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Evolução da formação de reumatologistas no Brasil: a opção pela residência médica Trabalho feito no Hospital Universitário de Brasília, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil.

Resumo

Objetivo:

Descrever as características e a evolução da oferta de novos reumatologistas no Brasil, de 2000 a 2015.

Métodos:

Fizeram-se consultas a bases de dados e a documentos oficiais de instituições relacionadas à formação e à certificação de reumatologistas no país. Os dados foram cruzados, sumarizados e apresentados de forma descritiva.

Resultados:

De 2000 até 2015, o Brasil habilitou 1.091 médicos à condição de reumatologistas, dentre os quais 76,9% (n = 839) concluíram residência médica em reumatologia (RMR); os demais (n = 252) obtiveram o título sem cursar RMR. Houve expansão das vagas de RMR. Paralelamente, ocorreu uma modificação no perfil dos recém-habilitados. No início da série, a fração de novos reumatologistas sem RMR, ingressantes no mercado anualmente, aproximava-se dos 50%, reduziu-se para cerca de 15%, em anos recentes. Em 2015, havia no país 49 programas de RMR credenciados, com 120 vagas anuais de acesso. Observou-se desequilíbrio na distribuição de vagas de RMR pelo país, com forte concentração na Região Sudeste, que em 2015 detinha 59,2% das vagas. Instituições públicas responderam por 94% (n = 789) dos concluintes de RMR no período estudado, mantiveram ainda 93,3% (n = 112) das vagas para ingresso em 2015.

Conclusões:

Nos últimos 16 anos, paralelamente à expansão das vagas de acesso, a RMR consolidou-se como via preferencial para formação em reumatologia no Brasil, eminentemente suportada por recursos públicos. Desigualdades regionais na oferta de vagas de RMR persistem como desafios a serem enfrentados.

Palavras-chave:
Reumatologia; Residência médica; Especialização; Formação profissional

Abstract

Objective

To describe the characteristics and progression of the supply of new rheumatologists in Brazil, from 2000 to 2015.

Methods:

Consultations to databases and official documents of institutions related to training and certification of rheumatologists in Brazil took place. The data were compared, summarized and presented descriptively.

Results:

From 2000 to 2015, Brazil qualified 1091 physicians as rheumatologists, of which 76.9% (n = 839) completed a medical residency program in rheumatology (MRPR); the others (n = 252) achieved this title without MRPR training. There was an expansion of MRPR positions. At the same time, there was a change in the profile of the newly qualified doctors. Early in the series, the fraction of new rheumatologists without MRPR, entering the market annually, was approaching 50%, dropping to about 15% in recent years. In 2015, Brazil offered 49 MRPR accredited programs, with 120 positions per year for access. There was an imbalance in the distribution of MRPR positions across the country, with a strong concentration in the southeast region, which in 2015 held 59.2% of the positions. Public institutions accounted for 94% (n = 789) of graduates in MRPR during the study period, while still maintaining 93.3% (n = 112) of seats for admission in 2015.

Conclusions:

In the last sixteen years, in parallel with the expansion of places of access, MRPR has established itself as the preferred route for rheumatology training in Brazil, mainly supported by public funds. Regional inequalities in the provision of MRPR positions still persist, as challenges that must be faced.

Keywords:
Rheumatology; Medical residency; Specialization; Professional qualification

