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Edema hemorrágico agudo da infância: uma variante da púrpura de Henoch-Schönlein?

Acute hemorrhagic edema of infancy: a variant of Henoch-Schönlein purpura?

Resumos

O edema hemorrágico agudo da infância (EHAI) é uma vasculite leucocitoclástica rara, com aproximadamente 100 casos descritos na literatura de língua inglesa. As lesões cutâneas características são púrpuras palpáveis, que se localizam em face, orelhas e extremidades, e lembram a figura de um medalhão. É uma vasculite de pequenos vasos, característica de crianças menores de dois anos de idade. Na maioria das vezes, tem curso autolimitado e benigno, apesar da aparência das lesões. Relatamos o caso de uma lactente, que iniciou edema de mãos e pés, lesões purpúricas na face e febre, e comparamos a outros já descritos, de acordo com a revisão da literatura acerca do assunto. A raridade da doença pode estar associada ao subdiagnóstico ou ao diagnóstico equivocado de púrpura de Henoch-Schönlein (PHS). EHAI é precedido na maioria dos casos por infecções, imunizações ou drogas. O envolvimento de mucosas e vísceras raramente ocorre. Nenhum tratamento é recomendado atualmente. O alerta para essa vasculite tem como objetivo auxiliar o diagnóstico, tornando-o mais precoce, e evitar tratamentos e preocupações desnecessárias.

edema hemorrágico agudo da infância; vasculite; púrpura


Acute Hemorrhagic Edema of Infancy (AHEI) is a rare leukocytoclastic vasculitis and there are around 100 cases described in the English language literature. The typical cutaneous lesion is a palpable purpura localized on the face, ears, and extremities and resembles a medallion. It is a vasculitis of small vessels, mainly seen in children less than 2 years of age. It is usually self-limited and benign, despite its appearance. We report a case of an infant who presented with swelling of hands and feet, purpuric lesions on face and fever, and compare with other previously described cases, accordingly to the literature review. The rarity may be associated with underdiagnosis or mistaken diagnosis of Henoch-Schönlein purpura. AHEI is preceded in the majority of cases by infections, immunizations or drugs. Mucosal and visceral involvement is seldom seen. No treatment is currently recommended. The alert for this vasculitis aims to help the diagnosis, making it earlier and preventing unnecessary concern and treatment.

acute hemorrhagic edema of infancy; vasculitis; purpura


RELATO DE CASO CASE REPORT

Edema hemorrágico agudo da infância – uma variante da púrpura de Henoch-Schönlein?

Acute hemorrhagic edema of infancy – a variant of Henoch-Schönlein purpura?

Christina Feitosa PelajoI; Sheila Knupp Feitosa de OliveiraII

IMédica pediatra, residente do Serviço de Reumatologia Pediátrica do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

IIProfessora adjunta de Pediatria na UFRJ. Pós-doutorado pela Universidade de Gênova. Chefe do Serviço de Reumatologia Pediátrica do IPPMG

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Christina Feitosa Pelajo Av. Prefeito Dulcídio Cardoso, 1640, ap. 1101, bloco 1 CEP 22620-311, Rio de Janeiro, RJ, Brasil telefone: (21) 2491-2131 / 8618-0808 e-mail: chrispelajo@oi.com.br

RESUMO

O edema hemorrágico agudo da infância (EHAI) é uma vasculite leucocitoclástica rara, com aproximadamente 100 casos descritos na literatura de língua inglesa. As lesões cutâneas características são púrpuras palpáveis, que se localizam em face, orelhas e extremidades, e lembram a figura de um medalhão. É uma vasculite de pequenos vasos, característica de crianças menores de dois anos de idade. Na maioria das vezes, tem curso autolimitado e benigno, apesar da aparência das lesões. Relatamos o caso de uma lactente, que iniciou edema de mãos e pés, lesões purpúricas na face e febre, e comparamos a outros já descritos, de acordo com a revisão da literatura acerca do assunto. A raridade da doença pode estar associada ao subdiagnóstico ou ao diagnóstico equivocado de púrpura de Henoch-Schönlein (PHS). EHAI é precedido na maioria dos casos por infecções, imunizações ou drogas. O envolvimento de mucosas e vísceras raramente ocorre. Nenhum tratamento é recomendado atualmente. O alerta para essa vasculite tem como objetivo auxiliar o diagnóstico, tornando-o mais precoce, e evitar tratamentos e preocupações desnecessárias.

Palavras-chave: edema hemorrágico agudo da infância, vasculite, púrpura.

