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A OMC - Organização Mundial do Comércio e as negociações sobre investimentos e concorrência

Resumos

No momento em que o MERCOSUL se posiciona para mais uma rodada de negociações multilaterais no âmbito da OMC, além das negociações já iniciadas com a CE dentro do acordo interregional e com o NAFTA dentro do ALCA, dois temas se revestem de grande interesse: investimentos e concorrência. O artigo analisa como tais temas evoluíram no cenário internacional desde a Carta de Havana, passando pela UNCTAD e pela OCDE, para finalmente chegarem na OMC. O objetivo do artigo é dar elementos para a discussão desses dois temas nas negociações futuras do MERCOSUL.

OMC; Investimentos; Concorrência; Negociações multilaterais


MERCOSUR is positioning itself to start negotiations in several fronts: inside WTO in the next round of multilateral negotiations, with the EU in a inter-regional agreement and with NAFTA inside the FTAA. Two themes are relevant to these negotiations: investment and competition. This article analyses the evolution of these themes in the international context from the Havana Charter, through UNCTAD and OECD, to arrive in the WTO. The objective of this article is to give some elements for the discussion of these two themes in Mercosur's future negotiations.

WTO; Investments; Competition; Multilateral negotiations


ROTAS DE INTERESSE

A OMC – Organização Mundial do Comércio e as negociações sobre investimentos e concorrência

Vera Thorstensen

Assessora econômica da Missão do Brasil em Genebra. As idéias e argumentos expressos neste artigo são de responsabilidade pessoal da autora, não refletindo posições ou políticas do Ministério das Relações Exteriores ou do Governo brasileiro

RESUMO

No momento em que o MERCOSUL se posiciona para mais uma rodada de negociações multilaterais no âmbito da OMC, além das negociações já iniciadas com a CE dentro do acordo interregional e com o NAFTA dentro do ALCA, dois temas se revestem de grande interesse: investimentos e concorrência. O artigo analisa como tais temas evoluíram no cenário internacional desde a Carta de Havana, passando pela UNCTAD e pela OCDE, para finalmente chegarem na OMC. O objetivo do artigo é dar elementos para a discussão desses dois temas nas negociações futuras do MERCOSUL.

Palavras-chave: OMC. Investimentos. Concorrência. Negociações multilaterais.

ABSTRACT

MERCOSUR is positioning itself to start negotiations in several fronts: inside WTO in the next round of multilateral negotiations, with the EU in a inter-regional agreement and with NAFTA inside the FTAA. Two themes are relevant to these negotiations: investment and competition. This article analyses the evolution of these themes in the international context from the Havana Charter, through UNCTAD and OECD, to arrive in the WTO. The objective of this article is to give some elements for the discussion of these two themes in Mercosur's future negotiations.

Key-words: WTO. Investments. Competition. Multilateral negotiations.

1 – INTRODUÇÃO

1.1 – O comércio internacional

O comércio internacional vem desempenhando um papel cada vez mais importante na economia mundial. A atestar tal importância estão os dados dos fluxos de comércio da década dos 90 que vêm crescendo a uma taxa média de 7% em valor, enquanto a taxa média de crescimento do produto industrial para o mesmo período é de apenas 3%.

O valor do comércio mundial de bens atingiu, em 1997, a cifra de cerca de US$ 5,5 trilhões, com taxa de crescimento de 3% em relação a 1996. O valor do comércio de serviços, em 1997, cresceu 2% em relação a 1996 e atingiu a cifra de cerca de US$ 1,3 trilhões (OMC, 1998). Na área de investimentos, o fluxo de investimentos estrangeiros diretos, em 1996, atingiu a cifra de US$ 350 bilhões e o estoque de investimentos estrangeiros diretos foi estimado em US$ 3,2 trilhões (UNCTAD,1997).

Desses totais, os países desenvolvidos são responsáveis por cerca de 66% das exportações mundiais e 65% do fluxo dos investimentos diretos. Papel de destaque deve ser dado às empresas transnacionais que, em 1996, foram responsáveis por um total de vendas de US$ 6,4 trilhões incluindo as áreas de bens e serviços e, mais ainda, foram responsáveis por cerca de 60% das exportações mundiais (UNCTAD 1997).

Diante do quadro antes apresentado, fica evidente que o cenário atual é marcado por uma densa rede de comércio e investimento, que evoluiu de forma a determinar os contornos do atual cenário internacional.

A mais importante conseqüência desse novo cenário é o fim das fronteiras entre políticas domésticas e políticas externas, principalmente a de comércio externo. Tal fato exige que o comércio de bens e serviços e o investimento passem a ser coordenados em níveis multilaterais e que as regras de conduta dos parceiros comerciais passem a ser controladas e arbitradas também em nível internacional.

1.2 – A OMC – Organização Mundial do Comércio

Dentro do contexto internacional, a OMC, criada em janeiro de 1995, é a coluna mestra do novo sistema internacional do comércio. A OMC engloba o GATT, o Acordo Geral de Tarifas e de Comércio, concluído em 1947, os resultados das sete negociações multilaterais de liberalização de comércio realizadas desde então, e todos os acordos negociados na Rodada Uruguai concluída em 1994.

O Acordo que estabelece a OMC determinou os objetivos da nova organização. Os termos negociados foram os seguintes: "As Partes reconhecem que as suas relações na área do comércio e atividades econômicas devem ser conduzidas com vistas à melhoria dos padrões de vida, assegurando o pleno emprego e um crescimento amplo e estável do volume de renda real e demanda efetiva, e expandindo a produção e o comércio de bens e serviços, ao mesmo tempo que permitindo o uso ótimo dos recursos naturais de acordo com os objetivos do desenvolvimento sustentável, procurando proteger e preservar o ambiente e reforçar os meios de fazê-lo, de maneira consistente com as suas necessidades nos diversos níveis de desenvolvimento econômico" (GATT 1994).

Ponto básico para a consecução desses objetivos é a liberalização do comércio de bens e, agora, de serviços, principalmente através do desmantelamento das barreiras impostas nas fronteiras ao comércio entre os países.

A OMC tem basicamente quatro funções (GATT 1994): 1 – Facilitar a implantação, a administração, a operação e os objetivos dos acordos da Rodada Uruguai, que incluem: setores diversos como agricultura, produtos industriais e serviços; regras de comércio como valoração, licenças, regras de origem, anti-dumping, subsídios e salvaguardas, barreiras técnicas, e empresas estatais; supervisão dos acordos regionais e sua compatibilidade com as regras do GATT; propriedade intelectual; e, novos temas como meio ambiente, investimento e concorrência. 2 – Constituir um foro para as negociações das relações comerciais entre os estados membros, com objetivo de criar ou modificar acordos multilaterais de comércio. 3 – Administrar o Entendimento (Understanding) sobre Regras e Procedimentos relativos às Soluções de Controvérsias, isto é administrar o "tribunal" da OMC. 4 – Administrar o Mecanismo de Revisão de Políticas Comerciais (Trade Policy Review Mechanism) que realiza revisões periódicas das Políticas de Comércio Externo de todos os membros da OMC, acompanhando a evolução das políticas e apontando os temas que estão em desacordo com as regras negociadas.

Com tais objetivos e funções, o sistema multilateral de comércio vem se consolidando nos últimos anos, através da OMC, que conta atualmente com 132 membros e cerca de 30 membros em processo de acessão. As atividades vêm se desenvolvendo dentro de 4 conselhos, cerca de 35 comitês, além dos grupos de acessão de novos membros.

1.3 – Dos objetivos de liberalização do comércio aos objetivos de competição internacional

Os objetivos do GATT/OMC, ao longo das cinco décadas da sua história, sempre enfatizaram a liberalização do comércio através do estabelecimento e aplicação de regras para a remoção de barreiras nas fronteiras. No entanto, tais objetivos vêm sendo questionados diante do novo contexto mundial. Atualmente, as políticas nacionais estão sendo cada vez mais influenciadas pelos acontecimentos internacionais, as empresas transnacionais estão desempenhando papel cada vez mais importante no comércio, e a estratégia da globalização está agora ditando as regras de investimento e de avanços tecnológicos.

Diante desse contexto, surgem novas discussões sobre o papel que a OMC deve desempenhar, e quais novos objetivos deve perseguir. Tais discussões já abrangem uma abordagem mais ampla para a OMC, não só de liberalização do comércio, via o exame dos instrumentos de política comercial, mas de uma nova análise que incluiria os instrumentos das diversas políticas econômicas e seus impactos sobre a competição internacional, além do modo de operação dos mercados (Feketekuty, Rogowsky, 1996).

Dentre as razões apontadas para a necessidade de uma nova abordagem estão os métodos de produção dirigidos à globalização e ao consumidor, que acabaram com a distinção entre as estratégias de comércio e de investimentos. Antes, comércio e investimento eram considerados atividades alternativas para se penetrar no mercado externo. Agora, na era da globalização, as empresas tratam comércio e investimento como atividades complementares. Cada vez se torna mais difícil implantar regras sobre a troca de bens que envolvam origens nacionais distintas. Na área de serviços, temas como comércio, investimento e movimento dos prestadores são pontos básicos das negociações sobre liberalização.

No contexto da globalização, a identidade nacional dos produtos e das empresas que os fornecem fica cada vez mais difícil de ser identificada. Como conseqüência, as novas regras para o comércio internacional devem enfocar o impacto de todas as políticas econômicas sobre o funcionamento dos mercados globais, sujeitas às exigências econômicas de melhor eficiência, e sujeitas às exigências políticas de tratamento justo por parte dos governos aos interesses de outros países. Tratamento não discriminatório para produtos e para empresas, sejam nacionais ou estrangeiros, passou a ser um dos grandes temas do momento atual.

O processo de globalização tem resultado em um aprofundamento da especialização internacional e na interpenetração das economias nacionais. Isto significa que os interesses econômicos das nações passaram a se interpenetrar, de modo a tornar sem significado a tradicional distinção entre instrumentos de política econômica doméstica e instrumentos de política econômica internacional. Assim, toda medida que tenha impacto na decisão de produção de bens ou serviços de uma empresa globalizada se tornou tema de interesse para o governo de outros países e para a comunidade internacional, tanto do lado do produtor quanto do lado do consumidor.