Introdução

Residência médica é uma modalidade de ensino de pós-graduação lato sensu, destinada a médicos, sob a forma de curso de especialização, caracterizada por treinamento em serviço.11 Brasil. Lei nº. 6.932, de 7 de julho de 1981. Dispõe sobre as atividades do médico residente, e dá outras providências. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6932.htm [accessed 23.03.13].
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
Os primeiros programas de residência médica (PRM) no Brasil, chamados à época de internato, tiveram início em 1944, no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.22 Michel JLM, Nunes M do PT, de Oliveira RAB. Residência médica no Brasil. Cad Abem. 2011;7:7-12. Em 1977, foi criada a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), que exerce funções de regulação, supervisão e avaliação dos PRM, teve sua composição e suas competências recentemente redefinidas pelo Decreto n° 7.562, de 2011.33 Brasil. Decreto Presidencial nº. 80.281, de 5 de setembro de 1977. Regulamenta a Residência Médica, cria a Comissão Nacional de Residência Médica e dá outras providências. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1970-1979/D80281.htm [accessed 23.03.13].
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,44 Brasil. Decreto n° 7.562, de 15 de setembro de 2011. Dispõe sobre a Comissão Nacional de Residência Médica e o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições que ofertam residência médica e de programas de residência médica. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7562.htm#art50 [accessed 23.03.13].
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Desde a década de 1940, o número de PRM e de vagas de residência médica no país cresceu progressivamente. Todavia, há poucas informações disponíveis sobre as características desse crescimento.55 Brasil, Comissão Interministerial de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde, Subcomissão de Estudo e Avaliação das Necessidades de Médicos Especialistas no Brasil. 1° Relatório de Atividades. Brasília; 2008. No que concerne especificamente à residência médica em reumatologia (RMR) no Brasil, publicações são escassas.66 Pinheiro G da RC. Um retrato da residência médica em reumatologia no Brasil. Rev Bras Reum. 2004;44:IX-X.

7 Maeda AMC, Pollak DF, Martins MAV. A compreensão do residente médico em reumatologia no atendimento aos pacientes com fibromialgia. Rev Bras Educ Med. 2009;33:393-404.
-88 Albuquerque CP. Inequalidade na distribuição de reumatologistas no Brasil: correlação com local de residência médica, produto interno bruto e índice de desenvolvimento humano. Rev Bras Reum. 2014;54:166-71.

Residência médica é uma forma consagrada para inserção supervisionada de médicos à vida profissional e para habilitação desses indivíduos à especialidade.22 Michel JLM, Nunes M do PT, de Oliveira RAB. Residência médica no Brasil. Cad Abem. 2011;7:7-12. A conclusão do PRM confere legalmente o título de especialista (TE) na área.11 Brasil. Lei nº. 6.932, de 7 de julho de 1981. Dispõe sobre as atividades do médico residente, e dá outras providências. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6932.htm [accessed 23.03.13].
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Entretanto, há outra via para a habilitação formal à especialidade médica no Brasil, baseada em convênio firmado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), pela Associação Médica Brasileira (AMB) e pela CNRM.99 Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM no 1634/2002. Dispõe sobre convênio de reconhecimento de especialidades médicas firmado entre o Conselho Federal de Medicina CFM, a Associação Médica Brasileira - AMB e a Comissão Nacional de Residência Médica - CNRM. Available from: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2002/1634_2002.htm [accessed 23.03.13].
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O convênio prevê a outorga dos títulos pelos PRM credenciados junto à CNRM, mas também pelas sociedades de especialidades médicas filiadas à AMB, mediante prova de suficiência.

A Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), filiada à AMB, faz anualmente exame de suficiência para obtenção de TE. Em 2015, puderam se inscrever no exame os médicos com certificado de RMR ou de curso de especialização em reumatologia credenciados pelo Ministério da Educação, com duração mínima de 24 meses, observado pré-requisito de 24 meses conclusos de residência ou especialização em clínica médica. Eram admitidos também médicos sem RMR ou curso de especialização que, todavia, comprovassem atuação profissional havia mais de quatro anos e participação regular em eventos científicos na especialidade, com acumulação mínima de 100 pontos pelo sistema de acreditação da AMB.1010 Sociedade Brasileira de Reumatologia. Edital da Prova de Suficiência para Obtenção de Título de Especialista em Reumatologia de 2015. Available from: http://www.reumatologia.com.br/pdfs/Edital_TE_2015.pdf [accessed 23.03.13].
http://www.reumatologia.com.br/pdfs/Edit...
,1111 Associação Médica Brasileira, Comissão Nacional de Acreditação. Certificado de atualização profissional. Available from: http://www.cna-cap.org.br/ [accessed 25.10.15].
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Ao momento da elaboração deste trabalho, no melhor dos nossos esforços, não encontramos pesquisas publicadas especificamente sobre a formação de reumatologistas no país que abrangessem simultaneamente ambas as vias de habilitação à especialidade. No entanto, tais informações são relevantes à adequada formulação e avaliação de políticas de formação de recursos humanos em reumatologia, seja na esfera governamental ou acadêmica. Este estudo objetivou descrever as características e a evolução da oferta de novos reumatologistas no Brasil, de 2000 até 2015.

