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Influência da atenção médica na qualidade de vida (WHOQOL-100) de mulheres com lúpus eritematoso sistêmico

RESUMO

O lúpus exige tratamento cuidadoso por médicos especialistas. Este estudo teve como objetivo avaliar a qualidade de vida de pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES). O método abordou mulheres com diagnóstico confirmado de LES sob acompanhamento médico em ambulatório de hospital escola ou particular. Usou-se instrumento que continha informações relevantes do paciente e a versão em português do instrumento de pesquisa World Health Organization Quality of Life Group (WHOQOL-100). A população estudada perfez 39 mulheres, na sua maioria casadas (56,4%); com idade prevalente de 37 a 60 anos; tempo de diagnóstico prevalente maior de cinco anos (66,7%); uso de menos de cinco medicamentos (69,2%). Obteve-se que 92,3% estavam com a doença controlada com médias maiores nas facetas mobilidade (p = 0,0463) e qualidade de vida (p = 0,0199). Já a faceta segurança física e proteção (p = 0,0093) apresentou média maior para pessoas com a doença em estado ativado. As análises de cuidados de saúde e sociais apresentaram disponibilidade e qualidade (p = 0,0434) mesmo com outras patologias associadas (33,3%) e as maiores médias foram dependência de medicação ou de tratamentos (p = 0,0143). Os resultados negativos para doença associada foram maiores nas facetas atividade sexual (p = 0,0431) e transporte (p = 0,0319). Conclui-se que se a mulher com LES receber atenção médica de forma continua apresentará qualidade de vida que minimizará as complicações inerentes a essa patologia.

Palavras-chave
Lúpus eritematoso sistêmico; Qualidade de vida; Assistência ao paciente

ABSTRACT

Lupus requires careful treatment by medical specialists. This study aimed to evaluate the quality of life of patients living with Systemic Lupus Erythematosus (SLE). The method approached women with a confirmed diagnosis of SLE under medical supervision in a University hospital outpatient clinic or in a private clinic. We used an instrument containing relevant information of the patient and also the Portuguese version of the World Health Organization Quality of Life Group (WHOQOL-100) questionnaire. The study population consisted of 39 women, married in their majority (56.4%); prevalently aged 37–60 years old; prevalence of diagnosis time over five years (66.7%); and in use of less than 5 medications (69.2%). 92.3% had the disease inactive with higher means in mobility (p = 0.0463) and quality of life (p = 0.0199) facets; on the other hand, the physical safety and security facet (p = 0.0093) showed higher mean for people with active disease. Health and social care analysis showed availability and quality (p = 0.0434), even when with other associated diseases (33.3%); and the highest means were Dependence on medicinal substances and medical aids (p = 0.0143). The negative results for associated diseases were higher in sexual activity (p = 0.0431) and transportation (p = 0.0319) facets. In conclusion: if women living with SLE receive continuous medical attention, they will enjoy good quality of life, while minimizing the complications inherent in this condition.

Keywords
Systemic lupus erythematosus; Quality of life; Patient care

Introdução

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença de caráter crônico, autoimune, com maior incidência na faixa de 15 a 40 anos,11 Reis MG, Costa IP. Qualidade de vida relacionada à saúde em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico no Centro-Oeste do Brasil. Rev Bras Reumatol. 2010;50(4):408-14. afeta dez vezes mais mulheres do que homens, o tratamento varia de acordo com o tipo e a gravidade dos sintomas e, por apresentar natureza complexa, exige a participação ativa do paciente para manter um nível de saúde satisfatório. Apresenta prognóstico reservado, mas o avanço das possibilidades terapêuticas tem proporcionado melhor qualidade de vida (QV) para as pessoas que vivem com essa doença.22 Mattje GD, Turato ER. Life experiences with Systemic Lupus Erythematosus as reported in outpatients’ perspective: a clinical-qualitative study in Brazil. Rev Latino-Am Enfermagem. 2006;14(4):475-82.

Por ser uma doença crônica, tem dimensão psicossomática prevalente. É importante considerar o estresse e o sofrimento psicossocial no desencadeamento, evolução, agravamento e possível controle. Exige intervenção interdisciplinar no atendimento e consideração sobre a forma peculiar da doença se expressar na vida de cada indivíduo, já que os aspectos psicossociais envolvidos contribuem para a complexidade do desenvolvimento e a exacerbação dos sintomas.33 Araujo AD, Traverso-Yepez MA. Expressões e sentidos do lúpus eritematoso sistêmico (LES). Estud psicol (Natal). 2007;12(2):119-27.

