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Estudo de biocompatibilidade in vivo e in vitro do extrato hidroalcoólico de Cissus sicyoides L. - Vitaceae em ratos

Study of in vivo and in vitro biocompatibility of Cissus sicyoides L. - Vitaceae hydroalcoholic extracts in rats

Resumos

Biocompatibilidade é a capacidade de um material exercer funções específicas quando aplicado em contato com tecidos vivos de determinado hospedeiro, sem, contudo, causar danos ou prejuízo ao mesmo. Este trabalho objetivou determinar a biocompatibilidade in vivo e in vitro do extrato hidroalcoólico do Cissus sicyoides L - Vitaceae. Foram utilizados 30 ratos (Rattus novergicus albinus wistar), com idade entre 45 e 90 dias e pesando entre 170 e 260 g. Os animais foram divididos em 3 grupos (A1, A2 e A3) de 6 animais cada para o teste in vivo, os quais foram sacrificados com 2, 4 e 6 dias, respectivamente. Para o teste in vitro, foram utilizados 12 animais para obtenção do índice de aderência e da capacidade fagocítica dos macrófagos de ratos do grupo controle e do grupo experimental. Nos resultados encontrados no teste in vivo, conclui-se que o extrato apresentou-se biocompatível, visto que não provocou alterações significativas no tecido. Já no teste in vitro, o mesmo não se apresentou biocompatível, pois o extrato puro apresentou índice de aderência baixo (7,1) e taxa de fagocitose elevada (35,7), indicando diferença significante quando comparado ao controle. Porém, quando diluído, o extrato se mostrou inócuo, devido ao aumento dos valores do índice de aderência nas concentrações de 1/10 (61,4) e 1/100 (74,3) nos ensaios, as quais não apresentaram diferença significante quando comparadas ao controle. Após a análise dos dados, concluiu-se que a solução diluída do extrato hidroalcoólico do Cissus sicyoides L. não causa danos ou prejuízos. Entretanto, como nem todos os efeitos farmacológicos foram testados no presente trabalho, não se pode inferir automaticamente que ele é biocompatível em todos os casos.

cissus; teste de biocompatibilidade; materiais biocompatíveis; plantas medicinais


Biocompatibility is the ability of a material to perform specifictasks when applied to living tissues without causing damage or injuries to it. Thus, this study aimed at determining the in vivo and in vitro biocompatibility of Cissus sicyoides L. - Vitaceae hydroalcoholic extracts. A total of 30 rats (Rattus norvegicus Albinus Wistar), with ages ranging from 45 to 90 days and weighing between 170 and 260g were used. The animals were divided into 3 groups (A1, A2 and A3) with 6 animals each, for the in vivo test, which were sacrificed after 2, 4 and 6 days, respectively. For in vitro test, 12 animals were used to obtain the index of adherence and phagocytic ability of macrophages of rats from the control and the experimental groups. In results found for the in vivo test, it was concluded that the extract was biocompatible, whereas no significant changes were observed in the tissue. As to the in vitro test, the extract was not biocompatible, since the pure extract showed a low rate of adherence (7.1) and a high rate of phagocytosis (35.7), indicating a significant difference when compared to the control group. However, when diluted, the extract was shown to be harmless, due to an increase in the values of the adherence index at the following concentrations : 1/10 (61.4) and 1/100 (74.3) in the tests, which showed no significant differences when compared to the control group. After analyzing the data, it was concluded that since the infusion of the plant is a kind of dilution, its use does not cause any harm to the body. A new study is necessary at the moment to possibily demonstrate its effects on the long term.

cissus; biocompatibility testing; biocompatible materials; medicinal plants


Estudo de biocompatibilidade in vivo e in vitro do extrato hidroalcoólico de Cissus sicyoides L. - Vitaceae em ratos

Study of in vivo and in vitro biocompatibility of Cissus sicyoides L. – Vitaceae hydroalcoholic extracts in rats

Cavalcanti, J.B.; Ximenes, R.C.C.* * rosanaximenes@gmail.com ; Couto, G.B.L.; Pinheiro, J.T.; Evêncio, L.B.; Nascimento, M.L.N.; Freitas, P.M.N.; Silva, G.M.P.; Castro, C.M.M.B.; Almeida, E.R.

