EDITORIAL
Estratégia e plano de ação sobre saúde mental para a região das Américas
Em outubro de 2009, o 49º Conselho Diretivo da Organização Pan-americana de Saúde (PAHO/WHO) aprovou a Estratégia e Plano de Ação em Saúde Mental1. Os ministros de saúde de todos os países nas Américas estudaram e adotaram esse documento que foi desenhado para melhorar a atenção em saúde mental na Região, no marco das condições especiais de cada país.
As doenças mentais são altamente prevalentes no mundo e são grandes contribuintes para a morbidade, incapacitação e mortalidade prematura. No entanto, os recursos disponíveis para enfrentar a enorme sobrecarga das doenças mentais são insuficientes, desigualmente distribuídos e às vezes ineficientemente utilizados. Em conjunto, isso levou a uma defasagem no tratamento (a proporção de pessoas doentes que necessitam de tratamento e não o recebem) de mais de 75% em países de baixa e média-baixa rendas2. A defasagem na América Latina e no Caribe é muito grande e pode até estar subestimada, já que, geralmente, nem a comorbidade nem a qualidade e a efetividade do tratamento são levadas em conta. O estigma, a exclusão social e as violações dos direitos humanos que ocorrem com pessoas com doenças mentais se somam ao problema3,4.
Os estudos epidemiológicos tendem a encontrar diferentes índices de prevalência dependendo da metodologia utilizada, dos tipos de transtornos incluídos na pesquisa e do período de tempo. No entanto, calcula-se que 25% das pessoas (uma em cada quatro) sofrem de um ou mais transtornos mentais ou comportamentais durante a vida3,4.
Os transtornos mentais e neurológicos são responsáveis por 14% da carga global das doenças. Cerca de 30% da carga total de doenças não comunicáveis se deve a essas doenças e quase três quartos da carga global dos transtornos neuropsiquiátricos se encontram em países de baixa e média-baixa rendas2. Em 1990, calculou-se que 8,8% dos anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (DALYs) na América Latina e no Caribe deveriam ser atribuídos aos transtornos psiquiátricos e neurológicos; porém, em 2004 essa carga tinha crescido para 21%1-4.
O propósito da Estratégia e Plano de Ação em Saúde Mental é o de fortalecer a resposta integrada do setor de saúde e dos demais setores relacionados por meio da implementação de planos apropriados para a promoção da saúde mental e para a prevenção dos transtornos mentais e do abuso de substâncias, assim como o tratamento e a reabilitação de pacientes, tudo com base nas melhores evidências científicas disponíveis.
O documento reconhece que não pode haver saúde física sem saúde mental e que é necessário uma abordagem ao processo saúde-doença não somente na perspectiva da atenção aos prejuízos, mas também na perspectiva de proteger os atributos positivos da saúde e promover o bem-estar da população. Além disso, o documento reconhece, a partir de uma perspectiva de saúde mental, que há fatores psicossociais e humanos que também desempenham um papel crucial.
A Estratégia Regional identificou cinco áreas de ação:
1. Desenvolvimento e implementação de políticas, planos e leis nacionais de saúde mental.
2. Promoção da saúde mental e prevenção de transtornos psicológicos, enfatizando o desenvolvimento psicossocial das crianças.
3. Provimento de serviços de saúde mental centrados na atenção primária à saúde. Determinação de condições prioritárias e implementação de intervenções.