Diante dessas considerações é que se tem advogado uma nova postura para o comércio internacional, até agora sob uma abordagem de simples liberalização das fronteiras, para uma abordagem mais ampla orientada para a competição internacional. As razões defendidas são de que tal abordagem enfocaria mais diretamente os impactos das medidas sobre o funcionamento eficiente dos mercados globais, bem como passaria a incluir um conjunto mais amplo de instrumentos de políticas que afetassem a competição internacional. Com a nova abordagem, toda a argumentação de defesa da liberalização do comércio internacional permanece válida, mas é ampliada pela nova abordagem.

Com o fortalecimento do processo de globalização, todo o sistema multilateral do comércio deveria passar por profundas modificações, caso uma nova abordagem orientada para a competição internacional se impusesse ao processo de liberalização do comércio internacional. Os objetivos do sistema multilateral de promover a eficiência econômica e o crescimento econômico agora deveriam também incluir políticas e instrumentos que permitissem maior competição internacional entre as empresas, de modo a garantir uma alocação de recursos economicamente eficiente, tanto em termos estáticos quanto dinâmicos. Tais objetivos passariam a exigir acesso equivalente a insumos e consumidores, e tratamento equivalente sob a regulamentação doméstica, não importando a origem da empresa.

Nesse novo cenário, as novas negociações multilaterais de comércio teriam necessariamente que incluir novos temas como: políticas e medidas que discriminassem entre empresas com base na nacionalidade dos detentores do capital; leis e medidas que impedissem ou distorcessem desnecessariamente a operação das forças do mercado, ou limitassem a entrada e saída das empresas; e, políticas e medidas essenciais para o funcionamento eficiente do mercado global. Cada governo nacional manteria o seus direitos de estabelecer e atingir seus objetivos sociais nas áreas da saúde, segurança, igualdade social e ambiente (Feketekuty, Rogowsky, 1996).

Dentro dessa nova abordagem, as futuras negociações internacionais continuariam o processo de desmantelamento das barreiras já identificadas como tarifas, quotas, barreiras técnicas, subsídios, dumping, práticas das empresas estatais, barreiras no comércio de serviços e de padrões de propriedade intelectual. Mas, novos temas seriam incluídos como: medidas que afetam os investimentos, práticas comerciais restritivas ou medidas que distorcem a concorrência, medidas ambientais que afetam o comércio, e padrões trabalhistas, dentre outros. A razão seria de que qualquer prática discriminatória em qualquer dessas políticas poderia afetar os objetivos estabelecidos de se assegurar a competição global.

Diante do novo contexto internacional de globalização do sistema produtivo e de prestação de serviços, que tem dado sustentação ao crescimento dos fluxos de comércio e de investimentos, é importante ter em mente a ampliação do papel do pilar central de todo o sistema multilateral do comércio que é a OMC.

A OMC já iniciou a discussão sobre diversos dos novos temas que vêm afetando o comércio internacional, com a criação de novos comitês ou grupos de trabalho para analisar seus impactos e discutir a necessidade de se ampliar as atividades da OMC com a negociação de novos acordos sobre o comércio. Dentre eles, investimentos, concorrência e meio ambiente. Paralelamente, vem seguindo as discussões sobre o tema padrões trabalhistas na OIT – Organização Internacional do Trabalho e refletindo sobre as conseqüências de também incluí-lo no âmbito da OMC.

As atividades de todos esses comitês e grupos de trabalho se revestem de maior importância ainda, diante das pressões políticas e econômicas de se iniciar mais uma rodada multilateral de negociações, ou de forma restrita aos temas já previstos na Rodada Uruguai, e que incluiriam agricultura, serviços e propriedade intelectual, ou, de forma mais ampla, agregando todas as áreas relacionadas ao comércio, dentro de uma nova rodada, a já mencionada Rodada do Milênio.

1.4 – Objetivos do presente artigo

Os objetivos do presente artigo são o de analisar dois dos novos temas do comércio internacional e o de tecer algumas implicações para o relacionamento do MERCOSUL com dois de seus mais importantes parceiros, a CE e o NAFTA, diante do processo de integração econômica mais amplo que está se estabelecendo entre o MERCOSUL e o NAFTA dentro da ALCA e entre o MERCOSUL e a CE dentro do Acordo Interregional. Os temas selecionados foram comércio e investimentos e comércio e concorrência.

Tais temas foram abordados de forma a evidenciar sua evolução dentro do sistema multilateral, desde o marco histórico na Carta de Havana de 1948. As discussões desses temas dentro de várias organizações multilaterais como UNCTAD e OCDE são abordadas, para se chegar a atual discussão dentro da OMC.

Os temas analisados, devido à sua importância política, já estão incluídos em acordos de integração regional, como na CE e no NAFTA, se antecipando às ações da própria OMC, como são exemplos as cláusulas sobre investimentos e sobre a concorrência. Sendo assim essas experiências também foram abordadas.

A meta aqui visada é a de dar uma abordagem bastante ampla de como os novos temas evoluíram, como estão sendo tratados em diferentes foros internacionais, e como vêm sendo discutidos dentro da OMC, para, então, se concluir da necessidade, ou não, de se incluir tais temas em novos acordos comerciais.

Diante desse quadro, os negociadores dos atuais processos de integração do MERCOSUL com o NAFTA e com a CE poderão ter uma visão mais ampla de como tais temas estão sendo discutidos nos diversos foros internacionais, bem como dentro da própria OMC. Finalmente, os negociadores poderão ter uma idéia mais clara da oportunidade, ou não, de incluir tais temas nas futuras negociações que envolvem o MERCOSUL.

2 – Comércio internacional e investimentos

2.1 – De atividade concorrente a atividade complementar

Atividades de comércio e de investimento transfronteiriças têm sido consideradas como fenômenos econômicos distintos, com diferentes características e efeitos, e como tais, sujeitos a regulamentações governamentais diferentes. Atualmente, no entanto, comércio e investimentos estão sendo considerados como estreitamente relacionados, cada um possuindo um papel essencial no processo de integração internacional e de globalização, cada um como meio para se atingir economias de escala e expansão de mercados, maior escolha e menores preços para os consumidores, transmissão de tecnologia, e práticas modernas de administração, que são essenciais para a eficiência econômica e o desenvolvimento (OECD,1997,b).

Questões relativas à presença no mercado ou ao acesso ao mercado, como por exemplo, o conjunto de condições regulando a permissão para as firmas se estabelecerem e operarem nos mercados estrangeiros, têm assumido um papel central na interpenetração das economias, e são conseqüência da expansão das atividades transfronteiriças da última década. Neste processo, comércio e investimento passaram a apresentar uma complementaridade crescente. As empresas que operam no mercado internacional estão considerando comércio e investimento como meios complementares para desenvolverem atividades de produção global, e não como estratégias alternativas para penetrarem no mercado.

Vários organismos internacionais têm analisado os temas de comércio e de investimento ao longo dos anos, e vêm desenvolvendo um número expressivo de pesquisas nessas áreas, além de negociarem instrumentos formais, obrigatórios ou voluntários, para seus membros. Dentre eles, OCDE, Banco Mundial, FMI, e UNCTAD. Vários acordos regionais também têm negociado regras para a interface comércio e investimento, como NAFTA, APEC, ASEAN e o Tratado Europeu sobre a Energia.

Um número expressivo de países tem demostrado grande interesse em negociar regras bilaterais relacionadas ao comércio e ao investimento. Recentemente, presenciou-se um aumento significativo de acordos bilaterais para a promoção e proteção do investimento estrangeiro. Um levantamento da UNCTAD relata que, em 1997, o número de BITs (Bilateral Investment Treaties) era de 1310, envolvendo cerca de 160 países, sendo que mais da metade surgiu depois de 1990 (UNCTAD, 1997).

A multiplicidade de acordos sobre investimentos tem levantado a necessidade de se criar regras internacionais sobre o tema. Algumas das razões apontadas seriam as seguintes (Low, Subramanian, 1996):

— um acordo internacional com obrigações sobre investimentos, incluindo disposições sobre solução de controvérsias, forneceria continuidade política e maior segurança para novas oportunidades de investimento;

— os governos que liberalizaram seus regimes de investimento poderiam usar um quadro de referências multilateral de compromissos sobre investimentos de forma a dificultar o movimento reverso ao da liberalização;

— uma ação concertada dos governos reforçaria o processo de liberalização;

— um quadro de referência internacional garantiria que os inúmeros acordos regionais não operariam de modo a fragmentar a economia internacional;

— um acordo internacional sobre investimentos exerceria um forte efeito inibidor contra a guerra de incentivos para atrair novos investimentos.

2.2 – A Carta de Havana e os investimentos

A Carta de Havana de 1948, que visava a criação da OIC – Organização Internacional do Comércio –, continha regras sobre investimento estrangeiro. O objetivo da Carta era enquadrar o comércio internacional dentro de um amplo contexto, e não tomá-lo isoladamente. Sendo assim, negociou temas que incluíam emprego e atividade econômica, desenvolvimento econômico e reconstrução, práticas comerciais restritivas, acordos sobre commodities, investimento, e padrões trabalhistas (Havana Charter, Final Act, 1948).

Com a não ratificação da Carta de Havana pelo Congresso dos EUA, a nova organização não foi criada. Apenas o seu Capítulo IV, relativo à Política Comercial, foi colocado em prática com o nome de GATT – General Agreement on Tariffs and Trade –, deixando de lado toda a preocupação com a área de investimentos.

É importante, no entanto, rever os termos da Carta sobre investimentos, uma vez que a negociação de um acordo internacional sobre o tema voltou a aparecer na agenda de várias organizações internacionais.