Universidade Federal de Pernambuco, Campus da UFPE – CCB/CCS, CEP: 50901-970, Recife-Brasil

RESUMO

Biocompatibilidade é a capacidade de um material exercer funções específicas quando aplicado em contato com tecidos vivos de determinado hospedeiro, sem, contudo, causar danos ou prejuízo ao mesmo. Este trabalho objetivou determinar a biocompatibilidade in vivo e in vitro do extrato hidroalcoólico do Cissus sicyoides L - Vitaceae. Foram utilizados 30 ratos (Rattus novergicus albinus wistar), com idade entre 45 e 90 dias e pesando entre 170 e 260 g. Os animais foram divididos em 3 grupos (A1, A2 e A3) de 6 animais cada para o teste in vivo, os quais foram sacrificados com 2, 4 e 6 dias, respectivamente. Para o teste in vitro, foram utilizados 12 animais para obtenção do índice de aderência e da capacidade fagocítica dos macrófagos de ratos do grupo controle e do grupo experimental. Nos resultados encontrados no teste in vivo, conclui-se que o extrato apresentou-se biocompatível, visto que não provocou alterações significativas no tecido. Já no teste in vitro, o mesmo não se apresentou biocompatível, pois o extrato puro apresentou índice de aderência baixo (7,1) e taxa de fagocitose elevada (35,7), indicando diferença significante quando comparado ao controle. Porém, quando diluído, o extrato se mostrou inócuo, devido ao aumento dos valores do índice de aderência nas concentrações de 1/10 (61,4) e 1/100 (74,3) nos ensaios, as quais não apresentaram diferença significante quando comparadas ao controle. Após a análise dos dados, concluiu-se que a solução diluída do extrato hidroalcoólico do Cissus sicyoides L. não causa danos ou prejuízos. Entretanto, como nem todos os efeitos farmacológicos foram testados no presente trabalho, não se pode inferir automaticamente que ele é biocompatível em todos os casos.

Palavras-chave: cissus, teste de biocompatibilidade, materiais biocompatíveis, plantas medicinais

ABSTRACT

Biocompatibility is the ability of a material to perform specifictasks when applied to living tissues without causing damage or injuries to it. Thus, this study aimed at determining the in vivo and in vitro biocompatibility of Cissus sicyoides L. – Vitaceae hydroalcoholic extracts. A total of 30 rats (Rattus norvegicus Albinus Wistar), with ages ranging from 45 to 90 days and weighing between 170 and 260g were used. The animals were divided into 3 groups (A1, A2 and A3) with 6 animals each, for the in vivo test, which were sacrificed after 2, 4 and 6 days, respectively. For in vitro test, 12 animals were used to obtain the index of adherence and phagocytic ability of macrophages of rats from the control and the experimental groups. In results found for the in vivo test, it was concluded that the extract was biocompatible, whereas no significant changes were observed in the tissue. As to the in vitro test, the extract was not biocompatible, since the pure extract showed a low rate of adherence (7.1) and a high rate of phagocytosis (35.7), indicating a significant difference when compared to the control group. However, when diluted, the extract was shown to be harmless, due to an increase in the values of the adherence index at the following concentrations : 1/10 (61.4) and 1/100 (74.3) in the tests, which showed no significant differences when compared to the control group. After analyzing the data, it was concluded that since the infusion of the plant is a kind of dilution, its use does not cause any harm to the body. A new study is necessary at the moment to possibily demonstrate its effects on the long term.

Keywords: cissus, biocompatibility testing, biocompatible materials, medicinal plants

INTRODUÇÃO

O uso de plantas como agentes terapêuticos vem se tornando muito frequente, principalmente devido aos efeitos colaterais provocados por grande parte dos produtos alopáticos existentes. Ainda assim, sabe-se que chás preparados a partir de plantas de uso popular podem produzir sérios efeitos adversos em animais e em seres humanos (Huxtable, 1980; Schoental, 1982). Esses e outros aspectos motivaram a intensificação de pesquisas com plantas usadas na medicina popular, visando esclarecer seus possíveis efeitos tóxicos, assim como fornecer subsídios para utilizá-las in natura em vários processos patológicos. Dentre eles, a inflamação.

