CARTA AOS EDITORES
Depressão e traços de personalidade em mulheres vítimas de violência doméstica
Patrícia Gugliotta Jacobucci; Mara Aparecida Alves Cabral
Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (SP)
Sr. Editor,
A violência doméstica contra a mulher, provocada pelo cônjuge, vem aumentando sensivelmente, sendo considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) um grave problema de saúde pública.1-2
De acordo com a Fundação Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados), citada por Schritzmeyer,3 constatou-se que, no Brasil, a cada quatro minutos uma mulher é agredida em seu próprio lar por uma pessoa com quem mantém relação de afeto. As estatísticas disponíveis e os registros nas delegacias especializadas de crimes contra a mulher demonstram que 70% dos incidentes acontecem dentro de casa e que o agressor é o próprio marido ou companheiro.
Segundo Heise,4 a violência doméstica e o estupro são considerados a sexta causa de anos de vida perdidos por morte ou incapacidade física em mulheres de 15 a 44 anos mais que todos os tipos de câncer, acidentes de trânsito e guerras. Sendo assim, é um tema que merece total atenção, porque, além de acarretar conseqüências emocionais aos filhos que testemunham a violência, compromete a economia do país no que se refere a gastos com serviços de saúde , assim como acarreta conseqüências psicofísicas à mulher.
As mulheres que relatam ter sofrido violência doméstica apresentam formas combinadas de agressões físicas, como nódoas negras, fraturas, queimaduras, marcas de tentativas de estrangulamento, golpes provocados por instrumentos cortantes, etc, e de agressões psicológicas que retratam como seqüelas medo, isolamento afetivo, dependência emocional, sentimentos de culpabilidade e quadros depressivos.
Dessa forma, nossa proposta foi verificar a ocorrência de depressão e a presença de algum traço de personalidade que pudessem comprometer a saúde das mulheres vítimas de violência doméstica que decidem permanecer na relação conflituosa, de agressão.
Para tal, aplicou-se o Minnesota Multiphasic Personality Inventory (MMPI) e o Beck Depression Inventory.5-6 O uso destes instrumentos nos permitiu observar que as mulheres agredidas e que permanecem no vínculo conjugal são mais propensas à depressão, exprimindo sentimentos de solidão, tristeza, desamparo, descrença, irritação, baixa auto-estima e baixa auto-confiança, que podem caracterizar sintomas distímicos.
Quanto aos traços de personalidade, verificamos que as mulheres que sofrem violência doméstica apresentam traços esquizóides ou esquizotípicos, que favorecem a introversão, o isolamento afetivo, a ansiedade persecutória, entre outros. Isto levaria tais mulheres a fazer escolhas objetais amorosas identificadas com as mesmas características, aumentando-se, assim, os riscos de tentar resolver conflitos por impulsos agressivos, já que existe a crescente dificuldade de resolução através do diálogo.
Tem-se, assim, um círculo vicioso: as mulheres agredidas que permanecem com os companheiros agressores tornam-se freqüentemente, agressivas, o que leva os casais a terem um dia-dia cada vez mais violento, em que os conflitos se multiplicam e se intensificam.
Referências
1. Camargo M. Violência e Saúde: ampliando políticas públicas. Jornal da Rede Saúde. 2000;22.
2. Cabral MAA, Brancalhone PG. Representações da violência conjugal de 117 mulheres de Campinas Brasil. J Bras Psiquiatria. 2000;(8):227-85.
3. Schritzmeyer ALP. Abusos imponderáveis: limites dos registros oficiais e das políticas públicas. In: Jornada Psicanalítica "ABUSO". São Paulo; 2001.
4. Heise L. Gender-based Abuse: The global epidemic. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro. 1994;10(1):135-45.
5. Beck AT, Ward CH, Mendelson M, MockJ, Erbaugh G. An Inventory for Measuring Depression. Archives of general psychiatric. 1961;4:53-63.
6. Benkö A, Simões RJP. (Tradução e Adaptação) Inventário Multifásico Minesota de Personalidade Manual. Rio de Janeiro: CEPA; 1962.
Este artigo baseia-se na dissertação de mestrado defendida pela autora Patrícia Gugliotta Jacobucci, na Universidade Estadual de Campinas, em 2004. Financiamento: CAPES.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
23 Fev 2005 -
Data do Fascículo
Set 2004