No Capítulo III, sobre Desenvolvimento Econômico e Reconstrução, a Carta se referia aos meios de se promover o desenvolvimento, afirmando que a Organização (OIC) poderia, em colaboração com outras organizações intergovernamentais, fazer recomendações e promover acordos bilaterais e multilaterais sobre medidas designadas para assegurar tratamento justo e equitativo para as empresas, conhecimento, capital, tecnologia e arte trazidos de um membro para outro (Artigo11.2a). A Organização poderia, em colaboração com outras agências intergovernamentais, formular e promover a adoção de um acordo geral ou declaração de princípios em relação a conduta, prática e tratamento do investimento estrangeiro (Artigo 11.2.c).

Sem prejuízo de outros acordos internacionais, um membro teria direito: a tomar qualquer salvaguarda necessária para garantir que o investimento estrangeiro não seria usado como base de interferência em seus negócios internos ou políticas nacionais; e a determinar quando, como, e em que termos, seria permitido o investimento estrangeiro. Os interesses dos membros provedores de capital e dos receptores poderiam ser promovidos se tais membros entrassem em acordos bilaterais ou multilaterais relacionados às oportunidades e segurança dos investimentos que os membros estivessem preparados para oferecer (Artigo 12.1.c,d). Membros acordariam em dar oportunidades razoáveis para investimentos por eles aceitáveis, e segurança adequada para os investimentos existentes e futuros, e dariam a devida atenção para se evitar discriminação entre investimentos estrangeiros. Membros deveriam promover a cooperação entre empresas nacionais e estrangeiras ou investidores, com o propósito de acelerar o desenvolvimento (Artigo 12.2).

2.3 – A CE e a política de investimentos

Segundo o Tratado de Roma e, agora, o Tratado da União Européia, dentre os objetivos da CE estão os de criação de um mercado comum e de uma união econômica e monetária, mediante a aplicação de políticas ou ações comuns, que impliquem a construção de um mercado interno caracterizado pela abolição, entre os Estados membros, dos obstáculos à livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capital (Artigo 3). Para dar mais dinamismo à integração foi lançado, em 1986, o Programa do Mercado Único que alterou vários dispositivos do Tratado de Roma e deu maior poder às instituições comunitárias. Cerca de 300 barreiras físicas, técnicas e fiscais foram identificadas, e uma série de medidas foi tomada para implantá-las até o horizonte do ano 1992. O resultado foi o aumento significativo do fluxo de investimentos dentro da Comunidade, e de países terceiros, com um número significativo de fusões e aquisições e o estabelecimento de novas empresas.

O grande impacto foi sentido na área do mercado de capitais, com a liberalização dos movimentos de capitais, baseado na coordenação de regras sobre autorização, sistema único de licenciamento, supervisão, e condições de salvaguarda do interesse público. Foram, também, reforçadas as condições de cooperação empresarial com a criação de legislação específica para permitir as atividades transfronteiriças entre as empresas como o Agrupamento Europeu de Interesse Econômico e o Estatuto da Empresa Européia.

2.4 – O NAFTA e a política de investimentos

O tema investimentos e serviços é abordado no NAFTA no Capítulo 11. Cada parte do acordo tem o direito de realizar, exclusivamente, um certo número de atividades econômicas, e recusar a permissão para o estabelecimento de investimentos nessas áreas (Artigo 1101). Tais atividades foram listadas nos anexos do acordo, dentre elas transportes, telecomunicação, correios, serviços profissionais, serviços sociais, e petróleo e petroquímica.

Cada parte deve conceder, aos investidores e aos investimentos das outras partes, tratamento não menos favorável ao concedido aos investidores ou investimentos nacionais, em relação a: estabelecimento, aquisição, expansão, administração, operação, venda ou outro tipo de investimento. Nenhuma parte pode impor sobre um investidor de outra parte, a exigência de que parcela do capital de uma empresa seja controlado por nacionais, ou requerer que um investidor de outra parte, por razão de nacionalidade, venda ou se retire do investimento no território de uma parte (Artigo 1102).

Cada parte do acordo deve conceder, aos investidores e aos investimentos de outra parte, tratamento não menos favorável ao concedido a investidores ou investimentos de qualquer outra parte, ou de uma não parte (Artigo 1104). Cada parte deve conceder aos investimentos de outra parte tratamento conforme à legislação internacional, incluindo tratamento justo e equitativo, proteção e segurança completas. Cada parte deve conceder tratamento não discriminatório, em relação às medidas a serem adotadas por perdas sofridas pelo investimento, devido a conflitos armados ou distúrbios civis (Artigo 1105).

As partes não podem impor ao investimento de outras partes às seguintes exigências: a exportação de parcela de produtos ou serviços; a compra de parcela de conteúdo local; a compra ou a concessão de preferência a bens ou serviços produzidos no território; o relacionamento do volume ou valor da importação ao volume ou valor das exportações ou ao fluxo de investimento; a restrição à venda no território do investimento a necessidade de exportação, a exigência de transferência de tecnologia a alguma pessoa do território; a exigência de agir como fornecedor exclusivo de bens produzidos para alguma região ou mercado mundial. Nenhuma parte pode condicionar o recebimento de uma vantagem relativa ao investimento ao cumprimento de: conteúdo local; compra preferencial de bens domésticos relacionada ao volume ou valor de importações contra o das exportações; restrição à venda de bens e serviços no território em relação ao valor exportado ou investido, ou a atividades de pesquisa ou desenvolvimento no território; ou a obrigação de nomeação de nacionais para os órgãos de direção do novo investimento (Artigo 1106).

Todo um mecanismo de solução de controvérsias entre uma parte e os investidores das outras parte é previsto na Seção B do Capítulo 11.

2.5 – A OCDE e o Acordo Multilateral de Investimentos (MAI)

Paralelamente aos acordos regionais, a OCDE vem negociando um acordo sobre investimentos desde 1995. O Acordo Multilateral de Investimentos, conhecido pela sua sigla em inglês – MAI, pretende ser um acordo internacional, aberto para todos os membros da OCDE, e também para países não membros. O objetivo da negociação é de obter um acordo amplo e completo, que estabeleça regras de alto nível sobre investimentos, incluindo proteção ao investimento, liberalização do investimento e solução de controvérsias (OECD, 1997,b).

O Acordo é fruto de anos de cooperação entre os membros da OCDE, inspirado no seu Código de Liberalização, na Declaração de 1976, e nas Decisões sobre o Investimento Internacional e as Empresas Multinacionais. Tem como meta agregar em um só instrumento, que seja obrigatório, as disciplinas sobre investimento encontradas nos acordos bilaterais e regionais. O objetivo é o de criar um ambiente mais favorável para o investimento, visando as empresas que se confrontam com os desafios da globalização, e, assim, encorajar o próprio fluxo de investimentos.

As negociações para finalizar o Acordo dependem de se atingir uma cobertura e abrangência satisfatórias, além de obrigações balanceadas entre as partes, inclusive concordância sobre o texto final do acordo, incluindo exceções, salvaguardas e reservas específicas para cada país.

As principais características do Acordo Multilateral de Investimentos são as seguintes (OECD 1997,c):

— Cobertura – o Acordo deve ser amplo, cobrindo todas as formas de investimento, incluindo o estabelecimento de empresas e as atividades de empresas estrangeiras já estabelecidas. Deve ser aplicado a todos os setores e a todos os níveis de governo. Deve ser mais amplo que o tradicional investimento estrangeiro direto, e abranger investimentos em carteira e ativos intangíveis, propriedade intelectual, investimento indireto, concessões, dívida pública e bens imóveis.

— Tratamento a investimentos e a investidores – o Acordo deve incluir amplas obrigações sobre tratamento nacional e de nação mais favorecida, abrangendo discriminações de jure e de facto. O texto deve incluir artigos sobre a entrada, permanência e trabalho dos investidores e de pessoal administrativo, a participação nas atividades de privatização, incentivos ao investimento, proibição sobre certas exigências de desempenho (exportação ou conteúdo local) e sobre a posição de nacionais nos postos de alto nível. Ainda, deve incluir tratamento sobre monopólios, concessões e empresas estatais, além de dispositivos especiais para o setor financeiro e tributação, proteção do meio ambiente e desenvolvimento sustentável.

— Proteção do investidor e do investimento – o Acordo deve prever um alto nível de proteção, baseada nos princípios dos acordos bilaterais. O texto contempla o tratamento dos investidores e investimentos, expropriação, proteção em caso de conflitos sociais, remessa de fundos, sub-rogação e proteção dos investimentos existentes.

— Solução de controvérsias – o Acordo deve encorajar a solução de conflitos através de consultas entre as partes, ou através de procedimento específico que analisará casos submetidos por investidores contra o Estado, ou de Estado contra Estado.

— Exceções gerais e salvaguardas – o Acordo deve permitir que as partes tomem medidas para a proteção de interesses nas áreas de segurança e o cumprimento de suas obrigações dentro da Carta das Nações Unidas, de manutenção da paz e da segurança. O Acordo deve incluir um dispositivo de salvaguardas provisórias que permita a dispensa de certas disciplinas nos casos de dificuldades sérias no balanço de pagamentos e finanças externas, ou quando o movimento de capitais causar sérias dificuldades para as políticas monetária e de câmbio. Também estão sendo consideradas exceções para medidas culturais e para a ordem pública.

— Reservas específicas por países – o Acordo deve prever a manutenção de exceções, desde que estejam consideradas nas reservas específicas. As delegações já apresentaram listas preliminares de reservas. Os trabalhos continuam para se identificar mecanismos de não adoção de novas reservas e de desmantelamento das reservas existentes (standstill and rollback).

O MAI continua em fase de negociação, mas enfrenta, atualmente, a oposição de vários grupos de pressão. De um lado estão os setores europeus ligados à proteção de valores culturais, afirmando que o acordo poderá destruir a tradição e os costumes europeus, ao permitir a entrada de investidores americanos na área de produção de filmes, programas de TV e rádio, ou área musical. De outro lado estão os grupos ligados à área de defesa do meio ambiente e de padrões trabalhistas, exercendo forte pressão para que o acordo inclua cláusulas de proteção específica para tais temas. Finalmente, posicionam-se os americanos, que consideram que o acordo não satisfaz seus interesses, por apresentar listas muito grandes de reservas e exceções, e não atingir os padrões de liberalização pretendidos.