O Cissus sicyoides L. (CS) é uma planta da família das Vitaceae, conhecida popularmente como "bejuco caro", "bejuco de parra" ou "insulina vegetal".É uma planta com origem na República Dominicana (Cano & Volpato, 2004). O chá preparado a partir das partes aéreas é utilizado como antidiabético (Pepato et al., 2003; Viana et al., 2004); diurético, antiinflamatório (Garcia et al., 2000). Estudos como o de Garcia et al. (1997) demonstraram atividade vasoconstrictora, além de atividade antibacteriana (Garcia et al., 1999). Elisabetsky et al. (1999) demonstraram atividade anticonvulsivante do óleo essencial linalool extraído do CS. Nos estudos experimentais de Almeida et al. (2006a, b), verificou-se no extrato hidroalcoólico da CS ação analgésica central e embriofetotóxica, respectivamente. Posteriormente, Almeida et al. (2009) demonstraram atividade anticonvulsivante e ansiolítica do extrato hidroalcoólico das folhas do CS.

Segundo Estrela (2005), biocompatibilidade é a capacidade de um material exercer funções específicas quando aplicado em contato com tecidos vivos de determinado hospedeiro, sem, contudo, causar danos ou prejuízo ao mesmo.

Dessa forma, esse trabalho se propôs a identificar a biocompatibilidade in vivo, através da resposta tecidual subcutânea e in vitro, através do índice de aderência (IA) dos macrófagos e da capacidade de fagocitose, após a utilização do extrato hidroalcoólico do Cissus sicyoides L.

MATERIAL E MÉTODO

Material Vegetal

As folhas do CS foram coletadas na área metropolitana da cidade do Recife, Estado de Pernambuco, Brasil, em Janeiro de 2006. O material botânico da espécie foi identificado pela Profª Marlene Carvalho de Alencar Barbosa da Universidade Federal de Pernambuco, e a exsicata depositada no HERBÁRIO GERALDO MARIZ, do Departamento de Botânica desta mesma Universidade, sob a numeração 29040.

Preparação do Extrato

As folhas do C. sicyoides L. foram lavadas e deixadas para secar em estufa à temperatura de 45ºC. As folhas secas foram moídas obtendo-se partículas menores que 1mm que seguiram para o processo de maceração. Em aparelho Soxhlet, 360g do material moído foram adicionados a 1000mL de álcool e água na proporção de 70:30, respectivamente, por 48 horas. A seguir, usando-se rota-vapor, para obtenção do extrato, o qual rendeu aproximadamente 30% do extrato hidroalcoólico.

Amostra

Foram utilizados 30 ratos (Rattus novergicus albinus Wistar), com 45 a 90 dias, e pesando entre 170 a 260 g, obtidos do Biotério do Departamento de Antibióticos da UFPE. Os animais foram mantidos sob temperatura de 23 ± 1ºC, com ciclo claro/ escuro de 12 horas. A alimentação foi oferecida durante todo o período experimental com dieta sólida de ração Labina (Agribands Purina do Brasil Ltda.) e água "ad libitum", cuidadosamente de acordo com a recomendação ética do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA) e do National Institute of Health Guide for Care and use of Laboratory Animals. Foram adotados os critérios de avaliação preconizados pela Comissão de Ética em Experimentação Animal (CEEA) da UFPE, que forneceu parecer favorável à realização do experimento no processo nº 23076.004589-50.

Drogas e Soluções

O extrato hidroalcoólico das folhas do Cissus sicyoides L., na proporção 70:30 (álcool:água), foi utilizado puro no ensaio in vitro e in vivo, enquanto que as diluições de 1/10 e 1/100 foram utilizadas apenas no ensaio in vivo. O thionembutal foi obtido da Abbott (SP-Brasil), o meio de cultura RPMI 1640 da InvitrogenTM Corporation (11875-USA), o soro fetal bovino a 3% e antibióticos (penicilina e estreptomicina100g/mL) da Cultilab (Campinas-SP-Brasil) e InvitrogenTM Corporation (15240-USA). A endotoxina de Escherichia coli (LPS) e o corante azul tripan foram obtidos da Sigma (USA), e o Kit panótico rápido da Laborclin (Paraná-Brasil).

Ensaio in vivo

Foram utilizados 18 animais divididos em 3 (três) grupos:

Grupo A1: animais sacrificados com 2 dias após etapa cirúrgica – 6 animais

Grupo A2: animais sacrificados com 4 dias após etapa cirúrgica – 6 animais

Grupo A3: animais sacrificados com 6 dias após etapa cirúrgica – 6 animais

Procedimento Cirúrgico

Os passos desta sequência foram realizados no laboratório integral de pesquisa do Mestrado em Odontologia da UFPE.