Material e métodos

Este foi um estudo observacional, retrospectivo, quantitativo, descritivo, de séries temporais. O período de interesse da pesquisa, definido por conveniência, com base na disponibilidade de informações, abrangeu desde 2000 até 2015. Os dados foram coletados mediante consulta a bases informatizadas e a documentos oficiais de instituições brasileiras relacionadas à formação e à certificação de especialistas em reumatologia no país.

As variáveis de interesse da pesquisa com suas respectivas fontes de dados são descritas a seguir. Da SBR, obteve-se a lista nominal dos aprovados nos exames anuais de suficiência para obtenção de TE dessa sociedade. Da CNRM, obteve-se o número de vagas credenciadas para acesso ao primeiro ano de RMR, o número de certificados novos de conclusão de RMR emitidos e a lista nominal de todos os concluintes de RMR por ano, por unidade da federação (UF) e por instituição.1212 Brasil, Ministério da Educação, Comissão Nacional de Residência Médica. Sistema CNRM - Instituições x Programas x Vagas. Available from: http://mecsrv04.mec.gov.br/sesu/SIST_CNRM/APPS/cons_res_inst.asp [accessed 23.03.13].
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Das instituições ofertantes de PRM em reumatologia, por meio dos editais dos processos seletivos, obteve-se o número de vagas de acesso à RMR efetivamente oferecidas anualmente.

Adicionalmente, para fins de confrontação e verificação cruzada de informações, consultaram-se as atas das reuniões ordinárias e extraordinárias, bem como súmulas e extratos de atos autorizativos da CNRM disponíveis na página de internet dessa comissão.1414 Brasil, Ministério da Educação, Comissão Nacional de Residência Médica. Legislação e normatização específica, esclarecimentos ao público, atas, súmulas e extratos. Available from: http://portal.mec.gov.br/residencias-em-saude/residencia-medica [accessed 10.10.15].
http://portal.mec.gov.br/residencias-em-...
Os anos 2000 e 2001 foram especificamente excluídos das séries temporais do número de vagas e de PRM de reumatologia, por incertezas nos dados. As séries temporais das demais variáveis incluem esses dois anos. A lista nominal dos concluintes de RMR por ano, UF e instituição, obtida do sistema da CNRM, não se restringiu ao período de interesse específico da pesquisa, mas foi extraída em sua totalidade, desde os registros mais antigos (que datam do fim da década de 1970) até 2015, pela necessidade instrumental descrita a seguir.

Para obtenção do número anual de novos reumatologistas sem certificado de RMR, fez-se o cruzamento de dados da lista nominal dos aprovados no exame anual da SBR, desde 2000 até 2015, contra todo o banco de dados da CNRM, independentemente de limite temporal, identificando-se os indivíduos aprovados no exame de TE que jamais tiveram certificados registrados de RMR em qualquer tempo. O número de concluintes de RMR em um dado ano foi contabilizado a partir do número de certificados novos de conclusão de RMR emitidos naquele ano. O total de novos reumatologistas por ano foi calculado mediante a soma do número de concluintes de RMR com o número de titulados pela SBR não detentores de certificado de RMR.