4. Desenvolvimento de recursos humanos.
5. Fortalecimento da capacidade de produzir, avaliar e utilizar as informações sobre a saúde mental.
A Resolução adotada pediu aos Estados-membros a adotarem urgentemente:
1) a inclusão da saúde mental como uma prioridade dentro das políticas nacionais de saúde;
2) a promoção da atenção à saúde mental que seja universal e igualitária para toda a população, por meio do fortalecimento dos serviços de saúde mental dentro dos marcos de sistemas baseados na atenção primária e de redes de fornecimento integrado e em atividades contínuas para eliminar o antigo modelo centrado em hospitais psiquiátricos;
3) a continuidade do trabalho para fortalecer os marcos jurídicos com uma visão de proteger os direitos humanos de pessoas com transtornos mentais e de atingir a efetiva aplicação das leis;
4) a promoção de iniciativas intersetoriais para promover a saúde mental, com especial atenção às crianças e adolescentes e para lidar com o estigma e a discriminação direcionados a pessoas com transtornos mentais;
5) o suporte ao efetivo envolvimento da comunidade e das associações de usuários e de familiares em atividades para promover e proteger a saúde mental da população;
6) considerar o desenvolvimento dos recursos humanos em saúde mental como um componente-chave para a melhora de planos e serviços, por meio do desenvolvimento e implementação de programas de treinamento sistemáticos;
7) fazer uma ponte para cobrir a defasagem de informações existentes sobre a saúde mental por meio de melhorias na produção, análise e utilização das informações, assim como através da pesquisa, com um enfoque intercultural e de gênero; e
8) o fortalecimento de parcerias entre o setor público e outros setores, bem como com organizações não-governamentais, instituições acadêmicas e atores sociais-chave, enfatizando o seu envolvimento no desenvolvimento de planos de saúde mental.
Concluindo, a América Latina e o Caribe têm um longo caminho em termos de reestruturação e desenvolvimento e serviços de saúde mental e de mudança do modelo obsoleto baseado em hospitais psiquiátricos (hospícios) para um modelo com base na comunidade. Isso tem sido, e em grande medida ainda é, o principal desafio que temos na Região. Por meio da avaliação dos avanços nos programas e serviços de saúde mental sob uma perspectiva histórica, começando com a Declaração de Caracas (1990)5,6, pode se observar um progresso significativo em muitos países: a saúde mental foi incorporada aos sistemas de atenção à saúde, especialmente no nível da atenção primária à saúde, e foram registradas numerosas experiências de sucesso e inovadoras no desenvolvimento de modelos de saúde mental baseados na comunidade. Hoje, podemos dizer que, se adequadamente tratadas, a maioria das pessoas com transtornos mentais pode se recuperar deles, levar vidas produtivas e fazer contribuições positivas para o desenvolvimento de suas famílias e das comunidades.
Jorge J. Rodriguez
Organização Pan-Americana de Saúde, Organização Mundial
de Saúde (PAHO/WHO), Washington, DC, EUA
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11. Pan American Health Organization. Strategy and plan of action on mental health. Resolution CD49.R17 of the 49th Directing Council. Washington DC: PAHO; 2009. Disponível em: http://new.paho.org/hq/index.php?option=com_content&task=blogcategory&id=625&Itemid=353
- 2. Organización Mundial de la Salud. mhGAP Programa de Acción para Superar las Brechas en Salud Mental. Mejora y ampliación de la atención de los trastornos mentales, neurológicos y por abuso de sustancias. Ginebra: OMS; 2008. Disponível em: http://new.paho.org/hq/index.php?option=com_content&task=view&id=326&Itemid=259
- 3. Kohn R, Levav I, Caldas de Almeida JM, Vicente B, Andrade L, Caraveo-Anduaga JJ, Saxena S, Saraceno B. Los trastornos mentales en América Latina y el Caribe: Asunto prioritario para la salud pública. Rev Panam Salud Pública. 2005;18(4/5):229-40. Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/rpsp/v18n4-5/28084.pdf
- 4. Rodríguez J, Kohn R, Aguilar-Gaxiola S, editors. Epidemiología de los transtornos mentales en América Latina y el Caribe Organización Panamericana de la Salud. Washington DC: OPS; 2009.
- 5. Rodríguez J, Malvárez S, González R, Levav I, editors. Salud Mental en la Comunidad. Serie PALTEX No.49. Organización Panamericana de la Salud. Washington DC: OPS; 2009.
- 6. Caracas Declaration. In: Pan American Health Organization. Mental Health, Disabilities and Rehabilitation January-February Bulletin; Washington DC: PAHO; 2010. Disponível em: http://new.paho.org/bulletins/index.php?option=com_content&task=view&id=603&Itemid=306
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
07 Fev 2011 -
Data do Fascículo
Dez 2010