O efeito das alterações causadas pelo processo patológico e pela terapêutica no curso clínico dessa doença demanda medidas que favoreça a QV como ferramenta essencial de satisfação para pacientes e profissionais de saúde. Em pessoas com LES, a QV é prejudicada, em comparação com a população em geral. O prejuízo se deve às alterações físicas e emocionais ocasionadas pelo processo patológico, especialmente nos períodos de exacerbação do LES.11 Reis MG, Costa IP. Qualidade de vida relacionada à saúde em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico no Centro-Oeste do Brasil. Rev Bras Reumatol. 2010;50(4):408-14.

A QV pode ser entendida como constituída de três fatores: o bem-estar subjetivo, que se refere à percepção do indivíduo, valores e crenças; saúde, entendida como um estado de bem-estar físico, mental e social, e não meramente como a ausência de doença; e em terceiro lugar o bem-estar social, que se refere à situação da pessoa em relação ao seu ambiente e à sua sociedade.44 Costa CC, Bastiani M, Geyer JG, Calvetti PU, Muller MC, Moraes MLA. Qualidade de vida e bem-estar espiritual em universitários de psicologia. Psicol Estud. 2008;13(2):249-55.

A avaliação da QV de mulheres que vivenciam o LES pode ser tão importante quanto a mensuração de morbidade e mortalidade55 Lam KW, Petri M. Assessment of systemic lupus erythematosus. Clin Exp Rheumatol. 2005;23(Suppl. 39):S120-32. e focar na capacidade de viver sem doenças ou de superar as dificuldades dos estados ou das condições de morbidade.66 Minayo MCS, Hartz ZMA, Buss PM. Qualidade de vida e saúde: um debate necessário. Ciênc Saúde Coletiva. 2000;5(1):7-18.

A dificuldade na compreensão do processo etiológico e fisiopatológico relacionado a essa doença de difícil diagnóstico muitas vezes impossibilita o tratamento específico para essa enfermidade.77 Galindo CVF, Veiga RKA. Características clínicas e diagnósticas do lúpus eritematoso sistêmico: uma revisão. Rev Eletrôn Farmácia. 2010;7(4):46-59.

A avaliação de QV nesses pacientes é um elemento essencial para conhecer o impacto da doença e do tratamento de modo distinto e complementar e contribui para que os pacientes e seus parentes sejam mais bem assistidos na gestão do sofrimento emocional e facilitar a vivência com a doença dolorosa, crônica e por vezes incapacitante.

Esta pesquisa foi desenvolvida com objetivo de avaliar a QV de pacientes com LES com acompanhamento médico na região de Maringá (PR), com vistas a qualificar os fatores associados e sua interferência na QV e apresentar contribuições específicas para essa área do conhecimento.

Pacientes e método

Estudo transversal entre mulheres com diagnóstico confirmado de LES maiores de 18 anos, atendidas em clínica de reumatologia e ambulatório de hospital universitário localizados em Maringá (PR). Para inclusão no estudo observou-se a frequência de consultas de pelo menos um ano e seguimento médico independente da natureza do local de atendimento.

O número de participantes ficou delimitado pelo acesso às pacientes, pela concordância em participar do estudo e pela regularidade no atendimento médico de no mínimo um ano.

Após a referida concordância, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), foi agendado local e horário para preenchimento dos instrumentos de pesquisa ou foi feito no momento da abordagem, conforme consentimento do pesquisado.

O instrumento de pesquisa foi autoaplicável, sem interferência do pesquisador. A avaliação foi estruturada em duas partes: Parte1. Questionário de avaliação dos dados clínicos e sociodemográficos que continha idade, escolaridade, estado civil, profissão, quantidade de horas que trabalha por dia, renda familiar, moradia, início da doença, atividade física, uso de fumo e álcool, medicamentos usados e doença associada; Parte 2. Instrumento de pesquisa World Health Organization Quality of Life Group (WHOQOL-100) versão em português.

O WHOQOL-100 é um instrumento genérico de QV elaborado em 1998 pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a partir de um estudo multicêntrico. Contém questões que abordam os domínios: físico (dor, desconforto, energia e fadiga, sono e repouso); psicológico (sentimentos positivos, pensar, aprender, memória, concentração, autoestima, imagem corporal e aparência e sentimentos negativos); nível de independência (mobilidade, atividades cotidianas, dependência de acompanhamentos ou de tratamentos e a capacidade de trabalho); relações sociais (relações pessoais, suporte/apoio social e atividade sexual); ambiental (segurança e proteção física: o ambiente no lar, recursos financeiros, cuidados de saúde, cuidados sociais, recreação/descanso, ambiente físico e transporte) e aspectos espirituais/religião/crenças pessoais (espiritualidade, religião, crenças pessoais).