Os aprovados em exame da SBR até 2003 que também cursaram RMR foram incluídos na contagem de novos especialistas somente no ano de conclusão da residência médica, uma vez que até 2003 os residentes faziam a prova de TE ao início do segundo ano de RMR. Por clareza: esses casos não foram incluídos nas contagens anuais de TE sem RMR. Todas as alusões a vagas de RMR neste trabalho dizem respeito somente às vagas de acesso ao primeiro ano (R1) na especialidade. Da mesma forma, todas as menções a certificados emitidos ou a concluintes de RMR são relativas apenas ao ciclo mínimo de 24 meses da residência, desconsiderados os anos opcionais.

Os dados usados na pesquisa são acessíveis via internet, oriundos de bases de dados de caráter administrativo. Nenhuma intervenção, seguimento ou coleta de informações se fez em nível individual ou populacional. A pesquisa não incluiu variáveis clínico-epidemiológicas ou biológicas, ateve-se ao estudo da formação de recursos humanos em reumatologia, com base em fontes de informação secundárias. Destarte, o protocolo não foi submetido a comitê de ética em pesquisa biomédica, por inexigibilidade nesse contexto. O estudo não abrangeu reumatologistas pediátricos. Todas as consultas foram feitas entre março de 2013 e novembro de 2015. Os dados foram sumarizados e apresentados de forma descritiva.

Resultados

De 2000 até 2015, houve 839 concluintes de RMR em todo o Brasil. No mesmo período, a SBR outorgou 884 novos títulos de especialista, dentre os quais 252 foram conferidos a médicos sem RMR. No total, somados os concluintes de RMR com os titulados sem RMR, foram investidos na condição de novos reumatologistas 1.091 médicos no país. Observou-se razão geral de 3,3 novos reumatologistas com RMR para cada novo reumatologista sem RMR habilitado no período.

Houve aumento progressivo do número de PRM de reumatologia, das vagas credenciadas de RMR, dos concluintes de RMR e do total de novos reumatologistas por ano (figs. 1 e 2A). Em 2015, foram habilitados 103 novos reumatologistas, dentre os quais 86 haviam concluído RMR. O número de TE outorgados pela SBR anualmente mostrou trajetória descendente nos primeiros cinco anos da série, recuperou-se subsequentemente, porém jamais superou os níveis iniciais (fig. 2B). O número de TE outorgados especificamente a médicos sem RMR mostrou descenso inicial, estabilizou-se posteriormente, sem recuperação consistente desde então (fig. 2B). Em 2015, foram 68 os TE emitidos pela SBR, dentre os quais 17 a médicos sem RMR. A fração anual de novos especialistas sem RMR reduziu-se consistentemente, alcançou os menores patamares em 2013 e 2014 (fig. 3).

Figura 1
Número de programas e de vagas de residência médica em reumatologia (RMR) no Brasil, de 2002 a 2015.

Figura 2
A, número de novos reumatologistas habilitados por ano no Brasil, no total e com residência médica em reumatologia (RMR); B, número de títulos de especialista (TE) outorgados pela Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) por ano, no total e a médicos sem RMR.

Figura 3
Fração de indivíduos que não haviam cursado residência médica em reumatologia (RMR), dentre os novos reumatologistas habilitados anualmente, no Brasil, de 2000 a 2015.

Constatou-se heterogeneidade na distribuição de programas e vagas de RMR entre as regiões do país, com forte concentração na Região Sudeste. Esse fenômeno foi observado nos cortes transversais tanto de 2002 quanto de 2015 (tabela 1). Semelhante inequalidade distributiva transpareceu no número de concluintes de RMR por regiões, de 2000 a 2015, com 66,3% (556/839) desses especialistas formados na Região Sudeste (tabela 2). Apenas 10,2% (5/49) dos PRM de reumatologia credenciados para 2015 eram vinculados a instituições privadas, que juntas detinham somente 6,7% (8/120) das vagas para ingresso na RMR (tabela 3). Instituições públicas responderam por 94% (789/839) dos concluintes de RMR no Brasil, de 2000 a 2015, dentre os quais 65,4% (549/839) foram egressos de PRM de reumatologia vinculados a faculdades e universidades públicas.