Como as metas impostas ao acordo foram ambiciosas, está sendo difícil se chegar a um consenso, mas talvez uma versão mais atenuada de liberalização para a área de investimentos possa ser conseguida.

2.6 – O GATT/OMC e as disposições relacionadas ao investimento

Em termos históricos, o GATT continha poucas regras diretamente relacionadas ao investimento estrangeiro. O tema investimento foi revisitado em 1955 e o resultado foi a Resolução sobre Investimento Internacional para o Desenvolvimento Econômico, a qual reconhecia que a entrada crescente de fluxos de capital, principalmente para os países em desenvolvimento, facilitaria os objetos estipulados no Acordo Geral. Recomendava, ainda, que as partes contratantes provedoras de capital e as partes interessadas em obtê-los fizessem os melhores esforços para criar condições para estimular o fluxo de capitais, incluindo condições de segurança, evitando a dupla taxação e dando condições para a transferência dos lucros do investimento. Ainda, convidava as partes contratantes a entrar em negociações para a conclusão de acordos bilaterais e acordos multilaterais sobre investimentos.

A Rodada de Tóquio, negociada nos anos 70, dentro de seus objetivos de estabelecer regras para os instrumentos de política interna que pudessem distorcer as condições do comércio internacional, tratou de temas como subsídios, barreiras técnicas e compras governamentais que, embora dirigidas no movimento transfronteiriço de bens, são relevantes no estabelecimento de condições competitivas sobre o investimento.

Como resultado da Rodada Uruguai, a OMC estabeleceu novas obrigações sobre os governos, relacionadas à área de investimentos, que incluíram tratamento do investimento, tratamento de cidadãos estrangeiros e empresas estrangeiras, dentro dos acordos de TRIMS, TRIPs, Serviços e Acordo Plurilateral sobre Compras Governamentais (Working Group on Trade and Investment, 1997, JOB 2988). Dentre as principais obrigações, poderiam ser citadas:

— Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionas ao Comércio – TRIMs. O objetivo do Acordo sobre TRIMs inclui não só a expansão e a progressiva liberalização do comércio mundial, mas, também, modos de facilitar o investimento através das fronteiras. O Acordo proíbe a aplicação de certas medidas sobre o investimento das empresas, que operem dentro de seus territórios, e que estejam relacionadas ao comércio de bens. O Acordo diz respeito ao tratamento discriminatório sobre importações ou exportações de bens relacionados ao investimento.

O Acordo proíbe a aplicação de medidas que são inconsistentes com os Artigos III e XI do GATT 1994, basicamente, medidas que condicionam a obtenção de incentivos ao investimento a exigências de conteúdo local ou de exportação. Ainda, estabelece regras de notificação e períodos de transição para as medidas inconsistentes com o Acordo.

– Acordo sobre Aspectos de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio – TRIPs. O Acordo de TRIPs estabelece regras para que cada membro conceda, dentro de seu território, a proteção estabelecida para a propriedade intelectual de pessoas jurídicas ou físicas de outros membros da OMC. O Acordo cobre as áreas de direitos do autor, marcas, patentes, indicações geográficas, desenho industrial, topografia de circuitos integrados, e informações comerciais confidenciais. Primeiro, o Acordo estabelece padrões mínimos de proteção que devem estar disponíveis nas leis nacionais de cada membro. Segundo, o Acordo estabelece o procedimento e os recursos que cada membro deve prover para garantir os direitos de propriedade intelectual, através de vias judiciais, ação nas alfândegas ou processos criminais.

Os pontos estabelecidos no Acordo sobre padrões de proteção, procedi-mentos para o cumprimento das regras, e processo internacional de solução de controvérsias são considerados relevantes para o ambiente legal que afeta o investimento estrangeiro. É importante enfatizar que quase todos os acordos sobre investimentos atuais incluem a propriedade intelectual dentro das suas definições de investimento, o que demonstra a relação entre investimento e propriedade intelectual.

– Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias. O Acordo define o conceito de subsídio e estabelece regras para a concessão desses subsídios pelos governos. Importante para o investimento são as implicações do Acordo para a concessão de incentivos específicos a certas indústrias, uma vez que agora os subsídios passam a ser classificados em três categorias, e controlados pela OMC: subsídios proibidos, como os subsídios destinados à exportação; subsídios permitidos, como os destinados ao desenvolvimento regional, à pesquisa e desenvolvimento, e a proteção do ambiente; e, subsídios acionáveis, isto é, sujeitos a investigação e passíveis de medidas compensatórias se causarem dano a indústria local. Tais subsídios devem envolver uma contribuição financeira de um governo ou órgão público, e devem conferir um benefício em relação as demais empresas instaladas no país. Estão incluídos incentivos financeiros, fiscais, bem como incentivos indiretos.

É importante ressaltar que os conceitos que embasam o Acordo estão orientados para o comércio de bens, e não podem ser aplicados diretamente aos investimento, pois se referem aos fluxos de bens, que ocorrem depois que o investimento tiver sido feito. Os efeitos adversos estabelecidos no Acordo estão definidos em termos de distorções do fluxo comercial dos bens subsidiados, isto é, na medida em que os subsídios aumentam o nível de exportação ou reduzem o nível de importação do país que subsidia e, assim, prejudicam os produtores de produtos similares em outro país.

– Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços – GATS. A integração de investimento e comércio transfronteiriço é mais evidente no Acordo sobre Serviços, que trata investimento como uma modalidade do comércio de serviços. O Acordo define comércio de serviços como integrando quatro modos de prestação: do território de um membro para o território de outro membro; no território de um membro ao consumidor do serviço de outro membro; através de presença comercial de um membro no território de outro membro; e, através da presença de pessoa física prestadora do serviço de um membro no território de outro membro.

Relevante para a área de investimento é a presença comercial do prestador de serviço de um membro no território de outro membro, que inclui qualquer tipo de negócios ou estabelecimentos profissionais, via constituição, aquisição ou manutenção de pessoa jurídica, ou criação de uma filial ou escritório. Outro modo de prestação relevante é via a presença de pessoa física de um membro no território de outro membro, incluindo a entrada temporária de visitantes de negócio, e a transferência de pessoal administrativo.

Membros do Acordo negociaram compromissos nos quatro modos de prestação, que obrigam os governos a garantir condições de acesso a mercados, com relação aos modos de prestação e aos setores indicados nas listas de compromissos de cada país. Se não houver especificações em contrário, os membros garantem o direito à entrada em seus mercados e o direito de tratamento nacional para cada setor listado. Uma das regras mais importantes do Acordo, que também afeta a área de investimento, é a regra de tratamento de nação mais favorecida, que exige dos membros o tratamento não discriminatório em todos os setores de serviços.

Em contraste com os demais acordos sobre investimento, o GATS não contém provisões de proteção ao investimento, nem contém mecanismo de acesso direto a solução de controvérsias para investidores privados. No entanto, tratando investimento como um elemento do comércio de serviços, o Acordo inclui os termos e condições de entrada no mercado, como as condições de operação na fase pós investimento.

Ainda, ao definir tratamento nacional como uma obrigação relacionada apenas aos setores estabelecidos nas listas de concessão, o Acordo difere de muitos acordos de investimentos nos quais o tratamento nacional tem o mesmo status do tratamento de nação mais favorecida. De modo similar, o conceito de acesso a mercados permite aos governos condicionar a entrada de prestadores estrangeiros.

É importante ressaltar que o GATS é um acordo-quadro, estabelecido de modo a permitir a liberalização progressiva do comércio de serviços através de futuras negociações, sendo a primeira delas prevista para o ano 2000.

2.7 – O Grupo de Trabalho sobre as Relações entre Comércio e Investimento da OMC

A Conferência Ministerial de Singapura estabeleceu o Grupo de Trabalho sobre as Relações entre Comércio e Investimento, que definiu um programa de trabalho com os itens que pretende analisar (Working Group on Trade and Investment):

— Implicações das relações entre comércio e investimento para o desenvolvi-mento e crescimento econômico incluindo: parâmetros econômicos relacio-nados com a estabilidade macroeconômica; industrialização, privatização, emprego, distribuição da renda, competitividade, transferência de tecnologia; condições domésticas de competição e estruturas de mercado.

— A relação econômica entre comércio e investimento: os graus de correlação entre fluxos de comércio e investimento; os fatores determinantes da relação entre comércio e investimento; o impacto das estratégias empresariais, práticas e decisões sobre comércio e investimento; a relação entre a mobilidade de capital e a mobilidade de trabalho; o impacto das políticas e medidas sobre os fluxos de investimento, incluindo acordos bilaterais e regionais; o impacto de políticas e medidas de investimento sobre o comércio; experiências de políticas nacionais sobre investimento, incluindo incentivos e desincentivos; e, a relação entre investimento estrangeiro e política de competição.

— Levantamento e análise de instrumentos internacionais e atividades relacionadas ao comércio e ao investimento: dispositivos da OMC; acordos bilaterais, plurilaterais e multilateral; implicações dos instrumentos internacionais para o fluxo de comércio e investimento.

— Com base no trabalho anterior: identificar as características comuns e as diferenças nos instrumentos internacionais existentes; vantagens e desvantagens de se entrar em regras sobre investimentos bilaterais, regionais ou multilaterais; os direitos e as obrigações dos países investidores e receptores, além dos próprios investidores; e, a relação entre cooperação internacional sobre política de investimento e sobre política de concorrência.

Os trabalhos do Grupo estão apenas em uma fase inicial, e têm se concentrado no exame dos relatórios das pesquisas realizadas na área, e no entendimento das experiências dos diversos membros sobre o tema. O ritmo das atividades do Grupo, certamente, dependerá do andamento dos trabalhos da OCDE. Caso as negociações do MAI sejam encerradas, tal fato terá repercussão imediata na OMC, e poderá acelerar os trabalhos do Comitê para a conclusão de um acordo menos ambicioso que envolva não cerca de 30 mas cerca de 130 países.