ABSTRACT

Acute Hemorrhagic Edema of Infancy (AHEI) is a rare leukocytoclastic vasculitis and there are around 100 cases described in the English language literature. The typical cutaneous lesion is a palpable purpura localized on the face, ears, and extremities and resembles a medallion. It is a vasculitis of small vessels, mainly seen in children less than 2 years of age. It is usually self-limited and benign, despite its appearance. We report a case of an infant who presented with swelling of hands and feet, purpuric lesions on face and fever, and compare with other previously described cases, accordingly to the literature review. The rarity may be associated with underdiagnosis or mistaken diagnosis of Henoch-Schönlein purpura. AHEI is preceded in the majority of cases by infections, immunizations or drugs. Mucosal and visceral involvement is seldom seen. No treatment is currently recommended. The alert for this vasculitis aims to help the diagnosis, making it earlier and preventing unnecessary concern and treatment.

Keywords: acute hemorrhagic edema of infancy, vasculitis, purpura.

INTRODUÇÃO

O edema hemorrágico agudo da infância (EHAI) é uma vasculite leucocitoclástica rara, com aproximadamente 100 casos descritos na literatura de língua inglesa. Snow a descreveu pela primeira vez em 1913(1). A tríade típica envolve febre, edema e lesões purpúricas. As lesões cutâneas características são púrpuras palpáveis, que se localizam em face, orelhas e extremidades, e lembram a figura de um medalhão(2,3). É uma vasculite de pequenos vasos, característica de crianças de três meses a dois anos de idade. Na maioria das vezes, tem curso autolimitado e benigno, apesar da aparência das lesões(4). Relatamos o caso de uma lactente e comparamos a outros já descritos, de acordo com a revisão da literatura acerca do assunto.

RELATO DE CASO

Uma lactente de seis meses de idade iniciou edema em mãos e pés associado a lesões cutâneas e febre. Na face, as lesões atingiram os maiores tamanhos (3 a 5 cm) e eram de aspecto purpúrico (Figura 1), enquanto nos membros superiores eram menos delimitadas e eritematosas (Figura 2). Não havia história de infecções prévias, vacinação recente ou uso de medicações. Nos exames laboratoriais havia hematócrito: 32%, hemoglobina: 10,6g/dl, leucócitos: 11300/mm3, plaquetas: 489000/ul, VHS: 40mm, bioquímica, coagulograma e EAS normais. Não foi realizada biópsia, porém o diagnóstico clínico pôde ser realizado graças ao aspecto típico das lesões, bem como à evolução do quadro. As lesões regrediram em 15 dias, espontaneamente.



DISCUSSÃO

Inicialmente Snow et al (1) descreveram a entidade, em 1913, sob o título "Púrpura, urticária e edema angioneurótico de mãos e pés em um lactente". Posteriormente, outros autores, como Finkelstein e Seidlmayer, publicaram casos semelhantes que, a partir de 1940, foram descritos como doença de Finkelstein ou doença de Seidlmayer(2). Somente alguns anos após, a doença começou a ser chamada de edema hemorrágico agudo da infância(2).

Provavelmente, o EHAI não é tão raro como se acreditava. O pequeno número de relatos da doença pode estar associado ao subdiagnóstico (devido à sua benignidade) ou ao diagnóstico equivocado de púrpura de Henoch-Schönlein (PHS).

A maior prevalência de EHAI ocorre nos meses de inverno(4), o que pode estar relacionado à maior chance de ocorrência da vasculite após episódios infecciosos. Setenta e cinco por cento dos casos foram precedidos por infecções (Streptococcus, Mycoplasma, E. coli, Staphylococcus), vacinação (sarampo, DPT, HiB) ou drogas (penicilinas, cefalosporinas, sulfametoxazol-trimetoprim, paracetamol)(2,4-8).

A etiologia ainda é desconhecida e a fisiopatologia, incerta.

Já foi relatado o envolvimento tanto de mucosas quanto de vísceras (trato urinário e gastrintestinal), embora sejam raros. Sintomas como artrite e dor abdominal também são pouco comuns(3-6,8,9). Alguns autores, inclusive, consideram a ausência de envolvimento visceral e de doença sistêmica como critério necessário ao diagnóstico de EHAI(4).

O laboratório, geralmente, evidencia aumento de provas de atividade inflamatória, leucocitose, trombocitose e eosinofilia leve(6).