Os animais foram submetidos à anestesia com thionembutal, na dose de 40 mg Kg-1 de peso animal. A partir da linha média, equidistante da inserção da cauda e da cabeça do animal, foi realizada a tricotomia na região dorsal. Em seguida, foram feitas duas incisões simétricas com, aproximadamente, 2 mm de comprimento e 2 mm de profundidade. O tecido subcutâneo foi divulsionado lateralmente com tesoura de ponta romba, as quais formaram lojas cirúrgicas com, aproximadamente, 3 mm de profundidade, sendo uma do lado direito e a outra do lado esquerdo do animal.

No lado esquerdo foi realizada antissepsia à base de solução do Cissus sicyoides L -Vitaceae, antes e depois da fase cirúrgica. Além disso, diariamente, a ferida cirúrgica foi limpa com a referida solução. No lado direito, foi feita a mesma incisão e nada foi utilizado, servindo como controle. Os ratos foram mantidos no biotério de pesquisa do Departamento de Antibióticos da UFPE, sob a supervisão dos pesquisadores e aos cuidados do funcionário responsável, para limpeza, alimentação e troca de água.

Passados 2, 4 e 6 dias após a intervenção cirúrgica, cada grupo de 6 animais foi submetido à anestesia com thionembutal, na dose de 40 mg Kg-1 de peso do animal, e, em seguida, foi realizada a dissecação abrangendo tecido suficiente para análise, onde as peças mediram, aproximadamente, 4 mm de comprimento, 4 mm de largura e 3 mm de profundidade. As peças foram imersas na solução fixadora de Boüin, numa relação de 1:10 volume tecido/volume fixado, por período de 24 horas. Após a coleta do tecido, os animais foram sacrificados por deslocamento cervical e encaminhados para o Departamento de Cirurgia Experimental para incineração.

Procedimento Histológico

A sequência histológica foi realizada no Laboratório de Histologia e Embriologia do Centro de Ciências da Saúde da UFPE.

Decorrido o tempo necessário para a fixação, as peças foram transferidas para álcool etílico (Vetec) a 70%. Em seguida, foram submetidas à crescente desidratação em álcool (Vetec) e depois diafanisadas em xilol (Vetec), impregnadas e incluídas em parafina, segundo metodologia de Masson (1956). Após a montagem dos blocos, as peças sofreram o processo de corte de 6 micrômetros de espessura, seguida pela coloração com hematoxilina e eosina (HE). Posteriormente, as preparações foram fotografadas e histologicamente analisadas em microscópio óptico (OLYMPUS BX51).

Ensaio in vitro

Antes da obtenção dos macrófagos, 12 animais foram pesados e anestesiados com thionembutal na dose de 40 mg Kg-1 de peso animal.

Após a anestesia, realizou-se a traqueostomia, colocando o animal numa superfície plana de parafina, em posição dorsal, prendendo as patas com agulhas ou prendedores. A área a ser trabalhada foi limpa com álcool etílico. Em seguida, cortou-se a pele na porção média do pescoço do animal e abriram-se as camadas de músculo, afastando-as até que se obteve o acesso à traquéia.

Por intermédio de pinça, a traquéia foi isolada e prendida, para que fossem feitos dois pequenos anéis na parte superior. Após a abertura do orifício, foi inserida uma cânula de plástico acoplada à seringa contendo 5 mL de soro fisiológico à temperatura ambiente. Posteriormente, foi feita a introdução de um tubo Falcon de 50 mL.

O procedimento de coleta do material foi realizado até que se completasse cerca de 30 mL de lavado bronco-alveolar, por rato. O material colhido ficou armazenado em recipiente estéril e em banho de gelo, protegido da luz ambiente até o início da próxima etapa.

Todo procedimento com os macrófagos foi realizado em capela de fluxo laminar, objetivandose não contaminar as culturas de células. O lavado broncoalveolar colhido foi centrifugado a 1500 rpm durante 10 minutos. O precipitado correspondente às células foi ressuspendido com RPMI 1640 previamente à contagem das mesmas.

Tal contagem foi feita na Câmara de Neubauer, colocando-se a suspensão de células e o corante azul tripan a 0.05% em uma diluição de 1/10. Terminada a contagem, as células foram ressuspendidas em meio de cultura RPMI 1640, contendo soro fetal bovino a 3% e antibióticos (penicilina e estreptomicina100g/ mL).