2.8 – Implicações para as relações do MERCOSUL com a CE e o NAFTA

O acompanhamento dos trabalhos desenvolvidos na área de investimentos deve ser considerado como prioritário pelos membros do MERCOSUL, não só nos foros internacionais como OCDE e OMC, mas, também, nas experiências na área dos acordos regionais da CE e do NAFTA.

As discussões travadas na área dos investimentos podem revelar importantes pontos de interesse para as futuras negociações do MERCOSUL em seus diferentes níveis. O primeiro será para o processo de aprofundamento do MERCOSUL, que deve partir da etapa de união aduaneira, para etapas mais ambiciosas de construir um mercado comum, incluindo a liberalização do comércio de serviços. Na área de investimentos, o MERCOSUL já estabeleceu diversas decisões que incluem: regulamentação mínima sobre mercado de capitais, que liberaliza o movimento de capitais entre pessoas residentes em um de seus membros (DEC 08/93); um protocolo para a promoção e a proteção recíproca de investimentos no MERCOSUL (DEC 11/93); e, outro protocolo sobre a promoção e proteção de investimentos provenientes de estados não membros (DEC 11/94).

O segundo nível está ligado às discussões sobre o futuro processo de integração com a CE e o NAFTA. Na medida em que as atividades de comércio e investimentos estão cada vez mais interligadas, a negociação de acordos que não incluam a área de investimentos pode passar a ser considerada insuficiente por importantes atores desse processo que são as empresas. O Acordo entre CE e MERCOSUL inclui apenas uma cláusula de promoção de investimentos, enquanto o Acordo sobre o ALCA é mais amplo, criando um grupo específico para tratar do tema. A análise das experiências do NAFTA e da CE com a questão de investimentos se reveste, então, de grande importância, uma vez que exemplos de erros e acertos sobre os setores incluídos e sobre as regras estabelecidas podem revelar pontos de interesse para o MERCOSUL.

O terceiro nível está relacionado às discussões sobre o MAI dentro da OCDE, onde Brasil e Argentina são observadores e possíveis futuros membros. Tal experiência de negociação poderá ser de real valia nas discussões sobre um eventual acordo multilateral sobre investimentos dentro da OMC, agora não no contexto de um grupo de cerca de 30 países, na grande maioria com alto nível de desenvolvimento, mas no contexto de cerca de 130 países, com níveis díspares de desenvolvimento, e com interesses muitas vezes conflitantes, e onde os membros do MERCOSUL desempenham um papel de maior destaque. Mas é importante ter em mente que um acordo dentro da OMC, para acomodar tantos interesses diversos, certamente, será bem menos ambicioso que o da OCDE.

As negociações da CE e do NAFTA, dentro de acordos regionais de comércio com terceiros países, podem fornecer outro tipo de experiência, agora mesclando países com diferentes níveis de desenvolvimento, mas ainda dentro de um número limitado de intervenientes. Os acordos regionais vêm desempenhando, ao longo dos anos, papel de precursores da liberalização dentro do sistema multilateral. Tal realidade permite processos de liberalização mais avançados e regras operacionais mais ambiciosas. É dentro desses processos de liberalização que os agentes econômicos, sejam eles governos ou empresas, ajustam suas atividades diante da abertura dos mercados e se preparam para competir em níveis globalizados.

A questão que, então, se coloca é a da necessidade de se introduzir ou não a cláusula sobre investimentos nos acordos regionais do MERCOSUL com a CE e com o NAFTA, em quais termos e sob que condições. As opções que se apresentam são de negociar regras sobre investimentos em termos multilaterais, ou mais abrangentes no âmbito da OCDE, ou menos abrangentes no âmbito da OMC, ou ainda, nos dois foros simultaneamente.

3 – Comércio internacional e concorrência

3.1 – A importância da criação de regras sobre a concorrência para o comércio internacional

As atividades econômicas internacionais nas décadas recentes têm sido caracterizadas por dois tipos de desenvolvimento: liberalização e globalização. O forte crescimento do volume do comércio de bens e serviços atesta o impacto da liberalização no contexto mundial. As empresas estão, também, se adaptando a estratégias globais na área da produção e na prestação de serviços, explorando as vantagens comparativas de diferentes países, relocalizando fatores de produção, e entrando em novos mercados. O crescente fluxo de investimentos diretos e o número de subsidiárias de empresas transnacionais atestam tais fatos.

O resultado é o crescimento da importância das práticas comerciais que têm dimensão internacional, e que podem derivar em práticas consideradas anti-competitivas e, por tal razão, em desacordo com o objetivo de maior eficiência dos fatores econômicos. Como exemplos, cartéis com efeitos transfronteiriços, acordos para excluir competidores estrangeiros de certas vendas, abusos de posição dominante na área internacional, fusões entre empresas com efeitos anti-competitivos. A conseqüência é que tais práticas podem colocar em perigo todos os benefícios trazidos pela liberalização do comércio. A questão que então se coloca é a dimensão internacional das regras da concorrência e a ausência de regras que limitem práticas consideradas anti-competitivas de alcance transfronteiriço.

Algumas razões podem ser alinhadas para justificar a adoção de regras internacionais de concorrência (EC,1996), (EC Group of Experts, 1995):

— como parte de uma estratégia de acesso a mercados, já que práticas anti-competitivas impedem as empresas de um país de entrarem em outros mercados. Tais práticas não podem ser atacadas se não existirem regras sobre concorrência nesses países, ou se as regras forem menos rigorosas;

— para evitar conflitos entre legislações e jurisdições entre países, e promover uma gradual convergência das leis de concorrência, eliminando problemas relacionados ao comércio. Conflitos podem surgir na análise de fusões, alianças ou acordos de licenças internacionais, quando são permitidos em um país, mas proibidos pela lei de outro país;

— para aumentar a eficácia e coerência das leis de concorrência nos países que possuem tais leis, protegendo o funcionamento das economias de mercados e o interesse dos consumidores;

— para fortalecer o próprio sistema de comércio internacional, uma vez que práticas anti-competitivas afetam o balanço de oportunidades de acesso a mercados negociadas entre os membros da OMC;

— para impedir que as autoridades administradoras das leis de concorrência de algum país, tentem resolver problemas de acesso a mercados, causados por práticas anti-competitivas em mercados externos, através da extensão da cobertura das suas regras nacionais, o que tem causado sérias disputas no contexto internacional, envolvendo questões de jurisdição e soberania;

— pelo interesse dos países em desenvolvimento, para que exista um efetivo controle sobre práticas anti-competitivas, uma vez que o desmantelamento das barreiras ao comércio realizadas pela OMC acaba deixando tais países mais expostos aos riscos de tais práticas.

Vários exemplos de práticas anti-competitivas com efeitos comerciais podem ser citados, sejam elas praticadas pelos governos, pelas empresas, ou por empresas com suporte do próprio governo. Algumas vezes, o governo participa diretamente na operação, mas, outras vezes, pode não aplicar a lei anti-concorrência do país, para proteger uma indústria ou serviço nacionais. Dentre tais exemplos: formação e operação de cartéis de crise, cujo objetivo é a recuperação e restruturação de indústrias em dificuldades; manutenção de barreiras à entrada no mercado para produtores estrangeiros, com objetivos de proteger a indústria doméstica, através do controle das importações; acordos de preços predatórios para os produtos exportados, mas não para os produtos de venda doméstica; estabelecimento de relações privilegiadas fornecedor-cliente, impedindo acesso ao mercado de fornecedores externos; negociação de acordos voluntários de restrições a exportações, incluindo quantidade e preço, com ou sem a participação do governo; negociação de acordos voluntários de importação, com ou sem a participação do governo; cartéis de exportação cujas práticas estão fora da jurisdição das leis internas; concessões de licenças exclusivas; e, barreiras nos canais de distribuição que impeçam a entrada de produtos importados.

3.2 – A Carta de Havana e as regras sobre a concorrência

Em termos históricos, a Carta de Havana de 1948, que previa a criação da OIC, também incluía o tratamento das práticas comerciais restritivas que pudessem distorcer a concorrência no comércio internacional, além das medidas do governo que tivessem o mesmo efeito (Havana Charter, Final Act, Capítulo V,1948).

O objetivo da Carta, neste tema, era de prevenir, por parte de empresas privadas ou públicas, práticas comerciais que afetassem o comércio internacional e que restringissem a concorrência, limitassem o acesso a mercados, ou favorecessem o controle monopolístico, sempre que tais práticas tivessem um efeito prejudicial na expansão da produção ou comércio, e interferisse com os objetivos da própria Carta (Artigo 46.1).

Para que a organização pudesse decidir se uma determinada prática seria considerada restritiva, os membros concordariam que tal prática deveria estar sujeita a uma investigação (Artigo 46.2). As práticas consideradas restritivas seriam as seguintes: fixar preço e condições na compra, venda ou leasing de qualquer produto; excluir empresas ou dividir mercados, ou alocar clientes, ou determinar quotas; discriminar contra empresas; impor limites de produção; impedir, através de acordo, o desenvolvimento ou aplicação de tecnologia patenteada ou não; e, estender o uso do direito da patente, marca ou direito do autor concedidos a um membro, a condições que estejam fora do escopo da concessão (Artigo 46.3). Todo um processo de consultas e de investigação contra práticas restritivas seria estabelecido no acordo (Artigo 48).

Com a rejeição da Carta pelo Congresso americano, somente a parte relativa ao comércio foi transformada em GATT, deixando de lado toda a preocupação com práticas anti-competitivas.

3.3 – A UNCTAD e as regras sobre a concorrência

Durante os anos 50, a ONU tomou a iniciativa de tentar controlar as práticas comerciais restritivas através de acordos internacionais. Embora tais esforços tenham tido pouco sucesso, a Assembléia Geral adotou um conjunto de princípios sobre o tema, a pedido dos países em desenvolvimento, mas suas recomendações não tiveram carácter obrigatório. O Conjunto de Princípios e Regras Justas Acordadas Multilateralmente para o Controle das Práticas Comercias Restritivas (The SET) foi adotado em 1980, tomando a forma de uma recomendação (UNCTAD,1980).