Os resultados da aplicação do WHOQOL-100 são expressos por meio dos escores de cada faceta e domínio. Para obter os escores é feito o cálculo da estatística descritiva de cada item para os elementos média, desvio padrão, valor mínimo e valor máximo.88 Pedroso B, Pilatti LA, Santos CB, Picinin CT. Validação Da Sintaxe Unificada para o Cálculo dos Escores dos Instrumentos WHOQOL. Conexões: revista da Faculdade de Educação Física da UNICAMP. 2011;9(1):130-56. Para avaliar a QV é definido que a soma das escores dos domínios quanto mais próxima de 100, maior é a qualidade de vida, e o inverso é verdadeiro.

Os dados coletados foram computados em planilhas do software Microsoft Excel 2010. Para o estudo estatístico foi usada a ferramenta de Pedroso et al. (2011)88 Pedroso B, Pilatti LA, Santos CB, Picinin CT. Validação Da Sintaxe Unificada para o Cálculo dos Escores dos Instrumentos WHOQOL. Conexões: revista da Faculdade de Educação Física da UNICAMP. 2011;9(1):130-56. desenvolvida a partir do software Microsoft Excel, que faz os cálculos resultantes da aplicação do WHOQOL-100 e segue a sintaxe proposta pelo Grupo WHOQOL da OMS. Foram aplicados testes t não pareados para os domínios e as facetas e se considerou sempre como referência o software Statistica 8.0 e SAS System 9.1.

O projeto foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética do Cesumar (CEP-Cesumar), conforme certificado n° 106/2011 e protocolo/parecer n° 122/2011.

Resultados

A população estudada perfez 39 mulheres, na sua maioria casadas (56,4%), com faixa de idade prevalente de 37 a 60 anos (35,9%), seguida de 18 a 24 anos (30,8%). Apresentavam bom nível de escolaridade: 84,6% relataram ter estudado 11 anos ou mais. Sobre o suporte social, trabalhavam de oito a nove horas/dia (30,8%), seguidas de 10 a 12 horas/dia (20,5%), e relataram prevalência da renda de três ou mais salários mínimos (84,6%). Referiram ter moradia própria (79,5%) e moravam com parentes (89,7%). Sobre os hábitos relatados, obteve-se que 97,4% não faziam uso de fumo e 89,7% referiram não ingerir bebida alcoólica (tabela 1).

Tabela 1
Caracterização dos dados sociodemográficos das mulheres portadoras de LES, Maringá

No período da entrevista 92,3% apresentavam o estado da doença controlada e 7,7% ativa. O tempo de diagnóstico da patologia prevalecente era de mais de cinco anos (66,7%). A maioria usava menos de cinco medicamentos (69,2%) e tinha outras patologias associadas (33,3%).

Na comparação dos domínios de QV (WHOQOL-100) com o tempo de diagnóstico da doença obteve-se maior média (17,5 ± 2,6) de escore para o domínio aspectos espirituais e o menor para o nível de independência (12,9 ± 2,9). No que se refere ao total de escores (QV), as pacientes com tempo de diagnóstico menor do que cinco anos apresentavam maior qualidade de vida (87,3) do que as com mais de cinco anos (82,2). No que se refere à significância estatística de 5%, não houve diferença entre as médias das pacientes de acordo com o tempo de diagnóstico (tabela 2).

Tabela 2
Comparação dos domínios e das facetas de qualidade de vida (WHOQOL-100) relacionadas com o tempo de diagnóstico, Maringá

A tabela 3 apresenta a correlação das médias dos domínios de QV (WHOQOL-100) com o número total de medicamentos que a paciente usava por dia, independentemente de ser para LES ou não. Obteve-se maior média de escore para o domínio aspectos espirituais (16,9 ± 2,4) e menor para o domínio físico (12,8 ± 2,8). Observa-se que o número de medicamentos influi na qualidade de vida: menos de cinco medicamentos apresenta 86 e com mais de cinco 84,9. A média dos domínios dos pacientes que tomam mais de cinco medicamentos não difere da média dos pacientes que tomam menos de cinco medicamentos, com nível de significância de 5%.