Avaliação do índice de aderência (IA) dos macrófagos

Para o experimento, as células foram distribuídas em tubos Eppendorfs, plásticos e estéreis, em um total de 2x106 por tubo, dispersos em 180 mL do meio de cultura (RPMI 1640).

Para determinar o índice de aderência dos macrófagos ao tubo, utilizou-se a técnica descrita por Segura et al. (1997). Nas alíquotas de 180 mL da suspensão de células em meio RPMI foram adicionados 20 mL do meio RPMI (controle), 20 mL da endotoxina de Escherichia coli (LPS-controle positivo) e 20 mL do extrato hidroalcóolico do Cissus sicyoides nas diluições de 1/10 e 1/100 (grupos testes). A capacidade de aderência foi avaliada em intervalos de 30 minutos, perfazendo um total de 18 grupos. Durante o tempo avaliado, os tubos permaneceram em estufa biológica a 37 oC, em atmosfera úmida, com 5% de CO2.

Decorrido o tempo total, os tubos foram removidos da estufa e agitados em vortex por 5 segundos para homogeinização. Alíquotas de 10 mL da suspensão foram misturadas ao corante azul tripan para contagem das células não-aderidas mL-1.

O cálculo para o índice de aderência foi realizado segundo a fórmula descrita por Segura et al. (1997).

Avaliação da capacidade fagocítica (CF) dos macrófagos

Para este estudo foram obtidos macrófagos através do lavado broncoalveolar de ratos, conforme descrito acima. Uma suspensão com 1x106 de macrófagos em 270 mL de RPMI foi preparada em tubo de ensaio. Para o controle, foram adicionados 30 mL do RPMI; e para o grupo teste, 30 mL do extrato hidroalcoólico puro da CS.

Em seguida, tanto os tubos do controle quanto o do teste, foram incubados a 37ºC em atmosfera úmida com 5% de CO2 por período de 30 minutos. Decorrido o tempo necessário, todos os tubos foram removidos e a eles foi acrescentado o fungo Saccharomyces sp. para avaliar a taxa de fagocitose. Posteriormente, o fungo foi lavado com solução salina tamponada (SST) e, em seguida, foi efetuada a contagem na câmara de Neubauer. A quantidade de fungos necessária para cada tubo foi de 107 fungos por 200 mL de RPMI. Os fungos foram adicionados à suspensão de macrófagos.

Em seguida, foram adicionados mais 500 mL de RPMI, obtendo-se volume final de 1 mL para cada tubo. O conteúdo de cada tubo foi homogeneizado e distribuído delicadamente de maneira uniforme em lâminas para microscopia óptica. As lâminas foram colocadas em câmara úmida em estufa a 37ºC por período de 1 hora.

Decorrido este tempo, as lâminas foram lavadas com SST para remoção das células não aderentes, coradas e secas à temperatura ambiente. Para a coloração foi utilizado o Kit Panótico rápido. Depois de coradas, as lâminas foram levadas para leitura no microscópio óptico, com aumento total obtido por objetiva de 100 sob imersão. A taxa de fagocitose foi avaliada a partir de lâminas com macrófagos que se submeteram ao tratamento controle ou macrófagos submetidos ao tratamento com o extrato da CS. O resultado foi dado em percentual de células que fagocitaram ou não o fungo em uma contagem total de 200 células (Malagueño et al., 1998).

Na análise estatística, foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis para a comparação da taxa de aderência dos grupos LPS, extrato puro, extrato diluído de 1/10 e extrato diluído de 1/100 com o controle. As comparações pareadas de cada tratamento com o controle foram realizadas com o teste de comparações múltiplas de Dunn. A comparação da taxa de fagocitose dos grupos controle e extrato foi realizada com o teste t de Student para amostras independentes. No teste, foi adotado o nível de significância de 0,05.

RESULTADO

Estudo da Biocompatibilidade in vivo

Grupo A1 (animais sacrificados com 2 dias após etapa cirúrgica)

Em ambos os animais do grupo controle e do grupo experimental foi observado, na área de incisão, uma epitelização incompleta. Verificou-se a grande quantidade de células inflamatórias difusas (macrófagos e neutrófilos) no tecido conjuntivo, mostrando-se levemente mais intensa nos animais experimentais, e discreta presença de fibroblastos e fibras colágenas localizadas próximas à área da incisão, principalmente.