Tabela 1
Programas e vagas de RMR no Brasil, por região e UF, na comparação entre 2002 e 2015
Tabela 2
Concluintes de RMR de 2000 a 2015, por região e UF
Tabela 3
Programas e vagas de RMR no Brasil, em 2015

Discussão

Observou-se desequilíbrio entre as regiões do país quanto ao número de concluintes de RMR, como lógica consequência da desigualdade geográfica na oferta de vagas de ingresso aqui também reportada. Existência de PRM é fator associado à atração e à fixação de médicos na localidade do programa.1515 Pinto LF da S, Machado MH. Médicos migrantes e a formação profissional: um retrato brasileiro. Rev Bras Educ Med. 2000;24:53-64.,1616 Povoa L, Andrade MV. Distribuição geográfica dos médicos no Brasil: uma análise a partir de um modelo de escolha locacional. Cad Saude Publica. 2006;22:1555-64. No tocante à reumatologia, correlação entre a distribuição geográfica desses especialistas e a oferta local de PRM na especialidade já foi demonstrada.88 Albuquerque CP. Inequalidade na distribuição de reumatologistas no Brasil: correlação com local de residência médica, produto interno bruto e índice de desenvolvimento humano. Rev Bras Reum. 2014;54:166-71. Assim, a desigualdade aqui evidenciada na distribuição das vagas e de concluintes de RMR potencialmente influencia a própria disponibilidade regional de reumatologistas no Brasil.

Houve ampliação do número de PRM em reumatologia e sobretudo das vagas anuais de RMR em todo o país, no período estudado. A Região Nordeste foi a que mais elevou proporcionalmente sua participação no universo das vagas de RMR. Em contrapartida, o Sudeste perdeu participação proporcional. Nove UF que não tinham PRM de reumatologia em 2002 figuraram como detentoras de tais programas no rol de 2015, a saber: ES, MS, PA, PB, PI, RN, SC, SE e TO. Assim, na comparação entre 2002 e 2015, houve redução da desigualdade distributiva de vagas de RMR pelo país, a qual, todavia, foi insuficiente para eliminar os desequilíbrios ainda observados. Esses desequilíbrios são semelhantes aos que se verificam em relação às vagas de residência médica em geral, no Brasil.1717 Brasil, Ministério da Saúde. Especialização em Serviços de Saúde - Residência Médica. Programas, Vagas e Perfil dos Residentes da Federação. Relatório Final. São Paulo; 2005.,1818 Nunes M do PT, Michel JLM, Brenelli SL, Haddad AE, Mafra D, Ribeiro ECO, et al. Distribuição de vagas de residência médica e de médicos nas regiões do país. Cad Abem. 2011;7:28-34.

Houve aceleração do processo de ampliação das vagas de RMR nos últimos cinco anos. Esse fenômeno ocorreu na esteira de uma nova concepção política que busca a expansão da residência médica no país, direcionada às regiões e às especialidades prioritárias para o SUS (Sistema Único de Saúde), considerando-se as necessidades indicadas por seus gestores regionais.1919 Petta HL. Formação de médicos especialistas no SUS: descrição e análise da implementação do Programa Nacional de Apoio à Formação de Médicos Especialistas em Áreas Estratégicas (Pró-Residência). Rev Bras Educ Med. 2013;37:72-9. Essa concepção se materializou com a instituição do programa Pró-Residência, do Ministério da Educação.2020 Brasil, Ministério da Educação, Ministério da Saúde. Portaria Interministerial Nº 1.001, de 22 de outubro de 2009. Institui o Programa Nacional de Apoio à Formação de Médicos Especialistas em Áreas Estratégicas - PRÓ-RESIDÊNCIA. Diário Oficial da União. 23 out 2009; Seção 1:9. Os editais convocatórios do Pró-Residência listam as especialidades e regiões prioritárias, mas admitem a inclusão de outras não contempladas, mediante demonstração de necessidade.2121 Brasil, Ministério da Educação, Ministério da Saúde, SESu, SGTES. Edital Convocatório nº 7, de 22 de outubro de 2009. Diário Oficial da União. 23 out 2009; Seção 3:56-57.