O Conjunto tem como objetivo assegurar que as práticas comerciais não impeçam a absorção dos benefícios gerados pela liberalização das tarifas e das barreiras não-tarifárias, principalmente as que afetam o comércio e o crescimento dos países em desenvolvimento, além de dar maior eficiência ao comércio internacional. Ainda, possibilitar a negociação de um acordo com os objetivos nacionais de desenvolvimento econômico e social através de: i) criação, encorajamento e proteção da concorrência, através do controle da concentração de capital ou do poder econômico, além de encorajamento a inovação; ii) eliminação das desvantagens ao comércio e ao desenvolvimento que possam resultar de práticas comerciais restritivas e das atividades das corporações transnacionais e, assim, ajudar a maximizar os benefícios do comércio internacional; iii) adoção do Conjunto de Regras como forma de facilitar o cumprimento de leis e políticas nessa área, em nível nacional e regional.

Práticas comerciais restritivas são definidas como atos ou comportamentos de empresas que, através do abuso de posição dominante no mercado, limitem o acesso a esse mercado, ou restrinjam a concorrência dentro dele de forma excessiva. Tais práticas apresentam efeitos adversos ao comércio internacional e ao crescimento dos países em desenvolvimento, quando efetuadas através de acordos formais, informais, escritos ou não, ou através de acordos entre empresas.

Posição dominante de poder de mercado se refere à situação onde uma empresa, por si só, ou agindo em conjunto com outras empresas, está em uma posição de controlar o mercado relevante para um bem ou serviço em particular ou grupo de bens e serviços.

Empresas significam firmas, associações, corporações, companhias, pessoas jurídicas ou físicas, ou qualquer combinação entre elas, não considerando o modo de criação ou controle ou propriedade, privada ou estatal, que estejam engajadas em atividades comerciais, incluindo seus escritórios, afiliadas, subsidiárias, ou outra entidade direta ou indiretamente controlada por elas.

Dentre os princípios estabelecidos no Conjunto de Regras da UNCTAD temos:

— Ação apropriada deve ser tomada de modo a reforçar os níveis nacionais, regionais e internacional, com a finalidade de eliminar, ou efetivamente tratar as práticas comerciais restritivas, incluindo aquelas de corporações transnacionais, que afetem adversamente o comércio internacional, particularmente o dos países em desenvolvimento.

— Colaboração entre governos nos níveis bilateral e multilateral deve ser estabelecida, e mecanismos apropriados devem ser elaborados em nível internacional, e/ou o uso da máquina internacional existente deve ser melhorado para facilitar a troca e a disseminação de informações entre os governos, em relação às praticas comerciais restritivas.

— Meios necessários devem ser estabelecidos para facilitar a realização de consultas multilaterais com respeito a temas de política relacionados ao controle dessas práticas.

— Os dispositivos do Conjunto de Regras não devem ser interpretados para justificar a conduta de empresas que sejam ilegais dentro das legislações nacionais ou regionais.

— Os estados devem, no nível nacional ou regional, adotar, aperfeiçoar e fazer cumprir efetivamente a legislação apropriada, e elaborar procedimentos judiciais e administrativos para o controle das práticas comercias restritivas, incluindo as práticas das transnacionais.

3.4 – A CE e a política da concorrência

Pelos Tratados de Roma e da União Européia, os objetivos da CE são de construir um mercado comum e uma união monetária, através de políticas comuns, dentre elas, o estabelecimento de um regime que garanta que a concorrência não seja distorcida (Artigo 3). A Política da Concorrência na CE se aplica a empresa públicas e privadas e aos subsídios concedidos pelos Estados. As principais regras são as seguintes:

— São incompatíveis com o mercado comum e proibidos, todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associação entre empresas, e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afetar o comércio entre os Estados membros, e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou distorcer a concorrência no mercado comum. Dentre as práticas citadas temos: fixar preços e condições de compra ou venda; limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou o investimento; repartir os mercados ou as fontes de abastecimento; aplicar condições desiguais a prestações equivalentes, colocando-as em desvantagem; e, subordinar a aplicação de contratos à aceitação de prestações suplementares sem ligação com o contrato original (Artigo 81, ex-85).

— É incompatível com o mercado comum e proibido, o fato de uma ou mais empresas explorarem de uma forma abusiva uma posição dominante no mercado comum, ou uma parte substancial dele. Dentre tais práticas: impor preços de compra ou venda, ou outras condições; limitar a produção, a distribuição ou o desenvolvimento tecnológico em prejuízo dos consumidores; aplicar a parceiros comerciais condições desiguais no caso de prestações equivalente; e, subordinar o contrato à aceitação de prestações suplementares que não tenham ligação com o contrato (Artigo 82, ex-86).

— As normas da concorrência também se aplicam às empresas públicas, ou àquelas que o Estado concede direitos especiais ou exclusivos. Os Estados membros não podem tomar, nem manter quaisquer medidas contrárias às regras da concorrência (Artigo 86, ex-90).

— São incompatíveis com o Mercado Comum, os auxílios concedidos pelos Estados que distorçam ou ameacem distorcer a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções. Estão incluídos: subsídios, isenções fiscais, bonificações de juros, garantias de empréstimos, cessões de edifícios ou terrenos, fornecimento de bens ou serviços em condições favoráveis, cobertura de prejuízo, ou qualquer outra medida de efeito equivalente (Artigo 87, ex-92).

3.5 – O NAFTA e a política da concorrência

O Capítulo XV do NAFTA trata de política da concorrência, monopólios e empresas estatais, e estabelece que cada parte deve adotar ou manter medidas que proscrevam práticas anti-competitivas nos negócios, e tomar medidas apropriadas, reconhecendo que tais medidas irão fortalecer os objetivos do NAFTA. Cada parte reconhece a importância da cooperação e coordenação, entre suas autoridades, para reforçar a legislação da concorrência na área de livre comércio. As partes devem cooperar nas áreas da aplicação da política, incluindo assistência mútua, notificação, consultas, e troca de informações.

O objetivo é apenas de cooperação, uma vez que cada parte é soberana para aplicar a sua própria legislação, e uma vez que o mecanismo de solução de controvérsias do NAFTA não se aplica a casos de concorrência.

3.6 – Os Acordos Bilaterais de Cooperação entre a CE e os EUA

Em 1991, os EUA e a CE assinaram um acordo de cooperação na área da concorrência. Tal acordo exige que cada parte notifique a outra parte toda vez que as atividades de aplicação da legislação em uma parte possam afetar interesses importantes de outra parte. O acordo visa a cooperação e a coordenação na aplicação das regras sobre concorrência, incluindo cláusulas especiais de reconhecimento mútuo de leis (positive and negative comity). Pela primeira, cada parte pode requerer a ação da outra parte, dentro de seus próprios poderes, para investigar atividades que afetem de forma adversa os interesses da parte requerente. A parte notificada é livre de agir ou não, mas se tomar alguma medida, é obrigada a avisar a parte interessada. Pela segunda cláusula, quando uma parte age, ela deve levar em consideração os interesses considerados importantes para a outra parte. Finalmente, o acordo prevê que as regras de confidencialidade de cada parte devem ser preservadas. Em 1994 o Congresso americano aprovou uma lei que permite a troca de informações confidenciais, dentro de certas condições.

No caso da CE, existem acordos de colaboração entre a CE e os países da EFTA dentro do Espaço Econômico Europeu, e dentro dos Acordos Europeus da CE com diversos países da Europa Central e Oriental.

3.7 – A OCDE e as regras sobre a concorrência

A interrelação entre políticas sobre o comércio externo e sobre a concorrência tem sido reconhecida na área internacional há muitos anos. Inúmeros trabalhos sobre o tema têm sido apresentados por organismos internacionais, dentre eles OCDE, Banco Mundial e FMI. Tais organismos passaram a reconhecer a necessidade de um trabalho mais sistemático sobre as relações entre políticas de comércio, de investimento e de concorrência, de modo a melhorar a coerência das políticas, e apoiar o bom funcionamento do sistema multilateral do comércio.

A OCDE, desde 1967, vem desenvolvendo análises e recomendações na área da concorrência, através de seus grupos de trabalho, baseada nas premissas de que: as práticas anti-competitivas do setor privado podem restringir o acesso ao mercado; de que medidas sobre o comércio podem restringir a concorrência; e, de que as regulamentações do governo podem restringir o acesso ao mercado e a concorrência.

As análises da OCDE concluíram que a eficácia da lei sobre concorrência depende de uma série de fatores, dentre eles, a cobertura e a abrangência das leis, o real cumprimento das leis, e da identificação das práticas restritivas que devem ser incluídas nas leis. Tais práticas foram divididas em três categorias: acordos horizontais, como cartéis internacionais, cartéis de exportação, alianças estratégicas e fusões; restrições verticais, como a integração da produção ou de prestação de serviços; e, abuso da posição dominante, como restrição a entrada ou preço predatório (OECD,1997).

A OCDE vem elaborando uma série de recomendações que têm caráter não obrigatório, mas incluem um instrumento de notificação entre as agências que cuidam de concorrência.

3.8 – Propostas de acordos internacionais sobre a concorrência

Em 1991, a ABA – American Bar Association – elaborou um relatório intitulado International Anti-Trust, e concluiu que a elaboração de uma lei anti-concorrência internacional não seria possível, uma vez que, embora os cartéis fossem tratados como formalmente ilegais, muitos países excluíam certos tipos de cartéis das suas leis anti-concorrência.

Em 1993, um grupo formado por 12 acadêmicos, o Grupo de Munique, tomou uma posição oposta, e divulgou o International Anti-Trust Code, propondo a sua inclusão no GATT através de um acordo plurilateral.