Tabela 3
Comparação dos domínios e das facetas de qualidade de vida (WHOQOL-100) relacionadas à quantidade de medicamentos em uso para o tratamento, Maringá

A tabela 4 apresenta a comparação dos grupos quanto à doença ativa ou controlada e o maior escore médio pertence aos aspectos espirituais/religião/crenças pessoais (16,7 ± 1,2) e o menor para nível de independência (10,3 ± 3,8). A apresentação da média dos domínios dos pacientes com doença ativa não difere da média dos pacientes que estão com a doença controlada, com nível de significância de 5%.

Tabela 4
Comparação dos domínios e das facetas de qualidade de vida (WHOQOL-100) relacionadas com o estado da doença ativa ou controlada, Maringá

Na análise individual das facetas obteve-se que em pessoas com a doença controlada as médias foram maiores para as facetas mobilidade (p = 0,0463) e qualidade de vida referida pelo entrevistado (p = 0,0199), enquanto que em segurança física e proteção (p = 0,0093) a média foi maior para pessoas com a doença em estado ativo (tabela 4).

Observa-se que a QV é maior nas pacientes com a doença controlada (86,1) do que nas com a doença ativa (80,5). Não ficou evidenciada diferença significativa (p < 0,05) para as médias dos domínios analisados (tabela 4).

Entre as doenças associadas ao LES foram relatadas por seis pacientes: uma referiu ter mais de uma patologia e citou artrose, osteoporose, fibromialgia; e as outras somente uma patologia para cada, bronquite, anemia, trigliceridemia, síndrome de antifosfolípide e hepatite medicamentosa.

A tabela 5 apresenta as médias quanto à comparação dos grupos quanto à referência de doenças associadas com maiores escores para o ambiente (13,8 ± 1,9). A média do domínio nível de independência (11,1 ± 2,4) difere quando comparadas as pacientes que têm e as que não têm doenças associadas, que apresentaram média 13,6 ± 2,9 (p = 0,0102), com nível de significância de 5%.

Tabela 5
Comparação dos domínios e das facetas de qualidade de vida (WHOQOL-100) relacionadas com relatos de outras patologias associadas ao LES, Maringá

Na análise das facetas quanto à referência de doenças associadas, obteve-se que a média das referências afirmativas foi maior para a faceta dependência de medicação ou tratamento (p = 0,0143). As negativas foram maiores nas facetas atividade sexual (p = 0,0431) e transporte (p = 0,0319).

Na comparação do total das médias (QV) para doenças associadas evidencia-se que as pacientes que relatam não ser portadoras apresentam maior QV (87,7) do que as que indicam comorbidade (81,6). As pacientes analisadas apresentaram valores médios totais acima de 80 em todos os aspectos analisados e caracterizaram uma boa qualidade de vida.

Discussão

Os questionários de qualidade de vida propiciam avaliação mais completa do impacto da doença e tratamento no cotidiano da vida dos pacientes.99 Nobre MRC. Qualidade de vida. Available at: http://www.arquivosonline.com.br/pesquisartigos/Pdfs/1995/v64N4/64040002.pdf [accessed in 24.09.14].
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No que se refere ao diagnóstico, observa-se maior média para nível de independência. O diagnóstico, com a definição da patologia, torna-se um momento em que a vida pode sofrer mudanças significativas conforme as especificidades da doença e dos sintomas experimentados, bem como a necessidade de controlar e/ou minimizar a reincidência desses.

Araújo e Traverso-Yépez (2007)33 Araujo AD, Traverso-Yepez MA. Expressões e sentidos do lúpus eritematoso sistêmico (LES). Estud psicol (Natal). 2007;12(2):119-27. indicaram que a maioria das mulheres sente dificuldade em recebê-lo. A maioria expressou sentimento de choque, centrado na constatação de a doença não ter cura. Ao avaliar pacientes acompanhadas em ambulatório de reumatologia, Santiago, Dantas, Carvalho, Viana e Fontenele1010 Santiago MPB, Dantas NCB, Carvalho SBF, Viana RM, Fontenele SMA. Atividade, gravidade e prognóstico de pacientes com lúpus eritematoso sistêmico. Antes, durante e após prima internação. J Health Biol Sci. 2014;2(2):65-73. caracterizaram que 86,7% delas que foram internadas apresentavam até cinco anos de diagnóstico. Assis e Baaklini (2009)1111 Assis MR, Baaklini CE. Como diagnosticar e tratar Lúpus Eritematoso Sistêmico. Revista Brasileira de Medicina 2009. Available from http://www.cibersaude.com.br/revistas.asp?fase=r003&id_materia=4087 [accessed in 09.05.14].
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ressaltaram que a sobrevida de pacientes com LES aumentou nas últimas décadas, devido a diagnósticos precoces e ao uso de medicamentos.

