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Opinião de uma amostra de reumatologistas brasileiros sobre biossimilares

CARTA AOS EDITORES

Opinião de uma amostra de reumatologistas brasileiros sobre biossimilares

Devido às recentes expirações de patentes de alguns medicamentos biológicos, são esperados estudos para a produção de versões alternativas dos mesmos, as quais chamamos biossimilares. Os fabricantes de biossimilares não terão acesso aos processos de fabricação dos biológicos inovadores, porque tais conhecimentos são propriedade exclusiva das empresas inovadoras. Assim, é impossível a replicação precisa de qualquer proteína, ao contrário do que ocorre com a produção de medicamentos genéricos, cujas pequenas moléculas químicas são idênticas às moléculas dos medicamentos originais, e cujos requisitos de análise baseiam-se apenas em sua composição química.

No Brasil, como já ocorre em outros países, surgirá nos próximos meses a oportunidade para a entrada de biossimilares do ENBREL® (etanercepte; Pfizer-Wyeth) e, na sequência, do MABTHERA® (rituximabe; Roche), duas conhecidas medicações que fazem parte do arsenal terapêutico da reumatologia e de outras especialidades clínicas.1 Como todos os medicamentos biológicos, o principal problema relacionado à segurança de um biossimilar é sua imunogenicidade. A imunogenicidade e a eficácia de um produto biossimilar só podem ser adequadamente avaliadas a partir de rigorosos ensaios clínicos realizados antes de sua aprovação, e por um sistema de farmacovigilância estabelecido após a comercialização do produto. A entrada no mercado brasileiro de biossimilares das atuais moléculas prescritas por reumatologistas, conhecidas como proteínas biológicas de terceira geração, requer nossa apropriada educação e a disseminação de informações de forma transparente e não viciada, a fim de que se estabeleçam as decisões corretas para a prescrição desses medicamentos.

Buscando avaliar de forma objetiva o conhecimento básico sobre os principais aspectos médicos relacionados aos biossimilares, foi aplicado um questionário a cerca de 200 reumatologistas (médicos e médicos residentes) durante o XXVIII Congresso Brasileiro de Reumatologia, realizado em Porto Alegre de 18 a 22 de setembro de 2010. Tal questionário consistia em sete perguntas de múltipla escolha sobre definição e aspectos biotecnológicos da produção de biossimilares e condução de ensaios clínicos relacionados a biocomparabilidade, imunogenicidade, farmacovigilância e aspectos regulatórios nacionais. O questionário foi aplicado por dois acadêmicos de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e o prazo de preenchimento para cada profissional foi de três minutos (cerca de 25 segundos para cada questão). Os profissionais foram entrevistados nos diversos corredores do evento durante os intervalos entre as sessões acadêmicas, e na maioria das vezes responderam as questões em pé. O tamanho da amostra foi definido de forma aleatória, considerando que pudesse ser o mais representativo possível de um universo de mais de 1.000 inscritos no evento. Não foi dada aos entrevistados qualquer orientação para preenchimento além da especificação do limite de tempo e sobre a possibilidade de escolha de mais de um item em cada questão.

Dos 200 questionários aplicados, 95% foram respondidos e 5% não foram devolvidos pelos entrevistados, totalizando 189 questionários para análise posterior (Tabela 1). Dos entrevistados, 89 eram mulheres e 111 eram homens. Responderam ao questionário 36 médicos residentes (18%). Cento e quatorze (60%) afirmaram saber o que são biossimilares, 56 (30%) negaram conhecer o assunto e 19 (10%) deixaram a questão em branco (Figura 1). Apesar de responder negativamente ou de deixar essa primeira questão em branco, ainda que houvesse a ressalva de continuar com o questionário apenas se a primeira resposta fosse positiva, a maioria dos entrevistados (78%) continuou a responder o questionário.


Apenas 70% dos entrevistados responderam sobre a definição do conceito mais apropriado do que seria um biossimilar. Dos que responderam a essa questão, 34% optaram pelo item que definia um biossimilar como um biológico que demonstra bioequivalência e que possui todos os ensaios pré-clínicos e clínicos iguais aos já realizados com o biofármaco original, e que, quando de sua aprovação, já tem a imunogenicidade bem estabelecida; 27% responderam que um biossimilar é um biológico que demonstra bioequivalência com um biofármaco original e que não necessita de ensaios clínicos para sua comercialização; 20% responderam que o biossimilar é uma molécula igual à molécula de um fármaco original, e de menor custo de produção. Somente 11% responderam que biossimilares são uma tentativa de cópia de biofármacos inovadores e que nunca poderão ser iguais a eles, enquanto cerca de 8% dos entrevistados responderam que um biossimilar é um biológico genérico de um biofármaco já comercializado (Figura 1).

Cerca de 1/3 dos entrevistados (32%) concordou que já existem biossimilares no mercado brasileiro, enquanto mais da metade (56%) não concordou com essa afirmação; 12% dos entrevistados deixaram essa questão em branco. Perguntados sobre o conhecimento sobre a RDC 135, apenas 4% responderam afirmativamente; 77% responderam que não a conheciam, e 19% deixaram a questão em branco.