Em 1995, a Comissão da CE formou um grupo de especialistas que elaborou um relatório sobre concorrência, também recomendando a negociação de um acordo plurilateral dentro da OMC. O Report on Competition Policy in the New Trade Order foi elaborado por acadêmicos e funcionários da Comissão, e depois adotado pelo Conselho da CE como posição da Comunidade junto a OMC. A abordagem é de uma construção progressiva da coordenação das políticas da concorrência (building blocks). As etapas seriam as seguintes (CE, 1996, e Group of Experts, 1995):

- adoção de legislação sobre concorrência em nível nacional, incluindo estrutura administrativa, pelos membros interessados em participar do acordo. Tal legislação deveria incluir regras sobre os principais temas: acordos restritivos, abuso de posição dominante e fusões, bem como instrumentos de investigação e sanções apropriadas, com garantia de acesso das partes privadas às autoridades domésticas e às cortes judiciais;

- adoção de regras comuns, através da identificação de princípios comuns, bem como a adoção de tais regras em nível internacional, de modo a promover condições iguais de concorrência, e facilitar a cooperação das autoridades, promovendo uma gradual convergência das leis da concorrência;

- estabelecimento de um instrumento de cooperação entre as autoridades, incluindo notificações, troca de informações, e cooperação;

- estabelecimento de um mecanismo de solução de controvérsias, adaptando o mecanismo da OMC para as especificidades dos casos de concorrência.

3.9 – O GATT/OMC e as disposições relacionadas com as regras da concorrência

No âmbito do GATT/OMC, já existem medidas relacionadas à concorrência.

Depois das propostas contidas na Carta de Havana, o tema foi alvo de discussões e decisões das parte contratantes ao longo dos anos, mas nada de concreto foi conseguido. Nos trabalhos preparatórios da Rodada Uruguai, o tema voltou a ser incluído nas negociações, mas não se obteve consenso para sua inclusão na agenda da Rodada, ficando assim excluído dos trabalhos.

No entanto, vários acordos da Rodada Uruguai podem ser considerados como incluindo dispositivos relacionados à concorrência. De um lado, a maioria desses acordos limita a habilidade dos governos de impor medidas ao comércio que tenham efeito de restringir ou distorcer a concorrência. De outro, alguns acordos contêm dispositivos que estão relacionados com as práticas empresariais que podem distorcer ou restringir o comércio internacional, e como os governos podem regular tais práticas. Dentre eles podem ser citados TRIMS, TRIPS, Serviços, Salvaguardas, Empresas Estatais Comerciais, Barreiras Técnicas, Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, Inspeção Pré-Embarque, Anti-dumping, Compras Governamentais e Aviação Civil (Working Group on Trade and Competition, 1997, JOB 3347):

— Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio – TRIMs. O texto prevê que, após 5 anos da sua entrada em vigor, a operacionalização do Acordo será revista pelo Conselho de Bens, que proporá a Conferência Ministerial modificações ao texto. Nessa revisão, o Conselho deve considerar se o Acordo pode ser complementado com dispositivos sobre política de investimentos e política de concorrência.

— Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio – TRIPs. O Acordo prevê um quadro geral multilateral para a proteção e o cumprimento dos direitos de propriedade intelectual. Dispõe que medidas apropriadas podem ser necessárias para prevenir o abuso dos direitos de propriedade intelectual por seus detentores, ou o recurso a práticas que restrinjam de forma não razoável o comércio, ou afetem adversamente a transferência internacional de tecnologia. O Acordo dispõe sobre o controle de práticas anti-competitivas nos contratos de licença, que podem incluir condições de reciprocidade, práticas coercitivas, ou impedimento a disputa sobre validade. Na área das patentes, o Acordo permite aos governos, a concessão de licenças compulsórias sob certas condições, para impedir abusos.

— Acordo sobre o Comércio de Serviços. O Acordo contém dois artigos relacionados especificamente a práticas das empresas que podem distorcer o comércio internacional. Primeiro, o artigo que dispõe sobre monopólios e prestadores de serviços exclusivos, impedindo que os monopólios ajam de forma inconsistente com as obrigações do Acordo. Segundo, o artigo que dispõe sobre práticas anti-competitivas de parte dos prestadores de serviços em geral, ao reconhecer que certas práticas podem restringir a concorrência. O Artigo dispõe que cada membro deve entrar em consultas com outro membro, se assim for requisitado, com o objetivo de eliminar tais práticas.

— Acordo sobre Salvaguardas. O Acordo estabelece regras para a aplicação de medidas de salvaguardas, nos casos em que o crescimento das importações causem sério prejuízo à indústria doméstica do país importador. Também contempla a eliminação de medidas previstas no Artigo XIX, preexistentes à Rodada Uruguai, as chamadas medidas "cinzentas", que restringiam o comércio entre as partes, através de acordos bilaterais.

— Artigo XVII do GATT 1994 – sobre Empresas Comerciais Estatais. O Artigo se refere a empresas estatais que se beneficiam, formalmente ou de fato, de privilégios exclusivos. O Artigo dispõe que tais empresas devem, nas compras ou vendas que envolvam importações ou exportações, agir de maneira consistente com os princípios gerais de tratamento de não discriminação prescrito pelo GATT, e relativos as atividades das empresas privadas. As empresas estatais devem exercer suas atividades de acordo com considerações comerciais, e devem conceder a empresas de outros membros oportunidade adequada, de acordo com as práticas comerciais tradicionais, que é a de competir na participação dessas compras ou vendas. O Artigo prevê a notificação e o monitoramento das atividades dessas empresas.

— Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio. O Acordo reconhece que membros podem adotar regulamentos e padrões técnicos por razões de segurança, saúde, proteção ao consumidor e ao ambiente, dentre outros, além de estabelecer regras para garantir que tais medidas não criem obstáculos desnecessários ao comércio.

— Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias. O Acordo estabelece regras para o uso de medidas sanitárias e fitossanitárias. Membros são inteiramente responsáveis pela observância das obrigações estabelecidas no Acordo, e devem formular e implementar medidas positivas e mecanismos de apoio para tal cumprimento. Ainda, Membros são requeridos a garantir que órgãos de certificação não-governamentais também sigam as obrigações determinadas no Acordo.

— Acordo sobre Inspeção Pré-Embarque. O Acordo estabelece um quadro internacional de direitos e obrigações para membros que usam serviços de inspeção para as exportações. Também prevê casos de conflitos de interesse entre as partes, que possam ter efeitos prejudiciais aos exportadores.

— Artigo VI do GATT 1994 e o Acordo Anti-Dumping. Ambos, o Artigo e o Acordo, autorizam os membros a tomar medidas em resposta a práticas de preço consideradas injustas, que são condenadas nos casos em que causem ou ameacem causar dano a indústria doméstica.

Vários painéis já foram criados dentro do GATT/OMC relativos a conflitos envolvendo medidas anti-competitivas que resultaram em restrições ao comércio. Tais casos foram analisados dentro do Artigo XXIII do GATT sobre anulação ou prejuízo aos benefícios resultantes das negociações multilaterais (nullification or impairment).

Segundo o Artigo, qualquer parte contratante pode levar um caso ao mecanismo de solução de controvérsias se considerar que qualquer benefício concedido pelo Acordo Geral está sendo anulado ou prejudicado, ou a concessão de algum objetivo do Acordo está sendo prejudicada como resultado de: falha da outra parte de cumprir suas obrigações dentro do Acordo, aplicação pela outra parte de qualquer medida, em conflito ou não com os requisitos do Acordo, ou a existência de qualquer outra situação.

Casos que analisaram o Artigo XXIII envolveram os EUA e Japão e incluíram práticas estabelecidas por legislação nacional na área de distribuição, com relação a lojas de grande superfície e distribuição de filmes.

3.10 – O Grupo de Trabalho sobre a Interação entre Comércio e política da concorrência da OMC

A Conferência Ministerial de Singapura estabeleceu o Grupo de Trabalho sobre a Interação entre Comércio e Política da Concorrência, que definiu o seu programa incluindo os seguintes temas (WG on Trade and Competition, 1997):

— Relação entre os objetivos, princípios, conceitos, cobertura e instrumentos de comércio e política da concorrência, e a sua relação para o desenvolvimento e crescimento econômico.

— Levantamento e análise dos instrumentos existentes, padrões e atividades relacionadas ao comércio e a política da concorrência, incluindo: políticas nacionais, leis e instrumentos quando relacionados ao comércio; dispositivos da OMC; e, acordos e iniciativas bilaterais, regionais, plurilaterais e multilaterais.

— Interação entre comércio e política de competição: o impacto de práticas anti-competitivas de empresas e associações no comércio internacional; o impacto de monopólios de Estado, direitos exclusivos e as políticas regulatórias sobre concorrência e comércio internacional; a relação entre os aspectos relacionados ao comércio de direitos de propriedade intelectual e a política de concorrência; a relação entre investimento e política de concorrência; e o impacto de políticas de comércio sobre a concorrência.

— Identificação de qualquer área que mereça futura consideração dentro do quadro da OMC.

Os trabalhos do Grupo estão ainda na sua fase inicial, e seus membros estão examinando os diversos relatórios apresentados por diferentes organizações internacionais sobre o tema, além de analisar as experiências de diversos membros na área da concorrência. Com o processo de globalização das economias em curso, é possível que o Comitê sofra maiores pressões dos governos e das empresas para que acelere os trabalhos e inicie o processo de negociações de um acordo na área da concorrência internacional.

3.11 – Implicações para as relações do MERCOSUL com a CE e com o NAFTA

A análise do tema de regras sobre a concorrência pelos membros do MERCOSUL se torna imperativa no momento atual, uma vez que tal discussão está ocorrendo simultaneamente em diferentes níveis, o que pode afetar profundamente o processo de integração criado pelo acordo.

No primeiro nível, dentro do próprio MERCOSUL, um primeiro protocolo sobre a defesa da concorrência (DEC 18/96) foi assinado em Fortaleza em 1996, e envolve, basicamente, atividades de cooperação entre as autoridades encarregadas de implantar e administrar as leis da concorrência. Mas, como bem demonstra a experiência da CE, tal arranjo não basta, e se o MERCOSUL pretende partir de uma união aduaneira para ser um verdadeiro mercado comum, necessitará de leis mais ambiciosas que incluam não só o controle do poder dominante e práticas que distorçam a concorrência, mas também a não utilização de medidas anti-dumping contra exportações provenientes dos países membros, e o controle de práticas equivalentes a subsídios a exportações de produtos para dentro do mercado comum. A discussão sobre as condições de exportações financiadas, e de um eventual consenso sobre práticas de exportação, será um tema cada vez mais premente.