22 Brasil, Ministério da Educação, Ministério da Saúde, SESu, SGTES. Edital de Convocação nº 18, de 7 de novembro de 2011. Diário Oficial da União. 8 nov 2011; Seção 3:135-140.
-2323 Brasil, Ministério da Educação, Ministério da Saúde, SESu, SGTES. Edital nº 29, de 27 de junho de 2013. Diário Oficial da União. 28 jun 2013; Seção 3:158-160.

Instituições privadas responderam por pequena parcela dos programas, vagas e concluintes de RMR. As santas casas foram contadas como instituições públicas, dado seu financiamento eminentemente público e o livre acesso da população a seus serviços. Fossem, todavia, contadas como hospitais particulares, ainda assim apenas 16,3% (8/49) dos PRM e 10,8% (13/120) das vagas de RMR de 2015 estariam vinculados a instituições privadas. Ademais, completaram RMR em santas casas de misericórdia 46 reumatologistas no período estudado, de sorte que, inclusos esses indivíduos, ainda assim somente 11,4% (96/839) dos concluintes de RMR de 2000 a 2015 seriam egressos de PRM de instituições privadas.

O Estado brasileiro é, portanto, o maior financiador e principal provedor de recursos humanos e materiais (incluindo espaços físicos) para a RMR. Destaca-se aqui o papel das faculdades e universidades públicas como grandes formadoras de reumatologistas no Brasil, responsáveis por cerca de dois terços dos concluintes de RMR no período. A despeito da dominância dos serviços públicos na formação dos reumatologistas brasileiros, o provimento desses especialistas no SUS é inferior ao da iniciativa privada e muito aquém do recomendado em outros países.88 Albuquerque CP. Inequalidade na distribuição de reumatologistas no Brasil: correlação com local de residência médica, produto interno bruto e índice de desenvolvimento humano. Rev Bras Reum. 2014;54:166-71.

Internacionalmente, apontam-se proporções ideais entre 52.000 e 85.000 habitantes por reumatologista.2424 Marder WD, Meenan RF, Felson DT, Reichlin M, Birnbaum NS, Croft JD, et al. The present and future adequacy of rheumatology manpower. A study of health care needs and physician supply. Arthritis Rheum. 1991;34:1209-1217.