Os entrevistados ainda deveriam apontar quais os principais problemas relacionados à aprovação de biossimilares no Brasil (etapa anterior à comercialização), podendo escolher mais de uma alternativa. A maioria (19%) apontou a limitação de testes de bioequivalência como principal problema; 18% apontaram a questão da segurança; 16% indicaram o estabelecimento de bioeficácia; 10% indicaram as boas práticas de fabricação e o alto conceito do fabricante como pré-requisitos fundamentais; 10% apontaram a garantia de que ensaios clínicos de fase III sejam realizados em amostra de população brasileira; somente 9% indicaram como problema a falta de clareza no processo de aprovação de biossimilares pelo sistema regulatório brasileiro; 9% indicaram a importância da manutenção de um adequado sistema nacional de farmacovigilância específico aos biossimilares; 7% apontaram o problema da imunogenicidade, e 3% indicaram como principal problema o fato de um biossimilar ter nome igual ao de um biológico inovador (Figura 2).


Diante das questões relacionadas aos principais problemas após a comercialização de biossimilares, 24% dos entrevistados selecionaram como fundamentais a criação e a manutenção de um adequado sistema nacional de farmacovigilância específico aos biossimilares; 23% escolheram o problema da eficácia, e outros 23% escolheram o item que indicava o problema da falha terapêutica; 17% indicaram o problema da intercambialidade entre o biológico inovador e o biossimilar; e 12% escolheram o problema da imunogenicidade (Figura 3).


Com relação às vantagens proporcionadas pela entrada de biossimilares no mercado nacional, questão na qual mais de uma alternativa poderia ser apontada, em primeiro lugar foi identificada o menor preço, com 67% das respostas; 16% dos entrevistados apontaram como vantagem o fato de a comercialização ser aprovada com indicação inicial, o que inclui todas as doenças previamente aprovadas para uso do biofármaco inovador; 3% escolheram como vantagem o fato de o biossimilar ter uma via de administração diferente da do original; 1% escolheu o fato de o biossimilar ter dose terapêutica menor. Finalmente, 13% dos entrevistados, ao escolher o último item, acreditam não haver vantagens na comercialização de biossimilares (Figura 4).


Inicialmente, entendemos que a elaboração de questionários simples e facilmente aplicáveis, como o que foi proposto, pode contribuir para o mapeamento do estágio atual de conhecimento de reumatologistas e outros profissionais médicos sobre as principais questões envolvidas nos processos de aprovação de biossimilares para uso no tratamento de doenças autoimunes, além de incentivar outras produções sobre essa temática em outros países.

Um terço dos profissionais afirmou desconhecer o que são biossimilares, o que nos pareceu aceitável, pois embora já existam biossimilares no mercado brasileiro, especialmente insulinas e eritropoetinas, o assunto é relativamente novo para médicos reumatologistas.

A perda de patentes de biológicos usados para o tratamento de doenças reumáticas no Brasil terá início ainda este ano. O Sistema Único de Saúde (SUS) é o principal comprador dessas moléculas, e os protocolos de Diretrizes Clínicas e Terapêuticas do Ministério da Saúde incluem todos os agentes anti-TNF para o tratamento de portadores de artrite reumatoide, artrite psoriásica e espondilite anquilosante.

Boa parte dos entrevistados que afirmaram saber o que são biossimilares respondeu que a imunogenicidade de tais moléculas é perfeitamente conhecida por ocasião de sua aprovação, e, destes, somente um pequeno número elencou a questão da imunogenicidade como um dos principais problemas relacionados à sua aprovação. Além disso, a maioria apontou o baixo preço como inegável vantagem dos biossimilares. De fato, diversos autores afirmam que produtos biológicos similares possibilitam uma prescrição médica mais barata, o que pode, por sua vez, resultar em redução nos custos de saúde.2,3 Também argumentam que essas moléculas podem oferecer à população maior acesso a terapias inovadoras não convencionais, devido a seu baixo valor agregado e menor custo em relação aos biofármacos inovadores. Contudo, é preciso enfatizar que essa promessa pode cair por terra caso não haja total transparência de todos os atores envolvidos no processo de regulamentação e aprovação dessas terapias. Sabese que, tendo em vista a complexidade das biomoléculas e seu intrincado processo de fabricação, a estrutura de biossimilares não será idêntica à do biológico original, e, portanto, o perfil de eficácia e segurança desses produtos deve ser amplamente discutido entre os médicos prescritores. Além disso, os reumatologistas devem reconhecer que são imprescindíveis medidas de farmacovigilância que garantam equivalência na segurança dos biossimilares em relação ao original, a fim de proteger o paciente, objeto de seus cuidados.