Grupo A2 (animais sacrificados com 4 dias após etapa cirúrgica)

Neste grupo, tanto nos animais do grupo controle como naqueles do grupo experimental foi constatado que, nessa fase, o epitélio já se apresentava regenerado. Porém, no tecido conjuntivo, ainda encontrou-se infiltrado inflamatório com linfócitos, plasmócitos e macrófagos, circundado por tecido conjuntivo normal, associado à invasão vascular, fibroblastos e fibras colágenas. Verificou-se um pouco mais dessas estruturas nos animais experimentais, indicativo de processo de cicatrização mais evoluído.

Grupo A3 (animais sacrificados com 6 dias após etapa cirúrgica)

Em ambos os animais do grupo controle e do grupo experimental, observou-se uma epitelização completa e um tecido conjuntivo com reduzido infiltrado inflamatório e presença de aposição de fibrilas colágenas em maior quantidade que nos grupos anteriores.

Estudo da Biocompatibilidade in vitro

Baseado nas informações contidas na Tabela 1 pode-se observar que, apesar de ser o grupo com o menor número de repetições (n=5), o LPS apresentou os maiores percentuais de aderência (90% e 100%), em contraste com o grupo do extrato puro, o qual obteve os percentuais mais baixos (0% e 30%).

A diluição do extrato fez com que a taxa de aderência aumentasse. É o que pode ser constatado quando são comparados os valores anteriores com os obtidos nas concentrações de 1/10 e 1/100, os quais oscilaram entre 0 e 90 e 60 e 80%, respectivamente.

A respeito do grupo controle, foram feitas 6 diluições, onde 3 delas apresentaram um percentual de 80% de aumento no índice de aderência e as demais, giraram em torno de 50%, 60% e 70%.

Tanto a similaridade entre controle e diluições quanto a discrepância entre controle, LPS e extrato puro foram confirmadas através do teste de Kruskal-Wallis, o qual indicou que não houve realmente distribuição homogênea entre os grupos (p=0.001).

De fato, controle x LPS e controle x extrato apresentaram diferença estatisticamente significante (p<0,05). O que não acontece com o extrato diluído nas concentrações de 1/10 e 1/100 x controle, nos quais os valores de p estão situados acima deste parâmetro.

O resultado do Teste de t- Student para amostras independentes indica que a média da taxa de fagocitose do extrato puro (35,7) foi significativamente maior que a média do controle (28,3). Ou seja, houve maior ocorrência de reações fagocíticas no grupo que recebeu o extrato.

DISCUSSÃO

As plantas medicinais são utilizadas extensamente no Brasil, e tem sido fonte substancial de informação etnofarmacológica para a identificação de substâncias fitoquímicas com potencial terapêutico (Ferreira et al., 1998; Castro & Ferreira, 2001). A exemplo disto, estão as folhas do Cissus sicyoides L. (Vitaceae), conhecido como 'bejuco caro', 'bejuco de parra', cipó-pucá, anil trepador, cortina japonesa, uva brava (Cano & Volpato, 2004; Viana et al., 2004).

O CS é usado pela medicina popular como diurético, antiinflamatório, antihipertensivo, antitérmico, anticonvulsivante, agente antiinfluenza e antidiabético (Carbajal, 1991; Silva et al., 1996; Garcia et al., 2000; Beltrame et al., 2001; Pepato et al., 2003). Tambem possui atividade antibacteriana e citotóxica (Sáenz et al., 2000; Vicentini et al., 2001).

Neste trabalho, após a análise microscópica qualitativa das lâminas para a determinação da biocompatibilidade in vivo do CS, percebeu-se que o extrato hidroalcoólico da planta provocou, no material experimental do grupo A1, atividade inflamatória levemente superior, quando comparado com os controles do mesmo grupo. Enquanto que nos grupos A2 e A3 não se verificou diferença significativa entre controles e experimentais, pois, ao final de 4 e 6 dias, houve reparação tecidual similar nos dois grupos. Como o conceito de biocompatibilidade, segundo Estrela (2005), está relacionado à capacidade de um material exercer funções específicas quando aplicado em contato com tecidos vivos de determinado hospedeiro, sem, contudo, causar danos ou prejuízo ao mesmo, esse resultado demonstra que o extrato da planta em estudo não acelera a cicatrização, nem se comporta como um material agressivo aos tecidos, sendo, portanto, biocompatível para este caso.