25 Edworthy S. Canadian rheumatologists: an endangered species. J Can Med Rheumatol Assoc. 2000;10:6-10.

26 Cunha-Miranda L. A realidade da reumatologia portuguesa em 2009: uma janela até 2019. Acta Reum Port. 2009;34:337-47.
-2727 Royal College of Physicians. Consultant physicians working with patients - rheumatology. London: RCP; 2011. Em 2013, o Brasil tinha razão aproximada de 118.000 habitantes por reumatologista.2828 Conselho Federal de Medicina. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Demografia Médica no Brasil, v.2. São Paulo: CFM, CREMESP; 2013. Todavia, no SUS, essa proporção superava os 400.000 usuários por reumatologista.88 Albuquerque CP. Inequalidade na distribuição de reumatologistas no Brasil: correlação com local de residência médica, produto interno bruto e índice de desenvolvimento humano. Rev Bras Reum. 2014;54:166-71. Se desconsiderarmos se os beneficiários de planos de saúde (cerca de 49 milhões de brasileiros em 2013), ainda assim, para os outros mais de 150 milhões de brasileiros eminentemente dependentes do SUS, a proporção superava os 247.000 usuários por reumatologista.88 Albuquerque CP. Inequalidade na distribuição de reumatologistas no Brasil: correlação com local de residência médica, produto interno bruto e índice de desenvolvimento humano. Rev Bras Reum. 2014;54:166-71.,2929 Brasil, Ministério da Saúde, Agência Nacional de Saúde Suplementar. Dados gerais. Beneficiários de planos privados de saúde, por cobertura assistencial. 2013. Available from: http://www.ans.gov.br/materiais-para-pesquisas/perfil-do-setor/dados-gerais [accessed 16.09.13].
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,3030 Brasil, Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estimativas populacionais para os municípios brasileiros em 01.07.2013. 2013. Available from: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2013/estimativa_dou.shtm [accessed 16.09.13].
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
Portanto, embora o Estado custeie a formação da maior parte dos reumatologistas no Brasil, o SUS tem-se demonstrado incapaz de reter um número suficiente desses especialistas, que posteriormente migram para o mercado privado.

Houve mudança no perfil de formação de reumatologistas no Brasil, nos últimos 16 anos. No início da série, proporções aproximadamente iguais de novos especialistas com e sem RMR eram contabilizadas anualmente. Nos anos subsequentes, reduziu-se a fração anual de novos reumatologistas sem RMR, que oscila ultimamente por volta dos 15%. Paralelamente, houve aumento do número de vagas e de concluintes de RMR. A queda da fração sem RMR antecedeu a introdução, a partir de 2008, do requisito de pontuação mínima em eventos científicos acreditados pela AMB, para admissão de médicos sem RMR ou especialização ao exame de suficiência da SBR.3131 Sociedade Brasileira de Reumatologia. Edital da Prova de Suficiência para Obtenção de Título de Especialista em Reumatologia de 2008. Available from: http://www.reumatologia.com.br/reumatologia/reumatologia/editaistitulos/edital_prova_te_2008 [accessed 16.09.13].
http://www.reumatologia.com.br/reumatolo...
Os achados sugerem uma opção dos médicos que buscam especialização em reumatologia pela via da RMR, desde que haja vagas disponíveis.

O presente trabalho traz perspectivas de pesquisas subsequentes. Reportamos aqui quantos reumatologistas o país formou e habilitou nos últimos 16 anos. Trabalhos recentes informam a quantidade existente desses especialistas no país.88 Albuquerque CP. Inequalidade na distribuição de reumatologistas no Brasil: correlação com local de residência médica, produto interno bruto e índice de desenvolvimento humano. Rev Bras Reum. 2014;54:166-71.,2828 Conselho Federal de Medicina. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Demografia Médica no Brasil, v.2. São Paulo: CFM, CREMESP; 2013. Mas quantos são necessários? As necessidades do Brasil são semelhantes às de outros países? Como evoluirá a demanda por reumatologistas no Brasil, nas próximas décadas? Quantos teremos de formar anualmente para suprir essa demanda, sem incorrer em desequilíbrios? Essas são questões relevantes para o país, que justificam pesquisas adicionais.

Em suma, de 2000 a 2015, paralelamente à ampliação no número de vagas, a RMR se consolidou como via preferencial de formação e habilitação em reumatologia no país, a qual responde atualmente pela maioria dos novos especialistas que ano a ano se agregam às fileiras da reumatologia brasileira. Houve melhoria na distribuição da oferta de vagas entre as regiões do país, conquanto insuficiente para eliminar os desequilíbrios existentes. A maioria das vagas e programas de RMR no Brasil esteve vinculada a instituições públicas, sobretudo universidades públicas. Redução das desigualdades regionais quanto à oferta de vagas de RMR permanece como desafio para o futuro.

  • Trabalho feito no Hospital Universitário de Brasília, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    18 Nov 2015
  • Aceito
    9 Mar 2016
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