideação delirante de ciúmes, religiosa e persecutória, alucinação auditiva e movimentos coréicos generalizados. Segundo familiares, sua sintomatologia iniciou há cinco anos com movimentos anormais em membros inferiores e há dois anos apresenta ciúme exagerado, e conseqüente agressão à esposa. Na história familial se destaca que o pai faleceu aos 45 anos, assintomático. A mãe, atualmente com 63 anos, e seis irmãos, com idade entre 33 e 45 anos, são assintomáticos. Não há relato de parentes com distúrbios de movimento ou sintomatologia semelhante nas famílias materna e paterna. Exames propedêuticos realizados para avaliação das principais etiologias de coréia2 foram negativos (Tabela 1). A tomografia computadorizada de crânio mostrou atrofia bilateral da cabeça do núcleo caudado como única alteração. O teste genético mostrou 47 repetições CAG em um alelo e 19 repetições no outro. Haloperidol (15mg/dia) por seis semanas reduziu os movimentos coréicos, mas não os sintomas psiquiátricos que só foram atenuados com a associação de olanzapina (10mg/dia) em 10 dias.

Discussão: distúrbios do movimento do tipo coréia associados a sintomas psiquiátricos e cognitivos exigem investigação etiológica ampla, incluindo exame de neuroimagem1 e teste genético para DH, mesmo em pacientes com história familial negativa2. Neste estudo de caso, o haloperidol melhorou os sintomas motores, mas os sintomas psiquiátricos só foram atenuados pela olanzapina. A ação da olanzapina na DH é pouco compreendida4,5. Especula-se que seu perfil farmacológico atuando em diferentes receptores dopaminérgicos e não dopaminérgicos poderia explicar sua eficácia neste caso5.

Vívian Andrade Araújo Coelho

Residência de Psiquiatria do Instituto Raul Soares (RP-IRS),

Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG),

Belo Horizonte (MG), Brasil

Rogério Gomes Beato

Residência de Psiquiatria do Instituto Raul Soares (RP-IRS),

Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG),

Belo Horizonte (MG), Brasil

Ambulatório de Neurologia Cognitiva, Hospital das Clínicas,

Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG),

Belo Horizonte (MG), Brasil

Paulo Henrique Teixeira do Prado

Serviço de Saúde Mental de João Monlevade (SESAMO),

João Monlevade (MG), Brasil

Francisco Eduardo Costa Cardoso

Ambulatório de Distúrbios de Movimento, Hospital das Clínicas,

Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG),

Belo Horizonte (MG), Brasil

Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina,

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),

Belo Horizonte (MG), Brasil

Hélio Lauar

Residência de Psiquiatria do Instituto Raul Soares (RP-IRS),

Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG),

Belo Horizonte (MG), Brasil

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS),

Belo Horizonte (MG), Brasil

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  • 1. Walker FO. Huntington's disease. Lancet. 2007;369(9557):218-28.
  • 2. Cardoso F, Seppi K, Mair KJ, Wenning GK, Poewe W. Seminar on choreas. Lancet Neurol 2006;5(7):589-602.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jun 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2009
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