Um dos principais diagnósticos diferenciais é a PHS, pois ambas são vasculites leucocitoclásticas e desenvolvem-se geralmente após um episódio infeccioso(9). As principais diferenças em relação à PHS são: a faixa etária, o tamanho e a distribuição das lesões cutâneas, a falta de envolvimento sistêmico, a ausência de recorrências e o curso autolimitado sem seqüelas(2,6,8,10). À imunohistologia (imunohistopatologia) a PHS apresenta IgA, C3 e fibrina, sem C1q – o que sugere ativação da via alternativa do complemento. Em contraste, o padrão imunohistológico do EHAI consiste em presença de IgA em apenas um terço dos casos(3,5), deposição de C1q, fibrinogênio, C3, IgG, IgM e IgE na parede e ao redor dos pequenos vasos(2,6,8). Por outro lado, os achados histopatológicos são semelhantes aos de outras vasculites leucocitoclásticas, como a PHS(11), evidenciando infiltrado polimorfonuclear e linfocitário perivascular com debris nucleares e necrose fibrinóide. Há discordância entre os autores sobre se o EHAI seria uma entidade clínica distinta ou uma variante da PHS em lactentes. Já foi sugerido que as diferenças entre ambas poderiam ser secundárias a alterações na maturação do sistema imune mediado por IgA relacionadas à idade(6). Outros diagnósticos diferenciais são: púrpura fulminans, menigococcemia, eritema multiforme e farmacodermias(4).

Nenhum tratamento deve ser indicado uma vez que a doença é benigna e segue um curso autolimitado em uma a três semanas(3,4,12). Não há evidências de que o uso de corticosteróides sistêmicos e anti-histamínicos abreviem o curso da doença, embora sejam utilizados como medida terapêutica em diversos casos relatados(2,4-6,8,9). Recomenda-se o seguimento cuidadoso do paciente, já que há relato de associação de um caso de EHAI com bacteremia pneumocócica(8).

O alerta para essa vasculite tem como objetivo auxiliar o diagnóstico, tornando-o mais precoce, e evitar tratamentos e preocupações desnecessárias.

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

Recebido em 04/08/06.

Aprovado, após revisão, em 20/09/06.

Serviço de Reumatologia Pediátrica do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG) – UFRJ.

  • 1
    Snow IM apud Krause I, Lazarov A, Rachmel A, et al: Acute haemorrhagic oedema of infancy, a benign variant of leucocytoclastic vasculitis. Acta Paediatr 85: 114-7, 1996.
  • 2
    Saraclar Y, Tinaztepe K, Adalioglu G, Tuncer A: Acute hemorrhagic edema of infancy (AHEI) – A variant of Henoch-Schönlein purpura or a distinct clinical entity? J Allergy Clin Immunol 86: 473-83, 1990.
  • 3
    Vermeer MH, Stoof TJ, Kozel MM, Blom DJ, Nieboer C, Smitt JH: Acute hemorrhagic edema of childhood and its differentiation from Schönlein-Henoch purpura. Ned Tijdschr Geneeskd 145: 834-9, 2001.
  • 4
    Krause I, Lazarov A, Rachmel A, et al: Acute haemorrhagic oedema of infancy, a benign variant of leucocytoclastic vasculitis. Acta Paediatr 85: 114-7, 1996.
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    McDougall CM, Ismail SK, Ormerod A: Acute haemorrhagic oedema of infancy. Arch Dis in Childhood 90: 316, 2005.
  • 6
    Roh MR, Chung H, Lee JH: A case of acute hemorrhagic edema of infancy. Yonsei Med J 45: 523-6, 2004.
  • 7
    Poyrazoglu HM, Per H, Gunduz Z, et al: Acute hemorrhagic edema of infancy. Pediatr Int 45: 697-700, 2003.
  • 8
    Morrison RR, Saulsbury FT: Acute hemorrhagic edema of infancy associated with pneumococcal bacteremia. Ped Infect Dis J 18: 832-3, 1999.
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    da Silva Manzoni AP, Viecili JB, de Andrade CB, Kruse RL, Bakos L, Cestari TF: Acute hemorrhagic edema of infancy: a case report. Int J Dermatol 43: 48-51, 2004.
  • 10
    Crowe MA, Jonas PP: Acute hemorrhagic edema of infancy. Cutis 62: 65-6, 1998.
  • 11
    Yavuz H: Is acute hemorrhagic edema of infancy a complement deficiency state? Ped Infect Dis J 19: 768, 2000.
  • 12
    Long D, Helm KF: Acute hemorrhagic edema of infancy: Finkelstein’s disease. Cutis 61: 283-4, 1998.
  • Endereço para correspondência:

    Christina Feitosa Pelajo
    Av. Prefeito Dulcídio Cardoso, 1640, ap. 1101, bloco 1
    CEP 22620-311, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
    telefone: (21) 2491-2131 / 8618-0808
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2007

    Histórico

    • Recebido
      04 Ago 2006
    • Aceito
      20 Set 2006
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