O uso de menos de cinco medicamentos pode ser o responsável pela QV. O mesmo número foi obtido por Santos (2009).1212 Santos MO. Avaliação da adesão à terapêutica medicamentosa em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico atendidos em hospital universitário na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Rio de Janeiro. 2009. Isso caracterizou que o número de medicamentos em uso oscilou entre um e 15 com média de 5,09 ± 2,48. Essa quantidade de medicamentos é justificada por Borba et al. (2008)1313 Borba EF, Latorre LC, Brenol JCTB, Kayser C, Silva NA, Zimmermann AF, et al. Consenso de lúpus eritematoso sistêmico. Rev Brasil Reumatol. 2008;48(4):196-207. ao referir que a manutenção de terapia medicamentosa em pacientes controlados reduz a possibilidade de novo surto de atividade, melhora o perfil lipídico e reduz do risco de trombose.

As pacientes que tinham a doença controlada apresentaram maior nível de independência com significância para a faceta mobilidade e qualidade de vida. A pacientes com doença ativa apresentaram maiores escores para o domínio ambiental para a faceta segurança física e proteção.

Problemas humanos podem se contextualizar pela falta de correspondência entre as necessidades do indivíduo e o ambiente físico e social. A percepção da dimensão ambiental depende da hierarquia de valores e é um processo individual, mas reflete as condições atuais de vida do coletivo e sua repercussão na vida das mulheres pesquisadas. As mulheres com LES em atividade apresentaram pior QV nos domínios físico, psicológico e ambiental. Naquelas com LES em atividade intensa constatou-se pior condição de QV do que com LES inativo (Reis [2009]).11 Reis MG, Costa IP. Qualidade de vida relacionada à saúde em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico no Centro-Oeste do Brasil. Rev Bras Reumatol. 2010;50(4):408-14.

Thumboo e Strand (2007)1414 Thumboo J, Strand V. Health-related quality of life in patients with systemic lupus erythematosus: an update. Ann Acad Med Singapore. 2007;36(2):115-122. verificaram que pacientes com LES apresentam maiores deficiências no status funcional do que a população em geral e que as manifestações específicas do lúpus (doença em atividade, envolvimento renal prévio e fibromialgia) podem influenciar a QV relatada.

Freire et al. (2011)1515 Freire EAM, Souto LM, Ciconelli RM. Medidas de avaliação em lúpus eritematoso sistêmico. Rev Bras Reumatol. 2011;51:70-80. indicaram que os danos orgânicos e psíquicos aos quais pacientes com LES estão submetidos resultam, muitas vezes, em incapacidade física ou mental e deficiências e pioram a QV, que tem sido reconhecida como importante indicador do estado de saúde para pacientes portadores de doenças crônicas.

Ao referir doenças associadas às pacientes indicaram que a faceta dependência de medicação ou tratamento interfere na QV. Araújo e Traverso-Yépez (2007)33 Araujo AD, Traverso-Yepez MA. Expressões e sentidos do lúpus eritematoso sistêmico (LES). Estud psicol (Natal). 2007;12(2):119-27. relataram que algumas participantes afirmaram que deixaram de ter uma vida "normal" e se lamentavam também pela necessidade "de ter que depender do medicamento para toda a vida". A medicação é o aspecto fundamental que ajuda no controle, a falta dessa também seria o principal fator que prejudica. Contudo, percebe-se que nem todas as participantes fazem essa relação quando indicam os fatores emocionais como principais contribuintes para o descontrole da doença.

Entre as respostas negativas observou-se significância para as facetas atividade sexual e transporte. Silva (2009)1616 Silva CAA, Febrônio MA, Bonfá E, Pereira RMR, Pereira EAG, Takiuiti AD. Função sexual e saúde reprodutiva em mulheres adolescentes com lúpus eritematoso sistêmico juvenil. Rev Bras Reumatol. 2009;49:690-702. evidenciou que 4% das mulheres e dos homens adultos com LES apresentaram disfunções sexuais por dados de história clínica. Folomeev e Alekberova (1990)1717 Folomeev M, Alekberova Z. Impotence in systemic lupus erythematosus. J Rheumatol. 1990;17:117-9. identificaram uma alta frequência de disfunção sexual/erétil em 35% homens com LES. A partir de uma entrevista estruturada em mulheres adultas, Curry et al. (1994)1818 Curry SL, Levine SB, Corty E, Jones PK, Kurit DM. The impact of systemic lupus erythematosus on women's sexual functioning. J Rheumatol. 1994;21:2254-60. observaram frequências reduzidas de atividade sexual, lubrificação vaginal e satisfação sexual em lúpus versus grupo controle pareado.