O macrófago, originário dos monócitos sanguíneos, é uma célula bastante ativa na movimentação amebóide, com grande capacidade de fagocitose e morfologia que varia conforme seu estado funcional e localização. Atua como elemento de defesa, fagocitando restos celulares, material extracelular alterado, células cancerosas, bactérias e partículas inertes (Aderen & Underhill, 1999).

Os resultados do presente trabalho, em relação ao índice de aderência, estão de acordo com Hampton et al. (1998), quando estes afirmaram que os corpos estranhos de grandes dimensões aderem-se uns aos outros, constituindo células com 100 ou mais núcleos, chamadas de células gigantes multinucleadas. Uma vez ativadas, elas adquirem a capacidade de matar microorganismos, produzindo lisossomos, substâncias de defesa, exercendo atração sob leucócitos e digerindo partículas estranhas.

Uma vez que a referida taxa de aderência é obtida a partir do número de células não-aderidas dividido pelo número de células total, vezes 100, quanto maior o valor do I.A., menor a capacidade do tratamento empregado de desencadear reações de corpo estranho que estimulem os macrófagos a se aderirem, ou seja, mais inócuo se apresenta.

No presente estudo in vitro, o extrato hidroalcóolico puro do Cissus sicyoides L-Vitaceae não se mostrou biocompatível com as células. Em comparação com o grupo controle, o primeiro apresentou índice de aderência baixo e taxa de fagocitose elevada, indicativos da ocorrência de reações de corpo estranho frente a esta substância. Porém, quando diluído, o mesmo extrato se mostrou inócuo, fato que foi constatado nos ensaios através do aumento dos valores do índice de aderência nas concentrações de 1/10 e 1/100.

Não foram encontrados na literatura trabalhos sobre a biocompatibilidade da Cissus cisyoides L. – Vitaceae, não sendo possível comparar os resultados deste estudo com outros dados. No entanto, estudo realizado por Garcia et al. (2000), onde foi avaliada a toxicidade do CS em camundongos Swis albino após administração oral, observou-se que a DL50 foi de 2129,14 mg Kg-1, além da administração oral do extrato nas doses de 300 e 500 mg Kg-1, 1 hora antes da injeção da carregenina (agente indutor da inflamação), produziu um significante efeito antiinflamatório, que se mostrou mais pronunciado 5 horas depois da injeção da carregenina, com efeito inibitório de 50 ± 3,8% (p< 0.01) quando comparado com o grupo controle.

Almeida et al. (2006 a, b) determinaram ação analgésica central e ação embriofetotóxica do extrato hidroalcoólico das folhas do Cissus sicyoides L. (CS) em ratos e camundongos. O CS apresentou atividade analgésica central caracterizada pelo bloqueio de ação pela naloxona e pelo efeito de tolerância. Já em relação à ação embriofetotóxica, foram avaliados os efeitos teratogênicos e de desenvolvimento da prole. Foi observada toxicidade durante os períodos avaliados, desta forma, o extrato foi considerado inadequado para uso em fase gestacional. Além desses resultados, em trabalho posterior, como o estudo de Almeida et al. (2009), foi demonstrada uma ação anticonvulsivante e ansiolítica do extrato hidroalcoólico do CS em camundongos, em modelos experimentais de ansiedade.

CONCLUSÃO

Através dos dados obtidos, observou-se que o extrato hidroalcoólico do Cissus sicyoides L. -Vitaceae mostrou-se biocompatível no estudo in vitro, visto que, em relação ao material controle, se comportou neutro. Não provocou alterações significativas no tecido, ou seja, não acelerou a regeneração nem se mostrou agressivo.

Entretanto, em relação ao estudo in vivo, o extrato hidroalcóolico puro do Cissus sicyoides L -Vitaceae não é biocompatível com as células, uma vez que o extrato puro apresentou índice de aderência baixo e taxa de fagocitose elevada, indicativos de reações de corpo estranho frente a esta substância. Porém, quando diluído, o extrato se mostrou inócuo, devido ao aumento dos valores do índice de aderência nas concentrações de 1/10 e 1/100 nos ensaios.

A infusão da planta é um tipo de diluição, entretanto, como nem todos os efeitos farmacológicos foram testados no presente trabalho, não se pode inferir automaticamente que ele é biocompatível em todos os casos.

Recebido para publicação em 18/03/2011

Aceito para publicação em 16/01/2013

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      18 Mar 2011
    • Aceito
      16 Jan 2013
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