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A percepção brasileira dos refugiados

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A percepção brasileira dos refugiados

Anton Verwey; Renato Zerbini; Ariel Silva

O Brasil não permanece indiferente diante das vítimas de deslocamentos internacionais forçados. Ante o espantoso dado aproximado de 50 milhões de pessoas deslocadas em todo o mundo, normalmente vítimas de guerras civis e de atentados às liberdades e aos direitos fundamentais da pessoa humana, o Brasil vem desenvolvendo uma política relevante na matéria. Em especial, destacam-se cinco aspectos que deveriam ser de conhecimento público, em especial dos especialistas em relações internacionais.

Em primeiro lugar, o Brasil abriga a presença histórica do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) desde a década de 1970. Criado em janeiro de 1951, como um braço humanitário e social das Nações Unidas voltado para a proteção de populações atingidas pelas agruras das guerras civis e perseguições de ordem geral, o ACNUR passou a atuar no Brasil, por meio de um escritório oficial localizado na cidade do Rio de Janeiro, a partir de 1977. Naqueles anos, a preocupação incidia sobre os primeiros fluxos de refugiados, provenientes de países da América do Sul, deslocados pelas crises institucionais que afetavam os países da região. Uruguaios, argentinos, paraguaios e chilenos foram os primeiros assistidos no Brasil sob o manto da proteção do ACNUR.

Nos anos mais recentes, o tema dos refugiados ganhou importância estratégica internacional. As imagens das mais de 22 milhões de pessoas que estão hoje sob a proteção do ACNUR, em grande maioria advindos de países pobres e vivendo em campos de refugiados ou acampamentos provisórios, povoam as páginas dos jornais e revistas de todo o mundo. A vontade de retorno a seus lares de maneira segura ainda parece uma possibilidade distante para a grande maioria dos refugiados.

O Brasil, nesse novo contexto internacional, entrou na rota de possíveis abrigos para refugiados. A crise acelerada nas condições de vida de inúmeras populações africanas, em especial, está presente em portos e aeroportos brasileiros. Houve um aumento expressivo na solicitação do estatuto do refúgio. O ACNUR, em 1989, transferiu sua missão para Brasília, no coração do processo decisório nacional, com a finalidade de acompanhar melhor as políticas brasileiras na matéria e as respostas do governo e da sociedade civil brasileiros nessa matéria.

Em segundo lugar, como um desdobramento do aspecto anteriormente referido, o Brasil fez avanços expressivos nos últimos anos no que se refere à proteção do refugiado. É o Brasil o primeiro país da região a elaborar uma legislação abrangente e progressiva na matéria. Assim, passou à condição de paradigma no tratamento criterioso e profissional e partícipe ativo na busca de soluções duradouras para os refugiados em seu território.

Com uma população de refugiados da ordem de três mil pessoas e um outro volume expressivo de solicitações sendo encaminhadas, o Brasil celebrou, em 22 de julho de 1997, a aprovação da Lei 9.474, que incorpora os princípios gerais das convenções e protocolos internacionais mais modernos na área. Nesse sentido, houve um expressivo avanço conceitual em relação ao tratamento anterior, ao passar o Brasil a entender o refugiado como todo aquele que, devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, recorra à proteção brasileira. Preocupou-se o legislador brasileiro com a grave e generalizada violação dos direitos humanos e mostrou-se aberto, seguindo a tendência internacional na matéria, à possibilidade do acolhimento em solo nacional de grupos de refugiados e não apenas de casos individuais.

Evolui, também, o novo marco legal para a extensão do estatuto do refugiado aos cônjuges, ascendentes e descendentes, assim como aos demais membros do grupo familiar. O mais relevante avanço, no entanto, está no campo da proteção social do refugiado. O refugiado passa a ter direito a uma residência legal com a emissão de uma carteira de identidade comprovante de sua condição jurídica, bem como ao exercício de atividade laboral ou profissional mediante a emissão de uma carteira de trabalho, além da obtenção de documento de viagem que facilite sua liberdade de circulação.

Em terceiro lugar, talvez a mais relevante modernização brasileira, foi a criação do Conselho Nacional para os Refugiados (CONARE), órgão de deliberação coletiva, criado pela lei de julho de 1997 já referida. O CONARE tem a finalidade de analisar os pedidos de solicitação de refúgio e de declarar o reconhecimento dessa condição, além de decidir sobre a eventual perda dessa condição. Assim, é de sua competência orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados, ademais da aprovação de instruções normativas adicionais.

O CONARE está constituído por um representante do Ministério da Justiça, que o preside, além de membros indicados pelos ministérios das Relações Exteriores, do Trabalho, da Saúde, do Educação e Desporto, além de um representante do Departamento de Polícia Federal e de uma organização não governamental que se dedique às atividades de assistência e proteção de refugiados no país. As atividades do CONARE vêm se revestindo, assim, de elevada importância para a implementação do novo marco jurídico e das formas novas que adquiram as solicitações e os tratamentos do refugiado no Brasil.

Em quarto lugar, deve-se mencionar que a ação do ACNUR no Brasil não teria fôlego sem seus parceiros. A política de associações é mesmo uma necessidade, pois, o ACNUR, por razões institucionais, não pode interferir em assuntos internos dos países e deve primar pela ausência de envolvimento nas política internas dos Estados. Nesse sentido, ganha força as parcerias com os agentes locais. Os mais tradicionais no Brasil são as Cáritas Arquidiocesanas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Essas são responsáveis por praticamente toda a integração social dos refugiados e mesmo dos solicitantes do estatuto de refugiado que se encontram no Brasil à espera de uma deliberação formal do governo brasileiro.

Porém, também vêm sendo parceiros importantes a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), particularmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, além do Centro de Proteção Internacional de Direitos Humanos (CPIDH), que funciona na capital federal.

Acordo inédito foi firmado em abril do corrente ano com o Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI), com sede em Brasília, no sentido de ampliar a massa de informação disponível sobre os países exportadores de refugiados para o Brasil, especialmente os países africanos, fornecendo ao processo decisório nacional, especialmente ao CONARE, as bases essenciais de informação acerca da evolução do processo social e político interno daqueles países, bem como sobre a situação humanitária dos mesmos. Nesse sentido, faz parte da programação da cooperação com o IBRI a realização de seminário nacional, no dia 29 de agosto de 2000, voltado para a formação de uma opinião pública mais informada sobre as populações de refugiados no Brasil.

Last but not least, o ACNUR vem buscando, a partir do Brasil, enveredar pelo árduo caminho da harmonização de política e dos marcos jurídicos de tratamento do refugiado na região sul-americana. Esforços vêm sendo empreendidos. Sadako Ogata, a Alta Comissária das Nações Unidas, vem fazendo explícita exortação no sentido da prevenção de situações futuras de refugiados bem como na reafirmação do direito dos refugiados a buscar proteção e dele desfrutar, com segurança e dignidade.

Nesse sentido, o MERCOSUL vem constituindo-se num ambiente propício para a discussão conjunta dos países membros e associados, no sentido da uniformização de tratamento dos refugiados e da evolução normativa equilibrada. Esse caminho, no entanto, está apenas começando.

Junho de 2000

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Set 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2000
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