Silva (2009)1616 Silva CAA, Febrônio MA, Bonfá E, Pereira RMR, Pereira EAG, Takiuiti AD. Função sexual e saúde reprodutiva em mulheres adolescentes com lúpus eritematoso sistêmico juvenil. Rev Bras Reumatol. 2009;49:690-702. demonstrou que a disfunção sexual em adolescentes do sexo feminino com lúpus é multifatorial e pode ocorrer pela própria atividade da doença ou pelos medicamentos, como corticosteroides e imunossupressores. No estudo não foi demonstrada associação entre disfunção sexual e atividade do lúpus, dano cumulativo causado pela doença ou uso de medicações.

Em contrapartida, Reis (2009)1919 Reis MGR. Qualidade de vida de mulheres adultas com lúpus eritematoso sistêmico. Campo Grande, 2009. [Tese–Universidade Federal de Mato Grosso do Sul]. avaliaram a satisfação no relacionamento e afeto no período da exacerbação da doença entre 74 mulheres com LES que mantinham relacionamento heterossexual e observou que as que tinham maior intimidade física com seus parceiros descreveram grande satisfação no relacionamento; as que evitavam ou tinham menor intimidade física apontaram efeito intensamente negativo. Esse estudo também revelou os dilemas vividos pelas mulheres para manter a intimidade com seus parceiros durante a atividade da doença.

Vido e Scanavini (2007)2020 Vido MB., Scanavini RM Qualidade de vida e a saúde da mulher. In: FERNANDES, RAQ, NARCHI, NZ (Orgs.). Enfermagem e saúde da mulher. São Paulo, 2007; 308–22. ressaltaram que a dependência econômica, a discriminação, as dificuldades que afetam a vida sexual e reprodutiva e as condições inadequadas de moradia e ambiente são fatores que contribuem para a deterioração progressiva da saúde, dos relacionamentos e da QV dos que vivenciam LES.

O transporte referenciado pelas entrevistadas foi caracterizado por Reis (2009)1919 Reis MGR. Qualidade de vida de mulheres adultas com lúpus eritematoso sistêmico. Campo Grande, 2009. [Tese–Universidade Federal de Mato Grosso do Sul]. ao identificar dificuldades vivenciadas pelas mulheres para a manutenção do tratamento e acesso ao atendimento. O transporte nem sempre estava assegurado, as distâncias eram grandes, o tempo de viagem prolongado, o acesso às medicações específicas era deficiente e havia dificuldade de suprir as necessidades de alimentação durante a viagem.

Considerações finais

Considerando a patologia, o uso de medicamentos e outras interferências na qualidade de vida, neste estudo obteve-se um bom índice de qualidade de vida entre as entrevistadas. A maioria das mulheres demonstrou-se satisfeita com suas vidas e otimista, aceitava suas limitações e desfrutava do que há de melhor na vida, buscava na família e nas crenças pessoais forças para os desafios que a patologia impõe.

Evidencia-se que é possível às mulheres portadoras de LES ter QV se usufruir de cuidados médicos especializados. Com o tratamento eficaz, a patologia permanece controlada, oferece segurança às pacientes com conseqüente controle emocional, diminuição da dor e outros sintomas, melhora as expectativas e caracteriza que é possível viver bem com a doença e culminar com uma boa qualidade de vida.

Como limitações deste estudo podemos referir o fato de as pacientes com LES terem respondido os instrumentos de pesquisa nas salas de espera dos consultórios, o que poderia oferecer dificuldades de concentração para responder aos questionários. Outra limitação refere-se ao instrumento, que, por ser longo e repetitivo, poderia ser cansativo. A origem do atendimento das pacientes pode ser uma fragilidade. Devido ao número de entrevistadas, não foi possível estratificar em grupo com atendimento publico e outro privado. Sugerimos novos estudos com grupos específicos de acordo com o atendimento.

  • Financiamento
    Pesquisa apoiada pelo Programa de Bolsas de Iniciação Científica do Cesumar (PICC).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2014
  • Aceito
    28 Jan 2015
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