Os processos envolvidos na fabricação de medicamentos biológicos deixam facilmente transparecer a complexidade na produção dessas proteínas-alvo a partir de células vivas, pois qualquer alteração na manufatura poderá acarretar, por exemplo, quantidades errôneas de ácido-base e aparecimento de variantes de glicosilação, causando mudanças conformacionais nas proteínas em questão, depreciando sua funcionalidade final.4 O início ocorre pela clonagem do DNA por meio de um vetor (plasmídeo, entre outros) e pela transferência desse DNA clonado para uma célula que posteriormente expressará a proteína desejada. Depois dessa etapa básica ocorrerão a produção, a purificação e a validação da proteína. Os anticorpos monoclonais e as proteínas de fusão são reconhecidos como biológicos de terceira geração; a primeira geração é representada pelos biológicos que eram cópias idênticas das proteínas produzidas pelo organismo humano, ou seja, proteínas de reposição (p. ex., insulina recombinante e fatores sanguíneos), e a segunda, por biológicos desenvolvidos como proteínas modificadas ou análogos (p. ex., zeta e alfa eritropoetinas).

Diferente dos medicamentos genéricos, os biossimilares não podem entrar na mesma classificação - duas linhas celulares independentes usadas em sua produção não podem ser consideradas idênticas.5 Há diversos exemplos demonstrando que pequenas alterações no processo de manufatura de biológicos podem levar a graves problemas para a saúde dos pacientes.6,7 Além disso, é notório que, apesar de estarem em franco desenvolvimento, os métodos analíticos atualmente empregados para verificação da similaridade entre moléculas de grande complexidade e peso molecular, como as dos anticorpos monoclonais e de certas proteínas de fusão, ainda são bastante limitados.4

Apenas 4% dos entrevistados que responderam saber o que são os biossimilares afirmaram também conhecer a RDC 135, a principal norma regulamentadora para aprovação e comercialização de produtos biológicos, em vigor desde 2005.8 A ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estabeleceu ainda, em 2010, uma consulta pública na qual todos os setores da sociedade civil organizada puderam manifestar-se sobre o tema. A revisão dessa resolução foi concluída, e a atualização (RDC55/10) foi publicada no final do mesmo ano. É importante que os médicos prescritores conheçam pelo menos os principais aspectos dessa resolução, que estabelece condições para o registro desses produtos biológicos e a forma pela qual sua comercialização será acompanhada no mercado nacional.

Poucos profissionais julgaram importante para a aprovação de um biossimilar que a nomenclatura seja distinta daquela empregada para os seus modelos (biológicos inovadores). Entretanto, esse tem sido motivo de acalorado debate na comunidade científica internacional, porque a nomenclatura internacional (INN - International Nonproprietary Name) é utilizada apropriadamente para moléculas pequenas e facilmente caracterizáveis, mas tem sua validade bastante limitada para uso em moléculas mais complexas. Além disso, diferenças bem-estabelecidas nessa nomenclatura poderão distinguir facilmente biossimilares de biológicos inovadores para efeitos na permuta de prescrições e para o acompanhamento de farmacovigilância.9-11

O fato de poucos profissionais terem citado como vantagem adicional dos biossimilares a via de administração e/ou dosagem diferentes demonstra claramente total desconhecimento sobre o tema. A maioria das medicações sintéticas é ingerida oralmente, enquanto quase todos os biológicos são injetados por via subcutânea ou endovenosa ou até mesmo inalados, já que, como proteínas, eles também são muito sensíveis à degradação enzimática no trato gastrintestinal.12 O conceito de um biossimilar inclui sua utilização com dosagens nas mesmas quantidades às do produto inovador nos testes de eficácia, bem como a administração pela mesma via de introdução no organismo.

É notório que os médicos só podem tomar decisões sobre prescrições de biossimilares se estiverem suficientemente informados a respeito das diferenças fundamentais entre essas moléculas-cópias e as moléculas originais e inovadoras. Toda e qualquer decisão não informada poderá afetar o tratamento de seus pacientes. Ao considerarmos biossimilares como novos medicamentos com estrutura diferente da dos biofármacos inovadores, nos parece óbvio que se possam esperar resultados terapêuticos e efeitos adversos diferentes.

De maneira geral, esta pesquisa demonstrou que há carência de informações sobre o tema e que discussões sistemáticas devem ser incentivadas no Brasil e em outros países, especialmente entre os reumatologistas, pois são prescritores de moléculas biológicas de terceira geração. Embora não tenham sido realizadas junto a especialistas de outras áreas em que também há prescrição de biológicos, acreditamos que essas discussões deveriam ser conduzidas, particularmente entre dermatologistas, oncologistas, neurologistas, nefrologistas, endocrinologistas e gastroenterologistas.

Valderilio Feijó Azevedo

Mestre em Reumatologia pela Universidade Federal do Paraná - UFPR

Doutorando em Ciências da Saúde pela - PUC-PR

Professor-Assistente de Reumatologia

Lúcio Ricardo Felippe

Acadêmico de Medicina da UFPR

Denise Magalhães Machado

Acadêmica de Medicina da UFPR

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Nov 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2011
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