Em um segundo nível, as negociações sobre os futuros acordos entre MERCOSUL e a CE e o NAFTA poderão incluir temas ligados a concorrência, uma vez que a expansão das atividades das empresas em níveis regionalizados, cada vez mais, exigirão regras que garantam um ambiente considerado justo em termos de concorrência. O Acordo atual entre MERCOSUL e a CE não inclui cláusula sobre concorrência, mas o Acordo sobre o ALCA inclui tal cláusula, bem como a formação de um grupo de trabalho específico para cuidar do tema.

Em um terceiro nível estão as discussões dentro da OMC, ainda em seus passos iniciais. No entanto, com a velocidade com que o processo de globalização vem afetando as atividades das empresas, elas exercerão maior pressão sobre seus governos para que seja acelerada a fase de troca de experiências que se assiste atualmente dentro da OMC. O Comitê, então, passaria para a fase de negociação de um acordo, que poderia ser, em uma primeira fase, no plano plurilateral, abrangendo um número limitado de países.

O problema a ser discutido é se os países membros do MERCOSUL já estão maduros internamente para avançar na negociação do tema concorrência. Mais ainda, se tal discussão pode se limitar apenas ao primeiro nível, isto é, dentro do próprio MERCOSUL, ou pelo contrário, se a dinâmica do tema não exigirá a sua discussão simultânea nos diversos níveis de negociações internacionais.

A questão que, então, se coloca é a da necessidade de se introduzir e de se aprofundar ou não a cláusula sobre concorrência nos acordos regionais do MERCOSUL com a CE e com o NAFTA, em quais termos e sob que condições. A opção que se apresenta é de apenas negociar regras sobre concorrência em termos multilaterais no âmbito da OMC.

4 – Conclusões

Os membros do MERCOSUL, no momento atual, têm a sua frente um grande desafio, qual seja, o de definir suas posições diante do importante jogo internacional que consiste na abertura simultânea de várias frentes de negociação política e econômica, e posicionar o MERCOSUL como parceiro comercial com peso específico, dentro de um contexto internacional extremamente complexo. Tal complexidade é derivada do jogo atual que se desenrola simultaneamente em diversas frentes envolvendo parceiros diferentes, e em diversos níveis, seja de âmbito regional, interregional, plurilateral ou multilateral.

O primeiro desafio é o de definir estratégias internas diante do contexto internacional atual. De um lado, existem pressões para que as economias nacionais se adaptem às novas estratégias de globalização e de abertura de seus mercados, o que exige pronta resposta das empresas fornecedoras de bens e serviços e dos governos reguladores das atividades econômicas. Por outro lado, a desaceleração econômica de vários países faz ressurgir o problema do desemprego estrutural e da deflação, que aliado a crise financeira e de desvalorização cambial em outros países, faz renascer o problema da invasão de importações a preços reduzidos, do impacto dessa importações sobre a indústria doméstica, e a conseqüente exacerbação das pressões por medidas protecionistas.

Na atuação do MERCOSUL como parceiro do jogo internacional, o quadro está montado para que se inicie uma partida simultânea em diferentes níveis. Em um primeiro nível o MERCOSUL enfrenta o desafio de continuar ou não o processo de integração, passando de uma união aduaneira para um verdadeiro mercado comum, com todas as implicações da harmonização de políticas econômicas e da perda de liberdade de tomar decisões individuais. Ainda, enfrenta a questão do aprofundamento em paralelo a questão do alargamento com outros países da América do Sul.

Em um segundo nível, o MERCOSUL se defronta com o desafio de entrar em negociações sobre processos de integração econômica com dois dos seus mais fortes parceiros internacionais, a CE e o NAFTA, enfrentando todas as implicações das vantagens de acesso a importantes mercados, contrapostas aos custos de adequar suas economias a uma concorrência mais acirrada.

Em um terceiro nível, o MERCOSUL enfrenta o desafio de coordenar posições e estar presente nos diversos foros internacionais da área econômica, que incluem a OMC, Banco Mundial, FMI, OCDE, e UNCTAD. Na área do comércio internacional, a ação se concentra, atualmente, na OMC e na OCDE, onde Brasil e Argentina são observadores.

Dentro da OMC o desafio não é menor, e a maior pressão é derivada da necessidade de se adequar a qualidade das respostas às diversas solicitações criadas pelas atividades normais da organização, o que envolve o trabalho de representantes dos diversos ministérios encarregados das áreas econômicas dos governos, bem como representantes das associações empresariais, uma vez que estão em jogo temas de alto grau de complexidade e de exigência técnica.

Com o novo contexto internacional, e, principalmente, o processo de globalização das economias, a OMC vem sofrendo forte pressão para se adequar às novas exigências do mundo atual, o que se consubstancia no desafio de enfrentar uma nova negociação multilateral, no limiar do ano 2000, seja ela em áreas definidas como agricultura, serviços e propriedade intelectual, seja ela em maior dimensão, englobando todos os temas tradicionais, além dos novos temas, que, certamente, serão incluídos nas negociações. Ainda, o novo contexto internacional está exigindo toda uma discussão sobre os objetivos da OMC, até agora baseados no aumento dos níveis de riqueza através da liberalização do comércio, para a necessidade de se ampliar tais objetivos, passando a baseá-los no aumento dos níveis de riqueza através da liberdade para a competição internacional, o que acarretaria a ampliação das atividades da OMC para incluir regras sobre a concorrência e sobre investimentos.

Diante do quadro de abertura de novas negociações é que cresce a importância de se analisar os impactos dos novos temas sobre o comércio do MERCOSUL com seus parceiros internacionais, em todos os níveis onde ocorre o jogo comercial, isto é, dentro do MERCOSUL, diante de eventuais acordos regionais de integração com a CE ou com o NAFTA, e dentro das organizações que negociam acordos internacionais sobre esses temas como OCDE e OMC.

O grande desafio a enfrentar é o da decisão de como atuar nas diversas frentes de negociação, se de forma simultânea, abrindo negociações regionais, interregionais e multilaterais, e usando avanços e recuos em uma frente como tática para obter vantagens em outra frente, ou então, optar pela abertura de frentes de negociação de forma seqüencial, enfrentando as negociações multilaterais, e adiando as negociações regionais para o futuro.

Qualquer que seja a opção adotada, os novos temas do comércio internacional estarão presentes, o que implica a necessidade do MERCOSUL se aprofundar sobre temas como comércio e investimentos e comércio e concorrência.

Os temas em questão pressupõem um mesmo debate, qual seja, dentro do contexto atual, da necessidade de se manter a diversidade dos padrões e regras, respeitando os diferentes níveis de desenvolvimento dos países, ou de se partir para um processo de harmonização desses padrões e regras, respeitando padrões mínimos aceitáveis por todos, e um processo de convergência a mais longo prazo. O problema a ser enfrentado, é que a disparidade de tais padrões e regras pode criar sérias barreiras ao comércio, ou ainda, pode ser usada como formas disfarçadas de proteção.

Quanto aos temas investimento e concorrência, a experiência internacional demonstra a interrelação entre eles e o crescimento do comércio. Assim, é importante ponderar sobre qual deve ser a estratégia a ser tomada, se a de negociar tais temas dentro dos acordos regionais, se a de deixar que se negociem acordos plurilaterais dentro do "clube" dos países desenvolvidos, a OCDE, ou partir para a negociação de acordos multilaterais que envolvam países desenvolvidos e em desenvolvimento, dentro da própria OMC. O MERCOSUL, como grande receptor de investimentos estrangeiros, tem interesses significativos a defender nessa área, e, como palco de empresas globalizadas, ávidas por novos mercados, certamente, terá grandes interesses com relação a regras que não distorçam a concorrência em tais mercados, impedindo suas exportações.

Uma das questões centrais na discussão desses temas é a necessidade de se dispor de um mecanismo de solução de controvérsias, com força política para determinar sanções contra as infrações às regras negociadas, o que existe na OMC, mas não existe na OCDE. Outra questão relevante é a de aguardar o desfecho do acordo sobre investimentos na OCDE, e decidir se, no caso de um impasse, a OMC deveria ou não acelerar seus trabalhos e negociar um acordo multilateral, mesmo tendo em mente que sua abrangência seria menos ambiciosa, ou, então, deixar o tema para negociações futuras.

Um importante ponto a destacar, no caso dos futuros acordos de integração do MERCOSUL, é o tratamento díspar que esses temas estão tendo nas negociações do MERCOSUL com a CE e com o NAFTA, sendo que somente com esse último existem grupos de trabalho para lidar com os temas investimentos e concorrência.

Algumas derradeiras questões em aberto dizem respeito, primeiro, a se, tanto nas negociações regionais quanto nas multilaterais, o interesse dos países desenvolvidos em incluir novos temas poderá ser adequadamente compensado por outros temas de interesse dos países em desenvolvimento como o de melhor acesso a mercados, através de redução de picos tarifários, redução das escalonagens tarifárias, além de maior acesso a produtos tradicionais como alimentos e têxteis. Em segundo lugar, existe a questão de como equacionar a inclusão de temas como investimento e concorrência, que implicam maiores liberdades e ganhos econômicos para as empresas, com outros temas de igual importância política, como o da responsabilidade social das empresas dentro do conceito de cidadania empresarial.

Em síntese, os desafios não são poucos. Resta saber se os membros do MERCOSUL terão condições de enfrentá-los, e saber colocar o MERCOSUL em posição de destaque na frente dessas negociações, ou optar pela posição de mero observador, deixando que esse jogo internacional seja conduzido por outros parceiros mais audaciosos.

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Junho de 1998

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Out 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 1998

Histórico

  • Recebido
    Jun 1998
  • Aceito
    Jun 1998
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